Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/40781
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Extinção dos “contratos” de parceria público-privada

Extinção dos “contratos” de parceria público-privada

Publicado em . Elaborado em .

Identificam-se as modalidades de extinção das “parcerias público-privadas” (PPPs), bem como o regime jurídico correspondente.

RESUMO: O presente estudo tem por finalidade precípua identificar no sistema normativo as modalidades de extinção das assim chamadas “parcerias público-privadas” (PPPs), bem como o regime jurídico correspondente.  O caminho percorrido, entretanto, foge ao tradicional: discorda-se da doutrina amplamente majoritária, que classifica as concessões administrativas como espécie de “contratos administrativos”. Defende-se que a teoria dos contratos foi concebida para o direito privado, não apresentando compatibilidade com o regime de direito público. Destarte, apresenta-se como alternativa a adoção da teoria dos atos administrativos, no interior da qual se situam os atos administrativos bilaterais ou plurilaterais. Trata-se da hipótese em que a assunção da vontade do(s) administrado(s) não opera apenas como pressuposto para edição do ato, mas como pressuposto para configuração do próprio conteúdo da relação jurídica. Essa nota característica implica soluções dogmáticas relevantes, para as quais a teoria dos princípios pode oferecer contribuição relevante. Assim, apresenta-se essa investigação estruturada em duas partes: na primeira, serão fixadas algumas premissas conceituais, reputadas absolutamente indispensáveis no enfrentamento do tema; na segunda serão examinadas cada uma das modalidades de extinção dos comumente chamados “contratos de concessão”, cuidando de efeitos típicos da extinção, v.g., dos regimes de indenização e de reversão dos bens. Ao fim e ao cabo, chega-se à conclusão, acrescendo-se comentários didáticos ao inventário de propostas feitas ao longo do trabalho.

Palavras-chave: Parceria Público-Privada. Extinção. Atos administrativos bilaterais.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 Premissas conceituais; 1.1 A norma jurídica e suas múltiplas facetas; 1.2 Contratos no direito privado; 1.3 Notas sobre os chamados “contratos administrativos”; 1.4 Alguns conceitos básicos da teoria do ato administrativo; 2. Breves considerações acerca das parcerias público-privadas; 2.1 Extinção da parceria público-privada; 2.1.1 A extinção pelo “advento do termo contratual”; 2.1.2 A extinção pela “encampação”: razões de interesse público; 2.1.3 A extinção pela “caducidade ou decadência”: culpa do concessionário; 2.1.4 A extinção pela “rescisão” por culpa do poder concedente; 2.1.5 A extinção da concessão por anulação; 2.1.6 A extinção por falência ou extinção da concessionária; 2.1.7 Outras modalidades de extinção; 2.2 Efeitos comuns a todas as modalidades de extinção; 2.3 A teoria dos princípios e os atos administrativos bilaterais ou plurilaterais; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

A expressão “parceria público-privada” (doravante também designada simplesmente pela sigla PPP, dado seu uso corrente) e o instituto que ela consagra ingressaram no nosso cenário jurídico por influência de práticas muito difundidas no direito estrangeiro, especialmente no direito europeu (v.g., França, Alemanha e Grã-Bretanha) [1]. Trata-se da importação de um modelo que, segundo relevante parcela da doutrina, não é compatível com a nossa Constituição. Deveras, tem grassado na doutrina pátria controvérsia acerca de possível inconstitucionalidade das chamadas “parceria-público privadas” em sentido estrito[2], isto é, daquelas modalidades contratuais introduzidas no direito positivo pátrio pela Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004: a concessão patrocinada e a concessão administrativa.

A despeito de eventuais invalidades da norma[3], certo é que a doutrina não pode ignorar o fato de que a lei existe e de que, ao menos por ora, não foi declarada inválida. Assim, até que sua existência normativa seja desconstituída pela declaração de invalidade promanada por órgão competente, a norma encontra-se vigente e eficaz, gerando os efeitos que lhe são próprios.

De fato, diuturnamente contratos de parceria público-privada têm sido celebrados com arrimo na legislação vigente. A formação destes vínculos, a execução dos contratos que deles derivam e, inclusive, as hipóteses de encerramento, antecipado ou não, das relações por eles instituídas, tudo isso é balizado por um complexo microssistema normativo, a envolver a correta interpretação do sentido e alcance de dispositivos constitucionais e legais.

Nada obstante, o exame completo deste microssistema passo ao largo das modestas intenções e finalidades do presente estudo; em realidade, este trabalho preordena-se a tratar de um específico tema que não tem merecido atenção que julgamos devida por parte da doutrina especializada: trata-se das hipóteses de extinção dos “contratos” administrativos de concessão.

Como se verá adiante, a alusão aqui ao gênero (“contrato” de concessão) e não às espécies (comum, patrocinada e administrativa) é absolutamente propositada: em matéria de extinção dos vínculos jurídicos que a tradição linguística designa por “contratos administrativos”, aplicam-se em geral às parcerias público-privadas as regras atinentes ao regime já consagrado para a concessão comum. Há fundamento normativo que embasa essa assertiva.

Cumpre questionar, porém, se: (1) não seria de extraordinária utilidade examinar o tema não à luz de categorias próprias do direito privado (como o são os contratos), senão com base em conceitos radicados na própria intimidade do direito público (como o são a teoria dos atos administrativos e de seus vícios); e (2) se não haveria especificidades que, à luz do regramento das PPPs, justifiquem nesse âmbito um refinamento da doutrina.

Convencidos de que a principal finalidade de toda e qualquer ciência é o progresso, empreendemos esta jornada. Se a nossa proposta não merecer acolhida, ao menos que tenha a virtude de fomentar novas e melhores reflexões.

Apresenta-se, deste modo, o presente estudo, cujo desenvolvimento está estruturado em duas partes: na primeira, serão fixadas algumas premissas conceituais, reputadas absolutamente indispensáveis no enfrentamento do tema; a segunda examinará cada uma das modalidades de extinção dos comumente chamados “contratos de concessão”, cuidando de efeitos típicos da extinção, v.g., dos regimes de indenização e de reversão dos bens. Ao fim e ao cabo, chega-se à conclusão, acrescendo-se comentários didáticos ao inventário de propostas feitas.

O estudo tem caráter dogmático: tem por objetivo examinar o direito positivo brasileiro tal como se revela na Constituição e nas leis. Assim, constitui análise de lege lata e não de lege ferenda.


1. Premissas conceituais

As premissas a seguir fixadas mereceriam cada uma delas uma monografia específica. Contudo, a estreiteza dos nossos propósitos não permitirá maior desenvolvimento dos temas. Sem embargo, há pontos que não poderiam deixar de ser enfrentados, ainda que perfunctoriamente, porque fazem parte do próprio fio condutor do raciocínio desenvolvido neste trabalho. Daí a imperiosa necessidade de se exprimir certos pressupostos epistemológicos, confessadamente adotados, na tentativa de construir um todo coerente.

1.1.A norma jurídica e suas múltiplas facetas

Trata-se de verdade inquestionável: a “vida se desenvolve dentro de um mundo de normas” [4].

Do nascimento até morte são apresentadas ao homem pautas de conduta, que dirigem sua ação nesta ou naquela direção, na medida em que ordenam um comportamento, permitem possa o indivíduo adotá-lo ou o proíbem de fazê-lo. Pode-se afirmar, parafraseando o catedrático italiano Noberto Bobbio, que a vida é uma experiência normativa.

Inserimo-nos, assim em um campo extraordinariamente amplo e variado: seria impróprio reduzir a experiência normativa às normas jurídicas. É necessário ter presente que, ademais das normas jurídicas, há normas morais, religiosas, éticas, sociais, costumes, enfim inúmeras outras pautas de comportamento, que se diferenciam entre si, uma vez mais segundo Bobbio[5], por seu conteúdo, pelo tipo de obrigação que fazem surgir, pelo seu âmbito de validez e existência e pelos sujeitos a quem estão dirigidas.

É certo, porém, que as normas jurídicas são especialmente importantes para a ordem na sociedade. São estas pautas de observância coativa que tornam possível a ideia de sociedade política institucionalizada, isto é, de Estado.

Assim, assume capital importância saber o que se deve entender por norma jurídica.

Antes de conceituá-las, todavia, convém asseverar que toda definição de termo científico é convencional e estipulativa[6]. Isto significa, na magistral lição de Manuel Atienza, “que la relación entre las palabras y sus significados (entre significante e significado) no tiene caráter necesario, esencial”; por essa razão, “no pueden calificarse de verdaderas o falsas”. Coaduna deste entendimento Carrió, para quem os conceitos não são verdadeiros ou falsos, mas úteis ou inúteis[8].

Afigura-se útil, ao presente trabalho, o conceito imortalizado pelo saudoso mestre Goffredo Telles Júnior, segundo o qual “norma jurídica se define: imperativo autorizante”[9]. Com efeito, na lição do citado autor, “toda norma jurídica tem estrutura hipotética”[10]. Na hipótese de se verificar a circunstância para a qual foi enunciada, então deve ser a consequência nela descrita. Esquematicamente, resume logo adiante: “se A é, B deve ser”. Cuidam, as normas jurídicas, do mundo do “dever-ser”. Assim, a norma jurídica não descreve o comportamento efetivamente verificado no mundo fenomênico, mas sim aquele que deve ser mantido, em dada circunstância. A norma jurídica “não descreve o que é, mas o que deve ser. Ela não é a norma do ser, mas do dever-ser”[11].

Antes de prosseguir, deve-se sublinhar que nenhuma norma jurídica ingressa no direito positivo sem que seja introduzida por outra norma, isto é, por um veículo introdutor de normas, podendo-se então distinguir a norma introduzida da norma introdutora. Esta se afigura como enunciação e aquela como o seu enunciado[12]. Diversos serão os possíveis veículos introdutores: Constituição e emendas constitucionais; leis complementares, ordinárias ou delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; resoluções; regimentos; acórdãos; sentenças; decisões interlocutórias; despachos; atos administrativos; e, finalmente, no âmbito privado, os negócios jurídicos.

Em efeito, os órgãos públicos competentes e os particulares expedem normas introdutoras, por meio das quais os últimos veiculam normas individuais e abstratas ou individuais e concretas; e os primeiros além destas, também veiculam normas gerais e abstratas ou gerais e concretas[13].  

Destarte, a norma poderá assumir variadas formas, a depender do sujeito que a emane e do veículo que a introduza. O atributo da generalidade guarda relação com o destinatário da norma: são gerais as normas dirigidas a um conjunto de sujeitos indeterminados; são individuais, as que individualizarem o receptor normativo. Já as normas abstratas são universais quanto à ação prescrita, contrapondo-se às concretas, que regulam uma ação particular.

Ante o direito positivo pátrio não se afigura correta a corriqueira noção de associar a produção de normas jurídicas à atividade legislativa. A restrição só se explica sob o prisma ideológico[14], ligado à concepção de lei tal qual encetada por Rousseu, ou seja, como único instrumento hábil a legitimar o contrato social[15], porquanto fruto da vontade geral do povo. Note-se, contudo, que esse equívoco esboroa-se quando analisado o sistema constitucional, o qual prevê outros tipos de normas legislativas, assim as gerais e concretas[16], as individuais e abstratas[17] e as individuais e concretas[18].

Ademais, acolhe-se aqui a teoria normativa dos negócios jurídicos de Hans Kelsen[19]: por meio dos negócios jurídicos, os particulares instituem verdadeiras normas jurídicas, as quais criam, modificam ou extinguem relações jurídicas, que vinculam as partes que deles participam. Com efeito, os negócios jurídicos consistem em veículos introdutores de normas jurídicas elaboradas pelos particulares, com fundamento na chamada autonomia da vontade[20].

Em suma: norma jurídica é um imperativo autorizante. Seu conteúdo varia segundo a combinação de dois atributos (generalidade e abstração). Assim, temos: normas gerais e abstratas, normas gerais e concretas, normas individuais e abstratas e normas individuais e concretas. Para que tais normas sejam postas no sistema é necessário expressá-las em um veículo introdutor. Este se afigura como enunciação, sendo o seu produto, isto é, a norma jurídica, o enunciado. Os veículos introdutores constituem fontes normativas: tanto o Estado como os indivíduos possuem o poder de disciplinarem comportamentos por meio de normas jurídicas.

1.2.Contratos no direito privado

No âmbito privado, a vontade assume papel fundamental. A liberdade pressupõe a vontade: livre é aquele que age não por decisão de outrem, mas por sua própria decisão. O desenvolvimento da personalidade, portanto, depende da possibilidade de exercício da própria vontade.

No entanto, uma vontade exercida de forma absoluta, ilimitada, não poderia ser exercida por todos os indivíduos simultaneamente: a vontade de uns (e, portanto, a liberdade que ela encerra), fatalmente esbarraria na vontade de outros. Por tal razão, a ordem jurídica estabelece restrições às liberdades dos indivíduos: eles podem fazer ou deixar de fazer o que quiserem, desde que respeitadas as limitações impostas pelo sistema. Assim, devem apurar em cada situação o âmbito de liberdade que possuem: somente ali onde não existam proibições ditadas pelo sistema normativo (pelo conjunto de regras e princípios que formam tal sistema) é que se apresenta a chamada liberdade jurídica.

O exercício efetivo dessa liberdade pressupõe tanto a possibilidade de disciplinar a própria esfera jurídica como de interferir na esfera jurídica alheia. Para a autodisciplina da conduta basta a própria vontade; já para a disciplina da esfera jurídica alheia, exige-se a conjugação da vontade própria e da vontade alheia.

Essa interferência na esfera jurídica alheia dá-se por meio dos negócios jurídicos. Estes se aperfeiçoam ou com a aquiescência ou com a concordância alheia. Com efeito, negócio jurídico unilateral consiste no veículo introdutor de normas jurídicas que criam, modificam ou extinguem relações jurídicas, em que um só indivíduo as formula, mas subordina sua eficácia ao assentimento de outrem (p. ex: o testamento tem sua eficácia subordinada à aceitação do legado). Por sua vez, negócio jurídico bilateral ou plurilateral consiste no veículo introdutor de normas, que criam, modificam ou extinguem relações jurídicas, elaboradas conjuntamente por dois ou mais sujeitos ou elaboradas por um e assumidas como produto por todos (p. ex: contratos).

Os negócios jurídicos, especialmente os negócios jurídicos bilaterais, trazem consigo longa tradição privatista. O instituto dos contratos foi gestado, nasceu e se desenvolveu na seara do direito privado. Por isso mesmo, como nota característica das relações travadas entre os particulares, o instituto assentou-se sob a máxima pacta sunt servanda, que informa, por exemplo, três princípios fundamentais na matéria: (a) a paridade jurídica entre os contratantes (nenhuma das partes pode impor a outra o conteúdo do contrato, nem alterá-lo unilateralmente); (b) a intangibilidade do contrato (seus termos não podem ser modificados sem o consentimento das partes); (c) a obrigatoriedade do contrato (o contrato faz lei entre as partes, devendo ser cumprido)[21].

Tendo em vista estes caracteres e o regime jurídico que eles traduzem, é de se questionar se a categoria jurídica “contratos” é passível de ser transplantada sem mais para a seara do direito público ou se, dadas as substanciais modificações que o direito público exigiria, não seria algo que a ciência desenvolvesse a tal título uma categoria jurídica própria. Afinal, é apropriado dizer que existem “contratos” administrativos?

1.3. Notas sobre os chamados “contratos” administrativos

Há na doutrina viva polêmica acerca da existência de contratos administrativos. Formaram-se quatro posições.

A primeira corrente, com origem na doutrina francesa, distingue entre contratos da Administração (regidos pelo direito privado) e contratos administrativos (regidos pelo direito público). Nestes últimos, por imposição do interesse público, seria comum a presença de cláusulas exorbitantes, que outorguem à Administração Pública poderes que não encontram paralelo no âmbito privado. No Brasil, ao que parece, ganhou foros de maioria, especialmente pela influência de autores como Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e outros[22].

A segunda posição, oriunda da doutrina alemã, nega a existência de contratos administrativos: em algumas hipóteses, pode haver contratos privados submetidos a certas regras especiais expressamente previstas; noutras, pode haver atos unilaterais da Administração atrelados a um contrato privado complementar, (especialmente quanto à equação econômico-financeira). Como representantes dessa linha, temos, exemplificativamente, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello[23].

Os partidários da terceira corrente negam a possibilidade de a Administração celebrar contratos regidos pelo direito privado, pois todas as avenças firmadas pelo Poder Público seriam, em maior ou menor medida, regidas pelo direito público; constituiriam, portanto, contratos administrativos. Filiam-se a ela, ilustrativamente, Lúcia Valle Figueiredo[24].

Por fim, recentemente surgiu uma nova tese, concebida por Ricardo Marcondes Martins[25] que nega a existência tanto de “contratos da Administração” como de “contratos administrativos”: sustenta que existem tão somente atos administrativos bilaterais, que se submentem a regime de direito público, ainda quando eventualmente admitem a aplicação de certas regras de direito privado.

Apesar de absolutamente minoritária, há fortes razões para aderir a quarta corrente. Por primeiro, convence-nos o argumento de que a primeira e segunda posições encarnam grave vício metodológico, consistente em supor que o Estado possa assumir a situação jurídica de um particular e, por conseguinte, submeter-se (ainda que parcialmente), ao regime de direito privado.

Ora, o Estado é meio, não é um fim em si mesmo. Ele existe, por implícita autorização da sociedade, apenas e tão somente para a satisfação do bem comum. Em outras palavras, o homem vive em sociedade e a ela se subordina, porque o bem comum é o meio ou instrumento de que ele necessita para atingir seus próprios fins, para a consecução de seus projetos e para a expansão de sua personalidade e para atingir a felicidade. Mas a sociedade existe para servir ao homem e não para torturá-lo. Se os homens se subordinam à sociedade é para que esta os sirva e seja para eles um instrumento na realização de seus objetivos.

 A ideia basilar, sobre a qual se edificam as sociedades racionais, é a de respeito à personalidade humana, ou seja, a expansão do homem, a afirmação de sua dignidade. Assim, a causa precípua das organizações sociais é a consecução desse objetivo. Também é assim em relação ao Estado. Este reduz à unidade os diversos grupos sociais, ainda que heterogêneos em sua formação, submetendo-os à sua soberania, com o fim maior de atingir o bem comum, não para diminuir o bem particular, mas, pelo contrário, para fortalecê-lo[26].

Neste sentido, não passa o Estado de meio, instituído para que a pessoa humana atinja suas finalidades[27]. É, aliás, “meio natural, de que pode e deve servir-se o homem, para a consecução do seu fim, sendo o Estado para o homem e não o homem para o Estado”[28].

Eis uma dicotomia que, conquanto trivial, representa uma das realidades primordiais das sociedades humanas: para o Estado o bem comum é a sua própria razão de existir; é a função que ontologicamente lhe incumbe realizar. Logo, o Estado jamais pode buscar a realização de interesses privados, tal qual um particular. Pelo contrário: toda atuação estatal deve pautar-se pela satisfação do bem comum, isto é, pela concretização do interesse púbico[29].

Há, todavia, uma razão ainda mais forte para se rechaçar as três primeiras correntes, qual seja a de que todas elas incorrem no mesmo vício metodológico, consistente em assumir um conceito de direito privado (no caso o conceito de contrato) como se se tratasse de um conceito próprio da teoria geral do direito, adequado tanto o direito público como para o direito privado.

Com efeito, não se ignora que, o direito enquanto ciência é uno. Mas como negar a extraordinária utilidade didática de subdividi-lo em dois grandes ramos, em virtude das peculiaridades próprias de cada regime jurídico?

Note-se que o direito privado foi construído sobre duas pedras fundamentais: a liberdade individual e a autonomia da vontade. Nem liberdade, nem autonomia são compatíveis com a orientação finalística a qual está adstrito o Estado: perseguir o interesse público, em cumprimento da função que lhe incumbe. A Administração Pública desconhece a liberdade: suas competências ou são exercidas de forma vinculada ou discricionária[30], mas nunca livre.

Por tal singela razão, a Administração Pública não pode simplesmente escolher submeter-se a regime de direito privado. O direito administrativo é um direito estatutário: toda vez que estiver presente a Administração Pública em quaisquer dos polos de uma relação jurídica, incidirá, inexoravelmente, o regime de público.

Diz-se que um direito é estatutário quando voltado à regulação de singulares espécies de sujeitos que se agrupam sob um dado nome (p.ex.: Administração Pública), subtraindo-se os mencionados sujeitos da normação do Direito comum. O conjunto normativo próprio a que está submetida a Administração (direito público) é distinto do conjunto normativo a que estão submetidos os particulares (direito privado). Em apertada síntese, pode-se dizer que o regime de direito público é composto de normas que estabelecem prerrogativas (meramente instrumentais ao cumprimento do dever de tutelar o interesse público) à Administração e de normas que lhe estabelecem restrições.

O Direito Administrativo é estatutário, pois as relações a que dá origem, isto é, as relações administrativas, são regidas por normas próprias, pelo regime jurídico administrativo, erigido sob as ideias-matrizes (mandamentos nucleares de um sistema) da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público sobre o privado[31]-[32]. A exigência de proteção do interesse público nos impele a rechaçar possa a Administração submeter-se a regime de direito privado.

Se as avenças que a Administração Pública celebra com os particulares não configuram, a rigor, “contratos da administração” e nem “contratos administrativos”, qual seria então sua natureza jurídica? A resposta foi irretocavelmente desenvolvida por Ricardo Marcondes Martins[33], em artigo monográfico de indispensável leitura, que constitui verdadeira teoria geral do tema.

Quanto ao papel que desempenha a vontade dos particulares na formação dos atos administrativos, assevera o aludido autor que podem ser distinguidos dois grandes grupos: (a) atos administrativos em cuja formação do conteúdo a vontade do particular é irrelevante (assim os atos administrativos unilaterais em sentido amplo, que compreendem os atos administrativos em sentido estrito e os atos administrativos cuja validade ou eficácia está condicionada à manifestação do administrado); e (b) atos administrativos para cuja formação do conteúdo é imprescindível reunir duas ou mais vontades: ou a de dois entes administrativos ou a de um ente administrativo e um particular (chamados de atos administrativos bilaterais ou plurilaterais). Estes últimos se subdividem em duas subclasses: (b1) atos administrativos relativos a interesses contrapostos (v.g., o particular pretende satisfazer seu interesse pecuniário e a Administração pretende concretizar o interesse público) e (b2) atos administrativos relativos a interesses comuns (v.g., convênio administrativo ou consórcios administrativos).

Em suma: nos atos administrativos bilaterais, não somente a formação do vínculo, mas o próprio conteúdo da relação é resultado da reunião de duas ou mais vontades. Pode-se dizer, para fins didáticos, que a edição do ato perfaz, portanto, uma espécie de ato complexo.

Anote-se que os atos administrativos bilaterais constituem aquilo que a doutrina tradicional designa por contratos administrativos. Mas a questão não envolve uma mera troca de rótulos: a figura dos tais contratos administrativos evoca a ideia, a nosso juízo equivocada, de que o regime de direito privado seria integral ou parcialmente aplicável nesta seara. Nada mais enganoso. Como já se disse alhures, o sistema repudia essa assertiva: o regime de direito público é sempre aplicável nas relações que envolvam o Estado.

Isso não quer dizer, entretanto, que algumas regras do direito privado não possam ser aplicadas à Administração; isto é, os atos administrativos bilaterais comportam nova subdivisão: há atos administrativos bilaterais que se submetem exclusivamente a regras de direito público e há atos administrativos bilaterais que se submetem também a regras de direito privado. Ou seja, dependendo do objeto do contrato, o direito admite que o ajuste seja parcialmente submetido às regras de direito privado. Sem embargo, isso não desnatura o regime estatutário da relação: em nenhum caso se tratará de aplicação pura e simples do direito privado, mas de submissão ao regime de direito público, com influxo de uma ou outra regra privada.

A proposta, portanto, não é de taxionomia; mas de distinção do regime jurídico aplicável. Para sustentar a aplicação ao direito público da teoria dos contratos – cujos lineamentos estão enraizados profundamente na consciência jurídica do mundo ocidental, em virtude da tradição romano-germânica em que inserida – a doutrina administrativista teve de conceber grande esforço. A teoria das cláusulas exorbitantes é um exemplo pragmático. Decerto, ela se constitui aberrante no campo privado, na seara da igualdade entre os contratantes. Daí a pertinência da iniciativa inovadora: quiçá a teoria dos atos administrativos em matéria de “contratos administrativos” confira a necessária racionalidade ao sistema, eliminando as incongruências e os desconfortos causados pela utilização (não raro sem a apropriada ressignificação) da velha teoria dos contratos nesse âmbito.

1.4 Alguns conceitos básicos da teoria do ato administrativo

É até mesmo intuitivo: antes de tratar do regime jurídico dos atos administrativos bilaterais, imperativo fixar o que se entende por ato administrativo.

Em alguma medida isso já foi fixado no item 1.1 supra: ato administrativo é a designação por meio da qual genericamente são referidos os veículos introdutores de normas administrativas. Mais: atos administrativos não são apenas os veículos, mas, por transnominação, também as normas por eles introduzidas. Ou seja: trata-se de conceito anfibológico, que designa dois objetos: o veiculo e a norma por ele posta no sistema.

Os atos administrativos podem resultar do exercício de dois tipos distintos de competências: vinculadas ou discricionárias.

Existe vinculação quando, diante do caso concreto, o sistema jurídico globalmente considerado (a correta intelecção das regras e dos princípios incidentes) oferece ao agente competente apenas uma solução ótima para a concretização do interesse público.

Existe discricionariedade quando, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, o sistema jurídico globalmente considerado (vale repisar: a correta intelecção das regras e dos princípios jurídicos Incidentes) oferece ao agente competente duas ou mais soluções igualmente ótimas tendo em vista a necessidade de concretização do interesse público. Nesse caso, o sistema imputa a escolha ao agente competente, pois não é possível objetivamente dizer qual a melhor solução para o caso. Há aqui insolúvel dúvida a respeito de qual a melhor opção, porque, inexoravelmente, a decisão variaria de acordo com a visão de mundo e os valores de cada pessoa. Por essa razão, para superar as divergências próprias do pluralismo, é outorgado ao agente competente a prerrogativa de eleger entre os indiferentes jurídicos, aquele caminho que a seu juízo seja o melhor para a fiel concretização do interesse público que lhe incumbe tutelar[34].

Como toda norma jurídica, o ato administrativo pode ser decomposto em três planos: da existência, da validade e da eficácia. Existência é a aptidão de ingressar no mundo jurídico. Validade é a relação de conformidade entre o ato e o sistema normativo. Eficácia é a capacidade de operar os efeitos que lhe são próprios. Essa a clássica proposta de Celso Antônio Bandeira de Mello aqui integralmente acolhida[35].

O tema central deste estudo é o da extinção dos atos administrativos bilaterais (se se quiser: “contratos administrativos”) que constituem parcerias-público privadas. Somente se fala em extinção de normas existentes. Daí a extraordinária utilidade da proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello: o ato administrativo eficaz é retirado do mundo jurídico por retirada (invalidação, revogação, cassação, caducidade) ou por autorretirada (esgotamento do conteúdo jurídico; execução material, implemento de condição resolutiva ou termo final). A seu devido tempo, examinaremos pormenorizadamente as causas de extinção das PPPs, categorizando-as em hipóteses de retirada ou de autorretirada.

Com efeito, antes de prosseguir cumpre fixar alguns conceitos basilares em matéria de extinção de atos administrativos[36].

O primeiro é o conceito de vício. O vício consiste numa contrariedade ao Direito. Ato viciado significa ato praticado em desconformidade com a ordem jurídica, globalmente considerada (ato que atente contra regras ou princípios jurídicos do sistema). Os vícios podem ser subdivididos quanto à gravidade em: (a) vícios de pouco ou nenhuma relevância para o Direito: não geram o efeito de impor sua correção, isto é, não impõem sua sanatória (ou salvamento) nem sua eliminação. Atos atingidos por este tipo de vício são atos irregulares, em relação os quais o sistema não exige, mas apenas faculta a correção; (b) vícios graves, particularmente relevantes para o Direito: nesse caso o vício é de tal magnitude que o sistema exige, no momento imediatamente posterior à constatação do vício, que o ato seja corrigido (sanatória ou eliminação) pela edição de outro ato jurídico, administrativo ou jurisdicional. Trata-se das hipóteses de invalidade, que pode ser originária ou superveniente à edição do ato administrativo. Com efeito, a invalidade superveniente resulta de um vício do ato administrativo que venha a surgir posteriormente à sua edição ou, noutras palavras, que a desconformidade com o Direito ocorra no momento posterior ao da edição do ato, fazendo com que o sistema jurídico exija a correção do ato maculado.

Não se deve confundir invalidade do ato com invalidação do ato. Invalidade é uma qualidade dos atos viciados que gera o efeito de impor ao Estado o dever de correção do vício. Invalidação é apenas uma das formas de correção do vício do ato administrativo prevista no sistema: é o ato de retirada cujo fundamento reside numa invalidade original do ato retirado. Cassação e caducidade (ou decaimento) são atos de retirada fundamentados na invalidade superveniente do ato retirado. Vale dizer: em razão da alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas o ato administrativo anteriormente válido, torna-se viciado. A cassação é o ato de retirada em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato. A caducidade (ou decaimento) diz respeito a retirada do ato em razão da alteração de outras circunstâncias fáticas ou jurídicas, incidentes no momento da edição do ato, que alteram o resultado da ponderação, tornando o ato viciado.

Por outro lado, são formas de sanatória (ou salvamento) do ato administrativo: (a) conversão: consiste na edição de um ato administrativo que tem por efeito a transformação de um ato viciado em outro ato, de forma que o ato viciado seja saneado. É uma modalidade de sanatória, pois há o aproveitamento dos efeitos do ato inválido para o outro ato; (b) redução ou reforma: consiste na edição de um ato administrativo que tem por efeito a exclusão da parte inválida do ato viciado, mantendo a parte válida; corresponde, portanto, a uma invalidação parcial. O ato redutor retira o ato inválido do sistema e toma para si parte dos efeitos produzidos por ele. É uma modalidade de sanatória porque há aproveitamento (ainda que parcial) do ato viciado; (c) convalidação: consiste na edição de um ato administrativo que retira, com efeitos retroativos, o vício do ato administrativo inválido, mantendo-se, no mais, o ato tal como editado. Ou seja, a convalidação corrige o vício e mantém o ato e todos os efeitos gerados por ele. Trata-se da modalidade de sanatória mais eficaz, pois o aproveitamento do ato viciado é total. A convalidação é chamada de ratificação se efetuada pela mesma autoridade que editou o ato viciado e de confirmação se efetuada por autoridade distinta.

Por fim, há outra hipótese de correção: trata-se da Invalidação e concomitante edição de outro ato. Nesse caso, trata-se da hipótese de invalidação total da norma e concomitante edição de outro ato administrativo, com efeitos para o futuro. A hipótese lembra a redução, se o conteúdo do novo ato é parcialmente equivalente ao anterior; lembra a conversão, se inexiste identidade entre o conteúdo do novo ato e do ato anterior; lembra convalidação se o conteúdo do novo ato é idêntico ao do ato anterior; e, por isso, podem impropriamente ser chamadas respectivamente de redução irretroativa, conversão irretroativa e convalidação irretroativa. Diz-se impropriamente porque não havendo o aproveitamento dos efeitos do ato anterior, não há que se falar em redução, conversão ou convalidação, mas em invalidação e concomitante edição de novo ato.

Expostos sumariamente estes conceitos basilares da teoria dos atos administrativos, pode-se, finalmente, examinar o tema central de nossa exposição. O objetivo mediato é que os elementos trazidos ofereçam grande valia no enfrentamento central deste estudo: as causas de extinção das PPPs.


2. Breves considerações acerca das parcerias público-privadas

Como já se disse alhures, com o advento Lei Federal nº 11.079/2004 no direito brasileiro foram introduzidas duas novas modalidades de contratação: a concessão patrocinada e a concessão administrativa.

Com efeito, cumpre assinalar que esta lei trata-se de um veículo introdutor de normas jurídicas, editado com base na competência privativa da União para legislar sobre “normas gerais de licitações e contratação” (Constituição, artigo 22, inciso XXVII), com incidência sobre todos os entes federativos. Vale dizer: no que se refere às normas gerais[37] por ela estatuídas, a lei mencionada tem caráter nacional, sendo aplicável tanto às pessoas federativas (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) quanto às entidades da administração indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedade de economia mista) pertencentes ao aparelho organizativo de cada pessoa política.

Ademais, a Lei nº 11.079/04 também estabelece normas específicas, aplicáveis tão somente à União Federal. Trata-se da matéria regulada no Capítulo VI da referida lei (artigos 14 e 22). Quanto a essas normas específicas, cada ente federativo, em seu respectivo âmbito de atuação, pode disciplinar a matéria.

A concessão patrocinada, segundo a dicção da lei (artigo 2º, § 1º) consiste numa concessão de serviço público ou de obra pública, submetida genericamente ao regramento das concessões comuns (Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), com a diferença de que nela, além de perceber as receitas tarifárias, o concessionário também percebe contraprestação pecuniária devida pelo poder concedente. A rigor, nem isso se trata de efetiva novidade: a Lei nº 8.987/95 já admitia, em seu artigo 11, a possibilidade de fontes “alternativas, complementares e acessórias”. A diferença reside nisto, na possibilidade aberta pela lei, de que, nos contratos de concessão patrocinada, a contraprestação pecuniária paga pelo poder concedente corresponda a maior parte da remuneração prevista ao concessionário.

A concessão administrativa igualmente é instituída por um ato administrativo bilateral de interesse contraposto (se se preferir: contrato administrativo em sentido restrito), de objeto complexo, em que o particular se obriga a prestações de dar e de fazer direta ou indiretamente em favor da Administração Pública, mediante contrapartida pecuniária suportada parcial ou exclusivamente pelos cofres públicos e objeto do oferecimento de garantias diferenciadas, que tornem financeiramente viável o negócio[38].

Observa-se que as PPPs implicam na formação de relações jurídicas de longa duração, frequentemente sob a execução de objetos extremamente complexos. Isso impõe a necessidade de certa dialogicidade entre as partes, baseada na dinâmica própria da relação instituída: como não é possível antecipar todas as situações futuras no momento de sua edição, exige-se grande esforço na definição de critérios objetivos que vão informar a relação durante todo o vínculo.

 Em síntese: as parcerias público-privadas inserem-se na modalidade de concessões, pois transferem a prestação do serviço público ou o desenvolvimento da infraestrutura à iniciativa privada, que os executa em cumprimento aos termos consensualmente ajustados. A vontade do particular aqui é fundamental (não apenas na formação do liame, senão também na configuração do conteúdo da relação instituída) e, não obstante a forte incidência das regras do regime jurídico administrativo (sem que se possa prescindir dos sobreprincípios da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público sobre o privado), deve ser considerada pelo Direito, especialmente nas hipóteses de extinção da relação entre as partes.

2.1 Extinção da parceria-público privada

A Lei Federal nº 11.079/2004 não disciplinou modalidades de extinção das parcerias público-privadas, tampouco estabeleceu expressamente que o “contrato” devesse ter cláusula expressa disciplinando o desfazimento do vínculo. Sem embargo, certo é que implicitamente a lei em questão tratou do assunto, na medida em que determinou aplicar, no couber, às parcerias-público privadas, o disposto no artigo 23 da Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Para a concessão patrocinada é o que resulta da conjugação dos artigos 3º, § 1º, e 5º, caput, da Lei das PPPs. No que se refere à concessão administrativa, é o que resulta da aplicação conjugada dos artigos 3º, caput, e 5º, caput, da Lei das PPPs.

Ora, o mencionado artigo 23, em seu inciso IX, estabelece que os casos de extinção da concessão constituem cláusulas essenciais do “contrato de concessão”[39]. Portanto, por extensão, trata-se de cláusula essencial das PPPs. E as hipóteses de extinção estão arroladas no artigo 35 da Lei nº 8.987/1995.

Essas hipóteses, face aos termos do mencionado artigo 35, são: (a) “advento do termo contratual”; (b) encampação; (c) caducidade; (d) rescisão; (e) anulação; (f) falência ou extinção da empresa concessionária.

A seguir vamos tratar de cada uma das figuras mencionadas, cotejando-as com os lineamentos estabelecidos na primeira parte do estudo.

2.1.1 A extinção pelo “advento do termo contratual”

Toda concessão é outorgada por prazo certo. É natural, portanto, que pelo mero decurso do prazo de vigência, a concessão seja extinta. De fato, o modo normal de extinção de concessão é o atingimento do termo final, ou seja, é o implemento do evento futuro e certo que, uma vez ocorrido, põe fim às relações jurídicas instituídas entre as partes. Trata-se de hipótese de autorretirada do ato.

Saliente-se que, em regra, o termo final constitui um fato cuja ocorrência desencadeia variados efeitos jurídicos (fato jurídico), sem a necessidade de qualquer outra formalidade. Vale dizer: vencido o prazo estabelecido, deve haver o automático retorno do serviço ao poder concedente. Entretanto, como observa Marçal Justen Filho[40], essa assertiva merece temperamentos em virtude do princípio da continuidade dos serviços públicos: o interesse público exige que os serviços públicos não sejam paralisados, ainda que se configure omissão da Administração em reassumir a titularidade da prestação do serviço. Com efeito, o Poder Público tem o dever de ex officio adotar as medidas necessárias para assegurar que a extinção do vínculo não implique em perturbações para o bom desempenho do serviço, devendo reassumir diretamente a prestação ou outorgá-la em nova concessão, ao passo que o particular deve estar atento ao término da delegação, para se for o caso provocar o poder concedente a adotar as providências cabíveis.

Em princípio, é de se imaginar que, quando do advento do dies ad quem, todos os investimentos feitos pelo concessionário já terão sido amortizados. Extinto o prazo da concessão, supõe-se não haver mais nada a indenizar: em regra, a equação econômico-financeira ajustada entre as partes terá sido fielmente assegurada e, automaticamente, com o fim da concessão os bens reversíveis devem ser transferidos do domínio dos particulares para o domínio do poder concedente. Contudo, pode haver situações em que, não obstante o advento do termo final, existam bens reversíveis que não foram devidamente amortizados ao longo do contrato ou, ainda, bens não reversíveis de propriedade exclusiva do concessionário afetados à prestação do serviço. Nessas hipóteses, a garantia fundamental de propriedade (Constituição, artigo 5º, XXII) constitui óbice para a apropriação sem mais, pelo poder concedente, destes bens, sob o argumento de que se trata de efeito natural do exaurimento do prazo de concessão.

2.1.2 A extinção pela “encampação”: razões de interesse público

A “encampação” também é chamada de resgate na doutrina.

 Nos termos do artigo 37 da Lei Federal nº 8.987/1995, encampação é a extinção da concessão por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento de indenização[41].

Trata-se de modalidade de extinção antecipada da concessão, por ato unilateral do poder concedente. Afigura-se como hipótese de rara ocorrência, posto que exige o cumprimento de três requisitos cumulativos: (a) existência de lei específica autorizativa; (b) observância da garantia do devido processo legal (Constituição, artigo 5º, LIV); (c) pagamento de prévia indenização.

A encampação somente pode ser instituída por veículo introdutor específico: a lei. Trata-se de verdadeira reserva legal, isto é, de efeitos jurídicos que somente podem ser estabelecidos por lei em sentido formal. Entende-se que a lei específica a que se refere o dispositivo deve ser editada pelo ente federativo a que pertença a titularidade do serviço que gerou a outorga.

No que se refere ao valor da indenização, anote-se que deve abranger tanto os danos emergentes como os lucros cessantes. A razão reside nisto: a encampação numa extinção antecipada da concessão e, nessa medida, implica numa violação da equação econômico-financeira (Constituição, artigo 37, XXI).

Até aqui nada de novo. A doutrina, em geral, aborda os aspectos aqui sintetizados. Mas no exame do tema em questão, a teoria invocada na primeira parte da exposição pode ser de especial utilidade.

Com efeito, perceba-se: a assim designada encampação, constitui hipótese do que se denominou caducidade ou decaimento para a teoria dos atos administrativos. Trata-se da modalidade de retirada em que a extinção da concessão é exigida por motivos de interesse público, em decorrência de uma invalidade superveniente, resultante da alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas presentes no momento da instituição do vínculo entre as partes. Por exemplo, a promulgação de uma emenda constitucional ou de uma lei, ou o início de uma guerra, ou a deflagração de uma epidemia, são situações que podem tornar a manutenção do ato administrativo bilateral, originariamente válido, doravante incompatível com a ordem jurídica.

Portanto, discorda-se de Marçal Justen Filho, para quem a encampação é “fundada em motivos de conveniência”: não se trata de mera inconveniência e inoportunidade, mas de verdadeira incompatibilidade com o sistema normativo, em razão de uma invalidade superveniente[42].

Isto porque, note-se bem, em relação aos atos de eficácia continuada (como o são os atos administrativos bilaterais ou, se se quiser, os contratos administrativos), a alteração das circunstâncias fáticas e jurídicas pode implicar a necessidade de ser revista a situação originária, por conta de uma desconformidade superveniente ao momento da edição da norma. Impende observar que a retirada nesse caso decorre de competência vinculada, imposta pelo ordenamento jurídico, sendo passível, por conseguinte, de ser obtida pela via judicial.

Em síntese: não importa o rótulo, quer seja designada de encampação (como o faz a lei), quer seja designada por caducidade, certo é que se cuida do ato de retirada por meio do qual, em razão da alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas, o interesse público (a exata medida para a concretização do bem comum) exige a edição de um ato correção da invalidação superveniente. Esse ato administrativo, todavia, só pode ser editada com fundamento em lei específica autorizativa e mediante o pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro.

2.1.3 A extinção pela “caducidade ou decadência”: culpa do concessionário

Esta modalidade de extinção está regulada no artigo 38 da Lei Federal nº 8.987/95. Segundo a dicção legal, deriva da inexecução pelo concessionário de seus deveres[43]. Observa-se, todavia, a impropriedade: não se trata apenas de sanção pela inadimplência do administrado, mas de invalidade superveniente que exige a retirada do ato viciado.

Com efeito, aquilo que a lei designa por “caducidade ou decadência” mais não é do que a cassação, para a teoria dos atos administrativos. A cassação é o ato de retirada em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato. Portanto, não se refere apenas à inexecução do contrato, podendo abranger inclusive o desaparecimento de requisito de habilitação.

Em suma: para configurar hipótese de cassação (ou, se se preferir, “caducidade ou decadência”) basta que o administrado deixe de cumprir requisito subjetivo exigido pela ordem jurídica, para a manutenção do vínculo.

A cassação é destinada precipuamente à manutenção da prestação adequada do serviço público e, acessoriamente, destina-se à punição do concessionário faltoso. No desempenho de atividade sancionadora, a Administração deverá pautar-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Os parágrafos 1º e 2º do artigo 38 da Lei Federal nº 8.987/95 estabelecem que a declaração de “caducidade” (rectius: cassação) só se efetivará após o competente processo administrativo, o qual será precedido de uma sindicância, na qual será concedido prazo para o concessionário regularizar o defeito. Em caso requisito que não possa mais ser suprido, o processo administrativo será instaurado diretamente.

A instauração de processo administrativo depende da existência de indícios de irregularidades. Com sua instauração, fica assegurado ao concessionário o direito ao contraditório e à ampla defesa. A ausência de processo administrativo acarreta a ilegalidade da cassação (ou, se se preferir, da “caducidade”).

 Como na cassação (ou “caducidade”) é o próprio concessionário que dá causa à extinção prematura do vínculo, somente possui direito à indenização dos bens reversíveis que não foram totalmente amortizados ou depreciados. Não fosse assim restaria configurada hipótese anômala de confisco.

A indenização, como se viu, deverá ser prévia, mas a lei silencia quanto à forma do pagamento. Todavia, entendemos que, na falta de regramento específico, é possível estabelecer-se uma analogia com a desapropriação e sustentar-se que, tal como prevê o artigo 5º, XXIV, da Constituição, a indenização, em caso de encampação, deve ser prévia, justa e em dinheiro.

2.1.4 A extinção pela “rescisão” por culpa do poder concedente

Rescisão é termo genérico, que comporta várias acepções. No direito privado, por exemplo, o vocábulo tem acepção amplíssima, designando variadas modalidades de extinção, não havendo distinção se ela se dá por inadimplemento do contratado, do contratante, ou se em decorrência de comum acordo.

A rescisão na Lei Federal nº 8.666/93, por sua vez, tomou de empréstimo esse significado amplo, como se verifica no cotejo entre os artigos 77 e 70 da citada lei.

É outro, porém, o sentido do vocábulo rescisão empregado no artigo 39 da Lei Federal nº 8.987/95: ali o sentido é estrito, posto que reservado para a hipótese de extinção da concessão que se dá por decisão judicial, em razão do descumprimento de deveres impostos ao poder concedente[44]. Portanto, distingue-se da “caducidade ou decadência” (rectius: cassação) porque esta independe de ação judicial, por força da autoexececutoriedade do ato.

Observe-se: o administrado não pode “rescindir” unilateralmente não porque se trata de um contrato, em sentido próprio, mas porque se trata de ato administrativo introduzido no mundo jurídico pelo Estado, para cuja retirada o sistema exige outro ato estatal, no caso do Poder Judiciário. Mais: vislumbra-se aqui hipótese de invalidação superveniente similar a cassação, isto é, de inadimplemento de prestações que incumbiam, no caso, não ao particular, mas sim à Administração, implicando na exigência de retirada do ato do sistema. Com efeito, o inadimplemento do poder concedente, para possibilitar a rescisão judicial, deve se relacionar ao descumprimento de deveres essenciais por ele assumidos, que acabem por compromete a prestação do serviço assumido pelo concessionário.

 A rescisão judicial ocorre no momento do trânsito em julgado da decisão que tenha condenado o Poder Público, em ação específica proposta pelo concessionário, na qual se demonstrará o descumprimento pelo poder concedente. Ressalte-se que o parágrafo único do artigo 39 da Lei Federal nº 8.987/95 veda a possibilidade de o concessionário invocar a exceptio non adimplenti contractus. O dispositivo, todavia, exige interpretação conforme a Constituição.

Ao nosso sentir, essa norma não institui uma razão definitiva em prol do princípio da continuidade do serviço público, mas sim uma razão prima facie. Assim, a depender das circunstâncias, pode essa razão prima facie ser afastada em prol de outros valores constitucionais. Exemplificativamente, se a continuidade do serviço por parte do concessionário e o inadimplemento por parte do Poder Público acarretar prejuízo de tal ordem que provoque risco de falência do concessionário, os princípios da proteção aos trabalhadores, da função social da empresa e da propriedade (aqui chamados simplesmente de P2) afastam, no caso concreto, o princípio da continuidade do serviço (P1) – que concretiza a vedação à invocação da exceção do contrato não cumprido – acrescido do princípio formal que dá primazia às ponderações do legislador (PFl). Esquematicamente: P2>P1+PFl.

Embora a lei seja omissa quanto à possibilidade de indenização, parece evidente que, se a indenização é devida nas modalidades de extinção por advento do termo contratual, encampação ou caducidade, com maior razão deverá ser paga na hipótese de rescisão, em que o inadimplemento se dá por culpa exclusiva do poder concedente. Assim, sustentamos que o concessionário tem o direito de ser amplamente indenizado, devendo a decisão judicial determinar o pagamento tanto dos danos emergentes como dos lucros cessantes.

2.1.5 A extinção da concessão por anulação

A concessão (o ato administrativo bilateral ou plurilateral em que se funda) será “anulada” quando tiver sido outorgada em desconformidade com o direito globalmente considerado, assim como qualquer outro ato administrativo que violar o ordenamento jurídico. Trata-se de modalidade de retirada da norma administrativa inválida do sistema.

Com efeito, é a modalidade de extinção, por ato do poder concedente ou do Poder Judiciário, em decorrência de uma invalidade originária, presente já no momento da edição do ato, contra a qual o direito exige correção. A assim chamada “anulação” mais não é do que a hipótese de invalidação para a teoria dos atos administrativos. A invalidação é o meio de correção que desconstitui a existência da norma administrativa inválida. Aplicam-se, pois, ao caso, os princípios gerais da teoria dos atos administrativos.

Assim, variados podem ser os vícios que acometem a validade da concessão. Exemplificativamente, pode a Administração ter-se equivocado na identificação do interesse público a ser concretizado, (dando ensejo a um vício de finalidade), na escolha do meio de concretização (configurando vício de contentorização)[45], ou ainda, no sopesamento das circunstâncias fáticas incidentes no momento da edição do ato (vício de motivo).

A “anulação” (rectius: invalidação) difere da “encampação” e da “caducidade” precisamente porque estas últimas configuram hipóteses de retirada em razão de invalidade superveniente, enquanto que a primeira pressupõe a existência de uma invalidade originária, que torna viciada a outorga.

Os autores divergem quanto à possibilidade de indenização do concessionário. Para Hely Lopes Meirelles, a “anulação” produz efeitos ex tunc, retroagindo às origens da concessão, razão pela qual não confere ao particular direito de indenização. O entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello[46] e Marçal Justen Filho[47] é no sentido de que ao concessionário de boa fé caberá indenização pelos danos emergentes e, se tiver sido iniciada a execução, pelos bens que forem revertidos em favor do poder concedente e ainda não tiverem sido amortizados. Porém, se o concessionário concorreu para o vício da concessão, não subsiste direito do particular à indenização. É essa também a nossa posição.

2.1.6 A extinção por falência ou extinção da concessionária

A última hipótese legal de extinção da concessão refere-se a eventos relacionados com a existência do concessionário: trata-se das hipóteses de falência ou extinção da empresa concessionária (e de falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual).

A falência ou extinção do concessionário implica no desaparecimento superveniente de condição para a manutenção da concessão. Nesses termos, a hipótese se aproxima da “caducidade ou decadência” (rectius: cassação), porque consiste no ato de retirada em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato. No caso de falência ou extinção do concessionário, desapareceria um requisito de habilitação (a constituição da pessoa jurídica).

Até aqui as hipóteses de extinção, elencadas na Lei Federal nº 8.987/95, puderam perfeitamente ser aplicadas ao regime de extinção das parcerias-público privadas. Não havia particular incompatibilidade entre os regimes.

A exceção está, precisamente, na presente hipótese de extinção. Com efeito, a PPP é desenvolvida por Sociedade de Propósito Específico (SPE), vale dizer, a contrario senso do disposto no § 2º do artigo 9º da Lei Federal nº 11.079/2004, por pessoas jurídicas de direito privado, cujo capital social pode ser constituído por aportes do parceiro privado e do parceiro público. Com efeito, a Administração Pública não pode ser titular da maior do capital votante da SPE; mas nada impede que seja acionista minoritária. Ora, assim como a Administração Pública não se submete às regras da falência, porque os bens públicos são considerados res extra commercium, com igual razão também a SPE de que participe o parceiro-público não poderá ser submetida ao regime falimentar.

Ademais, tendo em vista que a PPP exige a constituição de SPE, não se aplica em seu âmbito a modalidade de extinção em razão de falecimento ou incapacidade do titular, pois estas são hipóteses aplicadas privativamente às empresas individuais.

Assim, no regime da parceria público-privada, somente se aplicaria a hipótese vertente em caso da extinção da SPE, porque esta acarretaria no desaparecimento superveniente de condição para a manutenção da concessão. Todavia, difícil imaginar como isso sucederia.

De qualquer modo, não haverá direito a indenização por perdas e danos, porque a extinção nesse caso não é imputável ao poder concedente; eventualmente, haverá direito à indenização apenas pelos bens reversíveis não amortizados. Em razão da necessidade de assegurar a continuidade do serviço público, franqueia-se à Administração a possibilidade de apropriação imediata dos bens, podendo o pagamento da mencionada indenização ocorrer posteriormente.

2.1.7 Outras modalidades de extinção

A doutrina cogita de outras hipóteses de extinção, não previstas em lei.

Marçal Justen Filho[48] faz alusão a três hipóteses: (a) a extinção por distrato; (b) a extinção por caso fortuito ou força maior; e (c) a extinção por desaparecimento do objeto.

O “distrato” consiste na extinção pela retirada consensual do ato. Sem desprestigiar o emérito administrativista, não nos parece seja possível o distrato. Com efeito, o Poder Público não pode demitir-se de exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelo concessionário ou de impor as sanções correspondentes. O interesse público não pode ficar a mercê do interesse do concessionário (ou do parceiro privado) em desistir dos encargos que assumiu.

A segunda hipótese, apesar do silêncio da lei, é factível. A ocorrência de caso fortuito (evento proveniente de ato humano, imprevisível e inevitável, que impede o cumprimento de obrigação, v.g., guerra, greve etc.) ou força maior (evento inevitável, ainda que previsível, decorrente das forças da natureza, v.g., a tempestade, a seca etc.) durante a execução da concessão pode ensejar uma invalidade superveniente, pelo descumprimento de deveres impostos ao concessionário (no que se aproxima da “caducidade ou decadência” – ou, como preferimos, cassação) ou ao poder concedente. Nesse caso, porém, a concessão se extingue sem que qualquer das partes possa reclamar direito a indenização por perdas e danos, salvo se a extinção acarrete benefício de uma parte em detrimento da outra (por exemplo, os bens já revertidos não forem suficientes para amortizar o investimento até então realizado).

Por fim, a extinção por desaparecimento de objeto, trata-se de situação em que não se pode mais continuar a prática da atividade, pois o objeto se tornou materialmente impossível, v.g., no caso em que um hospital é completamente destruído por um terremoto ou no caso em que há desafetação do serviço, transferindo a atividade à iniciativa privada.

No primeiro exemplo, a hipótese é de perda de objeto por força maior, donde não haveria direito de indenização a ser reclamado por qualquer das partes (exceto no caso de não amortização de bens reversíveis). No segundo exemplo, cabe ao Estado indenizar as perdas e danos suportados pelo concessionário, em virtude da intangibilidade da equação econômico-financeira.

2.2 Efeitos comuns a todas as modalidades de extinção

De qualquer das modalidades de extinção da concessão (aqui incluídas as parcerias-público privadas) decorrem alguns efeitos típicos, usuais. A eles já fizemos pontual referência no tópico anterior, mas convém serem sistematizados.

O primeiro deles é o de retomada pelo poder concedente do serviço cuja prestação havia sido outorgada ao concessionário. Trata-se de efeito automático da extinção, prescindindo de maiores formalidades. A princípio da continuidade do serviço impõe que a Administração tome as providências necessárias para que a retomada seja realizada de forma menos traumática possível, não perturbando desnecessária e demasiadamente a prestação.

Outro efeito que decorre logicamente da extinção é o direito da Administração de ocupar as instalações que estavam afetadas ao desempenho da concessão. Se, eventualmente, o concessionário for despojado de bens particulares que estavam afetados a prestação do serviço, a indenização se dará ulteriormente, segundo o procedimento de requisição.

A reversão de bens constitui outro efeito comum a todas as modalidades de extinção[49]. A estreiteza dos nossos propósitos não permite desenvolver o tema como a extensão e intensidade que ele merece. Sem embargo, anote-se que a reversão é a transferência de todos os bens necessários para o exercício do serviço público, por ocasião da extinção da concessão. Pressupõe-se que quando ajustado o prazo da concessão, no momento da extinção já tenha concessionário amortizado o que investiu durante a vigência da concessão. No entanto, não raro se verifica que em muitas situações seria impossível a reversão de tais bens, porquanto não amortizado ainda todo o capital investido pelo particular. Nessa situação, ante a necessidade de despojar o privado de seus bens em nome da continuidade do serviço público, a Administração, com fundamento na supremacia do interesse público sobre o privado, deve desapropriar os bens não revertidos essenciais à execução do serviço, o que ensejará uma indenização prévia, justa e em dinheiro à concessionária, nos termos do artigo 5º, XXIV da CF.

O valor dessa indenização, relativa a bens não depreciados e não amortizados, deve levar em conta a vida útil do bem em questão. Bens inservíveis não são passíveis de indenização. É indenizável o bem que, além de necessário para a não interrupção do serviço, tenha utilidade funcional para o Poder Público. A ressalva parece-nos importante, pois em se tratando de investimentos já efetivados pela concessionária, a não indenização correspondente caracterizaria evidente enriquecimento sem causa por parte do Poder Público, o que é vedado pelo ordenamento, porque ofende o princípio da moralidade administrativa (Constituição, art. 37, caput) e viola abertamente o artigo 884 do Código Civil. Além disso, caso fossem considerados não indenizáveis os investimentos não amortecidos até o advento do termo final da concessão, haveria inequívoco estímulo à má prestação do serviço, com prejuízo ao interesse público, porque o particular, sabendo que o serviço será devolvido ao poder concedente e que, por conseguinte, ele não será ressarcido do que investiu, simplesmente perderia o interesse de atualizar os bens necessários à prestação do serviço, sucateando-o. Evidentemente, tal hipótese consagraria o absurdo e é totalmente contrária ao interesse público.

Por último, outro efeito usual – e que tem especial repercussão no âmbito das parcerias público-privadas – é o de cessamento das garantias inicialmente prestadas pelas partes. Com efeito, tendo em vista o amplo rol de garantias ofertadas pelo parceiro-público em sede das PPPs, este é um efeito de relevância ímpar. Cabe recordar que, nos termos do artigo 8ª da Lei Federal nº 11.079/2004 as obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública poderão ser garantidas: (a) pela vinculação de receitas; (b) instituição ou utilização de fundos especiais; (c) seguro-garantia; (d) por meio de fundo garantidor ou empresa estatal criada para esta finalidade; (e) por outros mecanismos admitidos em lei (por exemplo, caução). Trata-se de um dos pontos mais problemáticos da Lei de PPPs. Quanto ao específico ponto que nos toca, cumpre dizer que a extinção da PPP implica na extinção da garantia ofertada, mas não acarreta na extinção automática do fundo garantidor ou do fundo especial vinculado ao desempenho da concessão (cuja extinção, por paralelismo, exige lei em sentido formal).

2.3 A teoria dos princípios e os atos administrativos bilaterais ou plurilaterais

Aqui e acolá antecipamos o que vamos tratar neste tópico. Com efeito, sustentamos algumas premissas que, de fato, não encontram respaldo na doutrina majoritária. Se assim fizemos, não o foi por mero espírito novidadeiro, mas pela convicção de que, contemporaneamente, o Direito só pode ser corretamente compreendido se levarmos em consideração o paradigma do neoconstitucionalismo, que se assenta, essencialmente, sobre o entendimento que o sistema jurídico é composto de duas espécies de normas jurídicas, quais sejam as regras e os princípios jurídicos, ambos possuindo a mesma estrutura lógica “se A, deve ser B”. Reconhece-se, portanto, normatividade aos princípios jurídicos; estes não apenas presidem a intelecção do sistema normativo, mas podem incidir diretamente nas situações concretas, como normas jurídicas autônomas.

Ao longo do tempo a comunidade científica tem feito largo uso do signo “princípio”, tendo em mira os mais variados fenômenos, muitas vezes sem justificar em qual sentido se emprega o termo. Como resultado instaurou-se uma enorme confusão, pela perda de clareza que ameaça a evolução da própria ciência. Para resgatar a clareza perdida, deve sempre ser esclarecido o significado que se empresta, em determinado contexto, ao signo princípio e o fenômeno a que alude. A aceitação de que não há uma definição unitária, mas variados conceitos que coexistem (diferenciação tipológica de princípios), é importante instrumento para que não se incorra em incoerência discursiva.

É muito difundida a visão de que os princípios constituem os elementos estruturantes, as vigas-mestras sobre as quais se erige o sistema normativo. Adota precisamente esse critério de fundamentalidade o famoso conceito do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello[50].:

Princípio é, pois, por definição,mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Essa ideia de princípio como base ou fundamento do sistema sem dúvida reconhece em seu favor alguma juridicidade. Por meio dela, os princípios assumiram importante papel como vetores interpretativos cuja inobservância implica grave violação ao direito. Cuida-se, porém, de aspecto necessário, mas nitidamente insuficiente para descrever o papel dos princípios na atual quadra do direito contemporâneo.

Na acepção adotada neste trabalho, que em geral não discrepa da doutrina mais moderna sobre o assunto, o termo “princípio” não é tomado apenas como elemento de fecundação da ordem jurídica, não serve apenas como prisma que orienta a interpretação das demais normas. Sem embargo, considera-se que essa é tão somente parcela de sua função. Demais disso, emprega-se aqui a palavra princípio como espécie do gênero norma jurídica, tencionando ressaltar a virtualidade que possui de expressar comandos do dever-ser.

Os princípios, assim como as regras, são normas jurídicas, porque ambos dizem o que deve ser. Daí a relação que guardam: de espécies do mesmo gênero. Cuida-se, portanto, de concepção confessadamente neoconstitucionalista da matéria, cuja ideia central é destacar a normatividade dos princípios jurídicos.

Vários foram os critérios oferecidos pela doutrina para distinguir princípios e regras, a refletir, efetivamente, a evolução conceitual do tema. As contribuições de Dworkin e Alexy mostram que a diferença entre princípios e regras é qualitativa e não apenas de grau.

Com efeito, Dworkin propôs que as regras são aplicadas do modo “tudo ou nada” (all-or-nothing), ou seja, preenchida a hipótese de incidência de uma regra, ou ela considerada válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela é considerada inválida. No caso de conflito entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Diversamente, no caso de colisão entre princípios, afere-se a dimensão de peso (dimension of weight) de cada princípio colidente, de modo que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que isto implique na declaração de invalidade do princípio afastado[52].

Robert Alexy aprofundou o exame da questão[53]. Traz-se ao cerne do debate a sua teoria dos princípios, segundo a qual os princípios constituem mandados de otimização, isto é, “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentre as possibilidades jurídicas e reais existentes”.

Ao definir princípios como mandados de otimização aplicáveis em vários graus, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, Alexy colocou em relevo a relação de tensão que ocorre em caso de colisão entre tais normas: a relação de prevalência de um princípio sobre outro é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em face de determinadas circunstâncias. Nesse sentido, os princípios são normas de acentuado grau de relatividade, já que podem ser cumpridos em diferentes graus a depender das circunstâncias apresentadas pelo caso concreto, especialmente pela incidência de princípios e regras opostos que determinarão o peso do princípio prevalente[54].

Em nenhuma hipótese, porém, se afeta a validade dos princípios colidentes: apenas afasta-se aquele que, diante daquelas específicas circunstâncias, assumir menor peso. Observa-se assim que, solucionada a colisão, as circunstâncias concretas que determinaram a incidência de um princípio (e não a do oposto) valerão em todas as hipóteses idênticas. Em outras palavras, a solução de um conflito entre princípios gera a edição de uma regra, cujo suposto de fato são as condições nas quais um princípio prevaleceu sobre o outro e a consequência jurídica é aquela determinada pelo princípio de maior peso. A esta conexão entre relações de precedência condicionada e regras Robert Alexy chamou de “lei de colisão”[55].

Percebe-se que, nessa medida, também os princípios podem ser aplicados ao modo “tudo ou nada”. A diferença é que, enquanto o conflito de regras se resolve pela declaração de invalidade de uma das regras ou pela introdução de cláusula de exceção, que remova a antinomia, a colisão de princípios não importa na invalidade de nenhum deles, mas apenas no afastamento (parcial ou total) daquele que no caso concreto tiver menor peso. As regras estabelecem obrigações absolutas, já que “só podem ser cumpridas ou não”[56], ao passo que os princípios instituem obrigações prima facie, as quais podem ser superadas em razão da incidência de princípios colidentes.

Em suma: segundo Robert Alexy, princípios e regras distinguem-se quanto à forma e consequência da colisão/conflito e quanto às obrigações que instituem. E é exatamente essa a posição adotada no presente trabalho.

Alexy também ofereceu importante aporte científico no que se refere à forma de positivação ou origem dos princípios jurídicos, ao demonstrar que as normas jurídicas, especialmente as de envergadura constitucional – e, dentre essas, as que asseguram direitos fundamentais –, abrigam os valores positivados, ou seja, aqueles que foram albergados pelo ordenamento jurídico, expressa ou implicitamente. Com a positivação, esses valores, que de início pertenciam ao plano axiológico (âmbito do que é bom), ingressam no plano deontológico (âmbito do que é devido; dever-ser)[57], sobretudo na forma de princípios jurídicos.

Os princípios, não é demais repetir, como qualquer norma jurídica, dizem o que é devido, através dos comandos deônticos básicos: mandado, permissão e proibição. Bem diversa é a situação dos valores, que dizem sobre o próprio ser, conforme os critérios de valoração eleitos. Sem embargo, cumpre notar que há estreito vínculo entre os princípios e os valores. Na verdade, todo princípio provém de um valor e todo valor pode vir a se tornar um princípio.

Afirma-se, assim, com apoio na doutrina de Alexy, que os princípios podem ser cumpridos em variados graus, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Vale dizer: os princípios oferecem razões prima facie, que ordenam, permitem ou proíbem que algo seja realizado na maior medida possível, dadas certas condições fáticas e jurídicas. Tal é assim precisamente porque os princípios positivam valores, e não há valor absoluto.

Aprofundando a abordagem realizada comumente pela doutrina, Ricardo Marcondes Martins esclarece que toda regra jurídica é a positivação de um princípio constitucional, expresso ou implícito – conclusão essa que decorre do esquema piramidal de esclarecimento recíproco, de Joaquim José Gomes Canotilho, e da teoria do círculo hermenêutico, de Karl Larenz. Em decorrência disso, nem sempre uma regra exige cumprimento pleno, pois efetuando ponderação entre princípios colidentes, a regra concretizadora do princípio menos pesado no caso concreto pode ser total ou parcialmente afastada pela regra concretizadora do princípio mais pesado[58].

Em suma: os princípios impõem o cumprimento de determinadas finalidades; as regras constituem o meio de concretização. Ora, se toda regra concretiza um princípio, certo é afirmar que as regras têm especial importâncias para o sistema normativo. As competências dentro do sistema não podem ser desprezadas. Por essa singela razão, convém explicitar como cada função estatal é exercida, à luz da teoria dos princípios[59].

Com efeito, a ponderação efetuada pelo constituinte é inaugural de todo o processo de ponderação e concretização dos princípios constitucionais, pois a positivação de um princípio indica que o constituinte já efetuou ponderações e atribuiu, por força delas, pesos diferenciados prima facie aos valores que positivou. As regras constitucionais, todas sem exceção, quer sejam de comportamento ou de estrutura, consistem na concretização de um princípio constitucional, decorrente de uma ponderação efetuada pelo constituinte. Quanto mais regras concretizarem um princípio, tanto maior será o peso abstrato atribuído a este princípio pelo constituinte. Ademais, decorre do postulado da supremacia da Constituição o dever de que todos agentes públicos, incluindo-se aí o legislador, nas ponderações por ele efetuadas, observem as ponderações efetuadas pelo próprio constituinte. Há, portanto, no sistema, um princípio formal que dá primazia às ponderações do constituinte, ou seja, que acresce um reforço de peso às escolhas do constituinte.

Na ponderação legislativa, cumpre ao legislador examinar todos os valores positivados na Constituição e os respectivos pesos que o constituinte estabeleceu em abstrato e, partindo daí, compete-lhe apurar quais fins a serem concretizados pelo Estado, e qual a medida, diante das circunstancias fáticas em que atua e do próprio sistema constitucional, de concretização exigida pelo constituinte. Nesse passo só poderia afastar a ponderação inicialmente efetuada pelo constituinte se o exame das circunstâncias indicasse que o princípio por ela afastado (P2) é mais pesado que a soma do peso do princípio concretizado pela regra constitucional (P1) e do peso do princípio formal que dá primazia às ponderações do constituinte (PFc). Donde: P2 > P1+PFc. Apurado os fins a realizar e a medida de exigência de sua realização, incumbe também ao legislativo fixar, em abstrato, os meios (M1, M2, M3... Mn) para o cumprimento desses fins, numa antecipação do caso concreto em que esses meios serão concretizados – também chamada de prognose.

Já a ponderação realizada pela Administração se dá a partir da apuração diante do caso concreto, de quais os fins a serem concretizados pelo Estado e a medida de exigência do cumprimento destes, tendo em vista não só as circunstâncias do caso e o sistema constitucional vigente, mas as ponderações efetuadas pelo legislador e a diretriz existente no sistema de que estas, em princípio, sejam acolhidas (PFl > PFa). Dessa forma, a Administração só poderá afastar a ponderação efetuada pelo legislador se a proporcionalidade indicar que o princípio por ela afastado (P3) é mais pesado que a soma do peso do princípio concretizado pela lei (P4) e do peso do princípio formal que dá primazia às ponderações do legislador (PFl). Donde: P4 > P3+PFl. A seguir, incumbe à Administração fixar, com vistas ao caso concreto e ao resultado da ponderação por ela efetuada, as medidas a serem efetivadas.

Por fim, os particulares também realizam ponderações: o sistema exige que apurem qual âmbito efetivo de sua liberdade e que, ao praticar condutas ou ao interferir na esfera alheia por meio da edição de normas jurídicas, fundamentadas na autonomia privada, atentem para as regras e para os princípios positivados. Assim, devem observar as normas constitucionais, legais e administrativas para verificar se a conduta que pretendem praticar não é vedada pela ordem jurídica.

Como se vê, os princípios formais são princípios que garantem as competências normativas no sistema, pois eles conferem um reforço de peso às escolhas do editor da regra; vale dizer, asseguram a discricionariedade[60] (entendida como a possibilidade de escolher entre duas ou mais alternativas igualmente admitidas em Direito, tendo em vista a melhor forma de realizar o interesse público) do constituinte originário, do constituinte derivado, do legislador e do administrador e a liberdade dos particulares (entendida como a possibilidade de escolher entre duas ou mais alternativas, tendo em vista a realização dos próprios interesses). Note-se que o juiz não possui nem discricionariedade nem liberdade, mas dever de dizer o direito segundo a melhor interpretação, isto é, de apontar solução jurídica, verificando se estão corretas as ponderações efetuadas pelas partes.

Há, consequentemente, um princípio formal garantidor da competência de cada um deles dos centros normativos, cujo peso pode ser assim graduado, estabelecendo uma “lei das competências normativas”[61]: PF constituinte originário > PF constituinte derivado > PF legislador > PF administrador > PF particulares.

O modelo descrito ilumina de modo particularmente útil a compreensão do regime jurídico dos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais: trata-se de atos submetidos a regime de direito público, caracterizados pela bilateralidade ou plurilateralidade, isto é, a assunção da vontade do(s) administrado(s) não apenas como pressuposto para edição do ato, mas como pressuposto para configuração do conteúdo da relação jurídica. Essa nota característica implica no reconhecimento de um argumento a favor da manutenção destes atos, isto é, o agente público deve, diante do caso concreto, sopesar razões jurídicas favoráveis a não extinção do ajuste e as razões favoráveis à alteração. Por assim dizer: a celebração do “contrato administrativo” gera, por si, uma razão contrária prima facie à alteração do vínculo.

É a ponderação das circunstâncias fáticas e jurídicas que indicará se é o caso de alterar unilateralmente o “contrato” (hipótese de saneamento do vício de invalidade superveniente) ou de extingui-lo unilateralmente (hipótese de retirada do ato do sistema, pelas modalidades de cassação, caducidade ou decaimento ou invalidação) ou, finalmente, de deixar tudo como está (v.g., estabilização do vício).

Vale dizer: a alteração das circunstâncias (fáticas ou jurídicas) pode implicar na alteração do resultado da ponderação dos princípios incidentes no momento da edição do ato, fazendo surgir uma invalidade superveniente (isto é, uma desconformidade ao Direito surgida força da modificação das circunstâncias), contra a qual o sistema pode exigir a retirada do ato.

Há, todavia, que se observar uma regra de ouro: assim a edição de um ato de caducidade (seja a retirada em virtude da alteração das circunstâncias fáticas, seja a retirada em decorrência da modificação da ordem jurídica) ou de cassação devem respeitar os direitos adquiridos, por força do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.

A invalidade superveniente por alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas, de modo similar à invalidade originária, não conduz, necessariamente, à retirada do ato (extinção), à caducidade ou ao decaimento. Pode levar, isto sim, apenas à alteração do ato administrativo. Este, porém, é um tema que foge ao objeto desta exposição. Quiçá numa próxima oportunidade.

Por fim, cumpre ressaltar que a revogação não figura entre as hipóteses de extinção dos atos administrativos bilaterais (“contratos administrativos”). Com efeito, a revogação é um fenômeno normativo: é o efeito principal de uma norma jurídica – uma norma concreta (N2) retira do mundo jurídico outra norma, concreta ou abstrata (N1). O objeto principal da revogação é a retirada da norma revogada. O objeto secundário: atinge os efeitos (as relações que institui) da norma revogada. O fundamento da revogação é o domínio da situação jurídica. Ela é possível somente nos casos em que a Administração possui a prerrogativa de manter ou alterar a situação anterior. Assim, em regra, todo ato abstrato pode ser revogado (princípio da ampla admissibilidade de revogação de atos abstratos). Já com relação aos atos concretos a situação é inversa: em regra, não podem ser revogados (princípio da excepcionalidade da revogação dos atos concretos). O motivo da revogação é a inconveniência e a inoportunidade administrativa; isto é: a nova opinião do agente sobre a melhor forma de concretizar o interesse público.

Como se vê, há diferenças entre revogação e caducidade ou decaimento: i) a principal diferença, é que a revogação decorre de competência discricionária (o Direito faculta sua adoção), enquanto a caducidade decorre de competência vinculada (o Direito exige sua adoção); ii) a revogação não pode ser efetuada por órgãos de controle, sendo impossível revogação jurisdicional, ao passo que é possível a caducidade ou decaimento efetuado pelo controle administrativo ou jurisdicional; iii) a revogação é sempre ex nunc, enquanto a caducidade não tem eficácia ex tunc, nem tampouco ex nunc, porquanto seus efeitos retroagem à data em que desapareceram os pressupostos fáticos ou jurídicos exigidos para a manutenção do ato no sistema jurídico.


CONCLUSÃO

Ao longo do trabalho, várias conclusões parciais foram tomadas, e seria enfadonho e até improdutivo simplesmente repeti-las agora. Sem embargo, parece mais interessante sistematizar as ideias-chave, cotejando a relação entre elas estabelecida, de modo a robustecer a carga argumentativa.

Foi visto que o contrato é um instituto do direito privado. Trata-se do nome dado aos veículos introdutores de normas postas por dois ou mais indivíduos, com fundamento na autonomia da vontade.

Questionou-se se a categoria jurídica “contrato” seria compatível com regime jurídico administrativo. Foram trazidas à baila quatro posições da doutrina brasileira sobre o tema: (1) admite a existência de contratos administrativos, regidos pelo direito público, e contratos da Administração, regidos pelo direito privado; (2) não admite a existência de contratos administrativos, mas somente de contratos privados submetidos a certas regras especiais e atos unilaterais atrelados a contratos privados complementares; (3) sustenta que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos, regidos pelo direito público; e (4) nega a existência tanto de “contratos da Administração” como de “contratos administrativos”, porque o contrato é uma categoria jurídica incompatível com regime de direito público; a rigor, o que existem são atos administrativos bilaterais, que se submetem a regime de direito público, ainda quando eventualmente admitem a aplicação de certas regras de direito privado.

Com efeito, nos filiamos a quarta corrente. Nos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais, não somente a formação do vínculo, mas o próprio conteúdo da relação é resultado da reunião de duas ou mais vontades.

Anote-se que os atos administrativos bilaterais constituem aquilo que a doutrina tradicional designa por contratos administrativos. Mas a questão não envolve uma mera troca de rótulos: a figura dos tais contratos administrativos evoca a ideia, a nosso juízo equivocada, de que o regime de direito privado seria integral ou parcialmente aplicável nesta seara. Nada mais enganoso. Como já se disse alhures, o sistema repudia essa assertiva: o regime de direito público é sempre aplicável nas relações que envolvam o Estado. O direito administrativo é um direito estatutário. Isso não quer dizer, entretanto, que algumas regras do direito privado não possam ser aplicadas à Administração; isto é, os atos administrativos bilaterais comportam nova subdivisão: há atos administrativos bilaterais que se submetem exclusivamente a regras de direito público e há atos administrativos bilaterais que se submetem também a regras de direito privado. Sem embargo, isso não desnatura o regime estatutário da relação: em nenhum caso se tratará de aplicação pura e simples do direito privado, mas de submissão ao regime de direito público, com influxo de uma ou outra regra privada.

Verificou-se que a teoria dos atos administrativos poderia oferecer extraordinária utilidade no exame dos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais. Daí o exame perfunctório de alguns conceitos básicos, como a discricionariedade e a vinculação, ato viciado e invalidade (originária e superveniente), formas de correção do vício (sanatória e eliminação), a retirada e a autorretirada, a invalidação, a caducidade ou decaimento, a cassação, a conversão, a redução a convalidação.

Esse aporte teórico serviu de base para o desenvolvimento da segunda parte do estudo, onde após discorrer sobre algumas notas fundamentais acerca das parcerias público-privadas (especialmente um esboço de conceito de PPPs e das suas modalidades – a concessão patrocinada e a concessão administrativa), abordou-se, finalmente, as hipóteses de extinção das parcerias público-privadas.

A fim de sistematizar o estudo, pode-se dividir as hipóteses de extinção das concessões em dois grandes grupos: (I) a extinção normal do ato administrativo bilateral, dá-se pelo advento do “termo contratual”; (II) os demais casos, consistem em hipóteses de extinção anormal (antecipado) do ato administrativo bilateral. Nesse grupo se inserem as seguintes hipóteses: (a) por ato administrativo, fundado em autorização específica, de encampação (ou, como preferimos, “caducidade ou decaimento”), que consiste na modalidade de retirada em que a extinção da concessão é exigida por motivos de interesse público, em decorrência de uma invalidade superveniente, resultante da alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas presentes no momento da instituição do vínculo entre as partes; (b) por ato administrativo de “caducidade ou decadência” (ou, como preferimos, cassação) que consiste no ato de retirada por invalidade superveniente, em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato; (c) rescisão judicial por decisão transitada em julgado; (d) por anulação da concessão (ou, como preferimos, em relação aos atos administrativos, por invalidação), que consiste na modalidade de extinção, por ato do poder concedente ou do Poder Judiciário, em razão de uma invalidade originária, presente já no momento da edição do ato, contra a qual o direito exige correção; (e) por falência ou extinção da concessionária, que consiste numa variante da hipótese de “caducidade ou decadência” (rectius: cassação), porque nela se verifica a presença de um ato de retirada em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato. No caso de falência ou extinção do concessionário, desapareceria um requisito de habilitação (a constituição da pessoa jurídica). Todavia, ressalvou-se que essa modalidade de extinção não se aplica às parcerias público-privadas, quando a Administração Pública participe, como acionista minoritária, da Sociedade de Propósito Específico que vai gerir a PPP, haja vista que, dado de regime de indisponibilidade, os bens públicos são considerados res extra commercium. Assim, no regime da parceria público-privada, somente se aplicaria a hipótese vertente em caso da extinção da SPE, porque esta acarretaria no desaparecimento superveniente de condição para a manutenção da concessão. Todavia, difícil imaginar como isso sucederia; (f) a extinção por caso fortuito ou força maior; e (g) a extinção por desaparecimento do objeto. Por fim, cogitou-se da hipótese de extinção por “distrato”, consistente na extinção pela retirada consensual do ato. Parece-nos, porém, que essa hipótese não seja possível: o Poder Público não pode demitir-se de exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelo concessionário ou de impor as sanções correspondentes. O interesse público não pode ficar à mercê do interesse do concessionário (ou do parceiro privado) em desistir dos encargos que assumiu.

Em cada uma das hipóteses mencionadas, foram examinados aspectos gerais, com especial ênfase a possibilidade ou de não de indenização ao concessionário. Em geral, tem todos os casos o concessionário deve ser indenizado pelos investimentos ainda não amortizados por ocasião da extinção; ressalte-se, ainda, que na encampação e na rescisão judicial, o concessionário será indenizado pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes.

Ademais, examinou-se os efeitos comuns a todas as modalidades de extinção, quais sejam: (a) a retomada pelo poder concedente do serviço cuja prestação havia sido outorgada ao concessionário; (b) o direito da Administração de ocupar as instalações que estavam afetadas ao desempenho da concessão; (c) a reversão de bens afetados à execução da PPP; e (d) o cessamento das garantias inicialmente prestadas pelas partes.

Por fim, trouxe à baila a teoria dos princípios, a qual ilumina de modo particularmente útil a compreensão do regime jurídico dos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais: trata-se de atos submetidos a regime de direito público, caracterizados pela bilateralidade ou plurilateralidade, isto é, a assunção da vontade do(s) administrado(s) não apenas como pressuposto para edição do ato, mas como pressuposto para configuração do conteúdo da relação jurídica. Essa nota característica implica no reconhecimento de um argumento a favor da manutenção destes atos, isto é, o agente público deve, diante do caso concreto, sopesar razões jurídicas favoráveis a não extinção do ajuste e as razões favoráveis à alteração. Por assim dizer: a celebração do “contrato administrativo” gera, por si, uma razão contrária prima facie à alteração do vínculo.

Considerou-se que é a ponderação das circunstâncias fáticas e jurídicas que indicará se é o caso de alterar unilateralmente o “contrato” (hipótese de saneamento do vício de invalidade superveniente) ou de extingui-lo unilateralmente (hipótese de retirada do ato do sistema, pelas modalidades de cassação, caducidade ou decaimento ou invalidação) ou, finalmente, de deixar tudo como está (v.g., estabilização do vício).

Sublinhou-se porém, importante ressalva, verdadeira regra de ouro: assim a edição de um ato de caducidade (seja a retirada em virtude da alteração das circunstâncias fáticas, seja a retirada em decorrência da modificação da ordem jurídica) ou de cassação devem respeitar os direitos adquiridos, por força do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALESSI, Renato. Instituciones de Derecho Administrativo. Tomo II. 3. ed. Traduzido por Buenaventura Pellisé Prats. Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1970.

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2001.

AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 3 ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

ARAGÃO, Alexandre Santos de. As parcerias público-privadas – PPPs no direito positivo brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.94., n.839, set. 2005.

ATIENZA, Manuel. Introdución al Derecho. Barcelona: Editorial Barcanova, 1991, p. 8-9.

__________. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3 ed. São Paulo: Landy, 2003.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, v. I.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 26. ed, São Paulo: 2009.

__________. O neocolonialismo e o direito administrativo brasileiro. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009.

BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho Administrativo. Tomo V. Buenos Aires: Tipográgica Editora Argentina, 1954.

BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.

BOBBIO, Noberto. Teoría General Del Derecho. Madrid: Editorial Debate, 1991.

CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguage. 4. ed., 1. reimpressão. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990

CARVALHO, Paulo de Barros. Para uma teoria da norma jurídica: Da teoria da norma a regra-matriz de incidência tributária.  Disponível em: <http://www.barroscarvalho.com.br/art_nac/teoria_norma.pdf>.

DIEZ, Manuel Maria. Derecho Administrativo. v. IV. Buenos Aires: Omeba, 1971.

DAL POZZO, Augusto; VALIM, Rafael; AURÉLIO, Bruno; FREIRE, André Luiz (coords.). Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

DALLARI, Adilson Abreu; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Granda da Silva (coord.). Tratado de direito administrativo. 2. São Paulo: Saraiva, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009.              

DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 6. imp. Londres, Duckworth, 1991

ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNANDEZ, Tomás-Rámon. Curso de Direito Administrativo. Tradução de Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Conceito de Contrato Administrativo. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 7, ago/set/out de 2006. Disponível na Internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/rede.asp. Acesso em 23 de novembro de 2014.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Extinção dos Contratos Administrativos. 2 ed. rev. ampl. E atual. São Paulo: Malheiros, 1998.

GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Tomo 1, parte general. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

__________. Princípios gerais de direito público. Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. PPP: Parceria Público-Privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. Coimbra: Armênio Amado, 1976.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lameto.

2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

MARQUES, Floriano de Azevedo; SCHIRATO, Vitor Rhein (coords.) Estudos sobre a lei de parcerias público privadas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.

__________. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010.

__________. Justiça deôntica. In: MARTINS, Ricardo Marcondes; PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires. Um diálogo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

__________. As normas gerais de direito urbanístico. Revista de Direito Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, v. 239, p. 67-87, jan.-mar. 2005.

__________. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/rede.asp. Acesso em 23 de novembro de 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 8 ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. 

ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso Avançado de Direito Civil: volume 3, contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP – Parceria Público-Privada. São Paulo: Malheiros, 2010.

RIVA, Ignácio M. de la. Ayudas Públicas: Incidencia de la intervención estatal en el funcionamien-to del mercado. Buenos Aires: Hammurabi, 2004.

ROUSSEAU, Jean Jacques O Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000.

SOBRINHO, Manoel de Oliveira Franco. Contratos administrativos. São Paulo: Saraiva, 1981.

SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005.

TALAMINI, Eduardo (coord.). Parcerias Público-Privadas – Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito Quântico. 6. ed., São Paulo: Editora Max Limonad, 1985.


Notas

[1] Para aprofundamento no tema: MARQUES, Floriano de Azevedo; SCHIRATO, Vitor Rhein (coords.) Estudos sobre a lei de parcerias público privadas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

[2] Tornou-se corrente na doutrina distinguir entre parcerias público-privada em sentido amplo – que abarcam todo tipo de ajuste travado entre o Poder Público e as pessoas privadas em termos de colaboração (v.g, convênios, contratos de prestação de serviços, concessões comuns regidas pela Lei Federal nº 8.987/95) – e parcerias público-privadas em sentido estrito – em alusão às figuras contratuais previstas na Lei Federal nº 11.079/2004. Apenas estas últimas constituem o objeto deste modestíssimo trabalho.

[3] Muitas vozes, de enorme prestígio e reputação, vêm sustentando a inconstitucionalidade de tais “parcerias”, sob argumentos ideológicos (v.g., em face de sua origem, as parcerias público-privadas representariam um servilismo intelectual dos Estados periféricos em relação ao ditado pelos Estados cêntricos), práticos (v.g., a suposta razão inspiradora das PPPs –, qual seja possibilitar que o Poder Público recorra à iniciativa privada para o desenvolvimento de infraestruturas estatais de grande complexidade e vultoso custo, cujo know-how pertença aos particulares e que, em regra, não se constituem autossustentáveis –, nem sempre se mostra presente na prática, pela indevida utilização generalizada do instituto) e normativos (v.g., violação do princípio republicano em razão da longuíssima duração dos contratos em questão; violação do acesso o mais amplo possível de interessados às contratações estatais, pela possível aglutinação de objetos divisíveis na execução dos contratos de PPPs; violação do princípio da indisponibilidade, em virtude do amplo rol de garantias ofertadas pelo poder concedente aos particulares na celebração destes contratos; instituição de vinculação inconstitucional de receitas públicas; inconstitucionalidade da arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias no âmbito dos contratos de PPPs, por envolverem interesses público, insuscetíveis de disposição). Por todos, vide: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 26. ed, São Paulo: 2009. Anote-se, outrossim, a interessante posição sustentada por Ricardo Marcondes Martins (In. DAL POZZO, Augusto; VALIM, Rafael; AURÉLIO, Bruno; FREIRE, André Luiz (coords.). Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014), segundo a qual novo conceito de concessão introduzido pela lei é incompatível com aquele constitucionalizado no artigo 175 da Constituição de 1988.

[4] BOBBIO, Noberto. Teoría General Del Derecho. Madrid: Editorial Debate, 1991, p. 15.

[5] Op. cit., p. 17.

[6] Convencional, sim, mas não arbitrária: há requisitos metodológicos que toda definição deve obedecer, pena de não se revelar útil para o desiderato colimado. Para aprofundar o assunto: GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Tomo 1, parte general. Belo Horizonte: Del Rey, cap. I, p. 18-23.

[7] ATIENZA, Manuel. Introdución al Derecho. Barcelona: Editorial Barcanova, 1991, p. 8-9.

[8] CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguage. 4. ed., 1. reimpressão. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 99. 

[9] TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito Quântico. 6. ed., São Paulo: Editora Max Limonad, 1985, p. 347. A adoção desta premissa deve-se a marcante influência do Prof. Ricardo Marcondes Martins no desenvolver deste trabalho. Reputa-se aqui indispensável a leitura de seu livro Efeitos dos Vícios do Ato Administrativo, publicado pela Malheiros Editores, em 2008.

[10] Op. cit., p. 351.

[11] Op. cit., p. 354.

[12] Os veículos introdutores são atos de enunciação, enquanto as normas por eles introduzidas são os próprios enunciados. Acolhe-se aqui, em linhas gerais, a distinção de SANTI: a enunciação seria o próprio ato de fala, enquanto o enunciado seria o seu produto, isto é, aquilo que se fala. Cf. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 61 et. seq.

[13] Trata-se da famosa classificação de Bobbio relacionando a ação prescrita e o destinatário, que podem ser universais ou singulares, dando ensejo aos quatro tipos mencionados de normas jurídicas. Cf. BOBBIO, Noberto. Teoría General Del Derecho, Madrid: Editorial Debate, 1991, p. 141-146.

[14] Op. cit., p. 144.

[15] ROUSSEAU, Jean Jacques O Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[16] Como exemplo cita-se a norma do § 2º do art. 102 da CF, a respeito dos efeitos da declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade feita pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado.

[17] É o caso das normas atributivas de competência a agente, como a que impõe ao presidente e ao vice-presidente o compromisso de cumprir a Constituição (CF, art. 78).

[18] Deste tipo a resolução do Senado que autoriza empréstimo externo por uma entidade federativa (CF, art. 52).

19.Nas precisas palavras de Kelsen: ”na medida em que a ordem jurídica institui o negócio jurídico como facto produtor do Direito, confere aos indivíduos que lhe estão subordinados o poder de regular as suas relações mútuas, dentro do quadro das normas gerais por via legislativa ou consuetudinária, através de normas criadas pela via jurídico-negocial”. Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. Coimbra: Armênio Amado, 1976, p. 350.

20.Na lição precisa de Francisco Amaral, “autonomia da vontade consiste “no poder que os indivíduos têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam”. Cf. AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 3 ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

[21] Estes e outros princípios retores dos contratos privados estão magistralmente tratados na doutrina de ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso Avançado de Direito Civil: volume 3, contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 33-83.

[22] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 8 ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 190-191.  DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 251 et. seq.

[23] MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, v. I, p. 611-612.

[24] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Extinção dos Contratos Administrativos. 2 ed. rev. ampl. E atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 18-19.

[25] MARTINS, Ricardo Marcondes. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/rede.asp Acesso em: 25 de novembro de 2014.

[26] NOGUEIRA, Ataliba. O Estado é meio e não fim. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1955, p. 146.

[27] Op. cit., p. 148.

[28] Op. cit., p. 150.

[29] Cabe a propósito breve comentário sobre a clássica distinção de Renato Alessi – no Brasil, difundida por Celso Antonio Bandeira de Mello –, entre interesse público primário e interesse secundário. Paralelamente aos interesses públicos, o jurista italiano alude à existência de interesses secundários do Estado, assim entendidos como interesses próprios do sujeito jurídico como tal, correspondentes a seu patrimônio em sentido jurídico. O discrímen tem maior valia na Itália do que no Brasil: lá, aparta dois regimes jurídicos completamente distintos, concernentes aos atos que se submeterão à jurisdição administrativa (atos administrativos promanados na persecução do interesse público propriamente dito) e aos atos que serão remetidos à jurisdição comum (atos administrativos promanados na satisfação de interesses secundários da Administração); já aqui, onde se adota um modelo de jurisdição una, a distinção não tem utilidade científica – até porque, perante direito positivo pátrio, o patrimônio estatal, é composto por bens públicos, induvidosamente qualificados como de interesse público –, mas meramente didática: a de enfatizar que os interesses secundários (assim entendidos aqueles cuja tutela não foi atribuída ao Estado pela ordem jurídica, mas que seriam inatos a qualquer sujeito de direitos) não podem ser legitimamente perseguidos.

[30] Vale dizer: mesmo quando pratica atos no exercício de competência discricionária, a Administração encontra-se adstrita à satisfação do interesse público. Se, na hipótese, não se puder identificar dentro as soluções possíveis no plano abstrato, qual a que melhor se amolda às necessidades do caso concreto, ao menos deve excluir, de antemão, aquelas que induvidosamente contrariam o interesse público. Em caso de discricionariedade, efetivamente constatada no plano concreto, dada a impossibilidade de objetivamente se apontar a melhor solução, porque duas ou mais se apresentam igualmente razoáveis e justas tendo em vista a concretização do interesse público, o sistema reputa como correta a escolha do agente competente. Sua escolha, porém, não é livre, mas vinculada à hipótese que, em seu juízo íntimo, seja a melhor para o interesse público. A “escolha”, nestes estritos termos, deve sempre pautar-se pela melhor forma de concretizar o interesse público e deve atentar para todas as normas jurídicas (princípios e regras) no sistema.

[31] O regime jurídico-administrativo foi descrito de forma insuperável por Celso Antônio Bandeira de Mello.

[32] Na doutrina surgiram diversos critérios para se identificar quando a situação deve ser regida pelo regime público e quando ela deve ser regida pelo direito privado. Eis alguns: a) critério da natureza e da disponibilidade do interesse: haveria interesses que exigem o direito público, por tratar de interesses indisponíveis, e haveria interesses que exigem o direito privado, que tutela interesses disponíveis. Crítica: o critério é inadequado, pois há muitos interesses privados indisponíveis, daí a existência de normas privada de ordem pública; b) critério da horizontalidade ou verticalidade da relação: enquanto no direito privado as partes estariam numa relação horizontal, no direito público as partes estariam numa relação horizontal, dado que a Administração encontra-se numa posição de supremacia. Crítica: o critério é inadequado, pois é possível a incidência de normas de direito público mesmo quando a Administração não exerce sua supremacia. c) teoria dos sujeitos de imputação: essa teoria se subdivide em “antiga teoria dos sujeitos” e a “nova teoria dos sujeitos”.  A nova teoria dos sujeitos, proposta por Hans J. Wolff e que recebeu grande acolhida no seio doutrinário, diz que incide o direito público sempre que o sujeito de imputação seja exclusivamente um titular de poder de autoridade. Ou seja, só haveria “direito público” onde houvesse “poder de autoridade”. Crítica: não é a autoridade o fundamental para se aplicar o regime jurídico administrativo, mas sim a necessidade de proteção do interesse do povo. A superação do equívoco de Wolff foi possível a partir de León Duguit. Este pensador difundiu a ideia de que o direito administrativo deve ser construído não com base na noção de soberania (ênfase no poder), mas sim a partir da ideia de serviço público, isto é, no dever de o Estado atender certas necessidades, para cujo atendimento a ordem jurídica lhe confere certos poderes e não o contrário. A ideia ganhou força no Brasil com a doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello. Para o professor paulista, trata-se de equívoco pensar o Direito Administrativo a partir da ideia de “poder”, pois o poder no direito público é sempre instrumental a um dever a ser cumprido pelo Estado, no exercício de função pública (função é a situação jurídica de quem está investido no dever de satisfazer o interesse alheio e detém tão só as prerrogativas necessárias para se desincumbir desse dever); donde o direito público é antes um dever-poder do que um poder-dever. De fato, o Estado é uma pessoa jurídica finalisticamente orientada a tutelar o interesse alheio, o interesse do povo. O Estado não tutela interesses próprios, não atua com liberdade. O Estado só existe para o exercício da função pública, para tutela e proteção dos interesses do povo. Daí decorre que ele (Estado) deva ser submetido a um regime de direito próprio, o regime público, voltado a proteger os interesses do povo do mau exercício da função pública. Por conseguinte, não é a autoridade o fundamental para a aplicação do regime de direito público, mas a necessidade de proteção do interesse do povo. Essa necessidade sempre estará presente quando o Estado estiver numa relação jurídica: portanto, o critério correto para identificar a incidência do direito público é a presença do Estado numa relação jurídica. Por tais razões, despreza-se aqui a chamada nova teoria dos sujeitos, adotando-se, em oposição, a chamada antiga teoria dos sujeitos: sempre que a Administração Publica estiver presente numa relação jurídica, incidirá o Direito Administrativo, ou seja, sua presença num dos polos da relação implica ipso facto na incidência do regime de direito público, e, por conseguinte, no afastamento do regime de direito privado. Mesmo quando a Administração se sujeita a regras de direito privado, o regime será o de direito público e não o de direito privado.

[33] MARTINS, Ricardo Marcondes. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/rede.asp Acesso em: 25 de novembro de 2014.

[34] Neste sentido, a doutrina de MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.

[35]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 26. ed, São Paulo: 2009, p. 382-384.

[36] Para um panorama geral e mais detalhado, cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 143-144 e 269-282.

[37] Acolhem-se, acerca do conceito de normas gerais, as lições de Ricardo Marcondes Martins (In. MARTINS, Ricardo Marcondes. As normas gerais de direito urbanístico. Revista de Direito Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, v. 239, p. 67-87, jan.-mar. 2005): para este autor normas gerais são normas jurídicas que, do ponto de vista formal, como regra, possuem destinatário e ação prescrita universais (isto é, em regra, são gerais e abstratas), e, do ponto de vista material, expressam-se como resultado da ponderação efetuada pelo legislador, em que este deu prevalência aos princípios do federalismo e da segurança jurídica em face do princípio da igualdade. Com efeito, a teoria da ponderação fundamenta a existência desse elemento material. Isto porque, em territórios muito extensos, como o brasileiro, o princípio da igualdade exige a produção de normas regionais e locais, que tomem em consideração as particularidades existentes. Esse princípio, entretanto, não pode ser levado às últimas consequências, pois: (a) a garantia dos interesses predominantemente nacionais fundamenta o estabelecimento de competências privativas do ente central; (b) a garantia de segurança jurídica fundamenta a competência do ente central para o estabelecimento de normas gerais em variadas matérias. Por tal razão, diante do entrechoque valorativo no plano abstrato entre os princípios da segurança jurídica e do federalismo (que preconizam uma legislação uniforme em todo o território nacional) e o princípio da igualdade (que preconiza legislações regionais e locais atentas às peculiaridades próprias de cada território), se o legislador, ao efetuar sua ponderação, diante das circunstâncias – da matéria a ser regulada, do contexto histórico do momento em que editada, das expectativas sociais a respeita do tema tratado – apurar que os primeiros (P1) têm maior pesos nessa colisão que o último (P2), poderá então editar uma norma geral. Com efeito, a ponderação do legislador pode ser revista pelo Poder Judiciário, em controle de constitucionalidade (concentrado ou difuso): em sua ponderação de revisão, entretanto, o Poder Judiciário deve atentar para o peso das competências normativas estabelecidas no sistema, e, assim, ao peso do princípio formal que dá primazia às ponderações do legislador (PFl). Assim, somente se o peso do princípio oposto for maior que o peso do princípio concretizado pelo legislador (P1) acrescido do peso do princípio formal que lhe reforço (v.g., P2>P1+PFl) é que a lei será considerada inconstitucional e, por conseguinte, inválida, por vício de competência.

[38] O conceito se aproxima em larga medida daquele oferecido por Marçal Justen Filho. In. DALLARI, Adilson Abreu; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Granda da Silva (coord.). Tratado de direito administrativo. 2. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 538.

[39] Sem dúvida, a larga tradição do uso do signo contrato para se referir às hipóteses de atos administrativos bilaterais é muito forte, praticamente insuperável. Trata-se do uso consagrado do vernáculo e influenciou, sem dúvida, os textos legais. Sem prejuízo, como o legislador em regra não é um cientista do direito, mas um leigo, permita-se a discordância na utilização do signo. Neste trabalho, onde os textos legais referirem ao “contrato” reputa-se que se deva ler no lugar referência ao “ato administrativo bilateral”.

[40] In DALLARI, Adilson Abreu; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Granda da Silva (coord.). Tratado de direito administrativo. 2. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 531.

[41]  Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior.

[42] In DALLARI, Adilson Abreu; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Granda da Silva (coord.). Tratado de direito administrativo. 2. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 532.

[43]  Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes. § 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; III - a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; V - a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; VI - a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e VII - a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

[44]   Art. 39. O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim.

[45] Para maior aprofundamento: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 207-214.

[46] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 26. ed, São Paulo: 2009, p. 742.

[47] In DALLARI, Adilson Abreu; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Granda da Silva (coord.). Tratado de direito administrativo. 2. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 535.

[48] In DALLARI, Adilson Abreu; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Granda da Silva (coord.). Tratado de direito administrativo. 2. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 536.

[49] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 26. ed, São Paulo: 2009, p. 747.

[50] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 53

[51] DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 6. imp. Londres, Duckworth, 1991, p. 26.

[52] Op. loc. cit.

[53] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2001, p. 86. O citado autor esclarece, também em nota de rodapé, que utiliza o termo mandado em sentido amplo, incluindo no conceito permissões e proibições.

  1. Vale dizer, em certas circunstâncias, pode ocorrer de um princípio oposto P2 assumir maior peso que a soma do princípio P1 com o princípio formal PF que lhe dá primazia (esquematicamente: P2 > P1 + PF). Isso não implica na declaração de invalidade do segundo ante o primeiro, mas apenas em uma relação de precedência condicionada entre eles: presentes as circunstâncias do caso, se indicam as condições em que um princípio assume maior peso que outro. Fossem, entretanto, outras as circunstâncias, poderia ser inversa a solução, com a preponderância do princípio P1 e do princípio formal PF que lhe acresce peso sobre o princípio oposto P2 naquela específica colisão (isto é: P 1 + PF > P2).

[55] Em suas palavras: “Las condiciones bajo las quales un principio precede a otro constituyen El supuesto de hecho de uma regla que expresa la consecuencia jurídica del principio precedente”. In. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2001, p. 94.

[56] Para Alexy: “si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente ló que ella exige, ni más ni menos” (In. ALEXY, Robert. Op. cit, p. 87).

[57] O modelo proposto inspira-se na brilhante análise que Robert Alexy, partindo dos conceitos práticos de Von Wright, fez sobre o tema (In. ALEXY, Robert, Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2001, p. 138 et. seq.).

[58] MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 25 et seq.

[59] O sistema ora sintetizado foi descrito pioneiramente na doutrina brasileira pelo eminente Professor Ricardo Marcondes Martins. Três são os textos fundamentais de onde se extraíram as preciosas lições acerca do papel da teoria dos princípios e sua influência no exercício das funções estatais: (1) MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, Cap. I e II, p. 25 a 63; Cap. VIII-5.6, p. 298-306. (2) MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010. (3) MARTINS, Ricardo Marcondes. Justiça deôntica. In: MARTINS, Ricardo Marcondes; PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires. Um diálogo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012, Caps. II e IV.

[60] Ricardo Marcondes Martins estabelece uma relação entre completude normativa e o peso dos princípios formais fundamentais que dão primazia às ponderações legislativas e administrativas: quanto maior for a completude legislativa, menor serão os espaços deixados à  regulamentação administrativa e maior será o peso do princípio formal fundamental que garante a competência normativa do legislador; ao contrário, quanto maior for a incompletude legislativa, maior serão os espaços deixados à regulamentação administrativa e maior será o peso do princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações administrativas. Trata-se da chamada “lei da discricionariedade administrativa” que põe de manifesto que a discricionariedade só se verifica no plano concreto, jamais no plano abstrato; a incompletude da norma é mero indício de discricionariedade (Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 182).

[61] MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 44.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Rodrigo Ramos. Extinção dos “contratos” de parceria público-privada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4392, 11 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40781. Acesso em: 24 abr. 2024.