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A judicialização da política pela ótica eleitoral com base nos processos de cassação de Prefeitos e Vice-Prefeitos no Rio Grande do Sul

A judicialização da política pela ótica eleitoral com base nos processos de cassação de Prefeitos e Vice-Prefeitos no Rio Grande do Sul

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Analisam-se os processos de cassação de mandato de prefeitos e vice-prefeitos no Rio Grande do Sul, referente às eleições municipais de 2008, buscando identificar se há ou não um padrão de atuação da Justiça Eleitoral no julgamento dos casos.

Resumo: Este trabalho analisa os processos de cassação de mandato de Prefeitos e Vice-Prefeitos no Rio Grande do Sul, referente às Eleições Municipais de 2008, buscando identificar se há ou não um padrão de atuação da Justiça Eleitoral no julgamento dos casos, com base na utilização de variáveis que poderiam influenciar o resultado final. A judicialização da política e seu impacto na dinâmica da competição político-eleitoral é o conceito utilizado para a construção do trabalho, de modo que parte-se do pressuposto de que ela se dá no momento da formulação das regras do jogo e não no resultado final da intervenção da Justiça Eleitoral. Com base nos dados referentes às eleições municipais de 2008 e na análise de tais variáveis, pretende-se fornecer elementos para novos estudos sobre o tema e apontar algumas pressuposições: 1) A judicialização da política no âmbito da competição política local, não ocorre no aumento do número de processos, nem mesmo no aumento da intervenção do Poder Judiciário na dinâmica da competição eleitoral, mas sim, no momento em que são elaboradas as leis que regulam os pleitos e períodos que sucedem e antecedem o mesmo; 2) Os mecanismos de combate à corrupção eleitoral estão sendo utilizados como mais um instrumento para contestar os resultados das eleições, fazendo com que grupos políticos possam ter mais uma oportunidade de chegar ao poder ou pelo menos, competir novamente caso todas as outras alternativas de competição tenham falhado; 3) as possibilidades de acesso à Justiça Eleitoral e a sua intervenção dos pleitos, têm alterado significativamente a dinâmica da competição política/eleitoral no nível municipal. 

Palavras-Chave: judicialização, competição política, eleições municipais.


Introdução

Em Zalamena (2012), traçamos um perfil dos processos de cassação no Rio Grande do Sul. Neste trabalho, pretendemos dar continuidade a discussão apresentada no estudo anterior, a partir da tentativa de relacionar variáveis que possivelmente teriam influência no desfecho do processo, com as sentenças finais do Tribunal Regional Eleitoral – TRE/RS.

No trabalho citado, construiu-se um esboço dos processos de cassação referentes às Eleições Municipais de 2008 e respondeu-se com base nos dados a questão de como o TRE-RS decide quando é provocado.  Porém, precisamos ir mais a fundo e perguntar: quais seriam os efeitos dessas decisões judiciais? Será que o fato do tribunal intervir incisivamente em apenas uma pequena parcela dos dados, torna esses efeitos nulos para a competição política local?

O trabalho parte da premissa de que ainda que a decisão não seja a penalidade máxima, a simples existência da possibilidade de realizar tal provocação judicial, e o precedente de alguns casos julgados positivamente, já surtem efeitos significativos e que precisam ser considerados, no âmbito da competição política local. São essas abordagens que procura desenvolver o próximo item, onde analisa-se o cruzamento entre as variáveis independentes com a variável dependente – o resultado do processo – na tentativa de identificar alguma relação de influência dos diversos fatores enumerados na decisão final do TRE-RS, com objetivo de melhorar esta análise inicial com base no perfil encontrado nos processos e nos municípios em questão.

A idéia não é olhar apenas para a decisão final dos magistrados em relação aos processos, mas também para uma série de fatores que pode ou não influenciar o comportamento dos tribunais no julgamento dos mesmos. Para isso, conforme já explicitado no item especificamente voltado à metodologia, realizou-se cruzamentos entre a variável dependente – o resultado do processo – e vários fatores que poderiam influenciar as decisões finais, elencados como variáveis independentes.

A título de organização do trabalho, este foi dividido em três segmentos: no primeiro, expomos uma revisão teórica breve sobre o tema da judicialização. Em seguida, evidenciamos os passos metodológicos construídos para chegar ao resultado da pesquisa. E em seguida, detalhamos os resultados da pesquisa, com o tratamento e considerações sobre os dados.

Nas considerações finais, tentamos expor resumidamente os achados deste trabalho, que não pretende construir verdades incontestáveis ou provar padrões generalizantes para esta temática, mas sim, incentivar e abrir caminhos para novas pesquisas referentes à judicialização da competição político-eleitoral.


1. Breve revisão teórica sobre o tema da judicialização

A judicialização da política é um tema que vem ganhando corpo e destaque no âmbito das ciências sociais, especialmente no que concerne as Ciências Jurídicas e a Ciência Política. O termo adentrou o meio acadêmico através do trabalho pioneiro de Tate e Vallinder (1995), e chegou ao Brasil sendo alvo tanto de defesas quanto de críticas, e simplificando ao máximo o seu significado, podemos dizer que se trata do Poder Judiciário intervindo ou sendo acionado cada vez mais, em conflitos antes solucionados apenas na arena política.

É realidade factual de que o Poder Judiciário ganhou uma dimensão gigantesca depois de alguns eventos históricos, especialmente a Revolução Francesa e a implantação do Estado Liberal, e a promulgação das primeiras constituições. Ou seja, a transformação do judiciário em um ator tão importante na vida política é um fenômeno inerente aos tempos democráticos, que jamais seria pensado ou colocado em  prática em regimes arbitrários onde a autoridade superava a força da lei.

Enfim, os princípios constitucionais garantindo direitos ao cidadão e respeito a estes, impede que hajam desmandos de quem detém o poder, em outras palavras, retrai a tirania da maioria, pois mesmo nos regimes democráticos existe o risco dos Poderes Executivo e Legislativo tornarem-se autoritários, abusando da legitimidade e do poder que lhes foi conferido pelo voto. Mesmo tendo sido eleitos pelo povo, não podem ficar totalmente sem controle (ARANTES, 2007).

O papel de controlar os demais poderes, dentro dos regimes democráticos, tem sido atribuído ao poder judiciário, que detendo tal função, ascendeu a condição de poder político e a partir daí, passou a expandir-se em escala crescente. A este processo, Tate e Vallinder (1995) deram a denominação de judicialização da política. Apesar do termo não ser usado consensualmente, até mesmo sendo questionada sua validade na medida que alguns estudos o consideraram inadequado para o caso brasileiro, na mesma medida ele é adotado e defendido por vários autores.

Como já salientado, vale lembrar que toda essa trajetória começa na tripartição dos poderes, engendrada por Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis, perpassa a formação das arquiteturas institucionais do Poder Judiciário e também da consolidação dos Estados Liberais. Portanto, um processo de crescimento que ganha dimensões maiores durante a história.

Montesquieu dividiu o poder em três tipos: o despótico, o monárquico e o republicano. No despótico, toda a obediência gira em torno do soberano e tudo é subordinado a ele. Nos outros dois, o que ele caracterizou como poderes moderados, a principal característica seria a moderação dos poderes, a combinação dos poderes, jamais acumulados nas mãos de um só individuo ou de um só grupo. Haveria então, um certo grau de controle entre os poderes separados, segundo a sua classificação, em Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. As combinações dos três poderes com funções específicas funcionaria como prevenção ao abuso de poder (CASTRO e COSTA, 2005).

A fórmula de Montesquieu agregou-se ao pensamento liberal no século XVIII, quando das movimentações da burguesia para derrubar o sistema feudal e conseqüentemente, o Estado Absolutista, e deu origem ao modelo de Estado Liberal e a consolidação do Poder Judiciário dentro dele (ARANTES, 2007).

Logicamente, o processo de constituição do Poder Judiciário vinha sendo edificado a séculos, desde quando os monarcas absolutistas organizaram a burocracia estatal, e centralizaram o sistema de justiça, anteriormente subdividido em jurisdições laicas e eclesiásticas – a justiça da aldeia, dos senhores, da Igreja, das corporações de artesãos, etc. A concentração da justiça faz com que todas estas sejam pouco a pouco incorporadas por apenas uma: a justiça do rei, e assim, todas elas são unificadas na justiça do Estado (BOURDIEU, 1989).

Mas somente com a Revolução Francesa de 1789, e um pouco antes, com a promulgação da Constituição da Filadélfia, em 1787, nos Estados Unidos, é que se dá a formação dos primeiros Estados Liberais e assim, os primeiros passos para a consolidação do Poder Judiciário tal qual como conhecemos hoje. Embora tanto franceses quanto norte-americanos tenham como elemento norteador a fórmula da separação dos poderes e a ideologia liberal, os dois Estados em questão deram origem a dois modelos de Judiciário diferentes (ARANTES, 2007).

Na França, o Poder Judiciário é adotado como função estatal, mas recebe apenas a função de prestação de justiça comum, ou seja, resolução de conflitos entre particulares. Já nos Estados Unidos, a função de justiça comum se agrega à condição de poder político, com a tarefa de controlar os demais poderes. Isso ocorre por que na França, o pensamento liberal e a fórmula de Montesquieu foram aplicados com a finalidade de derrubar o Absolutismo, de modo que, conferir legitimidade a um órgão não eleito pareceu deixar viva uma semente do autoritarismo de outrora, de modo que franceses optaram por dar total autonomia ao Poder Legislativo, para eles, legítimos representantes da vontade popular. Nos Estados Unidos, que já passava por uma década de regime democrático, a experiência comprovou que mesmo regimes totalmente populares, poderia deixar germinar resquícios de arbitrariedades, com base em casos de abusos de poder pelos próprios legisladores (ARANTES, 2007).

Assim, nos Estados Unidos, a idéia de que mesmo poderes representativos não poderiam ficar totalmente isentos de controle, gerou a opção de não dar autonomia ao Poder Legislativo, e conferiram ao Judiciário a capacidade de controlar os demais poderes com base nos princípios constitucionais. Assim, surge um modelo de Judiciário habilitado a exercer o controle da constitucionalidade das leis, que vai ser seguido pela maioria dos Estados Democráticos subseqüentes. O modelo norte-americano pode ser caracterizado como difuso, ou seja, todos os juízes de todas as instâncias tem o poder de realizar a revisão judicial das leis, porém, esse arcabouço não foi copiado literalmente pelos países ocidentais: combinações e adaptações foram feitas, para compensar o exagero do modelo norte-americano e evitar um governo de juízes.

A Áustria, por exemplo, aplicou o modelo concentrado, onde apenas a Corte Constitucional pode realizar o controle de constitucionalidade das leis, sendo que outros juízes e instâncias ficam encarregados da prestação de justiça comum. Outras combinações entre o extremo difuso (Estados Unidos) e concentrado (Áustria), deram origem ao modelo misto, ou como o singular modelo brasileiro, caracterizado como “híbrido” (ARANTES, 2007, p. 92).

O hibridismo do Sistema Judicial brasileiro quer dizer, basicamente, que existe um Supremo Tribunal Federal, que tem a função de realizar o controle de constitucionalidade das leis, mas outros juízes e instâncias podem afastar a sua aplicação em determinados casos específicos.

Dessa forma, pode-se dizer que a expansão do Poder Judiciário que ensejou a judicialização da política, teve início no século XIX, atingindo o cume no século XX, se estendendo até hoje. As causas dessa expansão têm sido divididas em macro e micro fatores: a) Macro-fatores: processos de transformação societária e global; b) Micro-fatores: as questões internas de cada país – institucionais, econômicas e sócio-políticas. Como macro-fatores normalmente apresentam-se: a queda da União Soviética; o colapso do Socialismo Real; afirmação dos Estados Unidos como potência mundial; a adoção do Welfare State na Europa; a influência da Ciência Política nos tribunais norte-americanos; a redemocratização de vários países asiáticos, africanos, e latino-americanos (TATE e VALLINDER, 1995).

Já no conjunto dos microfatores, elencam-se: o formato constitucional de cada país; o arranjo institucional do Poder Judiciário; presença da democracia; separação dos poderes; existência de direitos políticos formais; uso dos tribunais por grupos de interesse e pela oposição; inefetividade das instituições majoritárias. Quando analisamos, portanto, os macro e micro fatores em comparação ao caso brasileiro, veremos que há influência de ambos na formação e expansão do Judiciário Brasileiro (OLIVEIRA e CARVALHO, 2004).

Sendo assim, toda essa expansão de atuação do Poder Judiciário, passando a dirimir conflitos que antes eram resolvidos na arena política exclusivamente, enseja a discussão da judicialização da política no Brasil, conceituada em termos gerais por Tate e Vallinder (1995) como a judicialização é a reação do Judiciário frente a provocação de um terceiro e tem como finalidade revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição.

Para Tate e Vallinder (1995) apud Carvalho (2004), a judicialização ocorre em duas frentes: 1) From Without, ou seja, a atribuição de revisar as leis tomando como base à constituição, mediante a provocação de um terceiro; 2) From Within, basicamente, a utilização do aparato judicial na administração pública. Em outras palavras, conforme interpretação de Oliveira e Carvalho (2006), seria a difusão da arena decisória judicial (principio da revisão constitucional das leis a exemplo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Brasil) e/ou adoção de mecanismos judiciais em arenas de deliberação política (como por exemplo as Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs e os Tribunais de Contas da União).

Assim, havendo a influência dos macro e micro fatores na expansão do Judiciário no Brasil, e verificadas condições mínimas para a possível existência de uma judicialização da política em âmbito nacional, a maioria dos trabalhos encontrados sobre o tema tratam de resolver a seguinte questão: há ou não há uma judicialização da política no Brasil? A efetividade prática do fenômeno preocupa os pesquisadores, que destinam suas pesquisas a comprovar ou não essa existência, usando principalmente como gancho o controle de constitucionalidade das leis e como objeto de pesquisa predominante as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADINs (WERNECK VIANNA et al 1999).

A resposta, porém, é difícil e contraditória, pois depende do ponto de vista de quem está interpretando os dados. Por exemplo, quem analisa a judicialização da política levando em conta o aumento do número de processos ajuizados, que antes eram de competência política, chamando atenção pelo aumento da procura pelos tribunais por agentes políticos, partidos, grupos de interesse, etc., certamente sustentam que há, sem margem de dúvida, uma judicialização da política clara e evidente no Brasil. Porém, há os que analisam por outra ótica: não apenas o número de ações que chegam ao Judiciário, mas sim, pelo fato que apenas uma parcela diminuta dessas ações são julgadas em seu mérito pelos juízes. Estes, portanto, apontam para uma não judicialização da política (OLIVEIRA, 2005).

Na literatura, encontramos até mesmo tentativas de equilibrar o dilema: Oliveira (2005) transformou o processo de judicialização em um ciclo, ou seja, a primeira fase seria a politização da justiça, momento em que os processos são ajuizados; a segunda fase seria ao julgamento de pedido de liminar; e a terceira fase seria o julgamento do mérito das ações, e aí sim, somente, a judicialização da política propriamente dita. Para a autora, somente com as três fases presentes pode-se identificar o fenômeno em questão.

O fato é que tais trabalhos, tanto os que afirmam que há judicialização quanto os que dizem que não há, possuem uma dependência de análise focada no aumento dos processos ou no resultado deles, e isso tem limitado imensamente a discussão do tema no Brasil. Com abordagens diferentes, objetos de estudo distintos, os autores não conseguem em suas pesquisas, apontar um grau de generalidade suficiente para atestar a existência ou não do fenômeno da judicialização da política no Brasil.

Estudos estes, que embora não venham a negar enfaticamente a existência da judicialização da política no Brasil, sugerem que sua presença ainda é muito tímida e primitiva. O fato é que a maioria dos trabalhos está focado na questão do aumento da procura pelo Poder Judiciário, ou no resultado da sua intervenção proporcionalmente à demanda, prendendo-se também em demasiado nas ADINs. Já outros estudos que conseguem libertar-se deste objeto, como o de Arantes em sua pesquisa sobre o Ministério Público, Maciel acerca da aplicação dos direitos sociais a exemplo da Lei Maria da Penha, e os trabalhos de Marchetti (2008) e Marchetti e Cortez (2009) sobre a Justiça Eleitoral, conseguem sugerir outros enfoques diferentes de análise.

A partir deste breve esboço do que vem a ser a judicialização da política e quais as suas diferentes correntes dentre os estudos encontrados, cabe delimitar aqui qual a perspectiva utilizada para este trabalho, que pretende sugerir um outro enfoque para a produção teórica acerca do fenômeno. Nesse sentido, pela consonância com a temática deste artigo, elege-se a perspectiva apresentada por Marchetti e Cortez (2009), como mais adequada para tratar da judicialização da competição política eleitoral no âmbito municipal, a partir dos dados referentes às eleições municipais de 2008 no Rio Grande do Sul.

Para clarear a questão, partimos da premissa que há uma judicialização da política no Brasil, pois como entendem Marchetti e Cortez (2009), a judicialização da política é um processo que ocorre no momento da elaboração do próprio Direito, ou seja, na própria atitude dos legisladores e nas situações em que os tribunais tomam à frente e protagonizam a criação de normas – como no caso da lei de infidelidade partidária, coligações, redução ou aumento do número de vereadores, etc. Assim, estamos subentendendo a existência de uma judicialização da política, olhando este fenômeno a partir da lógica da Justiça Eleitoral.

Cabe ressaltar que os trabalhos dentro desta perspectiva são raros na literatura brasileira, e mesmo na literatura política norte-americana, onde essa discussão encontra-se consolidada a mais tempo. O estudo do papel do Judiciário dentro do Sistema Político Brasileiro e sua importância para o funcionamento adequado da democracia, é de fato, uma lacuna nas obras que versam sobre o tema.

Salienta-se que há um crescente na busca pelo Poder Judiciário para resolver contenciosos no contexto da competição política eleitoral, especialmente no que tange solicitações de registros de candidatura, pedidos de investigação judicial em torno de crimes eleitorais, como abuso de poder econômico, poder político, captação ilícita de sufrágio, etc. Porém, esse aumento expressivo da demanda que chega à Justiça Eleitoral para resolução destes conflitos, se deu logo após a mudança no marco legal das eleições, o que nos leva a crer que a judicialização da competição política tem sido possível por conta de um ambiente institucional e legal favorável, que abre espaço para que vários atores possam acessar a justiça nesse nível, e evidentemente, resultante do modelo de Governança Eleitoral adotado, que atribui todas as funções do processo de escolha de representantes a um órgão do Poder Judiciário.

Assim, nosso argumento coincide com o apresentado por Ferejohn (2002), de que a judicialização ocorre no momento da definição das regras do jogo que irão constranger os atores nas disputas políticas, e não necessariamente no resultado final de ações que ensejaram a intervenção do Poder Judiciário. Sendo assim, especificamente no que concerne a temática deste artigo, desconsideramos que a influência da Justiça se daria somente no resultado final do processo político, e sim, tomamos a concepção de que o momento da definição das regras do jogo que balizam a disputa – a legislação eleitoral – e o modelo de Governança Eleitoral adotado, é que ocasionam um ambiente favorável para a existência da judicialização.


2. Metodologia

Este item objetiva um melhor aproveitamento dos conhecimentos que a pesquisa empírica pode nos permitir e assim, descreveremos brevemente os passos metodológicos utilizados para colher e analisar os dados, que fornecem subsídios para a proposta deste trabalho. No que diz respeito ao território, optamos por coletar os dados no Rio Grande do Sul, compreendendo todos os municípios onde ocorreu um processo de cassação, julgado em mérito ou não.

Os dados para a construção deste trabalho foram coletados no período de 2010/2011 no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, a maioria deles disponibilizados em arquivos digitais ou em pesquisas na internet, especialmente o inteiro teor dos acórdãos disponibilizados pela Coordenadoria de Registros e Informações Processais – CORIP, tendo como fator delimitador o Pleito Municipal de 2008. O quadro a seguir expõe as variáveis, classificadas entre independente e dependentes, com suas respectivas categorias de análise:

QUADRO-RESUMO

VARIÁVEIS

 

VARIÁVEL

 

 

FONTE

 

CATEGORIAS

Dependente

Resultado dos Processos de Cassação

Acórdãos

1) Cassação do mandato com eleição suplementar; 2) Cassação do mandato com ascensão do segundo colocado; 3) Multa; 4) Absolvição; 5) Extinção ou arquivamento.

Independente

Decisão do TRE em relação à sentença da Zona Eleitoral

Acórdãos

1) Mantém sentença; 2) Mantém parcialmente sentença; 3) Modifica sentença; 4) Aguardando julgamento.

Ator que efetuou a denúncia

Acórdãos

1) Eleitor/ Cidadão Comum; 2) Candidato Adversário; 3) Partido Adversário; 4) Coligação Adversária; 5) Ministério Público Eleitoral; 6) Mais de um denunciante.

Motivo da Denúncia

Acórdãos

1) Condutas vedadas a agente público; 2) Propaganda Irregular; 3) Irregularidades na prestação de contas; 4) Irregularidades no registro de candidatura; 5) Captação ilícita de recursos (caixa 2); 6) Captação ilícita de sufrágio; 7) Abuso de poder econômico, político e/ou de autoridade;

8) Inadequação à Lei de Inelegibilidades; 9) Mais de uma categoria de denúncia.

Caráter predominante do conjunto probatório

Acórdãos

1) Documental; 2) Testemunhal; 3) Audiovisual (fotografias, filmagens, gravações); 4) Mais de um tipo de prova apresentada; 5) Não informado.

Campo Político do Ator Político Denunciante

Página do TRE/RS

1) Esquerda, 2) Direita, 3) Centro, 4) Isento e 5) Mesclado.

Campo Político do Ator Denunciado

Página do TRE/RS

1) Esquerda, 2) Direita, 3) Centro, 4) Isento e 5) Mesclado.

Polarização da Disputa

Página do TRE/RS

1) Polarizada; 2) Não polarizada;

Porte do Município

Censo/ IBGE (2010)

1) Pequeno Porte 1; 2) Pequeno Porte 2; 3) Médio Porte; 4) Grande Porte; 5) Metrópole

Número de partidos no município

Página do TSE – Órgãos Partidários

1) Menos de 5; 2) De 5 a 10; 3) De 11 a 15; 4) De 16 a 20; 5) Mais de 20.

Orçamento Municipal

Página da Secretaria do Tesouro Nacional

1) Menos de 5 milhões; 2) De 5 a 10 milhões; 3) De 11 a 20 milhões; 4) De 21 a 50 milhões; 5) De 51 a 100 milhões; 6) Mais de 100 milhões

IDHM

Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2000)

1) De 0.61 a 0.70; 2) De 0.71 a 0.80; 3) De 0.81 a 0.90; 4) De 0.91 a 1.00

Pib Per Capita

IBGE – Pib Per Capita 2005-2009

1) Até R$ 12.300,00; 2) De R$ 12.301,00 a R$ 17.900,00 ; 3) Mais de R4 17.900,00.

Fonte: A Autora;

Portanto, tendo apresentado a fonte dos dados, as hipóteses, as variáveis e as categorias, cabe ressaltar ainda que elas foram relacionadas a partir de cruzamentos simples e análise foi feita em torno dos resultados obtidos, viabilizando assim o item apresentado a seguir.


3. Análise do resultado dos processos mediante a possível influência de fatores

Este item dedica-se a apresentar os dados coletados e respectiva análise,  lembrando que temos como variável dependente o resultado do processo de cassação, que pode ser: a) cassação do mandato; b) multa; c) absolvição; d) arquivamento ou extinção; e) aguardando julgamento. A partir dos cruzamentos, buscamos aferir qual é a influência das variáveis dependentes no resultado final do processo. Assim, começamos pelo Quadro 01, que expõe a análise do resultado dos processos pelo perfil dos denunciantes.

Quadro 01 – Análise do Resultado dos Processos pelo Perfil dos Denunciantes

 

% Resultado do processo

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Aguardando Julgamento

Total

Perfil dos Denunciantes

Candidato

0

3.4

55.2

31

3,4

29

Partido

3,2

3.2

67,7

9,7

3.2

31

Coligação

0

3.6

78,3

12

2,4

83

MPE

3.4

6,9

58,6

10,3

6,9

29

Muitos

0

0

3.2

0

0

1

Total

2

5

102

19

5

143

Fonte: TRE-RS, dados coletados pela autora;

Como podemos visualizar, a relação do resultado do processo com o perfil político dos denunciantes, ou seja, daquele indivíduo ou grupo de indivíduos que entraram com a ação judicialmente contra o seu adversário, as cassações propriamente ditas ocorreram quando a denúncia foi orquestrada pelos Partidos Políticos envolvidos no Pleito, ou então, pelo Ministério Público Eleitoral. No entanto, diante dos dados quantitativos, não é prudente do ponto de vista cientifico, considerar que as cassações são mais prováveis nesses casos, havendo, no entanto, esse protagonismo maior do que tange os órgãos partidários e o MPE.

Já o quadro 02, procura apresentar a conexão entre o resultado final dos processos com o motivo da denúncia, ou seja, as alegações legais mais comuns:

Quadro 02 – Análise do Resultado dos Processos pelo Motivo da Denúncia

 

% Resultado dos processos

Cassação do mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento

Aguardando julgamento

Motivo da Denúncia

Condutas vedadas

0

80

22,5

21,1

0

Propaganda Irregular

0

20

3,9

10,5

0

Irregularidade na prestação de contas

8,3

0

2

5,3

0

Irregularidades no registro de candidatura

8,3

0

1

5,3

0

Captação ilícita de recursos

16,7

0

2,9

0

0

Captação ilícita de sufrágio

41,7

0

35,3

26,3

60

Abuso de poder

16,7

0

24,5

15,8

40

Inadequação à Lei das Inelegibilidades

8,3

0

2

5,3

0

Mais de uma categoria de denúncia

0

0

5,9

10,5

0

Fonte: TRE-RS, Dados coletados pela autora.

O motivo da denúncia é uma variável que engloba muitas categorias: condutas vedadas a agente público, propaganda irregular, irregularidade na prestação de contas, captação ilícita de recursos (caixa 2), captação ilícita de sufrágio (compra de votos), abuso de poder econômico, político ou de autoridade, inadequação à Lei das Inelegibilidades, e ainda, quando identificou-se várias motivações num mesmo processo, integrou-se a opção de “mais de uma categoria de denúncia”.

Percebe-se que as condutas vedadas a agente público e propaganda irregular não provocaram nenhuma cassação, porém figuram entre os principais motivos de multa. Na verdade, essa relação já era esperada, pois, na Lei 9.504/97, no capítulo “Da Propaganda Eleitoral em Geral”, cada possibilidade de propaganda irregular já especifica o valor respectivo da multa. Embora as possibilidades de enquadramento em propaganda irregular sejam várias, utilizaremos a do Art. 37, incluído pela Lei 11.300/2006, como exemplo mais freqüente, ou seja, a fixação de propaganda (placas, pichação, inscrição a tinta, estandartes, faixas e assemelhados) em bens públicos ou de uso comum (postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, pontes, etc.), especifica a restauração do bem e a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais). Este padrão encontra-se em praticamente todos os artigos da lei que tratam de propaganda irregular.

Observa-se que em muitos processos os adversários questionaram a divulgação de atividades da administração pública, e tentaram ligar essa divulgação ao apelo pelo voto. Porém, esse tipo de divulgação quando não refere em sentido explicito o pedido de voto a um candidato, partido ou coligação, não se inclui dentre as condutas vedadas previstas no Art. 73 da Lei 9.504/1997.

Da mesma forma, a Lei 9.504/97, no capítulo “Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais”, em seu Artigo 73, estabelece as condutas proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, estabelece em seu § 5º que “o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma”. Da mesma forma que a propaganda irregular, cada infração correspondente à conduta vedada é estabelecida também a possibilidade de multa, que ainda, é duplicada a cada reincidência.

As irregularidades na prestação de contas, que no caso dos processos analisados foi o motivo principal da cassação de mandato em 8,3% dos casos, não estão se referindo à prestação de contas que o candidato obrigatoriamente precisa realizar durante o período de eleições, e sim, à desaprovação de contas de agentes públicos enquanto ocupantes de cargos públicos em outros períodos. Essa categoria está ligada à Lei da Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/1992), ou seja, diz respeito a gestores que tiveram suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União.

A Inadequação à Lei das Inelegibilidades, protagonista também em 8,3% das cassações de mandato, é uma categoria que se refere aos dispositivos da Lei 64/90. Sabe-se que o marco legal das eleições no Brasil é bastante rígido quanto à entrada de candidatos no que Marchetti e Cortez (2008) chamam de mercado eleitoral. Um cidadão pode preencher todos os requisitos para a elegibilidade, porém, estar enquadrado em algum requisito de inelegibilidade, o que impossibilita o seu registro de candidatura. Em suma, é vedado a este cidadão participar do pleito como competidor. Nos casos em questão, teoricamente, esses candidatos conseguiram obter seu registro de candidatura e tiveram os mesmos questionados por adversários no mesmo pleito ou pelo Ministério Público Eleitoral.

Uma boa parte dos processos analisados referia como alegação legal o abuso de poder econômico, político e/ou de autoridade, que aparece no Quadro acima como motivação responsável por 16,7% das cassações de mandato. Inicialmente, pensou-se ser um problema analítico essa classificação extremamente ampla dada às motivações de denúncia nos processos em questão. Porém, mais do que um simples problema de análise, percebe-se que a classificação de denúncias com essa denominação revela a amplitude dos tipos de alegações legais que chegam ao TRE-RS, enquadrando-se em diversos dispositivos legais, e que por isso, merece ser considerada. No marco legal, tais práticas estão previstas no Art. 237 do Código Eleitoral, que dispõe que “a interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos”.

Em relação a isso, na própria Constituição Federal, 14, § 10, encontra-se estabelecido que qualquer eleitor ou ator político legitimado pode pedir abertura de uma investigação por abuso de poder político, econômico e/ ou de autoridade, dispositivo legal corroborado pelo Art. 262, IV do Código Eleitoral. Os dois estabelecem, respectivamente, as Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e Recurso contra Expedição de Diploma (Rced).

À primeira vista, esta variável pode parecer confusa por englobar os conceitos de poder político, econômico e de autoridade como coisas distintas, quando na prática, esses tipos de desvios acabam se entrelaçando, passando a ser muito difícil separar totalmente uma compreensão da outra. O abuso de poder econômico, corrupção ou fraude encontra-se disposto no texto constitucional, que não menciona o abuso de poder político. Porém, os tribunais passaram a admitir o enlace desses três conceitos entendendo que, se o abuso de poder político constituir em conduta que caracterize abuso de poder econômico ou corrupção, as vias de acesso à Justiça são as mesmas, supracitadas (Respe n. 28.040-BA, rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ de 1º.07.2008).

Já a prática de captação ilícita de recursos, prevista no Art. 30-A da Lei 9.504/97, em redação dada pela Lei nº 12.034/2009, conhecida popularmente como Caixa 2, foi uma das alegações legais que mais desencadeou intervenções positivas da Justiça Eleitoral, cassando os mandatos questionados em juízo em 16,7% dos casos. Segundo a legislação, “qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, a pedir a abertura de investigação judicial eleitoral para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas a arrecadação e gastos de recursos”.

Basicamente, trata-se de omissão, na prestação de contas, de despesas de campanha, caracterizando contabilidade paralela conhecida como “caixa dois”. A prática, consubstanciada basicamente na omissão de despesas eleitorais na prestação de contas de campanha, uma forma de receber doações de campanha ilegais e aplicar esses recursos de modo a não precisar declará-los, sem passar pela conta bancária oficial das eleições. Conforme o § 2º do Artigo supracitado, em redação dada pela Lei 11.300/2006, se “comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado”.

Conforme os dados, a captação ilícita de sufrágio foi a alegação legal que mais ocasionou a cassação de mandato, em 41,7% dos casos. Essa categoria de denúncia está baseada no Ar. 41-A da Lei 9.540/97, porém, incluído pela Lei 9.840/99, que dispõe:

“(...) constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990”.

Esse acréscimo de rigor da Justiça Eleitoral em relação à disseminada compra de votos pode ser explicado pela ampla mobilização da sociedade pela aprovação da legislação que inclui essa prática como crime eleitoral passível de cassação, movimento este organizado por importantes órgãos como a CNBB, OAB, Associação dos Magistrados Brasileiros, etc. A comoção pública, portanto, pode ser acrescentada como uma motivação a mais para julgar com maior rigor.

Percebe-se, no teor dos processos, que a Justiça Eleitoral tende a incidir com mais rigor sobre casos em que há contabilidade paralela à prestação de contas legal e em casos de captação ilícita de sufrágio, já que as duas categorias juntas somam mais da metade dos motivos das cassações. Evidentemente, em casos em que o conjunto probatório apresenta-se convincente e robusto. Desse modo, há possibilidade de indicar que a captação ilícita de recursos e de sufrágio constituem-se nas alegações legais que mais desembocam numa cassação de mandato, ou seja, que mais potencializam a chance de sucesso para o proponente.

Nessa linha, teria o perfil político-ideológico do denunciante alguma relação com o resultado final do processo? É este cruzamento que se observa no Quadro 03:

Quadro 03 – Análise do Resultado do Processo pelo Perfil Político-Ideológico do Denunciante

% Resultado do Processo

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Total

Perfil Político-Ideológico do Denunciante

Esquerda

5,7

1,9

81,1

11,3

53

Direita

6,3

6.3

75

12,5

32

Centro

0

0

77,8

22,2

9

Isento

17,2

6,9

65,5

10,3

29

Mesclado

11,1

5,6

61,1

22,2

18

Total

12

5

102

19

138

Fonte: TRE-RS, dados coletados pela autora;

Em relação ao perfil ideológico dos denunciantes, apresenta-se com maior incidência nos resultados favoráveis à cassação dos mandatos, o Ministério Público Eleitoral (17,2%), classificado como isento, por não representar nenhuma sigla partidária e por isso, não ostentar ideologias pré-definidas. A direita aparece logo em seguida (6,3%), com uma margem muito parecida com a esquerda (5,7%). Foram considerados também mesclados (11,1%), as coligações que possuem uma composição partidária bastante heterogênea incluindo partidos de esquerda e de direita. As multas, por sua vez, tiveram margem de incidência bastante semelhantes, sendo que ocorreram mais em processos cujas denúncias vieram do MPE. Da mesma forma, as absolvições também apresentaram percentuais parecidos, sendo que, ocorreram em maior número nos casos em que a denúncia foi feita pela esquerda (81,1%). Os arquivamentos e extinções, da mesma forma, apresentaram percentuais parecidos no que tange o campo ideológico de quem provocou a ação da justiça, ficando empatados os denunciantes de centro e as coligações mescladas, ambos com 22,2%.

De acordo com tais dados, não é possível aferir que o campo ideológico do denunciante tenha alguma influência sobre o resultado do processo de cassação, sendo aqui apresentados os dados como meramente ilustrativos. Por outro lado, perfil político-ideológico dos denunciados teria alguma influência no resultado dos processos? É essa a relação que o Quadro 04 trata de apresentar:

Quadro 04 – Análise do Resultado dos Processos pelo Perfil Político-Ideológico dos Denunciados

 

 

% Resultado do Processo

 

 

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Perfil Político-Ideológico do Denunciado

Mesclado

0

0

33,33

66,7

Centro

0

0

100

0

Direita

13.7

0

74,5

11,8

Esquerda

6,3

6,3

73,4

13,9

Total

12

5

102

19

Fonte: TRE-RS, dados coletados pela autora;

A partir do quadro acima, percebemos que prefeitos e vice-prefeitos que representam o Centro do campo político-ideológico, e que possuíam coligações bastante mescladas, não tiveram mandatos cassados. A esquerda representou 6,3% das cassações de mandato, mas a maior parte dos casos que finalizaram com a punição máxima foram prefeitos representantes da direita, com 13,7%. As multas ocorreram todas com relação a casos onde o denunciado pertencia à esquerda do espectro político (6,3%), e no que se refere às absolvições, há vários casos tanto na direita, na esquerda, como no centro. Já os arquivamentos de processo foram mais freqüentes quando o campo político do denunciado era o Centro. Assim como no quadro anterior, os números revelados não apontam para qualquer influência do campo político-ideológico do denunciado no resultado do processo de cassação. Deste modo, os tribunais, aparentemente, não são influenciados por questões relacionadas à divisão de campos ideológicos.

A decisão tomada na primeira instância - a Zona Eleitoral onde o processo teve origem - influencia de alguma forma a decisão final do TRE? É o que se busca compreender com o Quadro 05:

Quadro 05 – Análise do Resultado dos Processos pela Reação do TRE-RS à Decisão da Primeira Instância

 

% Resultado do Processo

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Total

Reação do TRE-RS em relação à Decisão da Primeira Instância

Mantém Sentença

6,5

1,9

79,6

12

108

Mantém parcialmente a sentença

28,6

42,9

0

28,6

7

Modifica sentença

13,6

0

72,7

13,6

22

Aguardando Julgamento

0

0

0

100

1

Total

12

5

102

19

138

Fonte: TRE-RS, dados coletados pela autora;

Percebe-se que aconteceram mais cassações de mandato (28,6%) em situações em que o TRE manteve parcialmente a decisão da primeira instância. Em 13,6% dos casos de cassação de mandato, a sentença foi modificada pelo TRE e em outros 6,5% foi mantida a sentença da Zona Eleitoral de origem do processo. As multas ocorreram em esmagadora maioria em casos que o Tribunal manteve parcialmente a sentença (42,9%), ou seja, reformulou-a. De acordo com os processos, a maioria dos casos que resultaram em multa foram reformados, pois a sentença da primeira instância condenava à perda de mandato e novas eleições, mas com base em argumentos e conjuntos probatórios frágeis.

Já as absolvições tiveram percentuais muito parecidos entre a manutenção das sentenças tal qual como vieram da primeira instância (79,6%) e a reformulação total das mesmas (72,7%).  O arquivamento de processos também se deu em casos onde a Justiça reformulou parcialmente a decisão da primeira instância (28,6%).

A relação causal entre os resultados dos processos de cassação e a variável de reação do TRE em contrapartida a sentença da Zona Eleitoral, não pode ser comprovada com base nesses casos. Porém, um dado interessante salta aos olhos: as cassações ocorrem em maior número nos casos em que o TRE concorda com a primeira instância, ainda que parcialmente. As reformas das sentenças, geralmente dão conta de erros de interpretação da jurisprudência cometidos pelos juízes eleitorais da primeira instância, como por exemplo, decretar novas eleições em municípios onde o candidato eleito atingiu mais de 50% dos votos válidos (caso em que assume o segundo colocado), ou ainda, dar posse ao segundo colocado no pleito em municípios onde o ganhador não alcançou mais de 50% dos votos válidos (caso em que decreta-se novas eleições). Em ambos os casos, muda-se a providência tomada em relação ao fato, mas não modifica-se o fato do prefeito e vice eleitos perderem seus mandatos eletivos.

O porte do município tem alguma influencia no resultado final do processo? O Quadro 06 nos apresenta o seguinte panorama:

Quadro 06 – Análise do Resultado dos Processos pelo Porte do Município

 

% Resultado do Processo

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Aguardando Julgamento

Total

Porte do Município

Pequeno Porte 1

11,2

3,1

71,4

14,3

98

Pequeno Porte 2

3,7

3,7

81,5

11,1

27

Médio Porte

0

11,1

77,8

11,1

9

Grande Porte

0

0

66,7

33,33

3

Metrópole

0

0

100

0

1

Total

12

5

102

19

138

Fonte: IBGE (2000), dados coletados pela autora;

Não podemos afirmar com precisão até que ponto o porte do município traz influências no resultado final de um processo de cassação. Os dados acima mostram que não ocorreram cassações em municípios de médio e grande porte, tampouco em metrópoles. Porém, é preciso observar que a grande maioria dos processos partiu de municípios de pequeno porte, e portanto, essa é uma relação proporcional, que pode ser constatada no que tange os percentuais de absolvição encontrados nos municípios de pequeno porte - 71,4% - e nos de médio e grande porte - 77,8% e 66,7%, respectivamente. Ou seja, os percentuais de absolvição entre eles é muito próximo. Assim, para poder dizer que há relação com o porte do município, na medida em que as cassações se concentram nos municípios menores, seria necessário que não ocorressem absolvições nos mesmos, o que não é o caso.

Dessa forma, é possível dizer que a Justiça Eleitoral, nesses casos, decidiu pela cassação em municípios de pequeno porte, mas não quer dizer que ela só interfira desse modo nesses casos.

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal representa alguma relação de influência no que tange o resultado do processo? A esse respeito, o Quadro 07 traz os seguintes dados:

Quadro 07 – Análise do Resultado dos processos pelas Faixas de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

 

% Resultado do processo

 

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Total

Faixas de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

De 0,600 a 0,700

100

0

0

0

1

De 0,701 a 0,800

6,6

2,2

75,8

15,4

91

De 0,801 a 0,900

10,9

6,5

71,7

13,8

46

Total

12

5

102

19

138

Fonte: TRE-RS; PNUD (2000), dados coletados pela autora;

Quando se trata do IDHM, o quadro mostra que os dados possuem alguma relação, ainda que tímida, com o resultado do processo. Os dados acima demonstram que aconteceram mais cassações e multas em municípios mais desenvolvidos (10.9% das cassações e 6,5% das multas). Dessa informação, poderia interpretar-se que em municípios mais desenvolvidos, as noções de política da população são maiores e conseqüentemente, a sua participação também. Nesse sentido, poderia haver maior cobrança pela atuação da Justiça Eleitoral em casos polêmicos naquelas determinadas conjunturas, o que impulsionaria uma maior segurança desta em intervir com maior rigidez. Porém, essas são todas as conjecturas que precisariam ser comprovadas pela inserção de uma variável de participação e/ou de cultura política que, no momento, não se tem disponibilidade nesses contextos em particular.

A existência de poucos ou de muitos partidos no cenário municipal pode ter algum impacto no resultado do processo? O Quadro 08, procura identificar se existe tal influência:

Quadro 08 – Análise do Resultado dos Processos pelo número de partidos presente no município

 

 

Resultado do Processo

 

 

 

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Total

Número de partidos presentes no município

Até 4

11,1

5,6

72,2

11,1

18

De 5 a 10

11,4

2,5

72,2

13,9

79

De 11 a 15

3,2

3,2

83,9

9,7

31

De 16 a 20

0

12,5

50

37,5

8

Mais de 20

0

0

100

0

2

Total

12

5

102

19

138

Fonte: TRE-RS; TSE; dados coletados pela autora;

Conforme observa-se no Quadro 22, as cassações de mandato e as multas, ou seja, casos de processos em que alguma punição foi aplicada, ocorreram em municípios com menor número de partidos políticos vigentes. Os municípios com até 4 partidos foram palco de 11,1% das cassações, os que possuem de 05 a 10 partidos foram alvo de 11,4% e aqueles que possuem de 11 a 15 partidos registrados, em menor escala, somaram 3.2% das cassações. Municípios que apresentam de 16 a 20 partidos atuantes no cenário político, foram alvo apenas de 12.5% das multas, e por outro lado, constituíram-se em 50% das absolvições e de 37,5% dos arquivamentos. Já o PIB per Capita e o Orçamento Municipal participaram do levantamento de variáveis independentes quanto ao resultado do processo, porém suas relações não apresentaram valores significativos a ponto de merecerem atenção nesse espaço do trabalho.

Teria, então, o caráter predominante da prova, influência no resultado final do processo? A seguir, no Quadro 09, testa-se essa possibilidade:

Quadro 09 – Análise do Resultado dos processos pelo Tipo de Prova Apresentada

 

Tipo de Prova

Documental

Testemunhal

Audiovisual

Mais de um tipo de prova

Não informado

Total

% Resultado do processo

Cassação do Mandato

14,3

2,8

8,5

0

0

12

Multa

10.2

1,4

2,1

0

0

5

Absolvição

63.3

80,6

76.6

66.7

0

102

Arquivamento ou Extinção

12,2

15,3

12,8

33,3

100

19

Total

49

72

47

3

1

138

Fonte: TRE-RS, dados coletados pela autora;

Com base nos dados acima apresentados, não é possível afirmar que exista um tipo de prova capaz de ser mais eficiente para produzir uma cassação de mandato. Porém, os casos são sugestivos, no que tange à prova apresentada pelo requerente. Os processos que tiveram em seus autos a incidência de provas exclusivamente testemunhais, obtiveram sucesso – a cassação do mandato questionado – em apenas 2,8% dos casos, em contrapartida, geraram 80,6% das absolvições e 15,3% dos arquivamentos. Isso é indicativo de que conjuntos probatórios baseados predominantemente em testemunhos orais, são considerados frágeis e inconsistentes, pois podem partir de indivíduos não idôneos, que por ventura possam ter mantido estreitas relações com os atores políticos derrotados. Dessa forma, a prova testemunhal é menos potente para demonstrar, em qualquer das alegações legais, a prática da conduta imputada ao requerido.

Sendo assim, quando a prova oral judicializada vem formada por declarações de pessoas comprometidas com agremiações partidárias adversárias e sem qualquer prova material (documental ou audivisual) consistente filiada a esses testemunhos, o colegiado não tende a formar convencimento e certeza quanto à prática ilícita em questão, na maioria dos casos, a compra de votos. Um parco acervo probatório acaba por indicar que a vontade popular obtida no resultado das urnas deve prevalecer.

Já os conjuntos probatórios formados por provas documentais foram responsáveis por 14,3% das cassações de mandato e 10,2% das multas. Na mesma lógica que a análise das provas testemunhais, pode-se dizer que o acervo predominantemente documental é menos suscetível a distorções, e conduzem a uma conclusão mais segura da prática ilícita. Sendo assim, há maior chance do processo prosperar no objetivo do requerente quando tal acusação é confrontada por um conjunto de provas seguro e robusto.

Seria de se esperar que as provas audiovisuais – fotografias, gravações, filmagens – por reproduzirem com fidelidade o momento da tentativa ou da prática ilícita, fossem responsáveis por um número maior de cassações de mandato. Porém, embora muitos requerentes tenham usado desse artifício, na maioria dos casos a Justiça Eleitoral considera a nulidade da prova, ou seja, gravações e filmagens feitas de forma arbitrária e unilateral, sem autorização judicial, ofendendo assim os princípios da Constituição Federal. Desse modo, os processos que tiveram predominantemente provas audiovisuais, desencadearam apenas 8,5% das cassações de mandato e 2,1% das multas.

Embora essa análise não ofereça pistas de quais os tipos de prova influenciam mais no resultado do processo de cassação, examinar esses dados é importante no sentido de demonstrar que uma intervenção mais incisiva da Justiça Eleitoral requer provas robustas e livres de dúvidas da ocorrência dos atos abusivos por parte dos acusados, afinal, a finalidade da prova é convencer o juiz acerca de quem merece o provimento judicial favorável, através de uma decisão tida como justa. Sendo assim, para que a chance do processo prosperar seja maior, ensejando a intervenção da Justiça Eleitoral no resultado do pleito, é necessário que o acervo de provas demonstre de forma segura, concreta e idônea a ocorrência do fato, demonstrando, nas entrelinhas, que o órgão responsável prefere agir com muita cautela em todos os casos analisados.

E quando as disputas são ou não polarizadas, podemos esperar uma padronização das decisões conforme esta característica? Dessa indagação trata o Quadro 10:

Quadro 10 – Análise do Resultado dos Processos pela Polarização das Eleições Municipais

 

                                               % Resultado do Processo               

 

Cassação do Mandato

Multa

Absolvição

Arquivamento ou Extinção

Total

Polarização das eleições

Sim

75

60

53,9

52,6

77

Não

25

40

46,1

47,4

61

Total

12

5

102

19

138

Fonte: TRE-RS, dados coletados pela autora;

A variável que corresponde à polarização nas eleições municipais foi inserida a partir da suposição de que seria importante para o conjunto do trabalho, do ponto de vista empírico, no sentido de exercer algum tipo de influência no resultado do processo de cassação. Inicialmente, esbarrou-se na questão de como categorizar se uma disputa é ou não é polarizada, a partir de critérios práticos e não ideológicos. Para isso, optou-se por analisar os resultados das eleições, a partir do percentual e diferença dos votos entre os candidatos competidores naquele pleito.

Desse modo, a partir dos resultados eleitorais das Eleições Municipais de 2008, a análise entre as eleições polarizadas e não polarizadas foi feita com base numa definição empírica, baseada na votação dos partidos, que se configura na manifestação mais clara da preferência dos eleitores. Assim, pode ser considerada polarizada uma disputa eleitoral onde dois partidos obtêm juntos pelo menos 85% dos votos e a diferença entre eles não for maior que 20 pontos percentuais. Este critério foi elaborado para fins de sistematização dos dados deste trabalho, e foi construído a partir dos resultados eleitorais referentes ao Pleito de 2008, a partir de uma tentativa de padronização de resultados semelhantes.

Percebe-se que 75% das cassações ocorreram em municípios cujas eleições, segundo este critério, foram consideradas polarizadas, e apenas 25% em municípios com eleições não polarizadas. Não é possível, no entanto, dizer que isso é um padrão, pois a polarização ocorre mais em municípios de pequeno porte, e no cenário empírico estudado, as cassações atingiram mais municípios pequenos. Os outros valores mantiveram-se parecidos em relação à multa, absolvição ou arquivamento, de modo que não se constata influência dessa variável no resultado dos processos.

Chegando ao final da análise dos dados empíricos, podemos concluir que não há influencia dessas variáveis dependentes apresentadas no resultado final do processo, ou seja, nossa variável independente. Existem algumas inclinações, porém, o universo de pesquisa, os dados numéricos e os cruzamentos, não apontam para a possibilidade de elaborar um padrão aceitável de generalidade, em relação a qualquer das possibilidades de influência, exceto no caso das provas, que evidentemente constituem no principal arcabouço do processo.

O fato que podemos destacar é que a chance de um processo judicial, envolvendo a competição eleitoral prosperar na Justiça Eleitoral é muito alta. Prosperar, não no sentido de alcançar a penalidade máxima, mas sim, de ir galgando instâncias, saindo da Zona Eleitoral, perpassando o Tribunal Regional Eleitoral e chegando ao último grau recursal no Tribunal Superior Eleitoral. Mesmo com a baixa intervenção em termos de efetiva cassação, há uma possibilidade de resultado positivo para aquele que inicia o processo. As expectativas elevadas de sucesso, alimentadas pelos atores políticos, de combater um oponente político na arena judicial,  explicam por quais razões estes recorrem com tanta freqüência à Justiça Eleitoral. Em outras palavras, embora a chance de um processo envolvendo um pleito eleitoral prosperar em seu mérito seja relativamente pequena, os atores políticos tendem a considerar simplesmente a existência dessa chance. A simples possibilidade real de alterar o resultado desfavorável já é, por si só, um incentivo bastante atraente para que os atores políticos ingressem nos tribunais contra seus adversários.

É a existência real dessa chance, ainda que proporcionalmente tímida em relação ao número de processos resultantes em absolvição e arquivamento, que provoca a alteração na dinâmica da competição local, e não a margem de resultados positivos dos processos já julgados. Portanto, a judicialização da política se dá no momento da criação da regra, que vai possibilitar a uma gama vasta de atores políticos o acesso à Justiça Eleitoral na resolução de conflitos provenientes dos pleitos. A mera possibilidade de desestabilizar a candidatura do oponente já significa um atrativo para o ingresso dos tribunais. Porém, o acontecimento de um caso concreto que seja, que abra o precedente de chance real de cassação, operacionaliza uma mudança no comportamento político local.


Considerações Finais

Neste trabalho, considerando os dados no que tange os resultados dos processos, percebe-se que o TRE teve intervenções positivas em uma minoria dos casos analisados, efetivamente, cassando mandatos e instituindo novas eleições, ou determinando a ascensão do segundo colocado. Então, a primeira interpretação poderia ser que não há uma judicialização da política porque o comportamento do TRE-RS é moderado e intervém efetivamente na minoria dos casos, aplicando apenas multas leves, arquivando ou absolvendo os requeridos na maioria dos processos.

Porém, como não centramos nossa análise no resultado final do processo, pode-se dizer que o fato de, dos 489 municípios do Rio Grande do Sul, 34%, terem seus pleitos revisados pelo Tribunal Regional Eleitoral em uma eleição, sugere que a abertura desse espaço dento da Justiça Eleitoral para alterar resultados, tem modificado sensivelmente a dinâmica da competição política local. Acrescenta-se ainda o fato de não terem sido analisados processos que envolvem os candidatos e/ou eleitos para o Poder Legislativo, e somente aqueles que chegaram ao conhecimento do TRE, excluindo aqueles que foram extintos já em sua origem, ou seja, a Zona Eleitoral, o que certamente englobaria praticamente todos os municípios do Rio Grande do Sul.

Houve a tentativa, junto ao órgão especializado do TRE, de obter os mesmos dados em relação aos processos referentes às Eleições Municipais de 2000 e 2004, porém, na época essas informações ainda não eram sistematizadas, de modo que não seria possível obter dados sobre todas as variáveis, impossibilitando uma análise uniforme dos casos. Por esse motivo, não foi possível realizar uma análise dos dados ao longo do tempo, desde a promulgação da Lei das Eleições (Lei 9.504/97).

Os dados que puderam ser sistematizados foi o número de municípios onde teve processo de cassação e o resultado do processo. Nas eleições municipais de 2000, foram apenas 19 (dezenove) municípios onde os pleitos, em relação a cargos majoritários, sofreram algum tipo de revisão pelo tribunal, destes, apenas resultaram condenações leves (multas) e nenhuma cassação de mandato, sendo que não ocorreram Eleições Suplementares. A Eleição Suplementar ocorrida no município de Novo Hamburgo [Vide acórdãos do TSE nº 24.861 e 24.863], foi a primeira a ser realizada já com o entendimento jurisprudencial provocado pela edição da Lei 9.504/97. Anteriormente, já havia a previsão de Eleições Suplementares, mas, no entanto, por haver divergências quanto a questão da anulação ou não dos votos, a medida adotada era diversa. Dessa forma, o TRE-RS não dispõe de registros de Eleições Suplementares no período anterior a 2004.

Já nas eleições municipais de 2004, houve um aumento significativo da procura pela Justiça Eleitoral para resolução de contenciosos eleitorais: foram 146 municípios – infelizmente o TRE-RS não disponibilizou as estatísticas dos resultados em relação a multa, absolvição e arquivamento para que fosse possível mensurar quais resultaram em algum tipo de condenação/punição, mas, neste pleito, ocorreram 7 (sete) eleições suplementares, a saber, nos municípios de Novo Hamburgo, Triunfo, Sentinela do Sul, Ajuricaba, Tucunduva, Campo Novo e Pouso Novo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que nas eleições municipais de 2000, apenas três anos depois da promulgação da Lei das Eleições (9.504/97) e um ano depois da Lei que inseriu a captação ilícita de sufrágio (Lei 9.840/99), a informação sobre os dispositivos legais, dada a alteração recente do marco legal, ainda não era tão democratizada, e os atores políticos ainda não consideravam esta como uma estratégia de competição política. Já na eleição de 2004, os processos aumentaram potencialmente em relação à eleição anterior, o que comprova que a utilização desse instrumento pelos competidores começa a ser mais comum, devido a própria democratização da informação e do acesso à Justiça Eleitoral. Nessas eleições de 2004, alguns casos obtiveram resultados positivos para os adversários políticos dos competidores eleitos, cassando respectivos mandatos e diplomas, ganhando uma repercussão pública maior com a determinação de várias eleições suplementares. A partir disso, supõe-se que esses dispositivos passaram a chamar atenção dos atores políticos, como uma forma de interferir no resultado eleitoral por meio de outra via que não fossem as usuais de competição pelo voto.

Os atores políticos se voltam então para essa possibilidade, e, portanto, o salto no número de processos e de municípios que foram palco dessas solicitações de revisão judicial dos resultados eleitorais, é uma conseqüência disso. Os competidores se deram conta que usando esses dispositivos, poderiam desestabilizar os candidatos adversários, ou, ainda melhor, conseguir alterar resultados eleitorais negativos.

Sendo assim, essa é uma possível explicação para a crescente procura pela Justiça Eleitoral em relação a ações provenientes dos pleitos municipais, tendência essa que deverá ser comprovada nas próximas eleições, considerando ainda que foram inseridos novos dispositivos pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), que altera a Lei das Inelegibilidades e terá seus primeiros impactos nas eleições municipais de 2012. 

A possibilidade de abrir um processo contra o adversário é vista e elencada pelos competidores como uma das estratégias para vencer o pleito. Na pior das hipóteses, esse processo desestabiliza a candidatura do oponente tornando-o um competidor mais frágil, desvia sua atenção para o processo e sua defesa tirando o foco da competição, e na melhor das hipóteses, pode tirá-lo do jogo, ou mesmo alterar um resultado desfavorável de um pleito conseguindo a cassação do vencedor.

Essa hipótese máxima pode significar tanto a ascensão do segundo colocado, na maior parte dos casos o próprio proponente da ação – no caso de uma situação em que o vencedor não tenha atingido 50% dos votos validos, ou ter uma nova oportunidade de disputa – no caso de determinação de uma Eleição Suplementar. De qualquer modo, essa possibilidade se apresenta como um atrativo aos competidores, na medida em que utilizá-la pode ter boas perspectivas de sucesso no jogo político. Isso só é possível porque o próprio marco legal que rege as ações da Justiça Eleitoral permite o acesso desses atores políticos em situações várias.

Pode ocasionar uma sobrecarga na Justiça Eleitoral, pois como a gama de situações que podem levar a um processo é ampla, e os atores políticos legitimados a propor tais ações também abrange um conjunto muito grande, há uma infinidade de motivos que podem se tornar um processo e merecer o devido tratamento jurídico, ainda que sejam frágeis seus fundamentos ou seu conjunto probatório.

Naturalmente, processos sem fundamento legal, são analisados e extintos em sua origem, ou seja, a própria Zona Eleitoral, não chegando à análise do TRE, a segunda instância. Mas isso não significa que recursos vários não tenham sido empreendidos nesses processos, visto que a Zona Eleitoral também é uma das partes que compõem o Organismo Eleitoral brasileiro.

Isso demonstra que, em nível de competição política local, está brotando uma semente de não aceitação dos resultados eleitorais, e assim, as tentativas por vezes frágeis, não embasadas em denúncias e provas contundentes, de anular o pleito e/ou modificar seu resultado, estão cada vez mais freqüentes.

A dinâmica da competição altera-se significativamente no que tange as armas. Atores políticos não somente dedicam-se à propaganda, as práticas usuais de campanha na busca pelo voto, como também dedicam-se a monitorar possíveis erros dos adversários preferencialmente documentados com provas, passíveis de utilização no caso de um processo. Dedicam-se, assim, a vasculhar as falhas de campanha do adversário e em buscar assiduamente testemunhas, fotos, documentos, recibos, vales, fotografias, filmagens, gravações, que possam incriminar o adversário. Tudo isso dá origem a um arsenal de provas, algumas úteis, outras nem tanto. A dinâmica se altera por que o pleito começa a ter duas frentes, do ponto de vista dos competidores: a conquista do voto dos eleitores e o monitoramento da conduta do adversário.

Evidentemente, o trabalho ora apresentado não pretende expor verdades absolutas a respeito da dinâmica da competição política eleitoral e a intervenção do Poder Judiciário nas questões de alçada política. Contribui com a discussão da judicialização da política a partir de uma ótica diferenciada, a ótica da Justiça Eleitoral, enfatizando a influência do Poder Judiciário na dinâmica da competição política, a partir de suas intervenções ou meras ameaças iminentes de intervir. Com isso espera-se que novas agendas de pesquisa sejam protagonizadas a respeito, com dados de outros estados do Brasil, compreendendo outras variáveis que não foram contempladas aqui, como a própria atuação dos advogados nessa relação entre Justiça Eleitoral e conflitos políticos gerados nas eleições municipais.


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Informações sobre o texto

Este artigo é um recorte da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, intitulada "JUDICIALIZAÇÃO, COMPETIÇÃO POLÍTICA LOCAL E ELEIÇÕES MUNICIPAIS NO RIO GRANDE DO SUL".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZALAMENA, Juliana Costa Meinerz. A judicialização da política pela ótica eleitoral com base nos processos de cassação de Prefeitos e Vice-Prefeitos no Rio Grande do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4479, 6 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38142. Acesso em: 19 abr. 2024.