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Adoção intuitu personae

uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro

Adoção intuitu personae: uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro

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Sugere-se, tanto ao Brasil quanto a Portugal, que, nas hipóteses de guarda de fato e posterior demanda pela adoção intuitu personae, em que ficar claro que os interessados não “compraram” a criança nem cometeram qualquer outro crime, devem poder adotá-la mesmo que não estejam cadastrados.

SUMÁRIO: 1. Introdução: Conceito e história do instituto da adoção. 2. A regulamentação da adoção no Brasil. 3. A regulamentação da adoção em Portugal. 4. A figura da adoção intuitu personae no direito luso-brasileiro. 5. Conclusões.


1. Introdução: Conceito e história do instituto da adoção

O termo adoção é oriundo do vocábulo latim adoptio, cujo significado literal é dar o nome a alguém, com o fito de amparar a pessoa.[1]

Juridicamente, entretanto, o termo adoção assume um sentido muito mais amplo, qual seja, o de estabelecer uma relação fictícia de filiação, que deve satisfazer pressupostos legais para se concretizar e implica em inclusão familiar de pessoa estranha, na posição de filha.

De acordo com Sílvio Rodrigues, adoção é “o ato do adotante pelo qual traz ele, para a sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha”.[2] Por sua vez, o também ilustríssimo jurista brasileiro Pontes de Miranda conceitua a adoção como “o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação de paternidade e filiação”.[3] Ainda, na visão de Clóvis Beviláqua, “a adoção é o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho”.[4] Trata-se a adoção, portanto, de uma ficção jurídica que permite a criação de laços de parentesco de 1.º grau, em linha reta, entre a pessoa do adotante e a do adotado.[5]

Os primórdios da adoção na história da humanidade remontam à necessidade que tinham as famílias das civilização antigas - a exemplo da egípcia, da grega e da romana - dentro do desenvolvimento político-social na antiguidade clássica, de perpetuarem o culto religioso doméstico entre as gerações.

Assim, as primeiras menções ao instituto da adoção deram-se ainda no Código de Hamurabi, o qual remonta, aproximadamente, entre 1728 e 1686 a.C, passando pelo Código de Manu (ou Leis de Manu), redigido entre os séculos II a.C. e II d.C. - que fixava como pré-requisito para a adoção que o adotado conhecesse os rituais religiosos da família do adotante, sendo que somente seria possível a adoção entre um homem e um rapaz da mesma classe social, exigindo-se deste (adotado) que tivesse todas as qualidades desejadas em um filho. Há, ainda, várias histórias de adoção nos textos da Bíblia - que mencionam, por exemplo, as adoções de Ester por Mardoqueu e de Efraim e Manes por Jacó.

O historiador francês Fustel de Coulanges, em sua grande obra intitulada “A Cidade Antiga”, publicada no ano de 1864, demonstrou que o princípio constitutivo da família na antiguidade clássica não era o afeto, tampouco o parentesco sanguíneo, mas a religião. Segundo leciona Coulanges:

A família antiga é mais uma associação religiosa do que natural, em cada casa das antigas gerações era possível encontrar um altar, onde todos os dias, pela manhã, durante a noite e antes das refeições, se reuniam todos os membros da família para dirigir suas preces.[7]

Unida pela religião, a família era indissolúvel, e seus entes permaneceriam juntos até na morte, tratada por Coulanges como a “segunda existência”. As crenças relativas aos mortos e o culto que lhes era devido constituíram a família antiga e lhe deram a maior parte de suas regras. Destarte, para manter o culto aos seus mortos, em obediência aos preceitos de sua religião, era imperiosa a eternização da entidade familiar. Nesse sentido, o casamento existia apenas com o objetivo de perpetuar a família.[8]

Em casos de esterilidade feminina, constituía direito do marido, entre os povos antigos, o desfazimento do casamento. Por outro lado, caso a esterilidade fosse por parte do marido, um irmão ou parente próximo deveria substituí-lo no ato sexual de concepção, não sendo estendido à mulher o direito ao divórcio. A criança nascida dessa relação seria tida como filha do marido, cabendo-lhe, portanto, o papel de continuar o culto de seu pai quando de sua morte.

Destaque-se, todavia, que o nascimento de uma menina não satisfazia o objetivo do casamento. Com efeito, a filha não podia continuar o culto porque, no dia seguinte ao que se casasse, teria que renunciar à família biológica e ao culto do pai e passaria a pertencer à família e à religião do marido.

Nesse contexto, é justamente do dever de perpetuar o culto doméstico que surge a adoção no direito antigo, assim no dizer de Fustel de Coulanges:

A mesma religião que obrigava o homem a se casar, que concedia o divórcio em caso de esterilidade, e que, em caso de impotência ou morte prematura, substituía o marido por um parente, oferecia ainda à família um último recurso para escapar à tão temida desgraça da extinção: esse recurso consistiria no direito de adotar.[9]

É mister destacar que, tendo a adoção apenas a função de evitar a extinção da família, só era permitida àqueles que não tinham filhos homens.

No que tange aos vínculos entre o filho adotivo e sua família biológica, estes eram quebrados, estando o filho impedido de retornar à sua família natural. A adoção correspondia, na família natural, à emancipação, cuja finalidade principal era a renúncia ao culto da família onde nascera, pelo filho. Sendo assim, o filho emancipado não mais era membro da família biológica, nem pela religião, nem pelo direito.

Dentro da nova família, o filho adotivo não era discriminado, ao contrário, era recebido com uma cerimônia de inserção ao culto doméstico, a partir da qual se iniciava a verdadeira filiação. A respeito disso, destaca-se a seguinte passagem:

O filho não será mais considerado filho pela família se renunciar ao culto, ou for emancipado; o filho adotivo, pelo contrário, será considerado filho verdadeiro, porque se não possui vínculos de sangue, tem algo melhor, que é a comunhão do culto; o legatário que se negar a adotar o culto dessa família não terá direito à sucessão; enfim, o parentesco e o direito à herança, serão regulamentados, não pelo nascimento, mas pelos direitos de participação no culto, de acordo com o que a religião estabeleceu.[10]

Observa-se, portanto, que a adoção surgiu como meio de satisfazer aos interesses das famílias sem filhos, e apesar de ter como base motivos religiosos, não tinha qualquer relação com solidariedade ou questões afetivas. Não havia a preocupação com o bem-estar do adotando, mas apenas com a perpetuação da família.


2. A regulamentação da adoção no Brasil

No Brasil, o instituto da adoção foi introduzido a partir das Ordenações Filipinas,[11] de forma bastante superficial, tendo sua sistematização ocorrido apenas com a promulgação da Lei n.° 3.071, em 1° de janeiro de 1916, o Código Civil Brasileiro.

No intuito de regular e mesmo facilitar a prática da adoção no país, o legislador do Código Civil de 1916, paradoxalmente, findou por estabelecer normas e requisitos bastante restritivos, destacando-se, por exemplo, que apenas tinham capacidade de adotar os maiores de 50 (cinquenta) anos de idade e sem prole legítima ou legitimada, podendo-se observar de pronto o caráter de mero substituto da filiação biológica que lhe foi atribuído.

Embora sem embasamento religioso, a exemplo do que ocorria nas gerações antigas, a adoção, no Brasil, do mesmo modo, funcionava como um meio egoístico de suprir lacunas em famílias que já não poderiam mais gerar seus próprios descendentes, servindo, muitas vezes, como solução para questões de ordem sucessória, o que demonstra sua faceta também patrimonial.

Conforme observado, vigia no país a sociedade matrimonializada, de modo que o pedido de adoção só poderia ser concedido a duas pessoas, se casadas. A adoção individual, entretanto, era possível e, embora ocorresse principalmente em casos de viuvez, tal possibilidade já representou certo avanço legislativo, numa época em que a família tinha como berço apenas o casamento.

No que tange à adoção de menor ou interdito, ressalta-se duas particularidades: a) não se poderia adotar sem o consentimento da pessoa debaixo de cuja guarda estivesse o adotando menor ou interdito; b) nesta modalidade de adoção, o adotado poderia desligar-se da adoção no ano seguinte em que cessasse a interdição ou menoridade, ou seja, o vínculo da adoção poderia ser dissolvido se as duas partes, adotante e adotado, anuíssem, bem como nos casos em que o adotado cometesse ato de ingratidão contra o adotante.

Nota-se, assim, que, na regulamentação da adoção pelo Código Civil de 1916, o ato de adotar poderia ser facilmente desfeito. Ora, admitir a dissolução da adoção é tomá-la por mero ato jurídico, desconsiderando-se a afetividade e as relações de parentesco envolvidas, como se pais e filhos pudessem simplesmente desistir dos vínculos que lhes unem e apagar qualquer resquício de uma relação de filiação.

No concernente à formação da família, é de ressalte que o parentesco resultante da adoção limitava-se a adotante e adotado, salvo quanto a impedimentos matrimoniais, numa situação oposta à atual legislação brasileira, a qual estende o parentesco da família socioafetiva consolidada pela adoção aos mesmos graus existentes na família biológica, igualando-as (art. 1.521 do Código Civil de 2002).

Em relação à família natural, mantinham-se os direitos e deveres de pais e filhos, extinguindo-se apenas o pátrio poder (hoje denominado poder familiar), o qual era transferido aos pais adotivos. Destarte, depreende-se que, embora inserto em novo círculo familiar, o filho por adoção continuava vinculado à família biológica, situação que apenas dificultava a concretização e as próprias relações de adoção, muitas vezes desestimulando-a, haja vista que os pais adotivos teriam de conviver com o “fantasma” dos pais biológicos sempre por perto.

É de fácil observação que o instituto da adoção regulamentado pelo Código Civil de 1916 visava, sobretudo, aos interesses dos adotantes, atendendo a seus anseios de ter um filho, sem deixar de proteger os direitos dos filhos biológicos, caso existissem. Deste modo, o legislador acabou por relegar a segundo plano a questão afetiva envolvida, bem como os direitos e interesses dos filhos por adoção.

Posteriormente, como a promulgação da Lei n.º 3.133, em 08 de maio de 1957, foram alterados os requisitos indispensáveis à concretização da adoção, de modo que a idade mínima do adotante foi diminuída de 50 (cinquenta) para 30 (trinta) anos e a diferença de idade entre adotante e adotado, de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos. Se, por um lado, a adoção foi facilitada, por outro, a lei passou a exigir, injustificadamente, que os adotantes fossem casados há, pelo menos, 05 (cinco) anos, o que não era necessário na redação original do Código de 1916.

A Lei n.º 3.133/57 manteve a possibilidade de dissolução da adoção, que poderia se dar por vontade do adotado, no ano seguinte em este que atingisse a maioridade, bem como pelo mútuo consentimento das partes envolvidas, ou nos casos em que se admitia a deserdação.

Aos filhos adotados e naturais eram concedidos praticamente os mesmos direitos, exceto quanto ao que se trata de sucessão hereditária, visto que o adotado tinha direito apenas à metade do quinhão que herdariam os filhos biológicos, caso estes últimos fossem nascidos depois da adoção. Acrescente-se, numa disposição ainda mais arbitrária, que, se ao tempo da adoção os adotantes já tivessem filhos biológicos, o filho adotivo nada receberia.

Em 02 de junho de 1965, entrou em vigor a Lei n.º 4.655, a qual introduziu no Brasil a figura da “legitimação adotiva”, uma espécie de ficção jurídica através da qual o filho adotivo gozava da condição de legitimidade, isto é, o status dado ao filho concebido na constância do casamento. A possibilidade de elevação do filho adotivo ao patamar do legítimo causou forte mal estar na sociedade matrimonialista da época, razão pela qual houve forte tendência à modificação da nomenclatura estabelecida.

Assim, em 1979, devido à alteração pela Lei n.° 6.697, que introduziu o Código de Menores, o novel instituto passou a vigorar sob a denominação de adoção plena, de modo que passaram a existir duas formas de adoção: a tradicional, prevista pelo Código Civil, qual seja, a adoção simples, e a adoção plena, disciplinada pela nova legislação.[12]

Como é cediço, em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República, a qual não deixou de abordar textualmente a importância e o dever da família, além de promover avanços no terreno da adoção, determinando a equiparação dos direitos de filhos adotados e biológicos, bem como vedou qualquer designação discriminatória relativa à filiação, numa visão bastante diferente da estabelecida pelo Código Civil de 1916. Assim dispõe o artigo 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (grifou-se)

A Constituição Federal de 1988 veio equalizar o instituto da adoção no Brasil, conferindo aos filhos adotados os mesmos direitos e qualificações dos filhos biológicos, integrando, de fato, a filiação civil ao seio da família, sem discriminações de qualquer ordem. Afinal, acolher alguém como filho não é atribuir-lhe tratamento distinto do dado aos filhos consanguíneos, mas tê-lo como igual.

Destarte, observa-se que a Constituição Federal buscou, enfim, defender com primazia o interesse do menor, e nessa seara, a adoção finalmente ganhou contornos de instituto de proteção à criança e ao adolescente.

Observa-se, outrossim, que a Constituição garantiu à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e comunitária. Da mesma forma, em virtude dessa nova visão constitucional, leis especiais foram editadas de modo a garantir a consecução dos novos direitos, entre estas leis, a de maior relevo é a Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).[13]

A partir da vigência do ECA, os processos de adoção foram efetivamente facilitados. O Estatuto pôs em evidência os interesses do adotando, visando a assegurar o seu bem estar, conforme seu artigo 43, que reza que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.

Com efeito, de uma proposta egoística, que centrava nos pais o interesse maior do instituto, o ECA resgatou não só o melhor interesse do menor – o seu direito a um lar e à afetividade dos pais adotantes - mas também o caráter filantrópico da adoção, que não mais se reduz ao interesse exclusivo dos pais adotantes, mas tenta solucionar um problema social de dimensões incontroláveis no Brasil, que é a questão do menor abandonado.[14]

A Lei n.° 8.069/90 passou a regular a adoção dos menores de 18 (dezoito) anos, assegurando-lhes todos os direitos dos filhos biológicos, inclusive os sucessórios, ao passo que a adoção dos maiores de 18 (dezoito) anos permaneceu regulada pelo Código Civil de 1916.

Inicialmente, só podiam adotar, no regime do ECA, pessoas maiores de 21 (vinte e um) anos, porém, em se tratando de adoção requerida por cônjuges ou companheiros, admitia-se que apenas um deles tivesse 21 (vinte e um) anos. Até que o Novo Código Civil, promulgado em 2002, embora mantendo as duas hipóteses, reduziu o limite de idade para 18 (dezoito) anos, conservando, ainda, a necessidade de que o adotante fosse pelo menos 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado.

Foi a partir de 2002, com a promulgação do Novo Código Civil, o qual introduziu algumas modificações na figura adoção, que se passou a exigir sentença para a constituição da adoção, não se admitindo mais a adoção por meio de escritura pública, conforme dispunha o Antigo Código Civil de 1916. Tal medida é bastante conveniente, haja vista que a intervenção do Poder Público (com a participação direta do Ministério Público) assegura a legalidade de sua celebração. Destaque-se, ainda, que a legislação civil estabeleceu regulamentação única e realização por processo judicial para adoção de maiores e menores de dezoito anos, persistindo apenas algumas peculiaridades quanto ao último caso.

Atualmente, segundo o ECA, podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil, sendo dispensável para a hipótese de adoção conjunta que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável. A nova Lei Nacional de Adoção - Lei n.º 12.010/2009 - introduziu alteração no Estatuto da Criança do Adolescente, de modo a permitir a adoção conjunta realizada por ex-cônjuges, ou ex-companheiros, desde que comprovada a afinidade e a afetividade, observado o melhor interesse da criança ou adolescente.

O Estatuto exige a anuência do cônjuge ou companheiro do adotante nos casos em que aquele não seja também adotante, considerando-se indispensável sua concordância para a concessão da adoção.

Por outro lado, embora seja também relevante a concordância dos pais biológicos, esta não constitui requisito essencial ao acolhimento do pedido de adoção, desde que sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar, por meio de decisão judicial, cabendo ao juiz da Vara da Infância e da Juventude sopesar o melhor interesse da criança.

Como já dito, a adoção sempre é realizada através de processo judicial, e como tal, seus efeitos passam a valer a partir do trânsito em julgado da sentença, salvo em caso de falecimento do adotante durante o processo, hipótese em que os efeitos da sentença retroagem à data do falecimento. Esta é a denominada adoção post mortem.

Uma vez concluído o processo de adoção, ela será irrefutável, a não ser em caso de maus tratos pelos pais. Nessa hipótese, assim como ocorreria com os pais biológicos, os pais adotivos perdem o poder familiar (como dito, por meio de processo judicial) e o Estado se responsabiliza pela guarda dos filhos, encaminhando-os a uma instituição para menores desamparados até definir sua situação, ou colocando-os sob a guarda de um parente que tenha condições de acolhê-los (família extensa ou ampliada).

Hodiernamente, a adoção é medida irreversível, não havendo qualquer possibilidade de ser restabelecida a relação familiar biológica, conforme preceitua o artigo 49 do ECA. Nem a morte dos adotantes é capaz de restabelecer o poder familiar dos pais naturais.

Embora não esteja expressa no ECA, a relação de parentesco do adotado estende-se para todos os parentes do adotante, sendo obrigatória a alteração do sobrenome do adotado e a lavratura de registro civil em que se faça constar os nomes dos adotantes como pais e de seus ascendentes de primeiro grau como avós do adotando. A nova redação do Estatuto, conferida pela Lei n.° 12.010/09, permite ainda a alteração do prenome da criança ou do adolescente, a pedido do adotante.

Por fim, é importante ressaltar que todo candidato à adoção deve estar previamente inscrito no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), órgão criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tem como escopo auxiliar os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos de adoção, por meio do mapeamento de informações unificadas de todo o território nacional, aumentando, assim, a celeridade dos processos de adoção, viabilizando, também, a implantação de políticas públicas na área. De acordo com o artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o pedido de habilitação no cadastro deve ser feito judicialmente, o qual será decidido por sentença pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca em que reside o candidato. Do indeferimento do pedido, cabe recurso (art. 198 do ECA).

Uma crítica que não podemos deixar de fazer é que alguns doutrinadores e operadores do Direito estão elevando a inclusão do nome do adotante no CNA ao status de condição da ação de adoção e, mais do que isso, passaram a considerá-la princípio absoluto, buscando, assim, uma interpretação literal, formal e neutra, tentando abstrair da decisão do juiz qualquer carga axiológica no caso concreto.

Em relação à adoção por casais homossexuais, não há permissivo na legislação brasileira, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou entendimento jurisprudencial acerca da sua possibilidade, independentemente da idade da criança (RE 846.102, publicado em 18 de março de 2015). É que, nos autos do processo supra referido, a tese do Ministério Público do Estado Paraná (MP/PR) era o de só se permitir a adoção por casais gays de crianças com 12 (doze) ou mais anos, hipótese em que a criança deveria opinar e expressar seu consentimento sobre a adoção.

A Lei n.° 12.010/2009, que alterou substancialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar do codinome pelo qual ficou conhecida (“Nova Lei de Adoção”), infelizmente, não trouxe para o indigitado instituto apenas progressos, pois muitas foram as oportunidades desperdiçadas pelo legislador de aperfeiçoar e expandir a prática da adoção. Por outro lado, é imperativo ressaltar que alguns avanços foram trazidos pela Nova Lei de Adoção, destacando-se, por exemplo, a disposição legal que visa a assegurar a forma de amparo às mães e gestantes que manifestarem interesse em entregar seus filhos à adoção, sendo-lhes garantida assistência psicológica a ser oferecida pelo Poder Público.

O legislador da Lei n.° 12.010/09, numa demonstração de respeito às diferenças, manifestou, outrossim, preocupação com a criança indígena ou proveniente de comunidade quilombola, de modo que o acolhimento e a colocação em família substituta, nesses casos, deverão respeitar sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições. Garantiu-se, ainda, a manutenção dos laços fraternais a partir da previsão que estabelece a impossibilidade de separação de grupos de irmãos levados à guarda, tutela ou adoção, ressalvando-se a comprovada existência de risco que justifique o rompimento definitivo dos vínculos entre os irmãos.

Todavia, após seis longos anos de tramitação da nova Lei Nacional de Adoção, o silêncio acerca de questões de grande importância como a adoção homoparental e a necessidade do deferimento de adoção intuitu personae em casos de relações familiares já consolidadas, bem como a preferência exacerbada dada à família natural, colocando a adoção na posição de medida excepcionalíssima, demonstram a insuficiência e o atraso da nova legislação.


3. A regulamentação da adoção em Portugal

Historicamente, a primeira lei em Portugal que tratou da situação das crianças abandonadas foi a Carta Régia de 1543, a qual atribuía à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a responsabilidade de “recolher, proteger e criar as crianças, filhas de ninguém”. Tais crianças, em sua maioria, eram abandonadas por mulheres da classe social alta portuguesa, que ocultavam a maternidade, sobretudo, por razões morais e sociais.

O mecanismo utilizado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para essas crianças era a chamada “Roda dos Expostos” (uma vez que as crianças abandonadas eram os “expostos” ou “enjeitados”), que consistia em um “mecanismo cilíndrico, com as suas duas partes, côncava e convexa, girando sobre si mesmo. Então, a mulher que queria “desfazer-se” do filho, o colocava no cilindro e o girava; a mulher que queria receber a criança, travava o movimento e o pegava. Tal mecanismo foi extinto em dezembro de 1870, tendo fracassado na sua função de extinguir o abandono de crianças ou mesmo reduzir as elevadas taxas de mortalidade infantil da época, o que fez o país a adotar a política de concessão de subsídios às mães indigentes, às puérperas e às famílias que viessem buscar na Roda as crianças que tinham rejeitado anteriormente.[15]

Por sua vez, a norma pioneira a regulamentar a adoção propriamente dita foram as Ordenações Afonsinas e Manuelinas (1512/1513 – 1605), que tinham como objetivo conceder ao adotado a qualidade de herdeiro.[16]

Entretanto, o Código Civil Português de 1867, conhecido como “Código de Seabra”, diferentemente de legislações anteriores, não contemplou a figura da adoção, o que só veio a ocorrer 100 (cem) anos depois, com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, em 1.º de junho de 1967 (“Código de Varela”).

A introdução ao regime jurídico da adoção no novel Código se deu, principalmente, pela ocorrência da I e II Guerra Mundial, as quais deixaram um grande número de crianças órfãs nos países europeus, razão pela qual era iminente uma resposta dos Estados ao grande número de crianças que tinham ficado sem família.

Assim, o art. 1586.º do Código Civil estabeleceu o conceito legal de adoção, caracterizando-a como “o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes”.

Por sua vez, o art. 1974.º, n.º 1, dispôs que “a adopção apenas será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação”.

Percebe-se que, a exemplo do que ocorreu no Brasil, a partir desse momento, em Portugal, a adoção deixou então de estar centrada no interesse da pessoa do adotante, em que se procurava sobretudo a perpetuação da família e a transmissão do nome e do patrimônio, como sucedia nas legislações antigas, para passar a visar à satisfação do interesse do adotado no ingresso num meio familiar semelhante ao de uma família baseada na filiação biológica.

O Código Civil Português de 1966, por influência francesa, previa dois tipos de adoção: a adoção restrita e a adoção plena, conforme a extensão de seus efeitos. A adoção plena, irrevogável e de efeitos mais abrangentes, só poderia ser obtida por cônjuges que estivessem casados há mais de 10 (dez) anos, não estando separados em matéria de pessoas e bens em termos judiciais, e que não tivessem filhos legítimos. Os adotantes também tinham que ter mais de 35 (trinta e cinco) anos, com exceção dos casos em que o adotando fosse filho ilegítimo de um dos cônjuges.

Por sua vez, o adotando não deveria ter mais de 14 (catorze) anos “ou menos de vinte e um e não ser emancipado, desde que com idade superior a catorze anos tivesse estado, de fato ou de direito, aos cuidados do adotante”. A adoção, contudo, só era permitida quando o adotando fosse filho de cônjuge de um dos adotantes ou filho de pais incógnitos ou falecidos.[17]

O instituto sofreu várias alterações legislativas, motivadas, especialmente, pelo texto constitucional, o qual vedava a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Dessa forma, sucederam-se os Decreto-lei n.º 496, de 25 de novembro de 1977, n.º 185, de 22 de maio de 1993, n.º 120, de 8 de maio de 1998, e, finalmente, a Lei n.º 31, de 22 de agosto de 2003, que plasmou expressamente o princípio do superior interesse da criança como fim último do instituto e critério-guia de decisão. Estas sucessivas reformas alteraram os requisitos respeitantes aos adotantes e aos adotandos, os procedimentos, e sobretudo o espírito do instituto, que foi paulatinamente sendo centrado no interesse superior da criança.

Sobre a regulamentação da adoção internacional, importa sublinhar a regulação da colocação no estrangeiro de menores residentes em Portugal para aí serem adotados, tendo sido criadas regras para garantir a clareza e a segurança dos procedimentos.[18]

Os organismos de segurança social passaram a ter competência para decidir da confiança administrativa do menor e legitimidade para requerer a sua confiança judicial, sendo ouvidos obrigatoriamente antes da decisão do tribunal. Houve, assim, com esta revisão, um reforço do papel e da ação da segurança social em todo o processo tutelar e de adoção, conferindo-lhe a posição de articulação entre cidadãos, famílias e instituições que tenham a seu cargo ou conheçam crianças desprovidas de meio familiar normal e em risco.[19]

Denota-se, ainda, ao longo desta evolução, uma tendência no sentido de se flexibilizarem os requisitos da capacidade para adotar, com a redução de limites etários ou de mínimo de convivência conjugal, bem como com a previsão da possibilidade de adoção singular. Tal possibilidade surgiu com a reforma legislativa de 1977, por meio do Decreto-lei n.º 496, que permitiu a adoção singular por pessoa com mais de 35 (trinta e cinco) anos de idade, bem como a adoção plena a pessoas casadas há mais de 05 (cinco) anos e não separadas de pessoas e bens em termos judiciais, desde que contassem mais de 25 (vinte e cinco) anos de idade. Outrossim, permitiu que os casais com filhos legítimos também pudesse realizar a adoção plena.

Em relação ao adotando, a idade máxima passou para 15 (quinze) anos. Todavia previa-se a possibilidade de adoção a quem tivesse menos de 18 (dezoito) anos ou ainda não estivesse independente na data da petição judicial de adoção, desde que tivesse sido confiado aos adotantes ou a um deles com idade não superior a 15 (quinze) anos, ou se fosse filho do cônjuge do adotante.[20]

Em relação à confiança judicial tendo em vista uma futura adoção, são referidas numerosas “situações de menores que podem ser encaminhadas para a adopção, desde: os filhos de pais incógnitos ou falecidos; aqueles em relação a quem houve consentimento prévio; os que foram abandonados pelos pais; aqueles que os pais colocaram em perigo, comprometendo seriamente os vínculos afectivos próprios da filiação; e aqueles que, estando acolhidos por um particular ou instituição, tivessem sido objecto de manifesto desinteresse por parte dos pais em termos de comprometer seriamente os vínculos afectivos da filiação durante seis meses”.[21]

Nas situações de consentimento, definiu-se que a mãe só o podia fazer depois de 06 (seis) semanas do parto e, “instituiu-se, por regra, a obrigatoriedade de audição dos ascendentes ou, na sua falta, dos irmãos maiores do progenitor falecido, sempre que o adoptando seja filho de cônjuge do adoptante e o seu consentimento não se mostre necessário”.[22]

A legislação também inovou ao conferir proteção especial à identidade do adotante e de seus pais naturais, bem como garantiu a possibilidade mudança do nome próprio do adotando em casos excepcionais.

No que tange à adoção de filhos de cônjuge, a lei vem prevendo, ao longo do tempo, requisitos mais flexíveis para este tipo de adoção do que para a adoção conjunta, de criança que não possua vínculo de parentalidade com nenhum dos candidatos. Isso se denota na ausência limites etários máximos para se adotar que, desde a reforma legislativa de 1993, foram eliminados para a adoção de filho de cônjuge (artigo 1979.º, n.º 5, do Código Civil).

Entretanto, a noção jurídica de família do sistema jurídico português evoluiu rapidamente. Em 1999, foi adotada a lei que veio garantir o reconhecimento de efeitos jurídicos às uniões de fato com duração superior a 02 (dois) anos (Lei n.º 135, de 28 de agosto de 1999). Essa lei reconheceu às pessoas de sexos diferentes que vivessem em união de fato o direito de adotarem em condições análogas às das pessoas unidas pelo casamento.

Cumpre ressalvar que, diferentemente da legislação brasileira, a portuguesa não reconhece o direito de adoção aos divorciados, separados judicialmente e ex-companheiros, tampouco a possibilidade excepcional de adoção post mortem.

Outra diferença substancial entre as legislações dos dois países é o limite de idade para adotar, que, em Portugal, é de 60 (sessenta) anos, diferentemente do que ocorre no Brasil, que não possui uma idade máxima para se adotar, mas a jurisprudência brasileira, entende que, havendo uma hipótese de adotante com idade muito avançada, o juiz deverá analisar, no caso concreto, se aquela adoção satisfaz os interesses do menor.

Por outro lado, tanto o direito português quanto o direito brasileiro exigem que o adotando com 12 (doze) anos ou mais consinta expressamente com a adoção, sendo que o direito lusitano exige que esse consentimento também seja dado pelos filhos do adotante que possuam essa idade, o que não ocorre no direito brasileiro.

Uma das mudança mais recentes no direito português consistiu na possibilidade, em situações excepcionais, da adoção plena ao adotante com mais de 50 (cinquenta), desde que o menor lhe tenha sido confiado quando este (adotante) tenha menos de 60 (sessenta) anos e que a diferença de idade entre o adotante e o adotado seja inferior a 50 (cinquenta) anos, pelo menos em relação a um dos adotantes (art. 1979.º, n.º 4).

Assim como ocorre no Brasil, em Portugal, o processo de adoção está centralizado em um órgão específico, no caso, a Segurança Social, sendo que todo candidato à adotante precisa dirigir-se ao Centro Distrital da Solidariedade e Segurança Social (CDSSS) de sua área e preencher um cadastro com informações pessoais, além de apresentar certidões e documentos, passando, ainda, por um processo de análise, preparação e avaliação psicossocial; e somente depois dessas etapas é que o candidato será considerado apto ou não a integrar a lista nacional de espera para adotantes. Da decisão de indeferimento do pedido, cabe recurso. No caso dos moradores do município de Lisboa, o órgão responsável pelo pedido de cadastro é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).

A Lei n.º 7/2001 veio tutelar e reconhecer efeitos jurídicos também às uniões de fato de pessoas do mesmo sexo (uniões homoafetivas). Entretanto, o direito de adoção permaneceu reservado apenas para os unidos de fato de sexos diferentes (artigo 7.º).

Na mesma linha, em 2010, foi aprovada a Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, que veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Esta Lei contém uma referência expressa à capacidade para adotar, referindo, no n.º 1, do artigo 3.º, que as “alterações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da adoção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuges do mesmo sexo”. Reforçando esta ideia, o n.º 2 da mesma norma sublinha que “nenhuma disposição legal em matéria de adoção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior”. O dispositivo legal supra veio, assim, prever a possibilidade de pessoas do mesmo sexo poderem contrair casamento, tal como definido na lei civil, e que por isso, produz todos os efeitos reconhecidos pela lei civil a esse instituto. À exceção de um único: a possibilidade de adoção, seja ela adoção conjunta, seja ainda adoção do filho do cônjuge.

A lei que veio prever o casamento de pessoas do mesmo sexo consagrou, assim, a mesma solução legal que a prevista para as uniões de fato entre pessoas do mesmo sexo. Dessa forma, a flexibilização dos requisitos referentes à capacidade para adotar, de que foi testemunha a evolução legislativa do instituto da adoção, “não foi porém desenvolvida pelo legislador ao ponto de acompanhar a proteção jurídica que foi sendo concedida às uniões de pessoas do mesmo sexo — seja uma união de facto ou uma união conjugal, neste último caso desde 2010” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 176/2014, de 19/02/2014, Publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 44, de 04/03/2014, p. 1701 e ss.).

Todavia, em novembro de 2015, o Parlamento Português aprovou 05 (cinco) projetos de lei que concedem a permissão da adoção plena de crianças por todos os tipos de casais, incluindo os homossexuais, tornando-se Portugal, assim, o 24.º país do mundo a permitir a adoção por casais gays. Tratando-se de aprovação recentíssima, os projetos de lei que foram aprovados pelo Parlamento serão discutidos na especialidade e depois submetidos à votação final global, para então passarem a ser uma decisão definitiva e poder ser aplicada.


4. A figura da adoção intuitu personae no direito luso-brasileiro

A expressão intuitu personae deriva do latim e significa “em consideração à pessoa”, “em razão da pessoa”. Portanto, adoção intuitu personae (também chamada de adoção direta) pode ser conceituada como a adoção que ocorre quando os genitores biológicos (ou um deles, na falta do outro), de forma consensual, manifesta interesse em que seu filho seja adotado por pessoa conhecida, direcionada, não se respeitando, nesse caso, a ordem de preferência estabelecida pelo cadastro de adotantes. Tal situação diferencia-se do que acontece na adoção convencional, que segue o rito legal, no qual os pais biológicos devem dar o seu consentimento (caso não lhes tenha sido retirado previamente o poder familiar), mas não escolhem nem ao menos conhecem quem passará a cuidar do seu filho.

Em Portugal, o legislador permitiu a figura da adoção direta apenas na hipótese de adoção de filho de cônjuge ou de unido de fato, tomando-se como objetivo dessa exceção o de se estabelecer vínculos jurídicos entre uma criança e a pessoa com quem o genitor possui um vínculo conjugal (padrasto/madrasta). Trata-se de uma clara tentativa de se acelerar e efetivar a consolidação do núcleo familiar formado.

Essa modalidade de adoção tanto pode ser plena quanto restrita, a depender dos efeitos que se pretendem dar à adoção. Cumpre apenas ressaltar que, se a escolha incidir sobre a adoção plena, não haverá a extinção das relações familiares, conforme está definido no n.º 1 do artigo 1986.º do Código Civil, mas aplicar-se-á o n.º 2 do artigo 1986.º do CC, mantendo-se as relações entre o adotado e o cônjuge do adotante e os respectivos parentes.

Dessa forma, a adoção de filho do cônjuge, em termos jurídicos, é a única que não resulta de uma confiança administrativa, judicial, ou medida de promoção e proteção com vista à adoção (n.º 1 artigo 1980.º do CC), sendo que, a partir da comunicação da intenção de adotar, passa-se diretamente ao período de pré-adopção, com uma duração máxima de 03 (três) meses, em vez dos 06 (seis) meses requeridos na adoção em geral (n.º 1 do artigo 10.º em contraponto com o n.º 1 do artigo 9.º Lei 185/93). É neste período exigido por lei que vai ser elaborado o inquérito exigido no n.º 2 do artigo 1973.º do CC, o qual, além de avaliar a personalidade e saúde do adotante, avalia a eventual educação e situação econômica que o adotante poderá fornecer ao adotado, assim como se os requisitos gerais da adoção estão preenchidos (n.º 1 artigo 1974.º do CC).

No que tange aos limites de idade, aplica-se o que consta do artigo 1979.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, o limite mínimo de 25 (vinte e cinco) anos de idade para o adotante; e não há limite máximo (artigo 1979.º, n.º 5, do Código Civil). Em relação à idade do adotando, a adoção do filho do cônjuge não exige que o menor tenha até 15 (quinze) anos à data da entrada da petição inicial, podendo ter até 18 anos (artigo 1980.º, n.º 2, do Código Civil).

Em relação ao tempo mínimo de casamento, este não é um requisito expressamente exigido para a adoção do filho do cônjuge, no entanto, há uma tendência para o considerar como requisito. Tal exigência centra-se numa necessidade de consolidação da relação conjugal, e é tão exigível aos candidatos que se propõem à adoção, como o deverá ser na adoção do filho do cônjuge; por outro lado, também não será justo haver uma distinção prática entre união de fato e casamento quando tal exigência não é legalmente exigida (artigo 7.º da Lei 7/2001 de 11 de Maio). Isto porque, ao se exigir 02 (dois) anos para se entrar numa situação de união de fato tutelada - n.º 1 artigo 2.º da Lei 6/2001 de 11 Maio, não seria imparcial, por parte das entidades competentes, não exigir, pelo menos, o mesmo número de anos de casamento aos adotantes casados entre si.

Por fim, aplica-se o artigo 1981.º do Código Civil, sendo indispensável o consentimento: a) do cônjuge (no caso, o genitor do adotado); b) do próprio menor, caso este tenha mais de 12 (doze) anos (alínea “b” do n.º 1 do artigo 1981.º do CC); e c) do genitor com o qual se pretende romper os vínculos jurídicos, desde que não tenha havido confiança judicial nem medida de promoção e proteção de confiança à pessoa ou à instituição com vista à futura adoção (alínea “c” do n.º 1 do artigo 1981.º do CC), ou, em alguns casos, dos ascendentes, colaterais até ao 3º grau ou do tutor, na hipótese de um dos genitores ser pré-falecido, e desde que o menor tenha sido entregue a um dos sujeitos acima referidos (alínea “d” artigo 1981.º do CC).

Em termos jurisprudenciais, a questão é tratada com alguma sensibilidade, havendo uma tentativa por parte dos juízes de averiguação do tipo de relação (harmoniosa ou divergente), existente entre o genitor/cônjuge e a família de origem. Um dos exemplos dessa posição é a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa[23], na qual, perante um pedido de adoção do filho do cônjuge, fundado no pré-falecimento do genitor, os desembargadores confirmaram a decisão da 1.ª instância de indeferimento do pedido de adoção plena do menor. A decisão, tendo por base a matéria de fato apresentada, referiu que, no caso em exame, não estava presente nenhuma causa de quebra de vínculos afetivos entre a família do genitor pré-falecido e o menor, mas sim uma relação problemática entre o genitor sobrevivo e a família do pré-falecido.

Em resumo, nos casos em que se prove que há vínculos entre o adotado e a sua família de origem, não deve haver a promoção da adoção plena, mas deve apenas ser decretada a adoção restrita, onde a imposição de um regime partilhado entre a família biológica e adotiva seria a melhor solução para o menor, mesmo que a adoção restrita, de efeitos menos abrangentes que a adoção plena, não promova a estabilidade necessária à criança.

No entanto, nessa hipótese, o prejuízo que tal espécie de adoção, em tese, traria ao menor seria de natureza apenas patrimonial, posto que, embora o adotado não se torne herdeiro legitimário do adotante, a estabilidade afetiva permanece preservada. Este eventual prejuízo, além de não ser um fator a ser levado em conta nos inquéritos realizados nos termos do n.º 2 do artigo 1973.º, nem seja uma das finalidades da adoção, pode ser facilmente contornado através de uma designação testamentária em nome do adotado. Por outro lado, a aplicação, em Portugal, de uma solução inspirada no direito comparado também seria uma mais-valia à adoção do filho do cônjuge, pois proporcionaria a preservação dos vínculos afetivos entre o menor e os ascendentes.

Por sua vez, no Brasil, com as mudanças trazidas pela Lei n.º 12.010/09, tornou-se extremamente dificultosa a adoção intuitu personae, visto que a norma restringe significativamente os casos em que esta pode ser legalmente reconhecida. Todavia, mais abrangente que o direito português, o direito brasileiro previu 03 (três) exceções que dispensam ensejam o procedimento de adoção direta, nos termos do artigo 50, § 13, do ECA. São elas:

§ 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral;

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

A primeira hipótese (inciso I) refere-se à adoção unilateral, aquela prevista no § 1.º do artigo 41 do Estatuto, que ocorre quando um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, situação em que, por óbvio, será dispensada a inscrição no CNA, diante do risco de adoção do menor por terceiros estranhos à relação de afetividade previamente consolidada.[24] Esta hipótese equivale à “adoção de filho do cônjuge” acima estudada, prevista no Código Civil de Portugal.

Por sua vez, a segunda exceção (inciso II) trata da hipótese de pedido formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afetividade ou afinidade, hipótese em que a adoção também será intuitu personae (direta), demonstrando, mais uma vez, a prioridade de que goza a família extensa frente à família substituta.

Por derradeiro, a hipótese do inciso III cuida de exceção bastante controversa, qual seja, o pedido formulado por detentor da tutela ou guarda legal de criança maior de 03 (três) anos de idade, desde que haja comprovada construção de vínculos de afetividade e afinidade, sendo, portanto, necessário o cadastramento no caso de crianças na mesma situação, porém com idade inferior a 03 (três) anos. Nessa última hipótese, resta-nos uma pergunta a fazer: qual terá sido o critério utilizado pelo legislador para determinar a idade mínima de 03 (três) anos de idade como limite para a diferenciação de tratamento legal?

Sabe-se que a consolidação de vínculos de afetividade é decorrente da convivência e da construção de laços afetivos mútuos, que acabam por unir pais e filhos; e decerto, não possui tempo determinado para ser caracterizada. Imperioso destacar, portanto que o legislador utilizou-se de critério puramente arbitrário, tendo estabelecido aleatoriamente a idade de 03 (três) anos como o marco em que se consolidam os laços de afetividade entre adotante e adotando em convivência familiar.

Em verdade, observa-se que a referida disposição legal termina por violar o princípio do melhor interesse da criança, posto que não há estudos psicológicos aptos a comprovar que, em idade inferior a 03 (três) anos, a criança não pode estar plenamente integrada à família do pretendente, estando ausentes os vínculos de afinidade e afetividade paterno-filial.[25]

O objetivo do legislador foi evitar a comercialização de menores, bem como as adoções prontas, casos em que a genitora entrega diretamente o filho a terceiros; ou que pessoas vejam pela televisão, por exemplo, notícias de crianças abandonadas pelos pais biológicos, e entusiasmadas, num afã de solidariedade, procurem a Vara da Infância com pretensão de adotar determinada criança, burlando a fila do cadastro e prejudicando os interesses legítimos daqueles que estão cadastrados à espera de uma criança ou adolescente.[26]

Ocorre que existe uma grande diferença entre a entrega de crianças para adoção mediante paga e o recebimento dos menores diretamente dos genitores, por escolha própria desses últimos, em razão de acreditarem ser uma boa família para os filhos que não poderão criar.

A preocupação da nova Lei de Adoção em impedir a adoção intuitu personae tem ocasionado o retardo na adoção das crianças de idade inferior a 03 (três) anos já sob guarda legal, posto que os pretendentes serão obrigados a esperar até que seja configurada a exceção constante no inciso I, § 13, do artigo 50 do ECA, e ainda mais grave, será um estímulo à realização da prática conhecida como “adoção à brasileira”[27].

Ressalte-se, outrossim, ser requisito para a configuração da exceção do inciso III a tutela ou guarda legal da criança ou do adolescente, é dizer, casos de crianças que já estão com 05 (cinco), 10 (dez) ou 15 (quinze) anos e foram acolhidas por famílias afetivas, as quais lhe proporcionam a plenitude dos direitos fundamentais à convivência familiar, à integridade física e moral, à saúde, à educação, ao lazer, mas estão apenas sob a guarda fática, não estão amparados pela exceção legalmente estabelecida.

Como bem pronunciou o Juiz da Vara da Infância e Juventude e Professor da Universidade Estadual de Santa Catarina, Marcos Bandeira:

Vários desses casos foram movidos simplesmente pelo espírito de amor e solidariedade, em outras palavras, pela afetividade, e mesmo que tenha havido alguma irregularidade na forma como foi obtida a guarda de fato da criança, o prolongado tempo de convívio familiar já fez surgir uma nova realidade, que não deve ser ignorada pelo Direito.[28]           

Não se está aqui defendendo o tipo previsto no artigo e 238 do ECA[29], o qual, acredita-se, merece ser devidamente coibido, entretanto, não é possível olvidar-se dos casos em que a genitora em ato misto de desespero e amor renuncia a seu filho, entregando-o a determinada pessoa que saiba ou acredite que poderá criá-lo com amor, assegurando ao filho biológico uma vida melhor do que a que poderia oferecê-lo.

Será que os pais socioafetivos que possuem apenas a guarda de fato de suas crianças, ou aqueles que as receberam diretamente dos pais biológicos, e já tendo vínculos de afetividade consolidados pelo tempo terão de entregar seus filhos a instituições de acolhimento para que seja obedecida cegamente a ordem dos cadastros? Por que razão pode-se acreditar ser legítimo negar-lhes o direito de regularizarem uma situação já consolidada pelo tempo, cuja realidade fática, muitas vezes, caracteriza a posse de estado de filho? É justo retirar essas crianças já abandonadas uma vez dos braços de quem as acolheu?

O legislador parece ter se esquecido dos princípios básicos, norteadores do Direito de Família, como o do melhor interesse da criança e o da dignidade humana. É de grande clareza que o melhor para essas crianças é serem adotadas como filhas daqueles que já tem sido seus pais, se por dois anos apenas, ou através da mera guarda fática, não fará qualquer diferença para esses pequenos que somente querem receber o amor de quem os acolheu como filhos. Retirá-los de seus lares e colocá-los (ou recolocá-los) em instituições de acolhimento, na fila de adoção, para que tentem novamente a sorte e mais uma vez sejam inseridos em uma família, quebrando os laços afetivos já construídos é crueldade gratuita.

Admite-se que os Cadastros de Adoção foram criados com vistas a organizar e agilizar o procedimento da adoção, devendo ser respeitados para garantir a isonomia entre os pretendentes, obedecendo-se a uma fila criada por ordem de inscrição, bem como das preferências estabelecidas nos perfis traçados pelos interessados.

Nesse viés é compreensível a intenção do legislador ao restringir a capacidade de adotar aos inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, consideradas as exceções estabelecidas na nova redação do artigo 50, § 13 do ECA. De fato, permitir indistintamente a prática da adoção direta seria fechar os olhos para a burla do CNA, consentindo que crianças fossem adotadas por vias distintas, em prejuízo dos pretendentes que optaram por seguir a lei e já estão regularmente inscritos nos Cadastros.

Repise-se, ainda, como ponto a favor da proibição da adoção direta, a inibição da lamentável prática da venda de crianças, sobretudo de bebês, os mais procurados pelos adotantes e mais difíceis de serem conseguidos, para famílias que já não suportam aguardar na fila dos Cadastros de Adoção. As vendas ocorrem, em sua maioria, dentro das maternidades, locais a que muitas famílias ainda recorrem em busca de crianças, mormente sob o argumento de que pelas vias judiciais o procedimento de adoção é muito custoso. Ante a ilicitude da prática, o Estado é incapaz de exercer qualquer fiscalização sobre a situação da criança inserida em família substituta.

Por outro lado, não se pode esquecer dos casos, infelizmente, quase que diariamente noticiados, de recém-nascidos abandonados, envoltos em sacolas plásticas e jogados no lixo, como um resto de qualquer coisa sem serventia, ou lançados em rios dentro de cestinhos, expostos ao sol, à chuva, ao frio, e até mesmo enterrados por suas próprias mães em terrenos baldios apenas com a cabecinha para fora da terra, como que para evitar uma morte por asfixia.

Trata-se de mulheres desesperadas, em situação de desamparo total, sem qualquer apoio psicológico que diante de uma gravidez indesejada ou da falta de condições de criar seus filhos, preferem abandoná-los a sua própria sorte a entregá-los à Justiça ou ao Conselho Tutelar por medo de serem presas, e não por pura maldade como se pode, em princípio, imaginar.

O medo dessas mulheres é fruto da ignorância e, portanto, de responsabilidade estatal. Não há campanhas para o esclarecimento de que entregar um filho em adoção não constitui conduta criminosa, crime é o abandono de incapaz praticado por elas em razão da falta de orientação e do medo. Não se pretende a realização de campanhas de incentivo à entrega de crianças para adoção, mas sim que sejam campanhas explicativas e hábeis a demonstrar a licitude do ato de doação de um filho para adoção e os locais em que se pode fazê-lo, com o fim de evitar episódios trágicos como os supracitados.

Ora, não há razão para que não seja deferida a adoção de uma criança pela pessoa que a encontrou abandonada em uma lata de lixo, ou mesmo na porta de casa, "quem encontra assim uma criança, acaba acreditando que foi Deus que a colocou em seu caminho, pois, se não a tivesse achado, provavelmente ela teria morrido".59 Em casos como estes, não há como exigir dessas pessoas o prévio cadastramento em listas de adoção, uma vez que se trata de pessoas que nunca pensaram em adotar até o momento em que encontraram essa determinada criança.

Ocorre que muitos juízes da Infância e da Juventude não concedem essa forma de adoção, por entenderem que, por não estar expressamente autorizada pela Lei n.° 12.010/09, que alterou o ECA, trata-se de modalidade ilegal. Desse modo, como afirma Maria Berenice Dias, “simplesmente a entregam para o primeiro da lista e mandam o interessado habilitar-se e esperar a sua vez para adotar a criança que oportunamente lhe será indicada”. O óbvio parece não ser enxergado, ora, o desejo desses interessados não é de adotar qualquer criança, mas aquela que encontrou como sendo um desígnio dos céus e pegou no colo, o que encheu sua vida de significado.[30]

Repise-se, outrossim, as circunstâncias de tamanho desespero, capazes de ensejar casos tão chocantes de abandono de menores quanto os que se tem notícia na televisão e nos jornais, em que muitas mães, por amor, recorrem a famílias conhecidas, que sabem, desejam ter um filho, ou mesmo a famílias vizinhas, amigas, acreditando se tratar de famílias em boas condições, não apenas financeiras, de criar seu filho recém-nascido.

É incompreensível que o Judiciário queira negar aos pais biológicos o direito de escolher a quem desejam entregar seus filhos em adoção, se dentro do melhor interesse da criança, a pessoa escolhida for considerada idônea. Se é garantido aos pais, eleger quem será o tutor de seus filhos após sua morte,[31] não é justificável a negativa dessa prerrogativa em caso de adoção. Contudo, nem nesses casos, a adoção direta vem sendo admitida, “mesmo que a mãe entregue o filho a quem lhe aprouver, o Ministério Público ingressa com pedido de busca e apreensão, e a criança acaba sendo institucionalizada. Lá permanece até findar o processo de destituição do poder familiar”.[32] Só depois a criança é entregue em adoção ao primeiro inscrito da lista, cujas preferências traçadas no perfil, quando da inscrição no Cadastro, estejam de acordo com suas características.

O fato é que se criou uma verdadeira idolatria pelo CNA, de modo que não se admite a sua transgressão, esquecendo-se, assim, o escopo do ECA e da própria LNA, qual seja, a proteção e a defesa do melhor interesse da criança e do adolescente. Portanto, o que deveria ser um simples mecanismo agilizador do procedimento de adoção, transformou-se em um fim em si mesmo, e em vez de um meio libertário, passou a ser um fator inibitório e limitativo da adoção.

A verdade é que crianças que estavam sob guarda legal ou estágio de convivência, durante processos de adoção, foram arrancadas dos braços dos pais que as receberem, depois de meses e até anos de convivência, através de inúmeros mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça após a promulgação da Lei n.° 12.010/09. De maneira pouco sensível, o Ministério Público de muitos estados da Federação, bem como os juízes da Infância têm entendido ser obrigatória a observância do cadastramento.

É certo que o Estado e o Poder Judiciário não podem ignorar as ocorrências em que entidades familiares acolhem em seu seio crianças deixadas em suas portas ou entregues pela própria genitora, criando-as e amando-as como filhas. Ainda que essas crianças devessem ter sido entregues a instituições estatais ou judiciais responsáveis pelo acolhimento de menores doados para adoção, os casos práticos, todavia, diferem do ideal pregado pela teoria legal e necessitam de resolução.

Saliente-se que é papel do juiz, como verdadeiro intérprete da lei, sopesar o melhor interesse da criança ou adolescente e tomar, em cada caso concreto que lhe for submetido, a decisão que for mais justa. Sabe-se que para a realização da justiça, o aspecto formal não deve nunca sobrepujar o aspecto material.


5. Conclusões

Ao longo dos anos, a regulamentação da adoção no direito luso-brasileiro sofreu intensas modificações. Atualmente, em Portugal, o instituto segue regramento disposto no Código Civil lusitano. No Brasil, o Código Civil brasileiro limitou-se a regular a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos – hipótese não contemplada no direito português – enquanto que a adoção de menores ficou a cargo do Estatuto da Criança e do Adolescente, há alguns anos alterado pela Lei n.° 12.010/09, denominada Lei Nacional de Adoção.

A evolução legislativa em ambos os países, de fato, introduziu diversas mudanças no campo da adoção, contudo, alguns progressos deixaram de ser feitos, a despeito da importância da afetividade e do interesse maior da criança já reconhecida pelas respectivas Constituições e ratificada pelos Tribunais pátrios.

No Brasil, a nova Lei deu preferência desproporcional à manutenção de crianças em situação de risco no seio da família natural, frente à sua colocação em entidade familiar substituta, mantendo a adoção como medida excepcional. É dizer, a Lei de Adoção, que se propõe a facilitar o procedimento de adoção, em lugar de ampliá-la, acabou por relegá-la a segundo plano.

Em verdade, o legislador brasileiro desperdiçou excelente oportunidade de (melhor) regulamentar matérias atualíssimas e de grande importância como a possibilidade de realização da adoção direta em situações de guarda fática com vínculo socioafetivo já consolidado, e a questão da homoparentalidade. Embora a legislação vigente não proíba expressamente tais práticas, tampouco as autoriza, com efeito, a Lei é insatisfatória quanto a questões polêmicas e bastante relevantes.

 Conquanto não faça referência à adoção intuitu personae, a nova legislação determinou a obrigatoriedade do respeito aos Cadastros de Adoção, estabelecendo textualmente apenas 03 (três) exceções, constantes no § 13 do artigo 50 do ECA. Excepcionou-se apenas os casos de adoção unilateral; as realizadas pela família extensa; e os casos de menores com mais de 03 (três) anos sob guarda legal.

Sabe-se, entretanto, que a proteção à criança e ao adolescente e a defesa de seus interesses não pode ser sobrepujada pelo formalismo procedimental. Com efeito, os Cadastros de Adotantes garantem a equidade e a lisura do processo de adoção, bem como preparam os adotantes para o recebimento de um filho adotivo, entretanto, a realidade fática de famílias socioafetivas de relações já solidificadas pela convivência não pode ser ignorada.

O sistema jurídico de Portugal, no tema referente à adoção, ainda se mostra bastante incompleto, comparado ao do Brasil, especialmente no que tange à regulamentação de outras hipóteses de adoção direta além da adoção de filho do cônjuge (que agora também é possível entre casais homoafetivos), posto que deixou de prever outras exceções igualmente importantes para a aplicação da adoção intuitu personae, onde o vínculo afetivo deverá sempre prevalecer sobre a letra fria da lei, a fim de se minimizar as consequências da medida de colocação em família substituta.

Por oportuno, é importante deixar claro que não se está defendendo que os cadastros devem ser ignorados. Ao revés, o seu propósito é digno de exaltação, mas as situações fáticas que aparecerem nas realidades de ambos os países devem ser interpretadas em benefício das crianças e dos adolescentes, única e exclusivamente.

No mesmo norte, a jurisprudência consolidada, apesar de nem sempre ser concedida a adoção aos postulantes não inscritos, louvavelmente, sempre envolve discussões sobre a concretização ou não do liame afetivo. E, nos casos em que se entende que o adotando já estava vinculado afetivamente aos seus guardiões de fato, a manutenção dessa situação que o tempo consolidou, com a concessão da adoção aos pais afetivos tem sido a medida que prevalece, por resguardar o melhor interesse da criança envolvida.

Deve-se afastar, portanto, a ideia de que toda a entrega direta de crianças por seus pais biológicos é motivada em contraprestação financeira ou de qualquer outra espécie. A maioria das pessoas recebem diretamente essas crianças de seus genitores porque são por eles escolhidos. Não há nenhuma vedação legal expressa a essa escolha e, se os pais biológicos indicam a família substituta que acolherá o seu filho, estão realizando isso dentro do permitido pelo poder familiar que exercem.

A proposta a que se sugere, tanto para o Direito Brasileiro quanto para o Direito Português é que, nas hipóteses de guarda de fato e posterior demanda pela adoção intuitu personae, em que ficar claro que os interessados na adoção não “compraram” a criança nem cometeram qualquer outro crime, devem eles ter a permissão de adotá-la, em prol do bem estar do adotando, mesmo que não estejam cadastrados. Do contrário, ou seja, demonstrada a má-fé, a criança deverá ser afastada da convivência dos guardiões de fato e ser entregue àquele que constar em primeiro lugar na lista de adotantes. Cada caso deve ser analisado individualmente, verificando-se qual a interpretação que se dará, para que se atenda ao melhor interesse da criança e do adolescente e não ao melhor interesse do cadastro.


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SANTOS, Lara Cíntia de O – Adoção: surgimento e sua natureza. Revista Âmbito Jurídico, V. 89, 2011. p. 02-13.


Notas

[1] BORDALLO, Galdino Augusto Coelho – Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 259.

[2] RODRIGUES, Sílvio – Direito Civil - Volume 6, 27.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 380.

[3] MIRANDA, Pontes de – Tratado de Direito de Família. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, V. III, 2001. p. 217.

[4] BEVILÁQUA, Clóvis – Clássicos da Literatura Jurídica: Direito de Família. Rio de Janeiro: Rio, 1976.p. 351.

[5] GOMES, Orlando – Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 369.

[6] SANTOS, Lara Cíntia de O – Adoção: surgimento e sua natureza. Revista Âmbito Jurídico, V. 89, 2011. p. 02-13.

[7] COULANGES, Numa-Denys Fustel de – A Cidade Antiga. Tradução: Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: EDAMERIS, 1961. Versão para eBook: eBooksBrasil, 2006. p. 56-58.

[8] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. Op Cit. p. 69-73.

[9] Ibidem. p. 77.

[10] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. Op Cit.  p. 57-58.

[11] As Ordenações Filipinas, ou Código Filipino, é uma compilação jurídica que resultou da reforma do código manuelino, por Filipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), durante o domínio castelhano. Ao fim da União Ibérica (1580-1640), o Código Filipino foi confirmado para continuar vigendo em Portugal por D. João IV. Embora muito alteradas, as Ordenações Filipinas constituíram a base do direito português até a promulgação dos sucessivos códigos do século XIX, sendo que muitas disposições tiveram vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.

[12] PEREIRA, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil. Direito de Família. Volume V. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 408-410.

[13] BRAGA, Huggo Henrique Pereira – Direito das Famílias. In: BAPTISTA, Sílvio Neves. Manual de Direito de Família. Recife: Bagaço, 2008. p. 15.

[14] LEITE, Eduardo de Oliveira – Direito de Família. Volume V. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 254.

[15] BASTO, Maria Emília Xavier de – Da Roda dos Expostos à Adopção nos nossos dias. In: Congresso Europeu da Adopção (pp. 21-24). Lisboa: Edição Centro de Estudos Judiciários, 2004. p. 22.

[16] SALVATERRA, Fernanda e VERÍSSIMO, Manuela – A Adopção: o Direito e os afectos. Caracterização das famílias adoptivas do Distrito de Lisboa. In: Análise Psicológica. Volume 26, número 3, 2008. p. 501-517. [Consult. 18 Nov. 2015]. Disponível em http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/73/1/ap_2008_%2026_501.pdf. p. 502

[17] RAMIÃO, Tomé D'almeida – A Adopção. Regime Jurídico Actual. Edição Quid Juris?; Lisboa, 2007. p. 15.

[18] PEDROSO, João e GOMES, Conceição [et al] – Uma reforma da Justiça Civil em avaliação. A Adopção: os bloqueios de um processo administrativo e jurídico complexo. Observatório Permanente da Justiça Portuguesa; Centro de Estudos Sociais; Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2002. p. 15.

[19] SALVATERRA, Fernanda e VERÍSSIMO, Manuela – Op. Cit. p. 504.

[20] PEDROSO, João e GOMES, Conceição [et al] – Op. Cit. p. 12.

[21] RAMIÃO, Tomé D'almeida – Op. Cit. p. 17.

[22] Ibidem. p. 17.

[23] Apelação n.º 9459/12.2TBCSC.L1 de 27 de Fevereiro de 2014.

[24] FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros – Comentários à nova lei nacional da adoção. Lei 12.010 de 2009. Curitiba: Juruá, 2010. p. 53-54.

[25] CARVALHO, Dimas Messias de – Adoção e Guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 22.

[26] BANDEIRA, Marcos – O Cadastro Nacional de Adoção e o princípio da afetividade. Público [Em linha]. (10 Maio 2010). [Consult. 08 Nov. 2015].  Disponível em: www.marcosbandeirablog.blogspot.com/2010/05/o-cadastro-nacional-de-adocao-e-o.html.

[27] A “Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem e/ou a mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico sem que isso seja verdade.

[28] BANDEIRA, Marcos – Op. Cit.

[29] Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.

[30] DIAS, Maria Berenice – Adoção e a espera do amor.  [Em linha]. Conteúdo Jurídico [Em linha]. Brasília, 01 Jan. 2009. [Consult 10 Nov. 2015]. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.22622.

[31] Código Civil - Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto. Parágrafo único. A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.

[32] DIAS, Maria Berenice - Op. Cit. 


Autor

  • André Augusto Duarte Monção

    Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. Adoção intuitu personae: uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4566, 1 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45563. Acesso em: 23 abr. 2024.