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O sentimento de impunidade enleado ao exercício arbitrário das próprias razões

O sentimento de impunidade enleado ao exercício arbitrário das próprias razões

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Breve explanação sobre a evolução histórica da sociedade, com ênfase nos Direitos Humanos como defesa do indivíduo frente ao poder estatal e considerações sobre a onda de exercício arbitrário das próprias razões. Possíveis melhorias para o quadro social atual.

Resumo: O artigo descreve uma breve explanação sobre a árdua evolução histórica da sociedade dando mais ênfase ao contexto punitivo e a defesa do indivíduo frente ao poder estatal por meio dos Direitos Humanos para que, posteriormente, seja possível relatar sobre o sentimento de insegurança e impunidade presente nos dias atuais, bem como sobre a onda de exercício arbitrário das próprias razões como meio de solução das controvérsias, fazendo algumas considerações ainda sobre as dificuldades enfrentadas e possíveis melhorias do quadro social atual.

Palavras-chave: Direito Penal. Direitos Humanos. Retrocesso. Estado de natureza. Justiça.

Sumário: 1. Notas Introdutórias; 2. A sociedade e a evolução das punições; 2.1. Surgimento do Estado; 2.2 Necessidade de punição – vingança privada; 2.2.1. Fase da vingança divina; 2.2.2. Fase da vingança pública; 2.3. Direito penal romano, germânico e canônico; 2.4. Período humanitário; 2.5. Direito penal brasileiro; 3. A evolução e importância dos direitos humanos; 3.1. A magna carta; 3.2. A revolução francesa; 3.3.As gerações/dimensões dos direitos humanos; 3.3.1. Direitos de primeira dimensão; 3.3.2. Direitos de segunda dimensão; 3.3.3. Direitos de terceira dimensão; 3.3.4. Direitos de quarta dimensão; 4. Percepção internacional da necessidade de punição aos violadores dos direitos humanos; 5. Análise do panorama atual diante da evolução da sociedade; 5.1. Justiça com as próprias mãos – um retrocesso desenfreado?; 5.2. Sentimento de impunidade e insegurança – dificuldades enfrentadas; 6. Notas conclusivas; Referencias bibliográficas.


1. Notas introdutórias

Tem se tornado corriqueiro casos em que indivíduos praticam a bárbara justiça feita com as próprias mãos, condutas que têm chocado a população e dividido opiniões, ainda mais nos quais a revolta liderada por um sentimento de impunidade e insegurança, devido à omissão estatal, vem propiciando ataques aos que cometem e até mesmo aos apenas suspeitos de um crime levando-os a morte.

Esta desumana forma de justiça confronta o Estado, único titular do “jus puniendi”, fazendo com que vivenciemos momentos de “estado de natureza” ao vermos indivíduos considerando-se no direito de julgar e punir outros com atitudes selvagens, afastando e desrespeitando toda sistemática processualista do devido processo legal e praticando o crime de exercício arbitrário das próprias razões previsto no art. 345 do Código Penal.

Casos como a de um adolescente de 15 anos que foi deixado nu, amarrado a um poste e posteriormente agredido por cerca de trinta pessoas por ser suspeito de roubar bicicletas, e o que falar então a respeito da mulher que foi violentamente espancada e morreu por se parecer com um retrato falado exposto em uma página na internet, sendo então considerada a possível sequestradora de crianças com o intuito de usá-las em rituais de magia negra, sem ao menos prova alguma ou até mesmo que tal sequestradora existe de fato. Muito chocante também o sequestro, tortura e morte de uma manicure, mãe de cinco filhos, por ter furtado um pacote de biscoitos, entre tantos outros crimes cometidos por “justiceiros”. A falta de confiança da população na justiça estatal juntamente com o sentimento de impunidade estaria fazendo com que voltássemos ao estado de natureza? Retrocesso desenfreado? E os Direitos Humanos, onde estão?


2. A sociedade e evolução das punições

2.1. Surgimento do Estado

Segundo os contratualistas, a sociedade é uma criação humana e tem sua base firmada em um contrato, que pode ser alterado ou desfeito. Para Rousseau, ela surge com a principal tarefa de garantir igualdade entre todos, se guiando pela vontade geral, e não pelos interesses particulares. Hobbes afirmava que os homens viviam em uma guerra de todos contra todos na lei de sobrevivência do mais forte. Marcelo Ribeiro leciona em referência as teses contratualistas de Thomas Hobbes e John Locke que

[...] O primeiro afirma um suposto estágio de guerra geral, onde o homem se apresenta como algoz do semelhante e o império se constrói pela força. Nesse primitivo estado de natureza, no intuito de preservar a vida, o homem estaria disposto a transferir seus poderes para outrem, a fim de ver cessada a guerra de todos contra todos, despojando-se de direitos e possibilidades, em prol da segurança.1

O mundo tinha liberdade, mas era muito inseguro em meio à vingança privada. Diante de um pacto firmado entre todos garantiriam os direitos e as relações entre as pessoas, decidindo assim, entregar sua liberdade em detrimento de mais segurança. Criaram o leviatã, ou o Estado, o qual teria o poder de punir todos que não sigam as regras sociais. Desta maneira, passou-se a ser controlada a vingança privada, e o Estado ficara encarregado de solucionar os litígios dizendo de quem era o direito diante de uma sistemática processualística possuindo o poder de punir àqueles que violassem as normas impostas. Este acordo ficou denominado por Rousseau de “contrato social”, explicando em sua obra que “o que o homem perde pelo contrato social é a sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que o tenta e que ele pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui”.2

2.2. Necessidade de punição – Fase da Vingança Privada

Desde os primórdios quando o homem já vivia em pequenos agrupamentos, crimes e castigos já existiam, sendo que as penas eram baseadas em tradições e o ser humano vivia preso às crenças. Tratando-se de suas relações, precisavam de um ordenamento coercitivo que garantisse a convivência harmoniosa passando assim a criarem proibições que basicamente acarretavam punições, a denominada fase da vingança privada, com finalidade, sobretudo da retaliação, a qual era geralmente desproporcional ao erro. Não obstante, os massacres passaram a ocorrer em grande escala e para por fim a estes, aceitaram o qual ficou conhecida como “lei de talião”, o famoso “olho por olho, dente por dente”, que foi adotada no Código de Hamurabi (Bailônia), trazendo por exemplo: "Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto"; "Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele", também no Exôdo (povo hebraico) e na lei das XII Tábuas (Roma). Com tais avanços, posteriormente consagram a ideia da composição, onde o ofensor poderia pagar pelo dano, comprando, desta maneira, a sua liberdade, sendo então considerada a origem das indenizações do Direito Civil e da multa do Direito Penal.

2.2.1. Fase da Vingança Divina

A chamada fase da vingança divina era caracterizada pela aplicação de penas com a finalidade de pagar aos deuses pela ofensa praticada pelo indivíduo, sendo utilizadas no famoso Código de Manu. Eram aplicadas penas cruéis, severas e desumanas como forma de respeito à divindade, possuindo, desta maneira, caráter religioso, isto é, pode-se dizer que se confundia religião e direito. Tais princípios foram adotados também na Babilônia, no Egito, na China, na Pérsia e pelo povo de Israel. Geralmente, de tão horrendas, acarretavam a morte do indivíduo como forma de retribuição pelo desrespeito e mal praticado, pois acreditavam que se assim não fizessem, sofreriam grandes punições divinas.

2.2.2. Fase da Vingança Pública

A fase da vingança pública, na qual o Estado passava a receber maior estabilidade em sua construção, se caracterizando com o chefe da tribo aplicando a pena como sanção imposta pelo Estado em prol dos interesses da comunidade em geral. O soberano, exercendo seu poder em nome de Deus, cometia inúmeras arbitrariedades diante da sua hierarquia, tendo a pena de morte aplicada por motivos insignificantes e outras que poderiam atingir até mesmo a família do agente. Mesmo diante das enormes injustiças, significou um grande avanço, pois as penas não eram mais aplicadas por outros indivíduos, mas sim diante das ordens proferidas pela figura soberana que representava o Estado.

2.3. Direito Penal Romano, Germânico e Canônico

No Direito Penal Romano direito e religião se confundiam, sendo a pena utilizada para suavizar a ira dos deuses, período denominado Régio que durou até 509 a.C. No período Republicano, entre 509 a.C. e 27 a.C, houve a separação da religião e do Estado, como também um maior afastamento da vingança privada para um maior controle penal estatal. Já no período Monárquico (284 d.C a 565 d.C), a criação do Corpus Juris Civilis pelo imperador Justiniano mostrou-se como uma importante inovação, trazendo ensinamentos sobre o erro, culpa, dolo, legitima defesa, entre outros. No Direito Penal Germânico as leis possuíam natureza consuetudinária, sendo a pena com base religiosa e crime sujeito à vingança ou à composição familiar. Com a invasão de Roma e aumento do poder do Estado, surgem às leis bárbaras caracterizadas pela composição ou, para aqueles que não pudessem pagar, eram submetidos a penas corporais, diferenciando então do Direito Romano, logo, o agente era punido sem considerar o dolo, culpa ou fato fortuito, possuindo como processo as ordálias e os duelos onde o vencedor era proclamado inocente. No Direito Penal Canônico, século IX, houve a luta da Igreja para impor leis ao Estado em nome de Deus, surgindo então o chamado “Corpus Juris Canonici”. Procuravam aceitar a igualdade entre todas as pessoas trazendo a justa retribuição em consonância com o arrependimento mediante as penas impostas. Ainda significaram um grande avanço combatendo as ordálias e introduzindo as penas privativas de liberdade, sendo então idealizada a penitenciaria para que o réu pagasse a pena e ao mesmo tempo melhorasse sua conduta. A Igreja ainda defendia a mitigação da pena, não costumando aplicar a pena capital, no entanto, a tortura era comumente utilizada, sendo dispensada pelo processo inquisitório até mesmo a prévia acusação.

2.4. Período Humanitário

O chamado Período Humanitário ocorre durante 1750 e 1850, sendo marcado pela contestação dos ideais absolutistas pelos grandes pensadores e sendo a principal influência do Iluminismo ou “Filosofia das Luzes”. Cesare Bonesana, o marquês de Beccaria, considerado o primeiro daquela época a divulgar suas ideias contra a tradição jurídica e a legislação penal vigente, em 1764, com 25 anos, publica sua famosa obra estudada até hoje na área jurídica, a renomada “Dei delitti e delle pene” (dos delitos e das penas), tendo como objetivo tratar em análises críticas sobre questões referentes ao sistema penal do antigo regime, a qual exerceu enorme influência nas reformulações das legislações. Com suas ideias iluministas e visão frente há seu tempo, expõe que é impossível prevenir completamente todas as desordens causadas pelas paixões humanas e explica que “os crimes serão menos frequentes conforme os códigos da lei forem mais universalmente lidos e compreendidos, pois não há dúvida que a eloquência dos interesses é, sobretudo, assistida pela ignorância e incerteza das punições.”3 A obra exerceu enorme influência nas reformulações das legislações, pois trata sobre diversos aspectos penais, como a proporção entre os crimes e as penas, hoje chamada de princípio da proporcionalidade, relatando também, dentre outras, a ineficácia da tortura como forma de obtenção das confissões e provas do crime. Defendendo que o método mais seguro de prevenir crimes é aperfeiçoar o sistema educacional. Cumpre destaque que, para ele, não seria o rigor das penas que preveniriam o crime, logo, a severidade das penas deve ser proporcional ao estado da nação e determinada a menor possível aplicável ao caso, terá maior eficácia quando proporcional ao delito, imediata e prevista em lei, pois a prevenção ocorre com maior eficiência quando de fato há a certeza da punição.

2.5. Direito Penal Brasileiro

Em análise especificamente ao Brasil, podemos resumir a história do Direito Penal em três principais fases: Período Colonial, Código Criminal do Império e Período Republicano. O primeiro diz respeito à civilização primitiva, na qual adotavam a vingança privada e fora considerada um dos períodos mais cruéis e violentos da História da Humanidade em todos os continentes. A lei penal que deveria ser aplicada era as contidas nos 143 títulos do Livro V das Ordenações Filipinas que foram promulgadas por Felipe II em 1603. Como leciona Bitencourt,

orientavam-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições. Além do predomínio da pena de morte, utilizava outras sanções cruéis, como açoite, amputação de membros, as galés, degredo etc. Não se adotava o princípio da legalidade ficando ao arbítrio do julgador a escolha aplicável. Esta rigorosa legislação regeu a vida brasileira por mais de dois séculos4.

O Código Criminal do Império fora determinado diante da Constituição de 1824, pois era de extrema necessidade a sua elaboração diante das bases sólidas de justiça e equidade. Fora adotado o projeto de código de Bernardo Pereira Vasconcelhos, sendo sancionado em 1830 pelo imperador D. Pedro I e considerado como um dos mais bem elaborados da época chegando a influenciar outros Códigos por sua clareza, precisão e outras tantas qualidades, além de ter consagrado em seu art. 55 o sistema dias-multa. Surgiu também logo em seguida, em 1832, o de Processo Criminal. Já no Período Republicano, o Código Penal aprovado e publicado em 1980 foi elaborado por Batista Pereira, no entanto, fora considerado o pior da história, pois apresentava graves defeitos e ignorou alguns avanços doutrinários. O mesmo ainda ficou vigente entre 1890 e 1932, mesmo com muitos outros pretendendo substituí-lo. Foi só em 1937 durante o Estado Novo que Alcântara Machado apresentou um projeto que fora apreciado por uma Comissão Revisora e sancionado por decreto 1940, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, evidentemente com várias reformas.


3. A evolução e importância dos Direitos Humanos

3.1. A Magna Carta

Em referência a essa evolução baseada principalmente em árduas conquistas, não se pode deixar de relatar sobre a importante e tão citada “Magna Carta”. O Constitucionalismo foi um movimento jurídico, político, social e ideológico que procurou limitar o poder do Estado por meio de uma Constituição tentando garantir o bem público e os interesses da sociedade. Os seus antecedentes são bastante remotos, logo, os primeiros modos de proteção individual surgem no antigo Egito e Mesopotâmia, unido ao Código de Hamurabi, todavia, é outorgada no século XIII a chamada “Magna Carta”, de 21 de junho de 1215, sendo peça básica de todo o Constitucionalismo, na qual o rei João sem Terra reconhece uma série de direitos do povo inglês. Apesar de tal conduta, o rei só assinou esse documento porque fora pressionado e obrigado pelos barões apoiados pelos burgueses, fazendo assim com que ela tivesse mais importância histórica do que prática, já que ele se recusava a aplicá-la de fato. Entretanto, a partir do século XVII, ela passou a ter mais concretização, quando alguns documentos e legislações reafirmaram valores já expostos. Na realidade, a consagração normativa dos direitos humanos fundamentais coube à França, sendo considerado o principal documento da evolução dos direitos fundamentais e consagração dos econômicos e sociais.

3.2. A revolução Francesa

A Revolução Francesa foi sustentada pelo povo, este manipulado pela burguesia que defendia seus próprios valores, como por exemplo, a expansão da propriedade privada, a exoneração dos privilégios que tinham a nobreza e o clero, etc., logo, como o poder estava concentrado nas mãos dos chamados primeiro (nobreza) e segundo (clero) estados, aos demais estavam reservados apenas deveres. Sieyès, deputado eleito pelo Terceiro Estado, em sua obra “O que é o terceiro estado”, mostra as dificuldades que enfrentavam nesse período histórico relatando: “[...] Assim, o que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo entravado e oprimido. O que seria ele sem as ordens de privilégios? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode funcionar sem ele, as coisas iriam infinitamente melhor sem os outros.”5 Desta maneira, Sieyès defendia que o Terceiro Estado é de extrema importância para o bem estar da sociedade, no entanto, tem sido alvo de exclusão e limites determinados, arcando com os serviços mais difíceis e não sendo honrados pelo mesmo, pois para suprir os cargos superiores só são considerados aptos os privilegiados, alimentando assim as desigualdades. Diante de tudo, considerava-os até mais competente para votar pelo clero e nobreza, quanto estas duas são para fazê-lo pelo povo. Portanto, não deve ficar esperando o arbítrio dos demais para gozarem dos seus direitos, mas sim enfrentá-los. Com isso passará de nada para tudo, logo, como relatava Sieyès, “o Terceiro Estado não teve, até agora, verdadeiros representantes nos Estados Gerais. Desse modo, seus direitos políticos são nulos.”6

A base teórica dessa revolução foi cunhada pelo filósofo e pensador suíço Jean-Jacques Rousseau, falecido em 1778, ou seja, foi inspirada dos ideais iluministas. Para que pudessem reivindicar seus direitos de uma forma mais eficaz, criaram o chamado terceiro estado, composto pela grande maioria da população, e não usando apenas a força bruta, mas um discurso que a legitimou no poder. Assim, se contrapondo ao poder centralizado no monarca, é também na Revolução Francesa que são estabelecidas as bases de um Estado de Direito e caracterizando a ideia de separação dos poderes. Foi Montesquieu que sistematizou o princípio com profunda intuição e ganhou muita ênfase na Revolução, tendo assim tanta importância que fora declarado que a sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não têm Constituição. Desta forma, esse princípio foi à essência da doutrina exposta no Federalist, da contenção do poder pelo poder, o chamado sistema de freios e contrapesos. Tendo como inspiração as ideias iluministas e a Revolução Americana, serviu de modelo para outras no período. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão deve ser vista por a sua importância histórica tendo como elemento essencial à isonomia, marco importantíssimo para evolução das legislações dos Estados. Como se observa,

[...] olhando para trás, a Declaração ratifica a abolição dos privilégios, adotada em 4 de agosto, mas, encarando o futuro, estabelece a uniformidade do direito aplicável a todos os homens. Está nisto, sem dúvida, uma das principais revoluções da Revolução Francesa7

Nesse período, após longos anos de opressão pelo regime absolutista e com a tomada do poder pela burguesia, havia certo temor de retorno à situação anterior. Foi o começo da “era dos códigos”, marcada pelo Código de Napoleão, o qual acreditava possuir resposta pronta e acabada para a resolução de todos os conflitos jurídicos, e o Código Civil Francês de 1804. A não admissão de qualquer tipo de brechas que pudessem levar os magistrados a aplicar o direito em desconformidade à norma legal até então estabelecida, e a redução do direito à lei foi um forte fundamento da Escola Exegética que se firmou após a Revolução. O próprio Beccaria se mostrava contra as incertezas que a hermenêutica poderia trazer relatando que “nada é mais perigoso do que o popular provérbio de que é necessário consultar o espírito da lei. Adotá-lo é abrir-se a uma torrente de opiniões [...]”8. Segundo Perelman, nesse sistema, o papel dos juízes era insignificante, logo, percebe-se que o Direito era acentuadamente reduzido às leis escritas. Era a ideia que o código tinha solução para todos os problemas. Os Diegestos (Pandectas), que eram a compilação das decisões dos antigos jurisconsultos, e o Código foram às compilações feitas por ordem do Imperador Justiniano. Em contrapartida, a Escola Histórica Alemã do Direito rebelou-se contra e existência de um Direito Natural permanente e imutável. Para Savigny, ao invés de um direito geral e universal, cada povo, em cada época, deveria possuir o seu, expressão natural de sua evolução histórica, de seu uso, costumes e tradições de todas as épocas passadas.

3.3. As gerações/dimensões dos Direitos Humanos

Os Direitos Humanos nos apresenta uma grande controvérsia em como é denominado, pois alguns autores criticam essa expressão defendendo que, quando se fala em gerações, a posterior fará com que a anterior deixe de existir, o que de fato não acontece com os direitos humanos. Desta maneira, alguns acreditam que a melhor nomenclatura para tratar-se sobre o tema seja: dimensões dos direitos humanos, sobre estas, há de se relatar quatro que serão tratadas no decorrer deste tópico.

3.3.1. Direitos de primeira dimensão

A primeira dimensão se refere às liberdades públicas, onde temos os direitos políticos básicos que surgiram com a Magna Carta. Ela se opõe a tamanha atuação estatal, defendendo um indivíduo independente do Estado e foi consumado, como já citado, na Declaração de 1789, nos 17 artigos que relatavam os princípios da liberdade, igualdade formal, propriedade e legalidade e as garantias individuais liberais em uma concepção individualista, ora, era ao que já se referia o famoso lema da Revolução: “Liberdade, igualdade e fraternidade”.

3.3.2. Direitos de segunda dimensão

A segunda relata sobre os direitos sociais, culturais e econômicos, os quais alguns autores afirmam que eles nasceram no século XIX com a Revolução Industrial, mas a sua real positivação só foi surgir com a Constituição Mexicana 1917 e a Alemã de 1919, também chamada de Constituição de Weimar. Tal Constituição fora muito importante para a história, pois esse modelo prevendo direitos e deveres fundamentais dos alemães serviram de base para outras que se editaram, como a própria Carta de 1934 brasileira. Consistiu um grande marco, encontrando-se na importante Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948.

3.3.3. Direitos de terceira dimensão

A terceira dimensão trata sobre os direitos de solidariedade ou fraternidade são aqueles difusos ou coletivos orientados para o progresso da humanidade, sendo considerados direitos indeterminados e indivisíveis, pois não pertencem a ninguém particularmente, isto é, é de todos e de ninguém, são vinculados, por exemplo, ao desenvolvimento, à paz internacional, ao meio ambiente saudável, a comunicação, etc., que surgiram pós Segunda Guerra Mundial. Vale relatar então sobre o Neoconstitucionalismo, o qual teve como marco filosófico o pós-positivismo, e foi marcado pela força normativa da constituição e tem objetivo assegurar uma maior eficácia da constituição e concretização dos principais direitos fundamentais, logo, a sua eficácia andava muito reduzida pelos regimes ditatoriais. Há várias consequências, como a Hermenêutica Constitucional, transformações no Estado de Direito, entre outros. Cumpre destacar que a teoria da norma pós-positivista teve como principal fundamento a normatividade dos princípios, eles seriam o “coração da constituição” tanto é que nossa Constituição no seu Título I já se refere aos princípios fundamentais, pois é considerado que toda regra quanto princípio proíbe, permite ou obriga algo. Não obstante, apesar de tais aspectos, alguns autores defendem que o mesmo não tem nada de novo, o que há de fato é novos “rótulos” acompanhados de prefixos que significam basicamente a mesma coisa que já havia sido exposta, devendo então ser usada à terminologia apenas no sentido de constitucionalismo contemporâneo. “É, portanto, o constitucionalismo contemporâneo com outro nome. E nada mais.”9 Sobre a Hermenêutica, relata Marcelo Ribeiro que

[...] a atividade intelectual do hermeneuta seria capaz de extrair do texto ou de uma decisão, tudo o que nela se contém. Interpretar a lei, portanto, remete o aplicador do direito a uma busca pela verdadeira essência do Direito ou do texto normativo, de sorte a lhe identificar os valores consagrados pelo legislador.10

3.3.4. – Direitos de quarta dimensão

Quando nos referimos à quarta dimensão, estamos falando sobre os direitos dos povos, são aqueles que têm por objetivo a preservação do ser humano, estes são: biossegurança, biodireito, a inclusão digital, a proteção contra uma globalização desenfreada, acontecimentos ligados à engenharia genética, etc. os quais surgiram há aproximadamente 20 anos. Alguns autores ainda acrescentam outras dimensões, Bulos, por exemplo, cita ainda os de quinta geração, direito à paz, e os de sexta geração, o direito à democracia, à informação e ao pluralismo jurídico.


4. – Percepção internacional da necessidade de punição aos violadores dos Direitos Humanos

A opinião pública a partir do dia seguinte da Primeira Guerra Mundial juntamente com a exigência de justiça faz surgir à ideia de que tais crimes não poderiam ficar sem punição. Visam então à elaboração de um direito penal junto a uma organização jurisdicional supranacional com a competência de poder julgar a nível universal as violações mais graves aos direitos dos indivíduos. A ideia de criar uma Corte permanente surgiu em 1948 com o intuito de fazer-se julgar crimes de grande calamidade que estavam sendo constantes. O Tribunal de Nuremberg era composto por quatro membros, onde cada país enviava um titular e um suplente no intuito de garantir um processo mais justo utilizando-se de quatro idiomas, conferindo-os o poder de julgar os crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade. Em Tóquio os onze juízes não têm substitutos, utilizam-se de dois idiomas. Apenas os crimes contra a paz com certas incertezas e violações das leis de guerra são retidos a Tóquio, mais propriamente pessoas físicas, enquanto que Nuremberg ultrapassa-o analisando outras categorias de crime pela acusação julgando até mesmo organizações. Houve tentativas até 1953 para analisarem as medidas a serem tomadas, no entanto, devido a Guerra Fria e algumas outras dificuldades, não teve a possibilidade de sua continuação, sendo temporariamente suspensa até 1989. Nesse intervalo de tempo, como cita Jean-Paul Bazelaire em sua obra “A Justiça Penal Internacional”, “dois fenômenos andaram juntos, fazendo eco um ao outro: o fortalecimento da ideia da recusa da impunidade e a realidade das atrocidades cometidas pelo mundo e que acreditávamos reservadas ao passado.”11

A criação de uma Corte Penal Internacional com competência para julgar crimes principalmente contra Direitos Humanos se mostrou necessária na tentativa de amenizar tamanhas barbáries que aconteciam punindo os responsáveis pelos maiores crimes contra a humanidade. Foi lenta a instalação das jurisdições penais internacionais, quase meio século fora necessário para que a Resolução 260 de 9 de dezembro de 1948, a qual determina a Corte Criminal Internacional, pudesse vir a ser concretizada, logo, a elaboração de textos jurídicos com redação equilibrada que submetessem muitos países a aderirem-no deveriam ser frutos de longas negociações e debates. Reuniram-se em Roma a Conferência Diplomática de Superpotências das Nações Unidas e fora criada em julho de 1988 uma Corte Criminal Internacional, a qual passou a ter início seus trabalhos em julho de 2002 quando 60 países o aderiram. As maiores dificuldades impostas a Justiça Penal Internacional se encontram no âmbito da competência e processual, pois é uma justiça sem policia e as judiciárias que ficam encarregadas das provas são a dos próprios Estados, significando então uma grande barreira para o real devido processo legal. O Tribunal Penal Internacional possui competência para julgar quatro tipos de crimes: crimes contra a humanidade; crimes de genocídio; crimes de guerra e crimes de agressão, tendo como função, acima de tudo, a tentativa de garantir a paz mundial e uma maior tutela dos Direitos Humanos, representando desta forma um grande marco, mesmo com suas barreiras, coercitivo na tentativa de impedir atrocidades com base na real e efetiva punição dos culpados.


5. Análise do panorama atual diante da evolução da sociedade

5.1. Justiça com as próprias mãos – Um retrocesso desenfreado?

Como já exposto, na antiguidade, a vingança privada era vista como um dos principais fatores na composição de conflitos entre os povos. Como não havia um Estado centralizando o poder de punir, os próprios indivíduos exerciam a vingança não apenas contra o ofensor, mas também contra pessoas próximas do mesmo, ou seja, se tornava um problema cada vez maior, logo, qualquer briga poderia gerar uma guerra entre as famílias que as revidariam, não enfrentando, desta forma, limites. Hoje, em pleno século XXI, mesmo sabendo que o Estado é o único titular do “jus puniendi”, estamos vivenciando corriqueiros momentos de “estado de natureza” ao vermos indivíduos considerando-se com direito de julgar e punir outros com atitudes selvagens e desumanas, pois esta expressão em que Hobbes defendia ser o estágio inicial de convivência não é usada apenas “[...] nos estágios mais primitivos da História, mas, também, a situação de desordem que se verifica sempre que os homens não têm suas ações reprimidas, ou pela voz da razão ou pela presença de instituições políticas eficientes”12.

É notável esse retrocesso ao vermos sendo noticiadas matérias referentes à justiça feita com as próprias mãos e, por conseguinte, ao analisarmos opiniões de grande parcela da população defendendo tamanhas e horrendas atitudes que violam claramente os Direitos Humanos inerentes à pessoa. Até mesmo alguns noticiadores chegam a fazer certa apologia a tais atitudes ao defenderem que é compreensível a postura dos vingadores, pois o Estado é omisso e a justiça é falha, e que tais barbaridades devem ser consideradas como legitima defesa coletiva, chegando ao extremo de lançar campanha contra os defensores dos Direitos Humanos: “Faça um favor ao Brasil, adote um bandido!”. Esta atitude da mídia e de algumas pessoas de grande influência é um tamanho descaso contra o bem estar social, pois representam o sentimento da grande maioria que os assistem, fazendo com que se forme a ideia que realmente “bandido bom é bandido morto”. Se não bastasse, lançada pela mídia e espalhada pelas pessoas como sendo a única forma de se defender já que o Estado é omisso, só em a vítima gritar “pega ladrão” o sentimento de ódio no íntimo das pessoas dá causa a perseguição e início da execução afastando a ideia de estado civil e retomando o de natureza.

Ora, o uso da justiça com as próprias mãos deve ser considerado um enorme regresso, pois sabendo que a pena de morte (salvo em caso de guerra), execução, linchamento e outros, seja lá qual for o motivo, são atos ilegais no Brasil, se guiar pela ideia quem os pratica está cometendo também um crime, logo, deverá ser considerado criminoso e, pela lógica dos justiceiros, estará sendo a favor da própria morte, já que se guiam pela ideia de que, se o Estado não pune, façamos nosso juízo de valor e coloquemos o ódio das falhas estatais contra a pessoa “suspeita” de um furto qualquer o linchando e humilhando em via pública sem ter ao menos a certeza da real culpa (e mesmo que tivesse não se justifica). Isto faz com que afastemos toda essa árdua evolução descrita nos primeiros tópicos e voltemos ao estado de caos, numa guerra de todos contra todos, no qual são ignoradas as bases de existência de um Estado Democrático de Direito.

A autotutela esteve presente na ausência de um Estado, sendo então a primeira forma de composição dos conflitos de interesses, resolvendo suas lides diante da lei do mais forte. Ainda temos, em nosso atual ordenamento, possibilidades do ofendido optar por agir para repelir injusta agressão, como, por exemplo, nas hipóteses que excluem a ilicitude do fato previstas no art. 23 do Código Penal, o qual reza: “Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”, no entanto, no parágrafo único do mesmo deixa claro que devem ser usados meios necessários de forma moderada podendo responder o agente pelo excesso doloso ou culposo da conduta. No entanto, até mesmo os princípios limitadores do poder punitivo estatal como também toda sistemática processualística do devido processo legal, que é de direito de todos os cidadãos, são afastados e entra a conduta chamada de exercício arbitrário das próprias razões prevista no art. 345 do CP, o qual reza: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei permite: Pena – detenção, de 15 dias a 1 mês, ou multa, além da pena corresponde à violência”. Esta onda de barbárie surge em um momento de terrível insegurança e temor da população que, querendo ter uma solução imediata e não suportando mais o sentimento de impunidade, acreditam estar agindo em nome da coletividade e em reflexo a ineficiência do Estado no combate ao crime.

Diante de uma análise mais crítica, é certo que quando a sanção é aplicada pelas próprias vítimas, no abalo emocional movido pelo ódio, é impossível conseguir agir com justiça e proporcionalidade entre a pena e a ação. A pessoa que consentir ser vítima de algum crime deve recorrer ao Estado à punição adequada ao culpado para que os prejuízos possam ser ressarcidos em conformidade com a lei, respeitando assim o devido processo legal que abrange os princípios conquistados na história da humanidade, bem como os direitos humanos fundamentais, pois praticando o exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do C.P), responderá este por tal conduta, os excessos e ainda a pena corresponde à violência praticada. Isto pode ser explicado diante do princípio da vedação do retrocesso, o qual visa proibir que uma vez positivada um direito fundamental promovendo o bem estar social e uma convivência harmoniosa e pacífica, o mesmo não poderá ser restringido ou excluído em medidas legislativas posteriores. A título de exemplo podemos citar o princípio da proporcionalidade que exige penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito. Nesse sentido, Bitencourt leciona que “é indispensável que os direitos fundamentais do cidadão sejam considerados indisponíveis (e intocáveis), afastados da livre disposição do Estado, que, além de respeitá-los, deve garanti-los”13. Portanto, diante da natureza subsidiária do Direito Penal, o seu “fim geral é impedir que os indivíduos façam justiça por suas próprias mãos, ou, ainda, minimizar ou controlar a violência”14, deste modo, a justiça feita com as próprias mãos representa extremo regresso além de propriamente estar sendo a favor da própria morte ao admitir que tamanha crueldade seja feita por pessoas que não possuem competência pra punir ou julgar, o que viola terrivelmente o princípio da dignidade humana e ignora toda evolução da humanidade até o estágio atual e o que visa um Estado Democrático de Direito.

5.2. Sentimento de impunidade e insegurança – Dificuldades enfrentadas

A questão da impunidade está no auge do debate político brasileiro pelo real aumento na violência e consequentemente do sentimento extremo de insegurança que nos rodeia. No entanto, não se pode afirmar que no Brasil não se prende, tanto é que nos últimos cinco anos a população carcerária aumentou 29%, encerrando o ano de 2013 com um total de 548 mil presos, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Dados de 2012 mostram que 49% dos presos eram de condenados e acusados por crimes contra o patrimônio enquanto que outros 25% estavam presos por tráfico de drogas. Já ao que se refere aos crimes contra a pessoa, em um país que supera a média mundial de 8,8 por 100 mil pessoas possuindo 29 a cada 100 mil habitantes apenas 11% se encontravam presos.

Diante dos dados expostos acima, partindo do pressuposto que deverá o juiz estabelecer a pena conforme seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime (art. 59, C.P), a pena possui também natureza ressocializadora, no entanto, alguns doutrinadores apontam que o sistema penal é em si mesmo um problema social defendendo até mesmo sua abolição. Diante disso, é notável que o direito penal mostra-se incapaz de prevenir a prática de novos delitos, e, como leciona Paulo Queiroz, “é um sistema arbitrariamente seletivo; recruta sua clientela entre os mais miseráveis. É um sistema injusto, produtor e reprodutor das desigualdades sociais”15, com tendências a privilegiar as classes dominantes isentando-os, de certa forma, da fiscalização e criminalização de condutas que representam danos muito maiores a sociedade ao sonegarem impostos, desviarem verbas da educação, da saúde etc., que resultam numa maior desigualdade social diante do monopólio capitalista e por consequência desvia classes inferiores ao cometimento de crimes, para que posteriormente sejam jogados em presídios insalubres, sem as mínimas condições de dignidade e higiene com outros tantos presos numa mesma cela. Se não bastasse, juntam sujeitos de periculosidades diferentes transformando o presídio na chamada “escola do crime”, fator que aumenta em extremo a criminalidade, tanto é que os níveis de reincidência é um dos maiores do mundo, chegando a incrível margem de 70%. Em suma, na teoria o que pretendem é a ressocialização do indivíduo para a sua reintrodução ao convívio social, entretanto, há violação dos Direitos Humanos pelo próprio sistema o qual nunca foi capaz de cumprir suas promessas ficando apenas no mundo do “dever ser”. É preocupante o que acontece de fato, pois todas essas circunstâncias e desigualdades juntamente com a seletividade do sistema fazem com que o agente além de ser punido pelo crime que cometeu, seja punido também pelo que ele é, abandonando o direito penal do ato e admitindo o direito penal do autor ao analisar elementares subjetivas incriminadoras. O certo é que o capitalismo que proporciona privilégios a mínima parcela da população é talvez o principal causador da delinquência, pois sua estrutura desigual entre os indivíduos marginaliza os menos favorecidos que serão presos e depois voltarão piores para a sociedade, já que o sistema não recupera de fato ninguém, mas acaba por deixar a situação cada vez mais delicada.

Relatando sobre os postulados garantistas como uma forma de melhoria do quadro atual, Salo de Carvalho no seu livro “Aplicação da Pena e Garantismo” mostra a teoria de Ferrajoli, na qual o poder punitivo do Estado deve ser diminuído, limitado ao máximo, enquanto que a liberdade do indivíduo deve ser ampliada, devendo ser afastado o direito penal do autor. O garantismo é, então, um modelo político criminal minimalista que afasta teses radicais, como o abolicionismo, a partir de preceitos que fazem prevalecer os direitos e garantias das pessoas frente à redução ao máximo do poder estatal arbitrário e ilimitado. Diante de todo impasse e dificuldades enfrentadas, defende que a precária situação do imputado deve ser considerada uma atenuante obrigatória na cominação da pena, pois há uma co-culpabilidade do Estado e da própria sociedade ao não favorecer oportunidades para o indivíduo deixando-o vulnerável. Com bastante propriedade e precisão, leciona que se não bastasse todas as dificuldades enfrentadas por essa parcela da população

[...] Acaba-se, então, punindo a pessoa pelo que ela é (quia peccatum) e não pelo que ela fez (quia prohibitum), abandonando as necessárias amarras impostas pelos princípios da secularização e da legalidade (mala prohibita) no que tange ao aumento da pena, substituindo-os por valorações potestativas de cunho subjetivo na reconstrução da personalidade de autor rotulado como intrinsecamente perverso16.


6. Notas conclusivas

As frases que mais ouvimos rotineiramente diante dos fatos que a mídia retrata de linchamentos são: “Bandido bom é bandido morto”, “Direitos Humanos para humanos direitos”, “Faça um favor ao Brasil, adote um bandido” etc., a reflexão que fica é sobre o quão manipulável são as pessoas em concordarem e aprovarem tamanha barbárie e crueldade. É um retrocesso sem medidas ao estado de natureza, ações que devem ser intrinsecamente controladas para evitar que a sociedade se torne realmente um caos. Com tais acontecimentos e necessidade de reformulação de algumas normas, vale lembrar o que leciona Miguel Reale na tese que chamou de Teoria Tridimensional do Direito, podendo-a resumir assim: ao fato social atribui-se um valor por meio dos princípios, ao qual se traduz em norma, cuja interpretação varia de acordo com o contexto social e histórico a época dos fatos. “(...) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta”17. Desta forma, com tais fatos e a valoração da sociedade sedenta e inconformada querendo mudanças, o Estado deve tomar as medidas cabíveis o mais rápido possível para se evitar situações ainda mais drásticas.

As dificuldades enfrentadas não surgiram de uma hora pra outra, no entanto, é incrível como em 1764, com 25 anos, Beccaria ao publicar sua famosa obra estudada até hoje na área jurídica, a renomada “Dei delitti e delle pene” (dos delitos e das penas), em análises críticas sobre questões referentes ao sistema penal do antigo regime, já trazia soluções e meios para que o Estado se mostrasse eficiente garantindo os direitos fundamentais as pessoas. Defendia que o método mais seguro de prevenir crimes é aperfeiçoar o sistema educacional e que não seria o rigor das penas que preveniriam o crime, logo, a severidade das penas deve ser proporcional ao estado da nação e determinada a menor possível aplicável ao caso, desde que seja proporcional ao delito, imediata e prevista em lei, pois a prevenção ocorre com maior eficiência quando de fato há a certeza da punição.

É certo então que o Estado deve procurar solucionar essas situações com mecanismos anteriores que diminuam a possibilidade de delitos, isto é, que atue dando uma base sólida para que as pessoas não sejam motivadas ao crime. Tentar diminuir as desigualdades sociais, seja por meio de políticas públicas ou até de investimentos para proporcionar educação e possibilidade de trabalho aos indivíduos, seria boas soluções, logo, depois que matam ou estupram não há nada muito relevante que se possa fazer, já que aumentar as penas sem a certeza da punição e de sua eficácia final não resolve nada, mas apenas deixa ainda mais delicada a situação ao colocá-los em presídios que são verdadeiras “faculdades do crime” e devolvendo-os para a sociedade largamente preconceituosa que não dará nenhuma chance de inserção e ressocialização ao meio e por consequência terá que voltar a cometer crimes por falta de outras oportunidades, tanto é que a população carcerária cresce demasiadamente sem controle.


Referências

BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de Luciana Pinto Venâncio. São Paulo: Manole, 2004.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hunter Books, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CARVALHO, Amilton Bueno. CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. 4º Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2° ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

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O que é o Terceiro Estado. Obra disponível em: https://www.ead.unb.br/aprender2013/pluginfile.php/904/course/section/2282/O_QUE_E_O_TERCEIRO_ESTADO_Sieyes.pdf (Último acesso em 20/04/2014).

QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

RIBEIRO, Marcelo. A Perspectiva Hermenêutica do Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou Princípios do direito político. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.


Notas

1 RIBEIRO, Marcelo. A Perspectiva Hermenêutica do Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013. p. 6.

2 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou Princípios do direito político. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. p. 70.

3 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hunter Books, 2012. p. 21

4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 90

5 Obra disponível em: https://www.ead.unb.br/aprender2013/pluginfile.php/904/course/section/2282/O_QUE_E_O_TERCEIRO_ESTADO_Sieyes.pdf (Último acesso em 20/04/2014). p. 03

6 Idem. p. 08

7 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 10°. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 27

8 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hunter Books, 2012. p. 18

9 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 80

10 RIBEIRO, Marcelo. A Perspectiva Hermenêutica do Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013. p. 130.

11 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de Luciana Pinto Venâncio. São Paulo: Manole, 2004. p. 42

12 DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2° ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 02

13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 69.

14 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pp. 69-70.

15 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 89.

16 CARVALHO, Amilton Bueno. CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. 4º Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 92.

17 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.


Abstract:The article describes a brief explanation about the arduous historical evolution of society with more emphasis on punitive context and the defense of the individual against the state power through the Human Rights so that, later, it is possible to report on the feeling of insecurity and impunity in the present day current, as well as on the wave of arbitrary exercise of their own reason as a means of settlement of disputes by making some further considerations on the difficulties and possible improvements of the current membership.

Key words: Criminal Law. Human Rights. Rewind. State of nature. Justice.


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