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Escravidão pós Lei Áurea: a luta pela erradicação

Escravidão pós Lei Áurea: a luta pela erradicação

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Embora abolida legalmente em 13 de maio de 1888, a escravidão ainda persiste no Brasil. Não mais existe tráfico negreiro ou trabalho forçado de indígenas, mas o mal se esconde sob nova roupagem.

1– Evolução da Escravidão no Brasil

O Brasil foi colônia de Portugal desde o seu descobrimento, que deu-se em 22 de Abril de 1500, até a proclamação de sua independência, em 15 de Novembro de 1889. Durante este período, o uso de mão de obra escrava foi a maneira encontrada pelos portugueses para controlar as atividades relacionadas à agricultura, mineração. Desta forma, os escravos eram essenciais para a economia dos colonizadores.

Entre os anos de 1500 a 1530, os portugueses passaram a explorar o pau-brasil com a ajuda dos índios, que o faziam em troca de outras mercadorias, tais como espelho, pano e panelas. Com o passar dos anos os indígenas já não mais colaboravam, e, por não disporem de mão de obra, os colonizadores passaram a escravizá-los, impondo-lhes a sua cultura e sua religião.

Conforme ensina Luciana Aparecida Lotto([1]), dentre as várias formas de escravizar os índios as principais formas utilizadas eram: a legitima defesa contra tribos antropofágicas (se alimentavam de carne humana) e a escravização de forma voluntária, resultado da desestruturação de suas tribos, que fazia com que o índio se visse obrigado a vender ou entregar a família em troca de abrigo e comida.

Imperava entre os índios a cooperação mútua, inexistindo hierarquia entre eles. Ocorre que Portugal tentou impor a sua hierarquia, mas os índios não aceitavam serem escravizados dentro de sua própria terra, fato que provocou batalhas contra esta tentativa de dominação, terminando com a morte ou fuga de muitos deles.

Aqueles que aceitavam a situação que lhes era imposta, eram demasiadamente explorados pelos senhores. Muitos morriam em decorrência de maus tratos sofridos, assim como de doenças trazidas pelos portugueses tais como doenças venéreas e a varíola, além de outras que posteriormente os escravos africanos trouxeram.

Tendo em vista a resistência e a morte de muitos indígenas, Portugal optou por “importar” escravos do continente africano. O tráfico negreiro teve inicio no Brasil em 1559.

Os escravos africanos eram “importados” de países como Angola e Guiné. Eram negociados em troca de fumo, armas e aguardente, sendo pra cá transportados em embarcações denominadas navios negreiros. A entrega era feita em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife São Luís, e a venda dava-se em praça pública, sendo que o preço aumentava de acordo com as condições físicas do escravo.

1.1.– Os maus tratos aos escravos

O escravo possuía o status de “coisa”, sendo um bem de propriedade do seu senhor, não tendo qualquer direito humano, social, civil ou político. O senhor era responsável pela alimentação e vestuário do escravo, lhe fornecendo somente aquilo que lhe era necessário à sobrevivência.

Eram a todo tempo vigiados pelos chamados capitães-do-mato, que por sua vez eram os responsáveis pela captura e aplicação de castigos àqueles que tentavam fugir. Tais castigos consistiam em açoitamentos, prendê-los no tronco ou até mesmo a peia, o que acarretava a diminuição da expectativa de vida dos escravos.

Luiz Guilherme Belisário([2]) cita o “escravo de aluguel”:

“No meio urbano, os escravos desempenhavam as mais variadas funções, sendo as mais comuns as vendedor ou de prestadores de serviços (escravos de aluguel. Tais cativos eram conhecidos como escravos de ganho. Como exemplo do emprego de escravos de aluguel, podemos mencionar aqueles que arregavam água para as residências e aqueles que retiravam dejetos destas, estes conhecidos como tigres.”

Houve várias tentativas de resistência à escravidão por parte dos índios e dos negros através da criação de muitos quilombos, que era um local de refúgio dos escravos no Brasil, em sua maioria afrodescendentes (negros e mestiços), havendo minorias indígenas e brancas, sendo o mais famoso o Quilombo dos Palmares. Estes quilombos eram uma espécie de sociedade paralela, e eram formados por escravos que fugitivos. Os escravos se suicidavam, assassinavam os capitães do mato e senhores, ou se rebelavam, sendo estas as outras formas de resistência à escravidão.

Conclui-se, portanto, que a escravidão, no período em Brasil-Colônia, foi a maneira encontrada pelos portugueses para reduzir os custos com mão de obra. Os escravos trabalhavam por diversas horas sem descanso, fato que reduzia a expectativa de vida dos escravos para, no máximo 10 anos.

Não lhes eram garantidas quaisquer condições de ascensão social, tendo em vista que não eram considerados seres humanos pelos portugueses. As condições de higiene no local de trabalho eram precárias, o que por muitas vezes era fator determinante par a morte de muitos escravos.

Como se não bastasse, os escravos eram maltratados quando tentavam evadir-se do cativeiro, chegando às vezes a serem mortos pelos senhores e capitães do mato. Seus donos poderiam comprá-los, vendê-los, ou dá-los ou trocá-los por dívidas, sem que o escravo pudesse ter qualquer direito à objeção.

O fim da maioria dos escravos era a morte em decorrência dos maus tratos, porém, muitos escravos eram alforriados, ou seja, libertados, tanto por causa da obediência ao seu senhor, quanto pela compra de sua própria liberdade. A alforria dava-se, geralmente, quando o escravo já estava velho  e não mais suportava o trabalho nos campos.


2 – Normas que acarretaram na abolição da escravatura

A escravidão foi perdendo força, e, devido à pressão externa, algumas normas foram essenciais para extinção da escravidão no Brasil, dentre elas podemos citar([3]):

  • 13 de Maio de 1827: ratificando o tratado que determinou a extinção do tráfico negreiro, firmado entre Brasil e Inglaterra (Câmara de Lordes), sendo considerado pirataria
  • 4 de Setembro de 1850: Lei n. 584. O Ministro da Justiça, Eusébio de Queirós, assina a lei que veda o tráfico de escravos para o Brasil;
  • 28 de Setembro de 1855: Decreto n. 3.270. Também denominada “Lei dos Sexagenários” ou “Lei Saraiva-Cotegipe, instituída por iniciativa Joaquim Nabuco, com o apoio de José Antônio Saraiva. A respectiva lei libertava os escravos que contassem com 60 anos de idade, porém deveriam laborar por mais três anos para os senhores, como forma de indenização pela alforria. Ficariam livros se atingissem 65 anos de idade ou se pagassem a quantia de 100$000
  • 28 de Setembro de 1871: Lei 2.040 – Lei do Ventre Livre – determinava que aqueles que nascessem de escravas poderiam tornarem-se livres tão logo atingissem  a maioridade. Facultava ao estado  pagar ao senhor uma indenização de 600.000 réis aos que completassem 8 anos de idade, colocando-os numa instituição de caridade para trabalhar em seu favor
  • 13 de Maio de 1888: Lei. 3.353 – Lei Áurea: Assinada pela Princesa Isabel, pôs fim à escravidão quando dispunha m seu artigo 1º,  é declarada extinta a escravidão no Brasil.

Portanto, a partir da Lei Áurea, ficou terminantemente proibido qualquer tipo de escravidão no Brasil.

2.1 – Causas da escravidão contemporânea

Atualmente, a principal causa da escravidão contemporânea é o interesse econômico. Uma parte da população é oprimida pela pobreza, pela má distribuição de renda e o desemprego, e, buscando a melhora de sua condição social, partem em busca de uma vida melhor em outras cidades e até mesmo outros estados.

O trabalho escravo é encontrado, na esmagadora maioria das vezes, na área rural, sobretudo no estado do Pará, Mato Grosso, Amazonas, Ceará e Maranhão. Contudo, as fiscalizações dos grupos móveis já aponta a existência deste tipo de mão de obra na capital de São Paulo, que dá-se através da utilização da mão de obra principalmente de estrangeiros ilegais.

Mas quais seriam as causas da subsistência do trabalho escravo? Ricardo Rezende Figueira([4]) arrola algumas causas:

  • “omissão do Estado, que não tomou medidas preventivas para impedir o aliciamento de trabalhadores em seus locais de origem e nas estradas onde se dá o tráfico;
  • omissão na legislação, que não definiu claramente o que compreende por “escravo” e não previu a expropriação das terras onde se realiza o crime;
  • cumplicidade das forças policiais e locais e estaduais;
  • medo do funcionários da DRT e da PF de se indisporem com empreiteiros, gerentes e proprietários;
  • corrupção de funcionários públicos;
  • isolamento das fazendas e certeza de que a denúncia não atravessaria a porteira;
  • preconceito cultural: os peões eram preguiçosos, não trabalham senão mediante coação;
  • silencio da imprensa nacional;
  • fraude nos encargos econômicos e sociais devidos ao governo e aos trabalhadores;
  • escassez de mão-de-obra, por haver opções mais atraentes de trabalho na região, como o garimpeiro, as atividades madeireiras, e as possibilidades de se tornar posseiro, ou mesmo pequeno proprietário;
  • desemprego e pobreza, tornando as pessoas mais vulneráveis ao aliciamento;
  • vítimas que não fogem ou deixam buscar socorro de autoridade, imaginando que, em função da dívida, a lei não as protegeria;
  • essa mesma noção compartilhada por parte da opinião pública circunvizinha, ou da do local onde se dá a concentração”

Desta forma, além das causas mencionadas, tem-se que a globalização, aliada à busca incessante dos produtores pelo lucro, é a principal causa da escravidão pós Lei Áurea.

2.2.– Escravidão por dívidas

Também denominada truck system, esta modalidade é uma das formas mais comuns atualmente encontradas no meio rural. Consiste no monopólio de venda de diversos produtos aos empregados por parte dos proprietários rurais.

Com a chegada no local de trabalho (que na maioria das vezes é longe dos grandes centros), são colocados à disposição dos trabalhadores armazéns, também chamados bolichos([5]), onde vendem-se alimentos, ferramentas, remédios, materiais de higiene e limpeza, dentre outros, tudo isso por um preço acima do mercado. Isso faz com que os empregados contraiam dividas quase que impagáveis para com os patrões.

Por outras vezes, os empregadores pagam os salários única e exclusivamente em produtos (salário in natura), que são retirados dos próprios bolichos através de “vales” concedidos, fazendo com que o salário nunca saia realmente dos bolsos dos patrões. Desta forma, muitos são obrigados  a adquirir o necessário à sua subsistência ao invés de receber a contrapestação pecuniária pelo trabalho.

A prática do Truck System é expressamente proibido pela Consolidação das Leis do Trabalho([6]), que no artigo 462, §2º aduz:

“É vedado à empresa que mantiver armazém para a venda de mercadorias aos empregados ou serviços destinados a proporcionar-lhes prestações in natura exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços”

Note-se que o artigo 462, §3º, da CLT autoriza o empregador a colocar à disposição dos trabalhadores armazéns quando o local de trabalho for de difícil acesso, desde que ausente o animus de lucro. Da mesma forma, o artigo 83 do mesmo diploma autoriza o pagamento de no máximo 70% em produtos, devendo, conseqüentemente, os 30% restantes serem pagos em moeda nacional.

A Convenção nº 95 da Organização Internacional do Trabalho([7]), que protege o salário, foi ratificada pelo Brasil em 25 de Abril de 1957, também regula este tipo de situação, assim dispondo:

“Art. 7° - 1. Quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços à ela ligados e destinados a fazer-lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados para que eles faça, uso dessas lojas ou serviços.

2. Quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores”

Por trabalharem distante dos grandes centros, os trabalhadores passam a adquirir produtos dentro dos próprios armazéns por preços acima dos praticados nos mercados. Isso faz com que as suas dívidas se elevem, se tornando praticamente impagáveis, surgindo desta forma a escravidão por dividas. Os empregados são submetidos à jornadas de trabalho longas e insuportáveis, sem contudo conseguir saldar o débito.

Ocorre que, por não conseguirem saldar suas dívidas, muitos dos trabalhadores sofrem agressões físicas e são obrigados a viverem em condições subumanas de higiene e moradia, sem condições mínimas de higiene nas suas moradias e perigo de contágio de doenças.

Observe-se que o artigo 9º, a e b, e §1º, da lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, que disciplina o trabalho rural, prevê que somente poderá ser descontado, com a prévia concordância do obreiro, 20% (vinte por cento) pela ocupação da morada e de até 25% pelo fornecimento de alimentação sadia e farta, atendidos os preços vigentes na região.

Luciana Aparecida Lotto([8]) destaca características marcantes da escravidão via Truck System:

  1. Proposta de emprego vantajosa, em local distante;
  2. Promessas de melhora na condição de vida do empregado;
  3. O recrutamento é feito mediante empreiteiros, “gatos”, “zangões” ou “turmeiros”, na maioria das vezes, prepostos dos proprietários rurais;
  4. Os “gatos” não exigem a apresentação da carteira profissional de trabalho e/ou qualquer outro documento, ou quando lhes são apresentadas, são retidas por eles;
  5. Há um adiantamento ao trabalhador de uma pequena quantia do salário prometido, para que supra as necessidades básicas de sua família, iniciando-se o débito da primeira dívida que o reduzirá à escravidão
  6. Jornada de trabalho acima da prevista inicialmente, e superior à prevista na legislação brasileira;
  7. Pagamento quase todo in natura, descontados os alimentos e vestiários adquiridos nos barracões do empregador, transformando em saldo  devedor, garantida a dívida com o pagamento de seu salário;
  8. O empregador quita a dívida com as pensões onde os trabalhadores se hospedaram na época da entressafra;
  9. Os equipamentos de trabalho e para sua sobrevivência lhe são entregues, mas cobrados pelos empregadores a preços exorbitantes, comparados aos do mercado;
  10. Coação para rescindir a relação de emprego  e permanecer  no local, sendo privados do direito de ir e vir;
  11. Coação física e detenção ilegal de documentos;
  12. A compra de mantimentos pelos trabalhadores na própria fazenda do empregador, sendo descontada no ato do pagamento do salário, o chamado sistema de barracão ou truck system.

Desta forma, caracteriza-se o Truck System a submissão dos empregados à vontade dos patrões em razão de dívidas contraídas nos bolichos, que é o meio de monopolizar a venda de alimentos e suprimentos aos empregados. Por não conseguirem saldar as dívidas, os empregados são proibidos de deixar o local de trabalho, sendo, muitas das vezes agredidos tanto física como psicologicamente, tornando-se, assim, escravos dos patrões.

2.3.– O trabalho degradante

Submeter o trabalhador a condições degradantes de trabalho é crime, tipificado no artigo 149 do Código Penal.

Degradante é o trabalho realizado sem condições mínimas de segurança e higiene. Dercides Pires da Silva([9]), ao escrever o artigo “Trabalho Análogo à Escravidão - Trabalho Degradante”, descreve:

“Degradante é sinônimo de humilhante e deriva do verbo degradar; é o ato ou fato que provoca degradação, desonra. Degradação é o ato ou o efeito de degradar. Degradar é privar de graus, títulos, dignidades, de forma desonrante. Degradar é o oposto a graduar, a promover; degradar é despromover. Degradante é o fato ou ato que despromove, que rebaixa, que priva do estatus ou do grau de cidadão; que nega direitos inerentes à cidadania; que despromove o trabalhador tirando-o da condição de cidadão, rebaixando-o a uma condição semelhante à de escravo, embora sem ser de fato um escravo. Portanto, trabalho degradante é aquele cuja relação jurídica não garante ao trabalhador os direitos fundamentais da pessoa humana relacionados à prestação laboral.”

Exemplificando, Luiz Guilherme Belizário([10])  traz um relatório de fiscalização da SIT/DF no qual pode-se perceber o trabalho degradante:

“No mês de março de 2004, a Comissão Pastoral da Terra da cidade de Araguaína – TO encaminhou ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel uma denúncia feita por um trabalhador  que estava sendo vitima de trabalho análogo à escravidão, nos seguintes termos, ipsis litteris:

...Ao chegar à propriedade, onde há 11 trabalhadores, ficou alojado no curral, onde La dormiu 3 semanas, jntamente com mais 3 companheiros, pois não havia vagas no barracão. Com a saída de outros trabalhadores, mudou-se para o barracão de tábua, coberto de telhas, porém com muitas goteiras. A alimentação é composta basicamente de arroz com feijão, pois falta carne com freqüência. A água para beber é retirada de um poço e não é filtrada, ficando armazenada em tambores de combustível vazios. O horário de trabalho é entre 6h30 e 7h00, com intervalo de almoço e termina às 17h00. Não há vigilância, porém o “gato” tem uma espingarda e um revólver, e chegou a fazer, no sábado à tarde, ameaças à um trabalhador, quando pediu para fazer o acerto, ao que ele respondeu que o peão ‘sabia que não tinha nada a receber, a não ser 6 tiros na cara’”

Em suma, o trabalho degradante é tanto o desrespeito às normas de higiene quanto às de segurança do trabalhador. À guisa de exemplo a ausência de Equipamentos de Proteção Individual, falta de condições mínimas para se evitar acidentes de trabalho, más condições de armazenamento de água e alimentos, dentre outros.

2..4– Trabalhos Forçados

Esta modalidade de é a que mais se assemelha a escravidão de índios e negros. É o trabalho realizado sob ameaça, com vigilância ostensiva, de maneira que o trabalhador não possa sair do local de trabalho.

Em outras palavras, é o uso de coação para que um obreiro possa realizar certos tipos de trabalho sob “pena” de castigos físicos e até mesmo da morte. Esclareça-se que esta modalidade de escravidão pode decorrer também das dividas contraídas pelo trabalhador.

Funciona da seguinte maneira: o gato (recrutador) adianta uma parte do pagamento ao trabalhador, que concorda em pagar a dívida com o seu trabalho. No local de trabalho, o operário compra alguns mantimentos nos bolichos por preços acima do mercado. Não recebem assistência de sindicatos tampouco de qualquer autoridade trabalhista, em razão de permanecerem em locais de difícil acesso.

Diante da obrigação de pagar o que deve, bem como  o aumento da dívida, decorrente da compra de mantimentos nos armazéns instituídos pelos empregadores, são obrigados a permanecerem nos locais de trabalho, sob ameaças de morte.

Uma outra forma de trabalho forçado é o tráfico de pessoas. Os “gatos” recrutam jovens para trabalharem em locais distantes de suas casas, sob promessa de bons salários e ótimas condições de trabalho. Quando chegam ao local, além de constatarem a inverdade das promessas, não são remunerados pelo trabalho realizado, e obrigados a pagar os custos da viagem com o trabalho. Para “garantir” a dívida, os patrões subtraem seus documentos, pertences e dinheiro, ameaçando de morte e até assassinando aqueles que tentam empreender fuga.

José de Souza Martins([11])narra outros exemplos de trabalho forçado:

“Em Rondônia em 1986, um enfermeiro de fazenda aplicava injeções de álcool nos trabalhadores como castigo. Em algumas fazendas, os jagunços receitavam remédios para os trabalhadores e ao menos numa fazenda em Mato Grosso, não, em Rondônia, e depois apareceu em outros lugares, os trabalhadores tinham o tendão cortado num dos pés para evitar a fuga, aí não era preciso bater, não era preciso torturar, não era preciso nada. Em Rondônia em 1986 surgiu uma denúncia de um caso de um fantástico refinamento na prática de tortura: trabalhadores eram surrados com vergalhos de boi, pedras amarradas nos testículos. Eles eram amarrados a tocos e arvores, as mão sangrando depois de machucadas intencionalmente, mergulhadas em rio que tinha piranha, cabeça raspada para os que tentavam fugir...”

“Do Pará, 1990, um trabalhador fugido foi recapturado pelo gerente da fazenda, amarrado e conduzido de volta, obrigado a pedir a benção de pessoas no caminho, obrigado a comer as próprias fezes e finalmente morto com dois tiros”

Portanto, o trabalho forçado é aquele exercido sob coação, ameaça, agressão e até morte. Trata-se de uma das piores modalidades de trabalho escravo atualmente. São métodos que muito se assemelham (ou até se igualam) ao período da escravidão antiga.

2.4.1 – O “gato”

Gato é o empreiteiro responsável pela contratação de empregados residentes em locais, geralmente, distantes daquele onde os serviços serão prestados.  É ele que seleciona os trabalhadores, estipula os salários e controla o trabalho.

Na obra intitulada “O cidadão de papel”, Gilberto Dimenstein([12]) narra:

“...é possível contratar trabalho ‘escravo’ por telefone no Brasil. Um fazendeiro paulista mostrou à Folha como é fácil fazer o acerto com empreiteiros de trabalho em fazendas no sul do Pará. Ele ligou, às 19h30 do dia 20, para o maranhense Adão dos Santos Franco, em Santana do Araguaia (700km no sul de Belém). Com cem ou 120 ‘peões’ recrutados no Nordeste  ou Goiás, Franco garantiu desmatar 250 alqueires em São Félix do Xingu cobrando U$ 300 por alqueire ou o equivalente em arroba de boi. Na conversa por telefone, o fazendeiro usou um nome fictício (João Monteiro Neto), dizendo ser conhecido de um ex-cliente de Franco – Tarley Euvécio Martins, gerente da Fazenda Santo Antônio do Indaiá, no município de Ourilândia do Norte. Lá, em julho de 91, a Policia Militar libertou 16 “trabalhadores escravizados, segundo a Policia Federal, por ‘seguranças’ de Adão Franco”

Este sistema de contratação é bastante utilizado pelos donos da terra de modo a não caracterizar vinculo empregatício para com os obreiros, visto que o caso em tela, em tese, caracterizaria o contrato de empreitada. Ocorre que na maioria das vezes o gato também é funcionário, o que faz com que o próprio dono da terra organize a prestação de serviços, criando, desta forma, o vinculo empregatício.

José Luiz Ferreira Prunes([13]), cita um julgado que explica:

“Considera-se como empregadora a própria empresa e não o ‘testa de ferro’ que, embora contratado como empreiteiro, não tem capacidade financeira e econômica para fazer face aos encargos resultantes da legislação trabalhista. TRT da 3ªR., RO 2.469/74, 2ª T., Rel Juiz Onofre Corrêa Lima”

2..5 – Jornada diária exaustiva

Também denominado sweating system, o “Sistema de Suor”, remete-nos ao período da revolução industrial, onde os obreiros laboravam por até 18 horas, mediante baixíssimo salário. Desta forma, sweating system é a intensa jornada de trabalho, exercida acima dos limites legais, que acarreta o desgaste físico do trabalhador, e, por conseqüência, acidentes de trabalho.

A Constituição Federal, no seu artigo 7º, XIII, limita a duração do trabalho em 8 horas diárias e 44 semanais, facultado às partes estabelecerem jornada acima deste limite, mediante adicional de 50% sobre as horas excedentes. Por sua vez, o artigo 58 da CLT prega que essa extensão de jornada está limitada a 2 horas, sendo que poderá ser suprimido o referido adicional se o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia.

Considerando os limites supra, certo é que entre uma jornada de trabalho e outra, deverá haver um período mínimo de 11 horas. Desta forma, não respeitados os limites legais, caracterizada estará a jornada exaustiva.

Na esfera urbana, a jornada exaustiva restará caracterizada se ultrapassar 10 horas diárias, sem que haja força maior que justifique a prorrogação, que por sua vez, autoriza, em caráter excepcional, extensão da jornada até 12 horas de trabalho, conforme preconizam a artigo 61, §2º, c.c. art. 501 da CLT.

Já com relação ao trabalho rural, será considerada exaustiva a jornada excedente de 10 horas por dia. O artigo 5º do Decreto 73.626/74 que regulamenta a Lei 5.8899/73, limita a jornada do trabalhador rural a 8 horas por dia, porém o artigo 7º, caput, do mesmo decreto, prega que a jornada poderá sofrer um acréscimo de, no máximo, 2 horas diárias. Da mesma forma, deverá haver um intervalo mínimo de 11 horas entre uma jornada e outra

À titulo de exemplo, Luis Guilherme Belisario([14]):

“Na operação 022/2004 (operação Mato Grosso), no período de 14 a 24 de junho de 2004, a fiscalização móvel atuou para verificar as denúncias encaminhadas pela CPT/MT. EM tal denúncia, verifica-se a submissão de trabalhadores à jornada exaustiva, conforme depoimentos reduzidos a termo pelo membro da pastoral:

‘Que eram obrigados a trabalhar das 6:00 da manhã até as 18 horas com apenas meia hora de almoço; (...) Que eram obrigados a trabalhar todos os dias. Sábado, Domingo e feriados. Inclusive Semana Santa. E o dia que não trabalhassem, teriam de pagar a alimentação.’

Portanto, sweating system é a jornada exaustiva, a jornada que não respeita os limites diários previstos na carta magna, CLT e outras leis. Do ponto de vista biológico, é extremamente prejudicial à saúde do trabalhador, vez que provoca desgaste físico intenso.

2.6 – Trabalho Infantil na zona rural

O trabalho infantil, em certas circunstâncias, decorre da própria submissão dos pais ao trabalho escravo. Muitos trabalhadores partem de seus locais de origem juntamente com sua família para trabalhar em outros locais distantes. Para dar conta do serviço, muitos pais colocam seus filhos para ali trabalharem.

Tal ocorre também no trabalho em regime familiar. O proprietário de um pequeno pedaço de terra coloca seus filhos, na mais tenra idade, para trabalhar no cultivo, de modo a contribuir para a sobrevivência da família. As crianças trabalham sem receber qualquer remuneração, e, os que são remunerados, recebem uma quantia extremamente ínfima, chegando a R$ 5,00 (cinco reais). Aqueles que estudam, são obrigados a deixar a escola. Em outras situações, nem mesmo começam a estudar.

Outras formas de exploração de trabalho infantil foram definidas pela Convenção nº 182 da OIT, no ano de 1999. Tal convenção determina que todo o Estado-membro adote medidas para erradicar o trabalho infantil. Definiu-se como criança toda pessoa menor de 18 anos.

O artigo 3°, a, aponta todas as formas de escravidão, a saber:

“Para efeitos da presente Convenção, a expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;

b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;

c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpencentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e,

d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.”

A causas da existência de trabalho infantil na zona rural está intimamente ligada à pobreza e miséria que atinge uma parte da população brasileira. Os pais colocam seus filhos para trabalharem no campo por extrema necessidade, uma vez que, na maioria das vezes, os pais recebem remuneração por produção, aliado à grande quantidade de trabalho.

Por outro lado, o trabalho infantil decorre também do fator social. Os ditos populares costumam pregar a idéia de que o trabalho precoce evita a delinqüência, conforme brilhantemente explica Ruth Beatriz Vilela([15]):

“(...) pela cultura da valorização do trabalho, mesmo o precoce passa a ser visto como a grande alternativa para atenuar a carência das crianças, prevenir a sua possível delinqüência e viabilizar sua incipiente cidadania. Qualquer iniciativa que venha a ampará-las, ocupando-as e retirando-as das ruas e dos riscos da ociosidade passa a ser considerada como positiva, até mesmo aquelas executadas em condições que podem comprometer seu desenvolvimento físico e psicológico. Com isso, os próprios pais são levados a pensar que o trabalho para os filhos pequeno, representa uma alternativa preferível ao ócio e até mesmo à escola”

Contudo, a Carta Política, em seu artigo 7º, XXXIII, proíbe qualquer forma de trabalho infantil a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Tal norma visa proteger adolescente, estabelecendo critérios mais rígidos para o ingresso no mercado de trabalho.

Ainda, a CLT veda o trabalho de menores em locais ou serviços prejudiciais ao seu desenvolvimento físico, moral, psíquico e social, em locais insalubres, perigosos ou penosos, durante o período noturno.

Certo é que a hipótese que tem afinidade com o trabalho escravo, é aquela decorrente do trabalho forçado, degradante ou por dívidas. Porém, não há de se olvidar que o trabalho em regime familiar, ainda que de forma minimizada, também caracteriza o trabalho escravo.

Em que pese a legislação nacional vedar o trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil proíbe o enriquecimento ilícito. Aliado ao principio da não ignorância da lei, é devido ao menor indenização pelo trabalho prestado, pelo mínimo que seria devido à um empregado maior de 18 anos, o que na maioria das vezes não acontece.

Portanto, arrisca-se a dizer que o trabalho em regime familiar, se confrontado com o artigo 3º, no qual considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, o trabalho infantil e regime familiar, da mesma forma que aquele decorrente da escravidão contemporânea, também é escravidão.

2.7– Exploração de imigrantes clandestinos

Embora seja encontrado com mais freqüência na zona urbana, é possível encontrar trabalho em condições análogas à de escravo nas zonas urbanas, à exemplo da cidade de São Paulo, onde muitos estrangeiros trabalham de forma clandestina em oficinas de costura. São de maioria latina, como os paraguaios e bolivianos.

A lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) proíbe o exercício de atividade remunerada pelo estrangeiro, e, por conseqüência, não permite o registro em carteira profissional. Garante, porém, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme preconiza o caput do artigo 5º da Constituição Federal.

Almara Nogueira Mendes ([16]) relata que confecções clandestinas na capital de São Paulo, de propriedade de coreanos, submetem imigrantes bolivianos ao trabalho em condições degradantes, trabalhando até dezesseis horas por dia, sem folga. Como contraprestação, recebem cerca de R$ 0,30 (trinta centavos) a R$ 1,00 (um real) por peça confeccionada.

O medo da deportação ou até da prisão, faz com que o imigrante não denuncie as condições degradantes em que é obrigado a trabalhar, o que faz com que sejam tomadas as seguintes medidas:

  1. Criar um grupo de trabalho para apresentar estudo para viabilizar, juridicamente, a possibilidade de concessão de autorização de trabalho e visto aos trabalhadores estrangeiros em situação irregular que denunciarem/testemunharem o trabalho escravo, até o trânsito em julgado da ação penal, visando a necessidade de obtenção de colaboração à persecução criminal por parte das vítimas do trabalho escravo;
  2. Organizar Banco de Dados centralizado no Ministério da Justiça sobre o trabalho escravo no Brasil, com “janela” específica para o trabalho escravo de estrangeiros em situação irregular;
  3. Implantar treinamento específico para agentes públicos envolvidos na persecução penal e administrativa, patrocinado pelo Ministério da Justiça e demais Instituições;
  4. Programar mensalmente diligências pela Polícia Federal com a participação do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Delegacia Regional do Trabalho;
  5. Termo de Ajuste de Conduta a ser celebrado entre o MPT, sindicato e empresas de confecção, visando banir a exploração de mão-de-obra;
  6. Priorizar as investigações decorrentes das denúncias recebidas;
  1. Marcar reunião com consulados, de início os da Bolívia, Colômbia e Peru, para expor o quadro de divulgação (em rádios e jornais) naqueles países de tráfico de seres humanos para o Brasil;
  2. Solicitar ao Ministério das Relações Exteriores que inicie campanha naqueles países para combater esse tráfico de seres humanos, tal qual foi feito no caso do combate ao turismo sexual;
  3. Comunicar, de imediato, o Ministério da Justiça de procedimentos envolvendo estrangeiros que exploram trabalho escravo, para fins de expulsão; e
  4. Buscar apoio da Prefeitura de São Paulo para que seja aferida a regularidade face às posturas municipais de empresas sob supeita de usar trabalho escravo, direta ou indiretamente. 12

2.8 – Escravidão pré-colonial versus escravidão contemporânea

OCORRÊNCIAS

ANTIGA ESCRAVIDÃO

NOVA ESCRAVIDÃO

PROPRIEDADE LEGAL

Permitida.

Proibida.

CUSTO DE AQUISIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA

Alta. A riqueza de uma pessoa podia ser medida pela quantidade de escravos.

Muito baixa. Não há compra e muitas vezes se gasta apenas com o transporte.

LUCROS

Baixos. Havia custos com a manutenção dos escravos.

Alto. Se alguém fica doente pode ser dispensado, sem nenhum direito.

MÃO-DE-OBRA

Escassa. Dependia de tráfico negreiro, prisão de índios ou reprodução.

Descartável.Há um grande contigente de trabalhadores desempregados.

RELACIONAMENTO

Longo período. A vida inteira do escravo e até seus decendentes.

Curto período. Terminado o serviço não é mais necessário prover o seu sustento.

DIFERENÇAS ÉTNICAS

Relevantes para a escravidão.

Pouco relevantes. Os escravos são pessoas pobres, miseráveis, não importando a cor da pele.

MANUTENÇÃO DA ORDEM

Ameaças, violências psicológicas, coerção física, punições exemplares e até assassinatos.

Ameaças, violências psicológicas, coerção física, punições exemplares e até assassinatos.


3.DA OFENSA AOS DIREITOS HUMANOS E TRABALHISTAS

3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

O artigo 1º da Constituição Federal aduz:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (g.n)

Desta forma, a Lei Maior indica como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, sem distinção de credo, cor, sexo ou raça. Mas o qual o conceito de dignidade da pessoa humana? José Afonso da Silva([17]) define: “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.

No tocante à dignidade Ingo Wolfgang Sarlet ([18]) afirma ser:

“a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e a vida em comunhão com os demais seres humanos”

Todo ser humano já nasce com o atributo da dignidade, pois, sem dignidade não há pessoa. A Declaração Universal dos Direitos Humanos reza: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”

Isto faz com que a Constituição Federal imponha aos três poderes a observância deste princípio, vejamos:

  • Judiciário - Art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;
  • Legislativo - Art. 17, caput: “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (...)”
  • Executivo - Art. 34, VII, b: “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: b) direitos da pessoa humana”.

Muitos direitos garantidos pela Constituição Federal decorrem justamente desta dignidade que o ser humano deve possuir, dentre eles:

  • Proibição de Tratamento desumano e degradante (art. 5º, III)
  • Direito à vida (art. 5º, XLIII, a)
  • Direito à saúde (art. 196)
  • Direito à liberdade (art. 5º caput)
  • Direito à igualdade (art. 5º caput)
  • Direitos sociais (art. 6º ao 11)
  • Direito à educação (art. 205)

Considerando que os direitos supra são decorrentes da dignidade, por estarem em escala hierárquica superior aos demais direitos e por serem condições da existência do ser humano, é de extrema importância a atuação incisiva dos três poderes contra a sua infringência.

Em outras palavras, o trabalho escravo contemporâneo acarreta grave violação da dignidade da pessoa humana, bem como afronta os direitos sociais, exigindo, portanto, uma congregação de esforços para a sua erradicação.       


4 – Direitos de todo o trabalhador

O trabalho em condições análogas à de escravo é um flagrante desrespeito aos direitos trabalhistas garantidos pela legislação brasileira, vez que artigo 3º, I , da Carta Política, aponta como objetivo fundamental da República a busca por uma sociedade livre, justa e solidária, e, de acordo com os artigos 170 e 193 da Lei Maior, tem como primado a valorização do trabalho humano e a melhoria das condições sociais dos trabalhadores. Caminha ao lado destes direitos o principio da dignidade da pessoa humana.

Luciana Aparecida Lotto([19]) aduz que, analisando as iniciais de ACP contra o trabalho escravo, as violações a direitos humanos e trabalhistas mais freqüentes são:

  1. ausência de anotações na CTPS e registro em livro próprio;
  2. segurança no trabalho e higiene;
  3. liberdade de ir e vir;
  4. pagamento de salário até o quinto dia útil do mês seqüente;
  5. jornada superior a 44 horas semanais e 8 horas diárias;
  6. recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias;
  7. fornecimento gratuito de equipamentos de trabalho e proteção ao trabalhador;
  8. realização de exames demissionais e admissionais
  9. fornecimento de materiais de primeiros socorros;
  10. fornecimento de água potável;
  11. disponibilidade de instalações de sanitários e alojamentos dignos onde ficam os trabalhadores.

Tanto a Constituição Federal quando a CLT apontam vários direitos do trabalhador, que foram conquistados após um longo processo evolutivo da legislação laboral. Hodiernamente, a lei assegura a todos os trabalhadores o direito de ter anotada em CTPS o contrato de trabalho com todas as suas especificações, devendo constar a jornada e valor da remuneração.

Dentre os direitos, faz-se necessário transcrever alguns destes, a saber:

  • Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;
  • Indenização compensatória em caso de dispensa sem justa causa;
  • Intangibilidade salarial, ou seja, a não redução, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
  • Férias anuais de 30 dias, com remuneração acrescida do terço constitucional;
  • Salário mínimo, que atualmente é de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais);
  • Seguro-desemprego, por um período máximo variável de três a cinco meses em caso de sem justa causa;
  • Remuneração da jornada excedente da 8ª Hora diária ou da 44ª semanal, com, no mínimo, 50 % a mais do que no horário normal;
  • Gratificação natalina (13º salário);
  • Descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
  • Licença gestante para a trabalhadora, com duração de 120 dias;
  • Garantia de emprego à gestante e pagamento integral do salário da licença;
  • Licença paternidade de cinco dias;
  • Pagamento de adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
  • Direito à aposentadoria;

Importante destacar que a lei 5589/73, que disciplina o trabalho rural, também traz um rol de direitos dos trabalhadores rurais, quais sejam:

  • Jornada de trabalho de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais;
  • Intervalo interjornada de 11 horas;
  • Trabalho noturno com remuneração superior ao diurno, em, no mínimo 25%;
  • Jornada noturna das 21h00 às 5h00 para a lavoura, e das 20h00 às 04h00 para a pecuária
  • Intervalo intrajornada de 01h00 a cada 6 horas trabalhadas
  • O desconto no salário em virtude da moradia não poderá exceder de 20%;
  • Desconto decorrente da alimentação limitado 25% do salário.

Certo é que o trabalhador submetido à escravidão tem vários desses direitos violados. Na maioria das vezes não possuem registros em carteira; os alojamentos possuem péssimas condições de higiene (falta de água potável e alojamentos a céu aberto, falta de EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual); falta de higiene nos locais para refeições; jornadas de trabalho excessivas, trabalho em locais insalubres sem a remuneração correspondente; pagamento do salário  totalmente in natura, descontos ilícitos, dentre outros.

4.1 – Tutela Penal do Trabalho Escravo

Um dos meios que encontrados pelo legislador para reprimir o trabalho em condições análogas à de escravo, foi sua tipificação como crime. A lei 10.803/03 deu nova redação ao artigo 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), que passou a dispor:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; 

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Também conhecido como “Crime de Plágio”. A partir dessa lei, a redução do ser humano a condição análoga a de escravo pode dar-se de quatro formas: sujeição da vítima a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes de trabalho e, por fim, a restrição, por qualquer meio, da locomoção da vitima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

A doutrina exige ([20]):

"que (...) a vítima seja colocada numa situação de absoluta submissão aos desejos do agente", pois "aí passa a experimentar uma condição semelhante à do escravo histórico, que não tinha personalidade, que era uma coisa e como tal trabalho, objeto de contrato de alienação ou de empréstimo, desrespeitado no seu direito de ir e de vir, no direito de ter sua integridade física e moral intocados, enfim, sem qualquer possibilidade de se autodeterminar" 

Trata-se de crime próprio, doloso, comissivo ou omissivo impróprio, de forma vinculada, permanente, material, monossubjetivo e plurissubsistente. Tem por objeto material a vítima e o bem juridicamente protegido é a sua liberdade. Consuma-se o crime do artigo 149 com a privação da liberdade da vítima ou com a sua sujeição a condições degradantes de trabalho. Admite-se a tentativa.

4.2 – Atuação do Ministério Público do Trabalho

Ao Parquet laboral cumpre o dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme preconiza o artigo 127 da Constituição Federal.

Funciona como custos legis (órgão interveniente), elaborando pareceres em todos os processos a serem analisados pelo Tribunal Regional do Trabalho e Superior Tribunal do Trabalho, possuindo legitimidade para recorrer das decisões destes órgãos.

A Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), no artigo 83, estabelece como funções do MPT:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

I - promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas;

II - manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção;

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;

IV - propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores;

V - propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho;

VI - recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho;

VII - funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos processos em julgamento, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar convenientes;

VIII - instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir;

IX - promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos, manifestando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da homologação, resguardado o direito de recorrer em caso de violação à lei e à Constituição Federal;

X - promover mandado de injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho;

XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho;

XII - requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor solução das lides trabalhistas;

XIII - intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de jurisdição da Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional.

Ainda, de acordo com o artigo 84 da mesma lei, no âmbito de suas atribuições:

 Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, especialmente:

I - integrar os órgãos colegiados previstos no § 1º do art. 6º, que lhes sejam pertinentes;

II - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;

III - requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos de proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo acompanhá-los e produzir provas;

IV - ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas causas em que o órgão tenha intervido ou emitido parecer escrito;

V - exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade.

Direito Coletivo, nos dizeres de José Cairo Junior ([21]) é o conjunto de normas que consideram os empregados e empregadores coletivamente reunidos, principalmente na forma de entidades sindical.

Segundo Marcus Cláudio Acquaviva ([22]), o direito difuso é

"Prerrogativa jurídica cujos titulares são indeterminados, difusos. Um direito difuso é exercido por um e por todos, indistintamente, sendo seus maiores atributos a indeterminação e a indivisibilidade. É difuso, p. ex., o direito a um meio ambiente sadio."

Ao estabelecer a diferença entre interesses individuais e homogêneos, Carlos Henrique Bezerra Leite ([23]) assevera:

 “A distinção entre o interesse individual homogêneo e o individual simples repousa na existência, no primeiro, de uma origem comum, que atinge diversas pessoas de forma homogênea, é dizer, são diversas afetações individuais, particulares, originárias de uma mesma causa, as quais deixam os prejudicados em uma mesma situação, sem embargo de poderem expor pretensões com conteúdo e extensões distintos.” (MORAIS apud LEITE, idem:62)

Mas o parquet laboral não está sozinho no combate ao trabalho escravo. Possui parcerias com o Ministério do Trabalho e Emprego (MET), a Comissão Pastoral da Terra (CPT – é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, ligada à Igreja Católica, com sede em Goiânia, local de maior índice de denúncias de trabalho escravo), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), a Polícia Federal (PF) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Desta forma, o Ministério Público do Trabalho, em parceria com demais órgãos, assume papel importante no combate à escravidão contemporânea, vez que possui legitimidade para defender os direitos coletivos lato sensu, incluindo-se os direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. O parquet, para exercer este papel, possui mecanismos e apoio de outros órgãos, conforme será abordado mais à frente.

4.2.1 – O Inquérito Civil Público

O Inquérito Civil Público é instrumento exclusivo do Ministério Público (art. 8º, §1º, Lei 7.347/85), o que inviabiliza o seu manejo pelos demais legitimados para ajuizarem Ação Civil Pública (União, estados, municípios, suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e associações constituídas há pelo menos um ano que incluam entre suas finalidades institucionais um daqueles interesses ensejadores de tal proteção – art. 5º, I e II da mesma Lei).

Qualquer do povo poderá provocar Ministério Público , e qualquer membro em suas funções de juiz e no tribunal deverá provocar o parquet, caso tenha conhecimento de fatos que ensejam propositura de ACP, encaminhando-lhe informações e peças que sejam aptas para instauração de inquérito civil e eventual ação civil pública. Semelhante ao inquérito policial, durante o inquérito civil o membro da instituição reunirá provas acerca dos fatos narrados, tal como a verificação in loco.

Poderá ser designada audiência para oitiva de vítimas bem como depoimento dos acusados de fazerem uso da mão de obra escrava. Se a pessoa convocada injustificadamente se recusar a depor, poderá ser coercitivamente conduzida. Caso julgue necessário, o MP poderá requisitar informações, exames, perícias e documentos e auxilio de força policial.

O Procurador do Trabalho terá livre acesso a qualquer local público ou privado, desde que respeite a inviolabilidade de domicílio, bem como qualquer bando de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública.

Importante mencionar o GERTRAF (Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado) que é composto de Auditores Fiscais do Trabalho e servidores do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi criado para apurar as denúncias acerca do trabalho escravo, bem como elaborar políticas públicas que possuem como objetivo a extinção definitiva dessa forma ilícita de exploração de trabalho.

Desta forma, recebida denúncia sobre trabalho escravo, seja por particular ou pessoa que tenha o dever de informar, o MPT poderá se utilizar do Inquérito Civil Público para apurar os fatos, sendo, portanto um importante instrumento investigativo.

4.2.2 – Termo de Ajuste de Conduta

Concluído o inquérito civil, caso constatada a presença de escravidão, empregadores e Ministério Público do Trabalho firmarão Termo de Ajuste de Conduta (TAC), com vistas a solucionar o problema de uma forma mais célere.

Neste termo, o inquirido se comprometerá a corrigir a ilegalidade e reparar o dano causado, mediante cominação de multa que será revertida ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, em caso de descumprimento do pacto. Os TAC’s firmados em caso de constatação de trabalho escravo, incluem em suas cláusulas, dentre outras, a obrigação de registro em carteira e pagamento de verbas rescisórias.

Não se trata de transação entre as partes, e sim de imposição para que o inquirido cumpra a lei, conforme leciona Carlos Henrique Bezerra Leite([24]):

“A distinção é importante, na medida em que a transação, como se sabe, insere-se no rol dos negócios jurídicos bilaterais de natureza contratual, sendo, pois, considerada um acordo de vontades entre os interessados, posteriormente referendado pelo Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado dos transatores (...)

Já no termo de compromisso firmado perante o Ministério Público do Trabalho, não há lugar para transação, porque o seu objeto é absolutamente restritivo: tomar o infrator o compromisso de ajustar sua conduta ‘às exigências legais’, sendo certo que a lei utiliza a expressão ‘tomar do interessado o termo de compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais’, dando-lhe, portanto, caráter de impositividade ao órgão público legitimado, o que afasta a natureza de acordo ou transação do instituto ora focalizado”

Descumprido o acordo, o Ministério Público do Trabalho, nos termos dos artigos 876 e 877-A, ambos da CLT, poderá executar a multa imposta tendo em vista o TAC possuir força de titulo executivo extrajudicial, não necessitando, portanto, de processo de conhecimento.  

Além de ser um eficaz meio de repressão ao trabalho escravo, o TAC presta um enorme serviço à justiça. Sua celebração tem o condão de reduzir consideravelmente o número de reclamações trabalhistas individuais, uma vez que obtém decisões que beneficiam todos os lesados ao mesmo tempo. É, portanto, um excelente meio de desafogar o Judiciário (economia processual).

4.2.3 – Ação Civil Pública Trabalhista

Restando infrutíferas as tentativas de solucionar  o problema mediante Termo de Ajuste de Conduta, o parquet proporá a Ação Civil Pública Trabalhista perante a Justiça do Trabalho, conforme dispõe o artigo 83, III, da Lei 75/93.

Seu objeto é a tutela dos direitos metaindividuais elencados no artigo 1º, I a V, quais sejam: ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso e coletivo; por infração à ordem econômica e da economia popular

 Luciana Aparecida Lotto([25]) ensina:               

“Esta ação permite a tutela de direito de massas, direitos estes fortemente atomizados, que não se encontravam proteção nos mecanismos processuais individualistas, sujeitando o corpo social a agravos, sem outorgar-lhe meio adequado de defesa.”

Conforme preceitua o artigo 8º, III, da Constituição Federal, em se tratando de direitos metaindividuais (interesses de grupos determinados ou categoria), os sindicatos também possuem legitimidade para ingressar com ação civil pública. Ocorre que, em se tratando de escravidão, somente o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade, visto tratar-se de interesses difusos (titulares indeterminados, anônimos), interessando à toda a sociedade.

No combate ao trabalho escravo, figurará no pólo ativo o parquet, e, conforme artigo 5º, §5º, da Lei de Ação Civil Pública prega que “admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. No pólo passivo figurará aquele que fizer uso de mão de obra escrava, podendo ser pessoa física ou jurídica tais como fazendeiros e grupos de empresários pecuaristas.

O foro competente para apreciar a demanda o local onde ocorreu ou deverá ocorrer o dano, e, havendo mais de uma comarca, será competente qualquer uma delas (art. 2º LACP). Interpretando o dispositivo, Ibraim Rocha argumenta:

  1. “Afetado o interesse de uma categoria dentro da área de jurisdição de uma Vara, seria competente uma das Varas (ou a única Vara);
  2. Mas, se as categorias abrangem mais de uma região, seria competente a Vara que primeiro conheceu o conflito por prevenção ou deveria ser competente o Tribunal Regional da área;
  3. Caso de afetar interesses metaindividuais de trabalhadores de mais de uma região trabalhista ou no caso de afetar todo o país, competiria ao Tribunal Superior do Trabalho a sua apreciação”

(Ação Civil Pública e o processo do trabalho – p. 95)

O rito processual a ser adotado é o ordinário, de acordo com os ditames da CLT, porém serão aplicados subsidiariamente o Código de Defesa do Consumidor e o Código de Processo Civil, em caso de omissão, desde que compatível.

Em se tratando ação que tenha como objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, que determine a prestação de atividade devida ou a cessação de atividade nociva, sob pena de astreinte; ainda que na inicial não haja pedido de medida liminar, o juiz poderá concedê-la, com ou sem justificação prévia.

A medida liminar assume papel importante, vez que, sendo concedida, determina-se a soltura imediata dos trabalhadores, bem como exige-se sejam reconhecidos todos os seus direitos trabalhistas.

De acordo com o artigo 16 da Lei ACP, a sentença fará coisa julgada erga omnes. Caso julgada improcedente por insuficiência probatória, poderá ser intentada por qualquer outro interessado, com os mesmos fundamentos, mediante apresentação de novas provas.

No combate ao trabalho forçado, a ACP busca evitar ou reparar danos causados e impor a abstenção de escravizar os trabalhadores O parquet poderá pedir a concessão de medida liminar para interditar o local onde se constatar a presença de trabalho escravo e, que será concedida pelo magistrado se presente o fumus boni iuris e periculum in mora.

Certo é que a moral coletiva é ofendida quando se constata a submissão de trabalhadores à vontade alheia, o que gera o dever do empregador em  indenizar os prejuízos morais causados. O dano moral está ligado aos danos físicos  e psíquicos causados àqueles que são submetidos ao trabalho forçado, bem como as repercussões que esta chaga causa no seio da sociedade. Acerca do tema, Raimundo Simão de Melo ([26]) transcreve duas jurisprudências que bem explicam a necessidade de tal ressarcimento:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANO À COLETIVIDADE. Para que o Poder Judiciário se justifique, diante da necessidade social de justiça célere e eficaz, é imprescindível que os próprios juízes sejam capazes de crescer, erguendo-se à altura dessas novas e prementes aspirações, que saibam, portanto, tornar-se eles mesmos protetores dos novos direitos difusos, coletivos e fragmentados, tão característicos e importantes da nossa civilização de massa, além dos tradicionais direitos individuais (Mauro Cappelleti). Importa no dever de indenizar por dano causado à coletividade, o empregador que submete trabalhadores à condição degradante de escravo” (TRT da 8ª Região, Processo RO n. 861/2003, Ac. N. 276/2002, 1ª Turma, Relator Juíza Maria Valquíria Norat Coelho, DJRO de 3.4.03)

“DANO MORAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO. Além de justa a reparação do dano moral requerida, bem como da procedência das verbas rescisórias trabalhistas indicadas em conseqüência do aludido dano, também justificadora da extinção das relações empregatícias, torna-se impostergável e nefasta ofensa social e retorno urgente à decência das relações humanas de trabalho. Torna-se, portanto, urgente, a extirpação desse cancro do trabalho forçado análogo à condição de escravo que infeccionou as relações normais de trabalho, sob condições repulsivas da prestação de serviços tão ofensivas á reputação do cidadão brasileiro com negativa imagem do país, perante o mundo civilizado.” (Processo n. TRT 10ª Região, RO n. 00073-202-811-10-00-6, 2ª Turma, Relator Juiz José Ribamar O. Lima Júnior, julgado em 7.5.03)

Ainda, segundo o autor, as formas de reparação em decorrência do dano moral podem ser:

 “a) Indenização/compensação em pecúnia; b) prestação de serviços alternativos à sociedade; c) atestatória; e d) publicação em jornal de circulação, pelo empregador, de aviso ou nota esclarecendo que o empregado não praticou qualquer ilícito, como lhe havia sido imputado. Quanto ao dano moral coletivo, é preciso apenas, fazerem-se algumas adaptações por conta das peculiaridades inerentes ao caso concreto”

Por sua vez, Erlan José Peixoto do Prado ([27]) faz um levantamento acerca dos valores relativos ao pedido de dano moral coletivo em ação civil pública para o combate ao trabalho escravo, com destinação ao FAT, à saber: na 8º Região, em 98 ações ajuizadas, o valor dos pedidos giraram em torno de R$ 54.000.000,00 (cinqüenta e quatro milhões de reais); na 10ª Região, 16 ações  com pedidos que arrecadaram R$ 700.000,00 (setecentos mil reais); na 23ª Região, 14 ações ajuizadas, com valores superiores a R$ 8.900.000,00 (oito milhões e novecentos mil reais).

O montante arrecadado é destinado ao pagamento de abono salarial (art. 9º Lei 7998/90) não alcançando os trabalhadores encontrados em situação análoga ao trabalho escravo, conforme explica Luciana Aparecida Lotto([28]). Uma parte também é direcionada ao financiamento de programas de desenvolvimento (geração de emprego e renda, voltados para a área rural e urbana) e ao Programa do Seguro-Desemprego, conforme a Lei. 10.608/02.

Dentre os pedidos mais comuns nas Ações Civis Públicas contra o trabalho escravo, encontram-se([29]):

  1. “Reconhecimento da relação de emprego entre os trabalhadores e o tomador de serviços, nos termos do artigo 29 da CLT;
  2. Abstenção de existir o trabalho forçado / degradante;
  3. Se abster de coagir ou induzir os trabalhadores a utilizarem armazéns ou serviços mantidos pela fazenda;
  4. Se abster de impor sanção aos trabalhadores em razão da dívida acumulada: de bloqueio de dinheiro de contas bancárias em nome do réu, para garantir a execução final da decisão;
  5. Indisponibilidade dos bens móveis e imóveis do réu;
  6. Quebra do sigilo bancário e fiscal do réu;
  7. Cumprimento das normas de segurança, medicina e higiene do trabalho
  8. Rescisão indireta dos contratos de trabalho, com pagamento das verbas rescisórias, quando desaconselhável a continuidade da relação de trabalho;
  9. Pagamento das despesas da viagem de retorno dos trabalhadores às suas origens;
  10. Condenação em dano moral difuso (à imagem da sociedade), dano moral coletivo (do grupo globalmente considerado) e dano moral individual homogêneo (correspondente aos danos sofridos de forma pessoal a cada trabalhador encontrado na situação em comento;
  11. Indenização em pecúnia e em multas (astreintes) diárias.” (ibid, p. 97)

Conclui-se, portanto, que a Ação Civil Pública possui a finalidade de preservar a dignidade da pessoa humana, pois defende o trabalho decente, entendido este como aquele em que se encontram presentes todos direitos trabalhistas e os direitos da pessoa humana.

É certo que a ACPT é eficaz no combate ao trabalho escravo no Brasil, de acordo com informações prestadas pela OIT e pelo MPT. Muitas vezes torna-se desnecessário ajuizá-la, tendo em vista a atuação preventiva dos auditores fiscais do trabalho e pelo próprio MPT, mediante termos de ajuste de conduta.

4.3 – Lei 10.608/02

Trata-se de conversão da Medida Provisória nº 74, de 23/10/02, assinada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Alterou a lei nº 7998/90, para assegurar o pagamento de seguro desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo

Ainda, de acordo com o novo artigo 2º-C:

"Art. 2o-C.  O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2o deste artigo.

§ 1o  O trabalhador resgatado nos termos do caput deste artigo será encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para qualificação profissional e recolocação no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego - SINE, na forma estabelecida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT.

§ 2o  Caberá ao CODEFAT, por proposta do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, estabelecer os procedimentos necessários ao recebimento do benefício previsto no caput deste artigo, observados os respectivos limites de comprometimento dos recursos do FAT, ficando vedado ao mesmo trabalhador o recebimento do benefício, em circunstâncias similares, nos doze meses seguintes à percepção da última parcela.  

4.4 – Plano Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo

Lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 10/03/03. Possui 76 ações integradas pelas entidades governamentais (ações punitivas aos empregadores que fizerem uso deste tipo de trabalho, dentre elas:

  1. Confisco de terras em que forem encontrados trabalhadores sob este regime;
  2. A inclusão do crime de escravidão na Lei de Crimes Hediondos;
  3. Pagamento de multas de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por trabalhador encontrado em regime de escravidão, etc.

Estas ações são divididas em seis blocos:

  • Ações Gerais;
  • Melhoria da Estrutura Administrativa do Grupo de Fiscalização Móvel;
  • Melhoria na Estrutura Administrativa da Ação Policial;
  • Melhoria na Estrutura Administrativa do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho;
  • Ações Específicas de Promoção da Cidadania e Combate a Impunidade;
  • Ações Específicas de Conscientização, Capacitação e Sensibilização;

Inclui ainda, a assinatura de um convênio entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Programa Fome Zero, para certificação civil de pessoas resgatadas do regime de escravidão.

Convém destacar, também, as instituições que contribuem com o Plano para Erradicação do Trabalho Escravo.

AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil;

ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho;

CNA – Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil;

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura;

CPT – Comissão Pastoral da Terra;

DPF – Departamento de Policia Federal;

DPRF – Departamento de Polícia Rodoviária Federal;

ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho;

ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República;

MAPS – Ministério da Assistência e da Promoção Social;

MDA / INCRA – Ministério do Desenvolvimento Agrário / Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária;

MJ – Ministério da Justiça;

MMA / IBAMA – Ministério do Meio Ambiente / Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis;

MPF – Ministério Público Federal;

MPF / PFDC – Ministério Público Federal / Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão;

MPS – Ministério da Previdência Social; MPS / INSS – Ministério da Previdência Social / Instituto Nacional do Seguro Social;

ONG – Repórter Brasil;

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego;

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil;

OIT – Organização Internacional do Trabalho;

SEDH – Secretaria Especial dos Direitos Humanos;

SIT / MTE – Secretaria de Inspeção do Trabalho / Ministério do Trabalho e Emprego;

MPT – Ministério Público do Trabalho;

TST – Tribunal Superior do Trabalho.

4.5 – Proposta de Emenda a Constituição (PEC) nº 438/01

Tem por objetivo alterar o artigo 243 da Constituição Federal, para permitir a expropriação de terras nas quais for constatada a exploração de trabalho escravo. In verbis:

Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à reforma agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e se reverterá, conforme o caso, em benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação de viciados, no assentamento dos colonos que foram escravizados, no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle e prevenção e repressão ao crime de tráfico ou do trabalho escravo”.(NR)

A presente proposta foi promessa de campanha do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, porém até a presente dada não foi aprovada. No endereço eletrônico da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br), consta como último andamento “Apresentação do Requerimento n. 6952/2010, pelo Deputado Antônio Carlos Biffi (PT-MS), que: "Requer a inclusão na Ordem do Dia da Proposta de Emenda à Constituição nº 438/2001, que "Dá nova redação ao artigo 243 da Constituição Federal"

Se aprovada, será outra grande aliada no combate ao trabalho escravo, vez que a perda da propriedade inibiria os exploradores desta exploração criminosa.

4.6 – Demais propostas legislativas([30])

No endereço eletrônico do Senado, encontram-se os seguintes projetos de lei:

  • Projeto de Lei n.487/2003: Dispõe sobre vedações à contratação com órgãos e entidade da Administração Pública, à concessão de incentivos fiscais e à participação em licitações por eles promovidas às empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços. Atualmente, tramita em conjunto com o Projeto de Lei n.108/2005 que visa à proibição da concessão de crédito e a contratação por licitação a pessoas físicas ou jurídicas que tenham incorrido em ato que configure a redução de alguém à condição análoga à de escravo, ou que tenham incorrido em infrações ambientais.

  • Projeto de Lei n.9/2004: Altera a redação da Lei nº 8072, de 25 de julho de 1990, para incluir entre os crimes hediondos aquele tipificado pelo artigo 149, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940.

  • Projeto de Lei n.25/2005: Cria o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo. Atualmente, tramita em conjunto com o Projeto de Lei n. 207/2006, que proíbe a concessão de crédito e a contração por licitação a pessoas físicas ou jurídicas que tenham incorrido em ato que configure a submissão de alguém à condição degradante de trabalho ou que importe grave restrição à sua liberdade individual.

  • Projeto de Lei n.5016/2005: Estabelece penalidades para o trabalho escravo, altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, que regula o trabalho rural, e dá outras providências.


CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou demonstrar que a escravidão ainda existe na zona rural, através do trabalho forçado de brasileiros que saem de seus estados em busca de melhores condições de vida e acabam por ter a sua dignidade abalada quando reduzidos à condição análoga a de escravo do período Brasil Colônia. Apesar de concentrar-se no meio rural, é possível encontrar a escravidão de imigrantes de países latinos, trabalhando na zona urbana, sobretudo nas oficinas de costura.

Dentre as várias causas da existência da escravidão nos dias atuais, duas delas são as principais: a situação de extrema pobreza em que vivem muitos trabalhadores brasileiros e a busca incessante pela riqueza por parte de empresários e donos de terra. Aproveitando-se da fragilidade econômica e da ilusão  em busca de melhores condições de vida, o empregador submete o trabalhador à jornada excessiva de trabalho; trabalho em condições degradantes; proíbe-o de deixar o local de trabalho em virtude de dívidas contraídas, bem como maus tratos e ameaças de morte, que muitas vezes são cumpridas.  

Privar alguém de sua liberdade, bem como ofender sua integridade física e moral, consiste numa das maiores afrontas não só à dignidade de quem é submetido ao trabalho escravo, mas como os direitos humanos e à moral da sociedade brasileira. Trata-se, nos dizeres de Luiz Guilherme Belizário([31]), de um retrocesso à barbárie e à negação de todas as conquistas sociais dos trabalhadores.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, traz um rol de direitos e garantias fundamentais, direitos estes que foram conquistados após muita luta. Estes direitos, assim como os direitos trabalhistas e sociais, são oriundos do princípio da dignidade da pessoa humana, e, conforme já mencionado, a dignidade é condição de existência do ser humano. A escravidão retira dos trabalhadores a dignidade, sendo necessária a erradicação desse mal que ainda persiste na sociedade.

O poder público dispõe de meios de combate ao trabalho escravo, dentre os quais podemos citar o importante trabalho do parquet laboral em conjunto com outros órgãos e também através da Ação Civil Pública e dos Termos de Ajuste de Conduta. Mas a luta do Ministério Público do Trabalho revela-se incapaz de erradicar este mal se ausentes leis que punam com mais rigor os empregadores. Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé([32]) entende que o sistema repressivo brasileiro é frágil e que merece reforma, consistente em instituir tipos penais que disciplinem tal conduta de maneira rígida e firme.

A legislação pode ser uma forte aliada na erradicação, sobretudo a Proposta de Emenda Constitucional nº 438. Se aprovada, o Estado terá poderes para confiscar terras nas quais for encontrada a mão de obra escrava, ainda que a propriedade seja produtiva. Tal medida afetará de tal maneira o bolso dos patrões, que inibirá a exploração dos obreiros.

O Estado, através dos três poderes, deve honrar os objetivos fundamentais da República, consistentes na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza, a marginalização e a redução das desigualdades sociais.

Desta forma, a erradicação do trabalho escravo deve se dar através da conscientização do Estado e sociedade como um todo.  Enquanto a sociedade permitir que atrocidades aconteçam aos trabalhadores escravizados, o Estado não se moverá para combater este mal, e, enquanto o Estado não adotar medidas mais enérgicas contra os empregadores, o trabalho escravo persistirá. Eliminar este problema é possibilitar à estes trabalhadores o exercício dos direitos que já lhes são garantidos pela Constituição Federal.


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Notas

[1] LOTTO, Luciana Aparecida. Ação Civil Pública Trabalhista contra o Trabalho Escravo no Brasil, p. 18. São Paulo: Ltr, 2008

[2] BELISÁRIO, Luis Guilherme. A redução de trabalhadores rurais à análoga à de escravos. p. 42. São Paulo: Ltr, 2005.

[3] Luciana Aparecida Lotto Ibid. p. 26/27

[4] -  Por que o trabalho escravo?, Estud, Av. jan/abr. 2000, v. 14, p. 31-50

[5] SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque: Trabalho Escravo no Brasil na Atualidade. LTR, 2001.

[6]  Aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1941, pelo então presidente Getúlio Vargas

[7] Aprovada na 32ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra 1949) e ratificada pelo Brasil em 25 de Abril de 1957

[8]  Ibid. p. 39/40

[9]  http://www.sinpait.com.br/site/internas.asp?area=9915&id=532

[10]   BELISARIO, Luiz Guilherme. A redução de trabalhadores rurais à condição análoga à de escravos. p. 119. LTR 2005)

[11]   MARTINS, José de Souza. In I Jornada de Debates sobre Trabalho Escravo. DF, 2002, pp. 87, 88, 89 e 90

[12]    DIMENSTEIN, G. “O cidadão de papel”  Ed. Ática. p. 44

[13]  -  PRUNES, J.L.F. “Direito do trabalho rural: legislação, doutrina e jurisprudência” LTR. p. 182. 1991-

[14]  Ibid. p. 114

[15]  VILELA, Ruth Beatriz O trabalho infantil no Brasil”. Revista. Do MPT,V. II, n. 14, Brasilia, 1997

[16] - MENDES, Almara Nogueira. Nova forma de escravidão urbana: trabalho de imigrantes. Revista do Ministério Público do Trabalho, set., ano XIII, Brasília: Ltr, 2003, p. 67.

[17] Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. p.112.rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005

[18]  SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2ª.Ed.,  revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002. p.62

[19]  Ibid, p. 97

[20]  TELES, Ney Moura Teles.Direito Penal: parte especial.São Paulo: Atlas, 2004. p. 302. v. II.

[21] JUNIOR, José Cairo: Curso de direito do trabalho. 4 ed. Salvador: juspodivm, 2010, p. 47

[22]  ACQUAVIVA, MARCUS CLAUDIO  Dicionário Acadêmico de Direito São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999, p. 286)

[23] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. p. 62. 3ª Ed. São Paulo: LTR, 2006

[24]. LEITE, Carlos Henrique Bezerra Execução de Termo de Ajuste de Conduta. Revista do MPT. P.41

[25]  Ibid. p. 91

[26]  MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, LTR. 2004 p. 103-104

[27]  PRADO, Erlan José Peixoto do. A ação civil pública e sua eficácia no combate ao trabalho em condições análogas à de escravo: o Dano Moral coletivo.In: LOTTO, Luciana Aparecida ibid. p. 93

[28]  Ibid p. 94

[29]  LOTTO, Luciana Aparecida. Ibid. p. 96/97

[30] Disponível no site www.senado.gov.br

[31] Ibid. p. 140

[32] Ibid. p. 128


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Heitor Carvalho. Escravidão pós Lei Áurea: a luta pela erradicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4385, 4 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40437. Acesso em: 24 abr. 2024.