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O sistema do stare decisis no direito brasileiro e as implicações do novo Código de Processo Civil na adoção dos precedentes judiciais

O sistema do stare decisis no direito brasileiro e as implicações do novo Código de Processo Civil na adoção dos precedentes judiciais

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O precedente judicial, instrumento principal do sistema do stare decisis, juntamente com seus demais institutos (ratio decidendi, obiter dictum, distinguishing, overruling etc.), poderá propiciar aos jurisdicionados um contato mais realístico com a Justiça.

1 INTRODUÇÃO

Questionamento recorrente dos jurisdicionados, dos operadores do Direito, da sociedade é: Por que casos semelhantes são julgados de forma diferente? Será normal o Direito ser aplicado de forma diferente para situações tão similares?

Como se já não bastassem os problemas recorrentes do Poder Judiciário, citando-se, por exemplo: o número excessivo de demandas, o sem-fim de recursos para as instâncias superiores, a morosidade no julgamento, os altos custos para o acesso à Justiça; os cidadãos veem o sistema judiciário brasileiro como uma verdadeira loteria jurisprudencial, onde a sorte dos jurisdicionados está intimamente ligada com o magistrado ou o tribunal que irá decidir o caso. Isso porque, diante de uma mesma norma jurídica, observam-se interpretações antagônicas.

Nesse perverso sistema, há afronta à previsibilidade do Direito, provocando uma grave crise de insegurança jurídica. Enfraquece-se o Estado Democrático de Direito, pois se observam várias interpretações para a mesma norma jurídica que visa reger uma determinada conduta.

O sistema do stare decisis, objeto de estudo desse artigo, advém do sistema jurídico do common law, e constantemente vem sendo levantado pela doutrina como possível solução para essa problemática. Nesse sistema, há a obrigação da aplicação de precedentes aos casos semelhantes em julgamento, visando assim a previsibilidade do Direito, sua estabilidade e, sobretudo, o tratamento isonômico aos jurisdicionados.

O novo Código de Processo Civil, lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, trouxe importantes instrumentos que possibilitam a adoção do sistema do stare decisis brasileiro. A elaboração dessa nova normatização processual civil iniciou-se em novembro de 2009 e percorreu um enorme caminho, tanto no que se refere ao tempo quanto às discussões, análises e emendas.

Dessa forma, o novo CPC busca ampliar as hipóteses de vinculação dos precedentes, possibilitando que o Direito ingresse em uma nova fase, com mais segurança jurídica e isonomia. Mas poderá a aplicação dos precedentes de forma obrigatória aos casos semelhantes violar o princípio do livre convencimento motivado? Esse princípio ainda pode ser aplicado sob a ótica do novo CPC? Essas dúvidas serão tratadas no decorrer deste artigo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa bibliográfica do tipo descritiva explicativa, na qual será desenvolvida a construção do sistema do stare decisis brasileiro e as implicações advindas com o novo Código de Processo Civil, vinculando na literatura presente em livros, artigos, periódicos jurídicos, legislação, cujo método de análise e confronto dos conteúdos é o que será utilizado para o estudo e apresentação das informações coletadas.


2 O SISTEMA DO STARE DECISIS BRASILEIRO

Para o estudo do stare decisis brasileiro, faz-se necessário uma breve explanação sobre as origens da doutrina e sua principal contribuição para o Direito. Visando uma melhor compreensão, importante a diferenciação dos sistemas do common law e do civil law.

2.1 Breve explanação sobre os sistemas do common law e do civil law

A força da ideologia liberal ligada aos valores burgueses causou em França uma crise de ordem econômica e social, provocando a derrocada da monarquia absolutista, da aristocracia feudal e dos juízes franceses que eram ligados a este establishment. Essa crise, conhecida como Revolução Francesa, teve uma ruptura com a ordem política e jurídica da época (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

Nesse panorama, os revolucionários lutavam contra o absolutismo e objetivavam substituir o rei por outro poder absoluto, a Assembleia Soberana. O parlamento avocou para si a competência exclusiva de criar o direito, de forma que a atividade dos juízes deveria se restringir apenas a declarar a lei (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

Nessa mesma época, Montesquieu elaborou sua tese da separação dos poderes, defendendo que os juízes não poderiam ter o poder de interpretar as leis e nem de imperium porque, caso contrário, poderiam distorcê-las e assim frustrar os objetivos do novo regime (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

Diante dessas circunstâncias surge o sistema do civil law, o qual a lei representa a principal fonte do Direito. Ficou incumbido ao parlamento a elaboração de leis claras, objetivas e universais de forma que abrangessem todas as soluções possíveis e imagináveis para os conflitos humanos. Assim, não restaria espaço para a interpretação ou criação dos juízes. Buscava-se atingir a segurança jurídica exclusivamente nos textos das leis (RAMOS, 2013).

Adota-se o civil law nos países herdeiros da família romano-germânica (praticamente todo o continente europeu), bem como em toda a América Latina colonizada por portugueses e espanhóis (GRECO, 2010 apud LOURENÇO, 2011).

O berço do common law é a Inglaterra, onde o desenvolvimento do sistema se deu de forma contínua e gradativa, produto de uma longa evolução (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013). No sistema inglês, não houve oposição do legislativo ao judiciário, pois em verdade chegavam a se confundir. Isso porque o juiz esteve ao lado do parlamento na luta contra o arbítrio do monarca, reivindicando a tutela dos direitos e das liberdades dos cidadãos. O magistrado não só interpretava, como também extraia direitos e deveres a partir do common law (MARINONI, 2010 apud RAMOS, 2013).

As principais características do common law são o direito costumeiro ou consuetudinário e o respeito obrigatório aos precedentes. Estes, nesse sistema, são considerados como fonte primária do direito, conferindo segurança e previsibilidade nas decisões. Na Inglaterra, as leis estavam submetidas a um direito superior, o common law, e se assim não fossem, elas seriam nulas e destituídas de eficácia (RAMOS, 2013). Esse foi o sistema adotado nos países de origem anglo-saxônica.

Lourenço (2011) ensina que a principal distinção entre os dois sistemas é que no civil law há um direito escrito, onde a jurisdição é estruturada preponderantemente com a finalidade de atuação do direito objetivo. Nesse sistema o juiz é considerado boca da lei (Montesquieu), para justificar a ideia de que seus poderes decorrem da lei, exercendo, portanto, uma subordinação sobre os juízes, de igual modo os juízes inferiores são rigidamente controlados pelos juízes superiores, para serem fiéis a essa missão de ser o instrumento de cumprimento da lei. Na civil law prevalece a vontade soberana, há uma “justiça do rei”, ou seja, do Estado.

Enquanto no sistema do common law adota-se um direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, onde, no modelo de justiça, prepondera a visão de pacificação dos litigantes. Na civil law busca-se segurança jurídica, enquanto na common law a paz entre os litigantes, a re-harmonização e a reconciliação são os objetivos diretos; nessa pacificação dos litigantes pouco importa se é a luz da lei ou de outro critério, desde que seja adequado ao caso concreto, pois o importante é harmonizar os litigantes, havendo um profundo enraizamento na vida da comunidade (GRECO, 2010 apud LOURENÇO, 2011). Há, nesse sistema, uma justiça paritária, da comunidade (LOURENÇO, 2011).

2.2 O surgimento do stare decisis

A teoria do stare decisis, abreviação do termo de origem latina (stare decisis et non quieta movere) que significa “mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido” é oriunda dos países de origem anglo-saxônica, adeptos do sistema do common law (DIDIER JR., 2011; TUCCI, 2004 apud LOURENÇO, 2011).

Também conhecida como doctrine of binding precedent, teve início na Inglaterra no início do século XIX, tomando força no caso London Tramways Company v. London Country Council em 1898, quando a Câmara dos Lordes inglesa além de ter tratado do efeito auto vinculativo do precedente, também estabeleceu a sua eficácia vinculativa externa a todos os juízos de grau inferior, denominada de eficácia vertical do precedente (TUCCI, 2004 apud LOURENÇO, 2011).

Em complementação, Holanda Filho (2015) aponta que somente a partir do século XIX, com a reorganização dos tribunais superiores na Inglaterra que a rule of precedent foi estabelecida, ou seja, só a partir de então os precedentes se tornaram vinculativos, devendo ser seguidos pelos demais magistrados que vierem a julgar lides semelhantes.

Basicamente, o stare decisis consiste em um princípio legal pelo qual os juízes estão obrigados a respeitar os precedentes estabelecidos em decisões anteriores (HOLANDA FILHO, 2015). Dessa afirmação é que se extrai a base do estudo desse sistema: o precedente judicial.

2.3 Precedente judicial

Em sentido lato, o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 441). Mas não é qualquer decisão judicial, somente aquelas que têm potencialidade de se firmarem como paradigmas para orientação dos jurisdicionados e magistrados (RAMOS, 2013).

Para constituir precedente, a decisão tem que enfrentar todos os principais argumentos relacionados à questão de direito no caso concreto, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado. O precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina (MARIONONI, 2011 apud RAMOS, 2013).

As normas gerais criadas a partir de casos concretos estão na fundamentação das decisões e se configuram como aquilo que se chama de precedente judicial, que é exatamente essa norma geral criada a partir do caso concreto.

O precedente é composto das circunstâncias de fato que embasam a controvérsia, bem como da tese ou princípios jurídicos assentados na motivação do provimento decisório. Importante ressaltar que precedente é uma só decisão e a jurisprudência constitui-se na reiterada aplicação de um precedente, que pode se tornar, inclusive, uma jurisprudência dominante, que como o próprio adjetivo já informa é a orientação que prevalece (LOURENÇO, 2011).

Larenz (2009 apud MACÊDO, 2015) enriquece a definição, trazendo que os precedentes são “resoluções em que a mesma questão jurídica sobre a qual há que decidir novamente, já foi resolvida uma vez por tribunal noutro caso”. Em outras palavras, são decisões anteriores que servem como ponto de partida ou modelo para as decisões subsequentes (MACCORMICK; SUMMERS, 1997 apud MACÊDO, 2015). Portanto, o precedente abarca toda a decisão judicial (relatório, fundamentos, dispositivo), não discriminando as parcelas mais importantes para a concretização do direito. Conclui que o precedente, que é o mesmo que “decisão precedente” e tem um inegável aspecto relacional, na medida em que só pode ser aplicado a casos análogos (MACÊDO, 2015).

Holanda Filho (2015) ensina que são características do precedente as seguintes: é uma norma criada pela jurisdição; é criada a partir de um caso concreto; é uma norma geral, podendo ser aplicada em casos futuros; por fim, o precedente sempre estará na fundamentação do julgado.

Diante do explanado, percebe-se que o precedente é fonte do direito, é um fato jurídico continente de uma norma jurídica. A partir do precedente, através do trabalho dos juízes subsequentes, constrói-se uma norma geral. Dessa forma, o precedente é continente, é forma e não se confunde com a norma que dele exsurge e trata-se de um instrumento para criação de normas mediante o exercício da jurisdição (MACÊDO, 2015).

No precedente, verifica-se a existência da ratio decidendi e do obiter dictum, os quais serão objeto de estudo nos tópicos seguintes.

2.4 Ratio Decidendi

Em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio decidendi (MACÊDO, 2014 apud DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 442). Na doutrina do stare decisis (dos precedentes obrigatórios), diz-se que os juízes e os tribunais devem seguir os precedentes existentes, mas na realidade eles devem seguir a ratio decidendi (razão de decidir) dos precedentes (RAMOS, 2013).

A norma do precedente, que é construída a partir de seu texto que vincula o jurisdicionado, é conhecida como ratio decidendi, ou como preferem os americanos, holding (MACÊDO, 2015). Essa norma está sempre localizada na fundamentação da decisão. São, a rigor, os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão, sem os quais a decisão não teria sido proferida como foi, ou seja, os fundamentos essenciais (LOURENÇO, 2011).

Outras definições que merecem destaque são: a) a regra de direito explicitamente estabelecida pelo juiz como base de sua decisão, isto é, a resposta explícita a questão de direito do caso; b) a razão explicitamente dada pelo juiz para decisão, isto é, a justificação explícita para a resposta dada a questão do caso; c) a regra de direito implícita nas razões do juiz para justificação de sua definição, isto é, a resposta implícita a questão de direito do caso (SOUZA, 2011 apud RAMOS, 2013).

Segundo Tucci (2004 apud HOLANDA FILHO, 2015), a ratio decidendi será composta: do relatório dos fatos relevantes da causa, chamado de statement of material facts; do raciocínio lógico-jurídico da decisão, conhecido como legal reasoning; e do juízo decisório, ou judgment.

Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 442) esclarecem que ao decidir um caso, o magistrado cria (reconstrói), necessariamente, duas normas jurídicas. A primeira, de caráter geral, é fruto da sua interpretação/compreensão dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao Direito positivo: Constituição, leis etc. A segunda, de caráter individual, constitui a sua decisão para aquela situação específica que se lhe põe para a análise.

A ratio decidendi, norma geral constante da decisão, deve ser interpretada e compreendida à luz do caso concreto (LOURENÇO, 2011). Mas deve-se saber identificar a ratio, e para isso, há no sistema da common law, três teorias utilizadas para solucionar a questão: Teoria de Wambaugh, Teoria de Oliphant e Teoria de Goodhart.

A Teoria de Wambaugh, considerada a clássica, afirma que a ratio decidendi de um caso é a proposição ou regra sem a qual o caso seria decidido de forma diversa e propõe um teste, de acordo com o qual se deve alterar o conteúdo da premissa para verificar se a decisão se mantém ou não a mesma. Assim, se a decisão sofrer mudança, a premissa era realmente necessária e se constituía ratio decidendi; por outro lado, se a decisão permanecesse inalterada, a premissa era mero obiter dictum (SOUZA, 2011 apud RAMOS, 2013).

Na teoria de Oliphant, observa-se a rejeição da busca pela ratio decidendi no raciocínio do juiz para chegar a decisão, pois entende que a opinião do tribunal é uma racionalização preparada depois da decisão que dá boas razões, mas não, as razões reais. Assim, sugere que os fatos levados ao tribunal sejam considerados como estímulos a uma resposta. No seu entendimento, a combinação dos estímulos e a resposta são a ratio decidendi, que é a decisão real do caso (SOUZA, 2011 apud RAMOS, 2013).

Por fim, a teoria de Goodhart consiste na determinação da ratio de um precedente mediante a consideração: a) dos fatos tidos como fundamentais, na ótica do juiz do precedente, e, b) da decisão do juiz baseada nesses fatos. A fundamentação disso está no fato de que, no julgamento de um caso, o direito é analisado pelo juiz ou por qualquer outro intérprete, levando em consideração os fatos do caso, e restando, por conseguinte, que o peso das proposições afirmadas pelo julgador com base nos fatos fundamentais é sempre maior do que o peso de qualquer outra coisa que o juiz afirme (SOUZA, 2011 apud RAMOS, 2013).

Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 450) apontam ser o melhor método aquele que considera as propostas de Wambaugh e de Goodhart – portanto, eclético – e defendido por Rupert Cross (em Precedent in english law) e Luiz Guilherme Marinoni (em Precedentes Obrigatórios). A ideia é que a ratio decidendi deve ser buscada a partir da identificação dos fatos relevantes em que se assenta a causa e dos motivos jurídicos determinantes e que conduzem à conclusão. A consideração de um ou outro isoladamente não é a opção mais apropriada.

Quanto à questão de julgamento em um Tribunal, pode ocorrer que em um órgão fracionário desta corte os juízes concordem quanto à solução a ser dada a um caso concreto, mas acabem por divergir acerca da fundamentação ou justificação da decisão que deverá ser utilizada no acórdão (HOLANDA FILHO, 2015).

No entendimento de Bustamante (2012 apud HOLANDA FILHO, 2015), não há impedimento em se falar em uma ratio decidendi em cada um dos votos que levaram à mesma solução, mas que perseguiram vias diversas de fundamentação jurídica. Ou seja, haveria aí, um caso de pluralidade de ratio decidendi em um mesmo sentido, com um mesmo resultado quanto à questão jurídica.

Há a ressalva apontada de que esta regra será adotada de menor autoridade que as extraídas a partir de um julgado que tenha tido consenso entre os votos, tanto em relação ao resultado do julgamento quanto à fundamentação jurídica, mas que, mesmo havendo a diminuição de sua autoridade, não retirará o seu valor como precedente judicial (BUSTAMANTE, 2012 apud HOLANDA FILHO, 2015).

No Brasil, onde a força dos precedentes não se relaciona obrigatoriamente à resolução dos casos, torna-se natural conferir força de ratio decidendi às razões suficientes da solução das questões versadas nos casos, mesmo que estas não sejam necessárias ao resultado da causa. Desse modo, cada um dos motivos determinantes, suficientes para decidir múltiplas questões jurídicas, constitui-se em ratio decidendi e, portanto, pode vincular futuras decisões relativas à análoga questão de direito (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

2.5 Obiter Dictum

Nem tudo que consta na fundamentação é a ratio decidendi, pois pode ter sido utilizado por argumentação tangenciando o ponto central, portanto, mencionando de passagem, lateralmente, consubstanciando juízos acessórios, prescindíveis para o deslinde da controvérsia (LOURENÇO, 2011).

De forma objetiva, são considerados obiter dictum as passagens que não são necessárias ao resultado, as que não são conectadas com os fatos dos casos ou as que são dirigidas a um ponto que nenhuma das partes buscou arguir (MARINONI, 2012 apud RAMOS, 2013).

Macêdo (2015) define que é a parte da decisão judicial que não servirá para a construção da norma do precedente, pois por características advindas da sua formação – como a ausência de pedido, contraditório quanto ao tema abordado ou fundamento determinante na votação pelo tribunal -, torna-se imprestável para a construção de uma ratio decidendi.

Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 443), em definição elaborada, explicam o obiter dictum como o argumento jurídico, consideração, comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convola em juízo normativo acessório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a decisão.

Bom exemplo citado pelos autores é da utilização de um obiter dictum quando o tribunal de forma gratuita sugere como resolveria uma questão conexa ou relacionada com a questão dos autos, mas que no momento não está resolvendo (SILVA, 2005 apud DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 445).

Importante ressaltar que existem questões cuja análise não são necessárias à resolução (obiter dictum), mas são intimamente ligadas ao caso sob julgamento e abordadas de forma aprofundada pelo juiz ou tribunal, assumindo perfil e textura muito próximos ao da ratio decidendi. Nesses casos observa-se que, apesar de continuarem sem efeitos obrigatórios, esses obiter dictum possuem forte efeito persuasivo (MARINONI, 2012 apud RAMOS, 2013).

É por isso que se pode afirmar que o obiter dictum (ou obiter dicta, no plural), não vira precedente, pois esse somente engloba a ratio decidendi, contudo, não pode ser desprezado, pois pode sinalizar uma futura orientação do tribunal (sinaling) (LOURENÇO, 2011), que será estudado em tópico específico, ou pode ser elevado à condição de ratio.

2.6 Institutos do stare decisis

2.6.1 Distinguishing

Como explanado anteriormente, um precedente origina-se de um caso concreto e, para ser utilizado em outro caso concreto, exige-se a demonstração da semelhança existente entre esse e aquele (TUCCI, 2004 apud LOURENÇO, 2011). Após a análise, deverá ser enfrentada a norma jurídica firmada no precedente (ratio decidendi).

Esta comparação e eventual distinção entre os casos leva o nome técnico de distinguishing (ou distinguish) (TUCCI, 2004 apud LOURENÇO, 2011). A comparação é essencial para a aplicação do precedente, ou seja, a fim de que se analise se o caso parâmetro se assemelha ao caso em discussão. Em consonância, Holanda Filho (2015) afirma que não é possível aplicar devidamente um precedente sem que o magistrado se utilize antes da técnica do distinguishing.

Fala-se em distinguishing quando houver distinção entre o caso concreto em julgamento e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente (DIDIER JR., 2011 apud LOURENÇO, 2011).

No mesmo sentido, explana Ataíde Júnior (2012 apud RAMOS, 2013) que a técnica do distinguishing revela a inadequação da aplicação da ratio decidendi do precedente ao caso em julgamento, em virtude da diversidade fática entre os mesmos. Assim dá flexibilidade ao sistema não o engessando e faz justiça no caso concreto.

Dessa forma, observando o magistrado que há distinção entre o caso em análise e aquele que ensejou o precedente, pode restringi-lo, dando uma interpretação restritiva, por entender que as peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da tese jurídica, consagrada no precedente, julgando o caso concreto livremente. Há, nessa hipótese, restrictive distinguishing (LOURENÇO, 2011).

De igual modo, mesmo percebendo que no caso concreto há peculiaridades em relação aos casos anteriores, pode o magistrado estender à hipótese sub judice a mesma solução conferida aos casos anteriores, por lhe entender aplicável. Há, nessa situação, ampliative distinguishing (LOURENÇO, 2011).

Lourenço (2011) defende que as técnicas apresentadas sepultam a ideia de que o juiz, diante de um sistema de precedentes, se torna um robô, sem qualquer opção, a não ser aplicar ao caso concreto a solução dada por outro órgão jurisdicional. O magistrado somente ficará “engessado” se preferir não exercer a função externa da motivação, extremando os seus motivos de decidir, interpretando a lei para verificar se os fatos concretos se conformam à hipótese normativa, bem como verificando a adequação da situação posta ao precedente.

2.6.2 Overruling

Ocorre o overruling quando há uma superação total do precedente. Daí decorre a principal diferença entre precedente e coisa julgada, pois esta última é indiscutível, somente podendo ser revista, basicamente, por ação rescisória. O precedente permite ser revisto a qualquer tempo, embora não seja costume acontecer com muita frequência (LOURENÇO, 2011).

Para que o overruling aconteça, faz-se necessária uma carga maior na fundamentação, abrangendo argumentos até então não enfrentados, bem como o principal, que é a necessidade da superação do precedente (LOURENÇO, 2011).

A superação desse precedente pode se dar tanto no plano horizontal (órgão revoga seu próprio precedente) como também no plano vertical (tribunal superior revogando um precedente de um inferior hierárquico) (RAMOS, 2013).

Os requisitos básicos para a revogação de um precedente são a perda de congruência social e o surgimento de inconsistência sistêmica (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

Há a perda da congruência social quando um precedente passa a negar proposições morais, políticas e de experiência. As proposições morais determinam uma conduta como certa e errada a partir do consenso geral da comunidade, as políticas caracterizam uma situação como boa ou má em face do bem-estar geral e as de experiência dizem respeito ao modo como o mundo funciona (MARINONI, 2012 apud RAMOS, 2013).

Quanto à consistência sistêmica, ocorre quando o precedente deixa de guardar coerência com outras decisões. Quando há uma nova concepção geral em termos de teoria ou dogmática jurídica, a evidenciar que aquilo que se pensava acerca de uma questão ou instituto jurídico se alterou (RAMOS, 2013).

O overruling pode ser expresso (express overruling), quando o tribunal resolve expressamente adotar nova orientação, abandonando a anterior. Pode ser tácito (implied overruling), quando uma orientação é adotada em confronto com posição anterior, embora sem expressa substituição desta última (LOURENÇO, 2011).

Ressalta Lourenço (2011) que quando um precedente que já está bastante consolidado, firmado há muitos anos, vir a sofrer o overruling, é preciso conciliar a possibilidade de superação com a boa-fé objetiva e a confiança depositada no precedente. Portanto, a superação de um precedente que já estava consolidado não deve ter eficácia retroativa, para preservar as situações consolidadas. Este overruling ex nunc é chamado overruling prospectivo, onde se mantém a orientação anterior para os fatos ocorridos até o momento da modificação de entendimento no caso presente (HOLANDA FILHO, 2015).

Ataíde Júnior (2012 apud RAMOS, 2013) destaca assim como Lourenço a necessidade da justificação da revogação de um precedente, que deve possuir séria argumentação, uma vez que pode causar perda da estabilidade, confiança e redução na possibilidade de previsão.

Para se cogitar a aplicação do overruling ex tunc (retrospective overruling), o precedente deve ser recente e não consolidado, pois ainda não haveria demasiada força vinculatória para gerar uma confiança no enunciado. Assim, em regra, uma súmula somente pode ser superada com efeitos ex nunc, pelo fato de sua edição gerar confiança aos jurisdicionados (LOURENÇO, 2011).

Há ainda o antecipatory overruling, que é uma espécie de não aplicação preventiva por órgãos inferiores do precedente das cortes superiores, justamente por essa, em recentes decisões, ter sinalizado que irá superar os seus precedentes (LOURENÇO, 2011).

Quando o tribunal for realizar a superação de um precedente, ele ponderará os princípios da segurança jurídica e da correção substancial, buscando decidir se deve ou não modificar de fato o entendimento em vigor sobre aquela questão (HOLANDA FILHO, 2015).

2.6.3 Overriding

O overriding ocorre quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. Há, a rigor, uma superação parcial, semelhante a uma revogação parcial da lei (LOURENÇO, 2011).

Explana Lourenço (2011) que não se pode confundir a técnica de confronto e superação do precedente com o denominado reversal, onde há somente a reforma no julgamento do recurso, sendo alterado pelo órgão ad quem o entendimento do órgão ad quo.

As técnicas do overruling e do overriding impedem a estagnação do direito, permitindo a inovação do sistema e o mantendo atualizado. São essenciais para a flexibilidade do ordenamento jurídico da common law e indispensáveis à evolução e progresso da ciência do direito (TUCCI, 2004 apud LOURENÇO, 2011).

Já Marinoni (2012, apud RAMOS, 2013) observa que o overriding mais se aproxima do distinguishing do que de uma revogação parcial, pois, apesar do resultado do caso em julgamento ser incompatível com a totalidade do precedente, a restrição se dá com fulcro em situação relevante que não estava envolvida no precedente.

2.6.4 Sinaling

Na technique of sinaling (técnica da sinalização) o tribunal não ignora que o conteúdo do precedente está equivocado ou não mais deve ser observado, porém, por razões de segurança jurídica, ao invés de revogá-lo, prefere apontar para sua perda de consistência e sinalizar para a sua futura revogação (MARINONI, 2012 apud RAMOS, 2013).

Por vezes, os tribunais não fazem a overruling, mas sinalizam que irão mudar entendimento, e em um futuro não muito distante, irão modificar o precedente. Tal advertência de mudança de orientação (aviso de mudança de jurisprudência) poderá ocorrer em qualquer julgamento, geralmente ocupando lugar no obiter dictum da fundamentação da decisão (HOLANDA FILHO, 2015).

2.6.5 Transformation

Na transformation (transformação), embora o resultado a que se chega no caso em julgamento seja incompatível com a ratio decidendi do precedente, tenta-se compatibilizar a solução do caso com o precedente transformando ou reconstruindo, mediante a atribuição de relevância aos fatos que foram considerados de passagem (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

Holanda Filho (2015) simplifica, ensinando que no transformation, o resultado que se obtém no caso em julgamento é compatível com o do caso paradigmático. Sucede que as razões de decidir dos dois casos são destoantes.

Embora se conclua pelo erro da tese (razão determinante) do precedente, admite-se que se chegou ao resultado correto, porém através de fundamento equivocado (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013). Assim sendo, tenta-se compatibilizar a solução do caso em julgamento com a ratio decidendi do caso paradigmático, transformando tal precedente (HOLANDA FILHO, 2015).

2.6.6 Per Incuriam

O julgamento per incuriam é aquele em que a corte decidiu sem atenção ao precedente ou texto normativo relacionado ao caso que julgava. Nos países seguidores do sistema anglo-americano, a consequência de um caso ter sido julgado per incuriam é que os tribunais inferiores não terão de seguir tal julgado anterior como um precedente (HOLANDA FILHO, 2015).

Ou seja, em regra, a ratio decidendi de um julgamento da Corte Suprema é que poderá (a depender do caso) vincular os tribunais inferiores como precedente; em caso de julgamento per incuriam, estes poderão julgar de forma destoante ao julgamento que não atentou para a lei ou precedente que tutelava o caso (HOLANDA FILHO, 2015).

2.7 A importância dos precedentes para algumas normas jurídicas fundamentais

2.7.1 Princípio da Isonomia

Atualmente, diante da teoria dos precedentes, não se fala mais em isonomia perante a lei, mas frente ao Direito. Nesse sentido, a expressão lei, constante no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 deve ser interpretada no sentido de norma jurídica, qualquer que seja ela, de quem quer que ela emane (LOURENÇO, 2011).

Partindo dessa afirmação, a isonomia não reflete somente no tratamento aos particulares, o tratamento ao Poder Público, ao Legislativo na edição das leis, na atuação da Administração Pública, entre outros. Agora, deve ser observado também perante as decisões judiciais (LOURENÇO, 2011).

Nesse mesmo raciocínio, Marinoni (2010 apud DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 468) defende que a igualdade não pode limitar-se, no âmbito do exercício da função jurisdicional, ao tratamento isonômico das partes, com garantia de participação em igualdade de armas, ou à igualdade de acesso à jurisdição e igualdade de acesso a determinados procedimentos e técnicas processuais; é necessário pensar também no princípio isonômico visto sob o viés da igualdade perante as decisões judiciais.

A exigência trazida pelo artigo 926 do novo CPC em estabelecer que os tribunais promovam a uniformização da sua jurisprudência, zelando também pela sua estabilidade, integridade e coerência, se afina com a noção comum de igualdade e justifica o respeito ao precedente, que deve ser visto como baliza para a solução de casos futuros (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 468). Reproduz-se o conteúdo do artigo em estudo.

Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Assim, não se pode admitir que o mesmo caso concreto, enfrentado por jurisdicionados diferentes, receba decisões diferentes. A vinculatividade dos precedentes é justificada pela necessidade de igualdade e a igualdade é atingida através da seleção de aspectos do caso que deve ser julgado, que devem ser considerados relevantes, para que esse caso seja considerado semelhante a outro e decidido da mesma forma (WAMBIER, 2009 apud LOURENÇO, 2011).

2.7.2 Princípio da Segurança Jurídica

Em análise ao artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, extrai-se que não se permite que nenhum ato normativo atinja situações consolidadas no passado, assegurando o seu respeito no presente e no futuro (LOURENÇO, 2011).

Há, contudo, que se assegurar o presente e futuro, justamente para que o indivíduo paute seu comportamento e sua conduta. Há uma dimensão pública, pois as soluções dadas pelo Judiciário doutrinam a sociedade, criando uma previsibilidade do resultado de certas demandas (LOURENÇO, 2011).

Assim, quanto mais uniformizada a jurisprudência, mais se fortalece a segurança jurídica, garantido ao jurisdicionado um modelo seguro de conduta, induzindo confiança, possibilitando uma expectativa legítima do jurisdicionado. A orientação jurisprudencial predominante em um determinado momento presta-se a que o jurisdicionado decida se vale ou não a pena recorrer ao Poder Judiciário em busca do reconhecimento de determinado direito (MADEIRA, 2011 apud LOURENÇO, 2011).

No mesmo sentido, Holanda Filho (2015) aponta que para que se alcance um nível palpável de segurança jurídica em um ordenamento jurídico, faz-se necessário que não haja rápidas mudanças de entendimento quanto a casos iguais, seja no momento de legislar sobre tais possibilidades às quais os casos se inserirão, seja no momento do julgamento de tais casos.

Para isso, deve-se resguardar o mesmo estado das coisas (rebus sic stantibus), o entendimento jurisprudencial deveria tender a uma maior aproximação, senão a uma uniformização. Daí destaca-se a importância da segurança jurídica, como uma das maiores conquistas e virtudes do Estado Democrático de Direito, pois este princípio não apenas regula – através dos seus efeitos no ordenamento jurídico – sua própria organização e atividade nas relações com os cidadãos, como assegura – também através do Direito – a sua própria efetividade, mediante institutos jurídicos adequados (HOLANDA FILHO, 2015).

Importante frisar que a segurança jurídica não significa uma previsibilidade absoluta dos atos do poder público e a impossibilidade de alteração destes. Portanto, não se busca, com a defesa da eficácia da segurança jurídica, o engessamento do magistrado (HOLANDA FILHO, 2015).

Quando há divergência interna de entendimento em um dado Tribunal, surge o princípio da segurança jurídica para defender a uniformização do entendimento, com a finalidade de resguardar a estabilidade e a previsibilidade do entendimento jurisprudencial aos jurisdicionados (HOLANDA FILHO, 2015).

Levando em consideração que a exigência de uniformização da aplicação de um entendimento normativo como algo que não se exige apenas dos juízos monocráticos, mas também de todos os Tribunais, para que se garanta uma maior segurança jurídica aos jurisdicionados, chegaremos ao entendimento de que o fundamento do dever de respeitar o precedente não está apenas na autoridade do julgado, mas sim na necessidade de universalização – cerne do entendimento kantiano da racionalidade prática – da técnica do precedente judicial, assim leciona Holanda Filho (2015).

Desta forma, dever-se-ia seguir o precedente pela racionalização jurisprudencial para que o Estado-juiz preste uma melhor tutela jurisdicional aos seus jurisdicionados (HOLANDA FILHO, 2015), alçando a plenitude do princípio da segurança jurídica.

2.7.3 Princípio da Motivação das Decisões

Tal como estabelece o artigo 93, inciso IX da Constituição da República de 1988, toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob pena de nulidade. Tamanha é a importância da fundamentação da decisão que há renomada doutrina, ainda que minoritária, que defenda a tese da inexistência, quando carece de fundamentação (LOURENÇO, 2011).

Decisões que se reportam, exclusivamente, a artigos de lei ou empreguem conceitos jurídicos indeterminados sem explicitar a incidência no caso concreto, invocando motivos genéricos, comuns a toda decisão, não pode ser compreendida como fundamentada. Trata-se de decisão tautológica, ou seja, se conclui confirmando a premissa já afirmada, ao invés de justificá-la (LOURENÇO, 2011).

Para Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 470-471), não há mais como reputar suficiente a fundamentação de um ato decisório que se limita a repetir os termos postos pela lei ou de emendas e excertos jurisprudenciais ou doutrinários. É preciso e exigível que a decisão judicial identifique exatamente as questões de fato que se reputam como essenciais ao deslinde da causa e delineie, também de forma explícita, a tese jurídica adotada para a sua análise e para se chegar à conclusão exposta na parte dispositiva.

Também é preciso e exigível que, ao aplicar ou deixar de aplicar um precedente, o órgão jurisdicional avalie, de modo explícito, a pertinência de sua aplicação, ou não, ao caso concreto, contrapondo as circunstâncias de fato envolvidas aqui e ali e verifique se a tese jurídica adotada outrora é adequada, ou não, para o caso em julgamento. Tais ensinamentos de Para Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 471) compõem o dever judicial de fundamentação extraídos dos artigos 489, § 1º, e 927, § 1º do novo CPC. Citam-se os artigos ora analisados.

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

[...]

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

[...]

Importante destacar as funções da fundamentação, as quais são: a endoprocessual e a extraprocessual. Da primeira irradia-se internamente o processo, serve de base para a elaboração dos recursos, viabilizando um controle interno da decisão judicial pelo tribunal, ao rever as questões de fato ou de direito. No que tange à segunda função, serve para dar publicidade ao exercício da função jurisdicional e, com isso, permitir o controle das decisões pelo povo, viabilizando a democracia, por meio do controle difuso da atividade judiciária (CÂMARA, 2008 apud LOURENÇO, 2011).

2.7.4 Princípio do Contraditório

O contraditório é frequentemente analisado como garantia de que a solução final de uma situação concreta seja alcançada mediante a participação efetiva daqueles sujeitos diretamente envolvidos no processo, ou seja, como será criada a norma jurídica individualizada, estabelecida no dispositivo da decisão, as partes dela devem participar e influenciar (LOURENÇO, 2011).

Ocorre, contudo, que a decisão não cria somente a norma jurídica individualizada; cria norma geral, a ratio decidendi, ou seja, a tese jurídica estabelecida na fundamentação do julgado e, nesse sentido, há um direito de participação na construção da norma jurídica (LOURENÇO, 2011).

A norma é geral porque pode desprender-se do caso específico e ser aplicada em situações outras, futuras, cujas circunstâncias de fato sejam semelhantes às que delinearam a situação dentro da qual ela se formou. Portanto, o princípio do contraditório não pode mais ser visto apenas como sendo um direito de participação na construção da norma jurídica individualizada (aquela estabelecida no dispositivo da decisão); há de ser visto também como um direito de participação na construção da norma jurídica geral (a ratio decidendi, a tese jurídica estabelecida na fundamentação do julgado) (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 471-472).

Lourenço (2011) apresenta a seguinte crítica quando ao uso do contraditório:

É preciso ampliar as hipóteses de amicus curiae, redefinir o interesse recursal, reconhecendo-se a sua existência na definição do precedente, ainda que não se discuta a norma do caso concreto, bem como repensar nas intervenções de terceiro, como forma de ajudar na construção do precedente, ampliando, por exemplo, o interesse jurídico para fins de assistência, justamente, quando o assistente representar, por exemplo, um grupo de pessoas.

2.7.5 Princípio da Legalidade

O artigo 8º do novo CPC impõe ao juiz o dever na observância ao princípio da legalidade. Deve o magistrado decidir as questões em conformidade com o Direito. Legalidade não se refere somente à lei, mas a todo o ordenamento jurídico (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 467).

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Esse princípio possui íntima conexão com o dever de integridade imposto no artigo 926 do novo CPC, sendo, sobretudo, o dever de decidir em conformidade com o Direito. Por Direito, não pode se entender e restringir apenas ao legal (Constituição, leis, atos administrativos, precedentes judiciais etc.), também não é apenas o escrito (há normas implícitas, há o costume), nem é apenas o estatal (os negócios jurídicos também são fontes do Direito) (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 468).

O dever de observância de precedentes judiciais e da jurisprudência dos tribunais, previstos em diversos dispositivos do novo CPC, corrobora a necessidade de dar um sentido mais amplo e completo ao princípio da legalidade, visto que os precedentes também compõem o Direito e devem ser observados e respeitados (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 468).

2.8 A eficácia jurídica do Precedente e seus efeitos

O precedente é um fato, e em qualquer lugar do mundo onde houver decisão jurisdicional, esse fato ocorrerá. Como se sabe, o ato-fato jurídico é um ato humano que produz efeitos jurídicos independentemente da vontade de quem o pratica. É ato, porque agir humano, mas é fato, porque é tratado pelo direito como um acontecimento em que a vontade humana é irrelevante (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 453).

O precedente, embora esteja encartado na fundamentação de uma decisão judicial (que é um ato jurídico), é tratado pelo legislador como um fato. Dessa forma, os efeitos de um precedente produzem-se independentemente da manifestação do órgão jurisdicional que o produziu. São efeitos ex lege, pois, são efeitos anexos da decisão judicial. Diante dessa noção, é possível compreender os efeitos dos precedentes (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 453).

No direito brasileiro, os precedentes judiciais têm aptidão para produzir diversos efeitos jurídicos, que não se excluem. É possível e até comum que um mesmo precedente produza mais de um tipo de efeito. O efeito do precedente decorre de sua ratio decidendi, os quais serão analisados a seguir (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 454).

2.8.1 Precedente com efeito persuasivo

O precedente possui seu efeito mínimo, que significa a fragilidade de sua força normativa, não podendo se falar em efeito vinculante, mas sim em efeito considerativo do precedente, ou seja, efeito de ser levado em conta. Se um precedente for reiteradamente seguido, como já dito, virará jurisprudência (HOLANDA FILHO, 2015).

A jurisprudência nada mais é do que a reiteração da aplicação da norma jurídica geral construída a partir de um caso concreto. Quando a jurisprudência é dominante, poderá tornar-se súmula. Já a súmula será o texto da norma jurídica geral construída a partir de um caso concreto e que vem sendo reiteradamente aplicada (HOLANDA FILHO, 2015).

Esse tipo de precedente, segundo a afirmação de Ramos (2013), é regra no direito brasileiro. Diz-se também que um precedente é persuasivo quando o juiz não está obrigado a segui-lo, de forma que, se seguir, é porque está convencido da sua correção (SOUZA, 2011 apud RAMOS, 2013).

Há situações em que o próprio legislador reconhece a autoridade do precedente persuasivo e isso tem o condão de repercutir em processos posteriores. Ocorre, por exemplo, quando admite a interposição de recursos que têm por finalidade uniformizar a jurisprudência com base em precedentes judiciais, tais como os embargos de divergência (art. 1.043 do novo CPC) e o recurso especial fundado em divergência (art. 105, inciso III, alínea c da Constituição Federal e 1.029, § 1º do novo CPC). São casos em que a existência de precedentes em sentido diverso é utilizada como mecanismo de convencimento e persuasão do julgador no sentido de reformar sua decisão e adotar aquele outro entendimento (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 456-457).

2.8.2 Precedente com efeito relativamente obrigatório

O precedente com efeito relativamente obrigatório é aquele cuja autoridade afirma-se por si e impõe a solução do caso em julgamento, exceto se o tribunal do caso tiver uma boa e fundada razão em contraditório, hipótese que pode se afastar dele, desde que se desincumba do qualificado ônus argumentativo, segundo a definição de Ataíde Júnior (2012, apud RAMOS, 2013).

O autor ainda destaca que no Brasil somente há uma espécie deste tipo de precedente, que é a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em recurso especial nas causas repetitivas, conforme a previsão do artigo 543-C, §§ 7º e 8º do Código de Processo Civil de 1973 (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013).

Nesta hipótese, ocorre que apreciada a questão pelo STJ, os tribunais ordinários devem seguir tal decisão, para negar seguimento aos recursos especiais ou para reexaminá-los. O tribunal pode se manter divergente da orientação firmada pelo STJ, mas deverá apresentar fundadas razões para tanto (ATAÍDE JÚNIOR, 2012 apud RAMOS, 2013). Não se observa no novo CPC precedente com esse tipo de efeito.

2.8.3 Precedente com efeito impeditivo de recurso

Esse tipo de precedente possui efeito obstativo, não deixando de ser um desdobramento do efeito vinculante de certos precedentes. O legislador permite que em algumas situações o órgão jurisdicional negue provimento (ou seguimento) a determinados recursos ou dispense a remessa necessária quando estiverem eles em conflito com precedentes judiciais – jurisprudência ou súmula –, sobretudo daqueles advindos das cortes superiores (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 457).

Como exemplo, podem ser citados os artigos 496, § 4º e 932, inciso IV do novo CPC.

Art. 496.  Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

[...]

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I - súmula de tribunal superior;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Art. 932.  Incumbe ao relator:

[...]

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

 [...]

Dos seus conteúdos extrai-se uma espécie de vinculação do órgão competente, seja no ato de apreciação recursal, seja na análise da possibilidade de exercício de duplo grau obrigatório, às diretrizes já lançadas em precedentes anteriores, de modo que este órgão fica autorizado a negar provimento a tais recursos ou dispensar a remessa necessária. Há um óbice à revisão da decisão em ambos os casos (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 457).

2.8.4 Precedente com eficácia autorizante

O precedente pode ser autorizante quando é determinante para a admissão ou acolhimento de ato postulatório. Repercutem no acolhimento de postulações, a exemplo: a existência de “tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”, ao autorizar a concessão de tutela de evidência documentada (art. 311, inciso II do novo CPC); o precedente ou enunciado de súmula contrariados pela decisão recorrida, ao implicar o provimento do recurso por decisão monocrática do relator (após garantido o contraditório) (art. 932, inciso V do novo CPC) (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 458).

O precedente ou enunciado de súmula também pode determinar ou contribuir para a admissão de recurso, como se visualiza a admissibilidade do recurso especial que pressupõe a demonstração da interpretação divergente conferida por outro tribunal (art. 105, inciso III, alínea c da CF), bastando para isso invocar um único precedente (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 459).

Além disso, a admissibilidade do recurso extraordinário pressupõe demonstração de repercussão geral, que se configura sempre que a decisão recorrida contrariar súmula do STF, precedente do STF ou tese firmada no julgamento de casos repetitivos, bem como quando a decisão recorrida reconhecer a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (art. 97, CF e art. 1.035, § 3º do novo CPC) (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 459).

2.8.5 Precedente com eficácia rescindente ou deseficacizante

Pode ainda o precedente ter aptidão para rescindir ou retirar a eficácia de uma decisão judicial transitada em julgado. Como exemplo pode ser citado o caso dos §§ 12, 13 e 14 do artigo 525 e dos §§ 5º, 6º e 7º do artigo 535 do novo CPC, que reputam inexigível a decisão judicial que se lastreie em lei ou em ato normativo tidos pelo STF como inconstitucional (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 459).

Nesse caso, o precedente do STF deve ser anterior à decisão transitada em julgado para produzir o efeito de deseficacizar a decisão judicial. Caso o precedente do STF for posterior ao trânsito em julgado, caberá ação rescisória (art. 966, inciso V e art. 525, § 15 do novo CPC), cujo prazo será contado da data do trânsito em julgado da decisão proferida pela Corte Suprema (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 460).

2.8.6 Precedente que permite revisão de coisa julgada

Nesse efeito, o precedente pode autorizar a ação de revisão de coisa julgada que diga respeito a uma relação jurídica sucessiva (art. 505, inciso I do novo CPC), como a relação jurídica tributária. Assim, um precedente do STF, poderia, por exemplo, autorizar a revisão, ex nunc, da sentença que regulasse uma relação jurídica tributária, que é exemplo de relação sucessiva (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 460). Sobrescreve-se o artigo para melhor compreensão.

Art. 505.  Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

[...]

2.8.7 Precedente com efeito obrigatório ou vinculante

O precedente com efeito obrigatório ou vinculante é aquele cuja autoridade vinculante independe da opinião do juiz do caso em julgamento, que deve segui-lo mesmo não o achando correto. Nesse caso, vislumbra-se a máxima do sistema do stare decisis et non quieta movere (mantenha a decisão e não mova no que está quieto), sendo a regra nos países do common law (RAMOS, 2013).

Tal precedente projeta seus efeitos não apenas entre as partes de um caso concreto, mas fixa uma orientação a ser obrigatoriamente seguida em todas as hipóteses semelhantes. Gera, para além da solução do litígio específico que lhe foi submetido, uma norma, ou seja, um comando aplicável, com generalidade, a todos os demais casos idênticos, de forma permanente, e sob pena de sanção, à imagem e semelhança de uma lei (RAMOS, 2013).

O artigo 927 do novo CPC inova ao estabelecer um rol de precedentes obrigatórios, que se distinguem entre si pelo seu procedimento de formação. Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 461) defendem que esse rol não é exaustivo. Reproduz-se o conteúdo do artigo em questão.

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Citam os autores que embora não conste na listagem de lei, os precedentes cujo entendimento é consolidado na súmula de cada um dos tribunais (ainda que não seja tribunal superior) tem força obrigatória em relação ao próprio tribunal e aos juízes a eles vinculados. Desse entendimento decorre a previsão do artigo 926 do novo CPC, quanto ao dever genérico de os tribunais brasileiros uniformizarem sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, permitindo a edição de súmula que consolide sua jurisprudência dominante (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 445).


3 AS IMPLICAÇÕES DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO SISTEMA DOS PRECENTES JUDICIAIS

3.1 O impasse do Livre Convencimento

Um dos impasses apontados no novo Código de Processo Civil por diversos doutrinadores e estudiosos do Direito é a questão do livre convencimento motivado dentro do sistema dos precedentes judiciais.

Macêdo (2015) afirma que os precedentes obrigatórios, ao contrário do que se poderia pensar, são na verdade um limite ao poder judicial. Tal pensamento decorre em virtude dos juízes possuírem o poder de criar o direito. Apesar da tradição jurídica ter imputado a criação do direito ao legislador, a verdade é que não é possível antever todos os fatos da vida com precisão. Portanto, há margem de criatividade aos órgãos julgadores, que precisam interpretar os textos legais. Cita ainda como exemplo de atividades criativas realizadas pelos juízes o controle de constitucionalidade e a concretização de princípios.

Desse senso, observa-se que a criatividade é inerente à atividade jurisdicional, em maior ou menor medida. E tal criatividade jurisdicional possui como impacto negativo, por exemplo, em viradas jurisprudenciais abruptas; litigância exagerada e pautada na chance de reverter o sempre instável entendimento dos tribunais ou de simplesmente ter sorte na distribuição; ou quando jurisdicionados em situações materiais idênticas vejam-se tratados de forma díspar (MACÊDO, 2015).

Macêdo (2015) critica a criatividade jurisdicional, que acarreta em uma perniciosa esquizofrenia jurisprudencial. Defende ainda que enquanto houver a repetição de que a jurisdição é meramente declaratória, sem nenhum toque de criatividade, e que ficou reservada exclusivamente ao legislador, continuar-se-á na permanente omissão da raiz da questão, provocando os sintomas elencados no parágrafo anterior, típicos de um sistema jurídico que não se preocupa em regular a criatividade jurisprudencial.

O novo CPC trouxe instrumentos que tratam dos precedentes judiciais, dispostos em seus artigos 926, 927 e 489, § 1º, incisos V e VI. Com a utilização do sistema dos precedentes, diminui-se o âmbito de livre criação jurisprudencial, na medida em que os tribunais deverão dialogar com o que foi construído por eles anteriormente e, mais ainda, estabelece a responsabilidade pela atuação prévia do Judiciário, que precisa respeitar suas próprias decisões e tutelar os jurisdicionados que atuaram em conformidade a elas (MACÊDO, 2015).

Conclui Macêdo (2015) que essa forma de atuação garante mais segurança jurídica e igualdade aos jurisdicionados, afiança coerência e integridade ao direito, e, conjuntamente com algumas medidas processuais, pode incrementar a eficiência jurisdicional.

Streck (2015) seguindo a mesma posição de Macêdo (2015) aponta que a democracia é incompatível com consciências pessoais. Leciona que a versão original do novo CPC continha a permanência do livre convencimento motivado, mas que de nada adiantaria exigir do juiz que enfrente todos os argumentos deduzidos na ação se, por exemplo, o magistrado tiver a liberdade de invocar a “jurisprudência do Supremo” que afirma que o juiz não está obrigado a enfrentar todas as questões arguidas pelas partes.

Streck (2015) propôs ao relator do projeto do novo CPC, deputado Paulo Teixeira, a retirada do livre convencimento, que foi aceita. O doutrinador considera uma conquista hermenêutica sem precedentes, e justifica:

(...) embora historicamente os Códigos Processuais estejam baseados no livre convencimento e na livre apreciação judicial, não é mais possível, em plena democracia, continuar transferindo a resolução dos casos complexos em favos da apreciação subjetiva dos juízes e tribunais. (...) O livre convencimento se justifica em face da necessidade de superação da prova tarifada.

Justificando seu raciocínio, Streck (2015) defende que o processo deve servir como mecanismo de controle da produção das decisões judiciais por duas razões: a primeira é porque o cidadão possui direitos que devem ser garantidos pelo tribunal, por meio de um processo; a segunda é que o processo sendo uma questão de democracia, o cidadão deve poder participar da construção das decisões que o atingirão diretamente. Portanto, a necessidade do exílio epistêmico do livre convencimento é consequência de uma democracia que se faz aplicando o direito, e não a convicção pessoal de um conjunto de juízes ou tribunais.

Entretanto, não há consenso sobre o fim do livre convencimento motivado no novo CPC. Gajardoni (2015) aponta que no novo CPC não há dispositivo de exata correspondência ao artigo 131 do CPC de 1973, o qual estabelece que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”, o que tem levado alguns intérpretes da lei a defender o fim do princípio do livre convencimento. A afirmação de que não há mais no Brasil o sistema do livre convencimento parte de um manifesto erro de premissa.

O autor defende que a previsão legal de standards mínimos de motivação no novo CPC (art. 489, § 1º) não afeta a liberdade que o juiz possui para valorar a prova, pois a autonomia na valoração da prova e a necessidade de adequada motivação são elementos distintos e presentes tanto no CPC de 1973 quanto no novo CPC. A regra prevista no artigo 489, § 1º do novo CPC trata do segundo elemento (motivação) e não do primeiro elemento (liberdade na valoração da prova) (GAJARDONI, 2015).

Complementa-se ainda o fato de que a regra expressa estabelecendo o dever de respeito aos precedentes previsto no artigo 927 do novo CPC também não impacta no livre convencimento. A livre valoração da prova pelo juiz só é possível e recomendável através do exercício do contraditório cooperativo, em que as partes, através do cumprimento do adequado ônus argumentativo, influenciam na formação da convicção do órgão julgador, uma novidade requentada no novo CPC e já prevista no CPC de 1973 (GAJARDONI, 2015).

Além da autonomia na valoração motivada da prova, mesmo em matéria de Direito há espaço para a liberdade de convicção; e o que ocorreu foi apenas o advento de uma disciplina mais clara dos métodos do trabalho do juiz, não a extinção da autonomia do julgamento (GAJARDONI, 2015).

 Em oposição ao pensamento de Gajardoni (2015) e defendendo o fim do livre convencimento motivado estão Delfino e Lopes (2015), que destacam o proposital banimento do instituto no novel sistema processual, em virtude da importância do controle do convencimento judicial.

Como necessidade da expulsão do livre convencimento, transcreve-se trecho do voto do ministro Humberto Barros:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja.” (sem grifos no original) (DELFINO; LOPES, 2015).

O voto apresentado é uma prova pujante da força das palavras, centrada em decisão prolatada pela Corte que tem a incumbência de zelar pela unidade do direito federal infraconstitucional, cujo eco, só por isso, inspira e inspirou a todos que militam na praxe forense, além de alcançar os próprios jurisdicionados, que inescapavelmente se encontram à mercê da consciência dos bons e maus julgadores. Um quadro triste e acinzentado de uma justiça ainda emaranhada em resquícios positivistas, enlameada no paradigma da filosofia da consciência no qual o livre convencimento motivado encontra porto seguro, e onde julgadores valoram a prova a seu bel-prazer (ainda que motivadamente) e “decidem assim porque pensam assim” (DELFINO; LOPES, 2015).

O princípio do livre convencimento motivado não se sustenta em um sistema normativo como o novo CPC, que aposta suas fichas no contraditório como garantia de influência e não surpresa, e, por isso, alimenta esforços para se ajustar ao paradigma da intersubjetividade, em que o processo é encarado como local normativamente condutor de uma comunidade de trabalho na qual todos os sujeitos processuais atuam em viés interdependente e auxiliar, com responsabilidade na construção e efetivação dos provimentos judiciais (DELFINO; LOPES, 2015).

Não se pode falar que o juiz se torna um robô, mas que assuma definitivamente sua responsabilidade política. Suas pré-compreensões, seu pensar individual ou sua consciência não interessam aos jurisdicionados. Os autores encerram sua defesa apontando que fez certo o legislador ao proscrever do sistema processual esse rastro autoritário ainda sustentado pelo CPC de 1973 e que mantém escancarada, em pleno século XXI, uma janela para emanações concretas da ideologia socialista no palco processual, confiando aos julgadores liberdade para decidirem conforme pensam e segundo a prova que melhor se amolde ao seu pensamento, desde que depois justifiquem, como se o dever de fundamentação (por mais oneroso que se apresente), impermeabilizasse sozinho o livre atribuir de sentidos (DELFINO; LOPES, 2015).

Seguindo a corrente majoritária, Souza Neto (2015, p. 71) ensina que o novo CPC não contemplou o livre convencimento do juiz que constava na legislação anterior. A democracia não é compatível com a tomada de decisões judiciais a partir de consciências pessoais. Nas duas únicas vezes que o novo CPC menciona o termo “convencimento”, o legislador se preocupou em reforçar a necessidade de fundamentação das decisões.

Para constatar sua afirmação, Souza Neto (2015, p. 71) diz que artigo 371 estabelece que o juiz, ao apreciar a prova constante nos autos, deverá indicar na decisão as “razões da formação de seu convencimento”. E no artigo 298 prescreve que mesmo quando o juiz se manifestar sobre tutela provisória, deverá motivar seu convencimento de modo “claro e preciso”. Portanto, o código está lastreado na fundamentação, racionalidade e publicidade às decisões judiciais, evitando a surpresa com decisões arbitrárias, fundadas em consciências individuais que não correspondem ao espírito do Estado Democrático de Direito.

Diante da exposição, vislumbra-se que a doutrina majoritária tende em defender que ocorreu o fim do livre convencimento motivado no novo CPC, esclarecendo que a mudança somente tem a trazer benefícios para a prestação jurisdicional e a possibilidade de maior efetividade na implantação do sistema do stare decisis brasileiro.

3.2 Vantagens e desvantagens com a aplicação da vinculação dos precedentes

Segundo Ramos (2013), a maior parte da doutrina aponta que o uso dos precedentes vinculantes acarreta numa série de vantagens, entre as quais: a segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade, igualdade (perante a jurisdição e a lei), coerência da ordem jurídica, garantia de imparcialidade do juiz, definição de expectativas, desestímulo à litigância, favorecimento de acordos, racionalização do duplo grau de jurisdição, duração razoável do processo, economia processual e maior eficiência do judiciário.

Contudo, há autores que também elencam uma série de desvantagens para o uso dos precedentes vinculantes, tais como: obstáculo ao desenvolvimento do direito e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação do princípio da separação dos poderes, violação da independência dos juízes e violação da garantia do acesso à justiça (RAMOS, 2013).

Analisa-se a seguir com mais acuidade algumas das vantagens e desvantagens do uso do sistema dos precedentes vinculantes.

3.2.1 Principais vantagens

3.2.1.1 Tratamento isonômico dos jurisdicionados

O sistema jurídico brasileiro, com base no princípio do livre convencimento motivado do julgador, acaba por consentir no tratamento desigual para casos semelhantes. A lei poderá ser aplicada de forma desigual, a depender da interpretação de cada julgador, desde que sua decisão seja fundamentada (SANTO, 2014).

A aplicação do direito seguindo estes parâmetros termina por ferir o princípio da igualdade, pois os jurisdicionados recebem tratamento desigual, ainda que as relações jurídicas apresentadas em juízo sejam semelhantes, acarretando em grande insatisfação social. Casos iguais decididos de forma diversa por um magistrado, beira à arbitrariedade e à falta de imparcialidade, pois um jurisdicionado poderá obter uma decisão desfavorável, quando, em caso idêntico, o outro recebe decisão favorável (SANTO, 2014), tudo isso amparado pelo manto do livre convencimento motivado.

A adoção do stare decisis, em outras palavras, a vinculação dos precedentes judiciais poderá vir a ser uma solução para essa discrepância, pois ao constatar a existência de um precedente anterior para aquele caso, deverá o magistrado obrigatoriamente segui-lo, garantindo-se a interpretação uniforme do direito.

O princípio da igualdade não diz respeito tão somente ao tratamento igualitário entre as partes no processo, no que tange à manifestação, contraditório e provas, mas também é vital sua aplicação na forma mais ampla, no momento da decisão, acolhendo as decisões anteriores e semelhantes já analisadas pelo Judiciário (SANTO, 2014).

Todos são iguais perante a lei em tese, mas também devem ser tratados igualmente em relação à interpretação que lhe é conferida pelo Judiciário, afinal, cabe a este poder a fixação da norma jurídica do caso concreto, ao julgar as questões que lhe são postas (SANTO, 2014).

3.2.1.2 Respeito à segurança jurídica

Pode-se afirmar que o princípio da segurança jurídica é uma das maiores conquistas e virtudes do Estado Democrático de Direito, não podendo ser desprezado no sistema do stare decisis. A adoção dos precedentes vinculantes ocasiona a certeza do jurisdicionado em relação àquela situação apresentada em juízo, já que evita a incerteza das decisões judicias contraditórias no mesmo juízo ou em juízos diversos, resultando em decisões uniformes (SANTO, 2014).

O julgador não pode ser livre para decidir de forma contrária a um tribunal superior, na medida em que a sua decisão não é definitiva, pois sempre poderá ser reformada ao ser submetida ao crivo da corte superior. Nota-se uma contradição no duplo grau no sistema jurídico brasileiro, pois ao mesmo tempo em que o juiz é “livre” para decidir, a última palavra será dada pelo tribunal (SANTO, 2014).

O Judiciário deve ser visto como um todo, um só poder, que deve dar uma interpretação uniforme para determinada questão. Se o sistema é estruturado em níveis, é contraditório que uma causa seja decidida por um juiz ou tribunal sem qualquer observância das decisões do STJ e STF (SANTO, 2014).

A interpretação de modo uniforme das leis faz com que exista uma ordem jurídica coerente, funcional e uniforme, dando maior previsibilidade aos cidadãos quanto à interpretação dada pelo Judiciário. Ao contrário, uma ordem jurídica instável, onde cada juiz decide como bem entende, sem uma visão ampla da interpretação de seu tribunal e dos tribunais superiores, causa insatisfação dos jurisdicionais e injustiças sociais (SANTO, 2014).

É fato que os juízes possuem autonomia para decidir, mas devem sobretudo respeito às decisões emanadas das cortes superiores. Essa observância não caracteriza violação à independência funcional, visto que o juiz não é um sistema por si só, mas faz parte de um sistema (do Poder Judiciário).

Visando maior amplitude à segurança jurídica e à isonomia, o novo CPC trouxe em seu artigo 976 o incidente de resolução de demandas repetitivas, que pode ser instaurado quando houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, não se exigindo custas processuais. Não se admite o instituto apenas quando um dos tribunais superiores já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva (RIBEIRO, 2015, p. 76). Examina-se o artigo a seguir.

Art. 976.  É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1º A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

§ 2º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

§ 5º Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

Após a instauração e julgamento do incidente, confere-se a mais ampla publicidade (art. 979, caput), exigindo-se a indicação dos fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos relacionados (art. 979, § 2º), como se observa no transcrição a seguir do artigo.

Art. 979.  A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.

§ 1º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.

§ 2º Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.

 A intenção, segundo Ribeiro (2015, p. 76), é conferir divulgação e facilitar a identificação das teses resolvidas com o incidentes referido, mas o dispositivo também pode ser entendido como parte do anseio geral do novo código de aplicar maior destaque às teses jurídicas em disputa, valorizando a jurisprudência.

Detecta-se a proteção à segurança jurídica com a exigência de estabilidade, integridade e coerência na formação da jurisprudência brasileira, presente no artigo 926. Este dispositivo pugna que todos os casos semelhantes sejam interpretados com a mesma consideração por parte dos juízes, e que estes construirão seus argumentos a partir de uma visão integrada de todo o direito, afastando-se, desse modo, eventuais arbítrios nas tomadas de decisão, e conferindo estabilidade e segurança jurídica ao direito brasileiro (RIBEIRO, 2015, p. 77).

Seguindo o raciocínio, Ribeiro (2015, p. 78) explana que na égide do Código de Processo Civil de 1973, os tribunais devem observar necessariamente apenas as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Com o novo código, as decisões constitucionais proferidas no plenário do STF deverão ser seguidas por juízes e tribunais. Nos demais assuntos, deverão ser seguidos os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça. Assim, o novo código pretende mitigar o antigo cenário de insegurança jurídica, na medida em que empreende substancial caráter vinculante às decisões dos tribunais superiores, que orientam as decisões sobre casos semelhantes, estabelecendo um efetivo sistema de respeito aos precedentes. Arremata que eventuais distorções tendem a ser corrigidas naturalmente, para a garantia de integridade na fixação dos precedentes judiciais.

Ainda em defesa da fundamentação de todas as decisões judicias, o artigo 11 do novo CPC apenas reforça a previsão constitucional do artigo 93, inciso X, que ainda estabelece o dever de publicidade das decisões.

Art. 11.  Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Parágrafo único.  Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.

São dois elementos de suma importância para a garantia da segurança jurídica, conferindo maior previsibilidade e uniformidade na formação e uso da jurisprudência. Além disso, o novo CPC ainda determina em seu artigo 10 que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual se deva decidir de ofício”. O objetivo, mais uma vez, é conferir segurança jurídica às partes, na medida em que assegura o contraditório e o amplo direito de defesa (RIBEIRO, 2015, p. 79).

A conexão entre a fundamentação das decisões (tema que será tratado especificamente no tópico seguinte), a segurança jurídica e a fixação de precedentes na atividade judicial é vital para a construção do stare decisis brasileiro. A força do precedente será tão mais robusta quanto mais for capaz de responder sobre as teses jurídicas em disputa. Quanto melhor fundamentada a decisão, mais ela será capaz de servir como bom precedente, na medida em que exigirá elevado grau de esforço argumentativo para sua superação (RIBEIRO, 2015, p. 79).

3.2.1.3 Fundamentação das decisões judiciais

No que tange à fundamentação das decisões judicias, Souza Neto (2015, p. 64) defende que uma importante inovação trazida pelo novo CPC é a tentativa de conferir maior racionalidade argumentativa às decisões judiciais.

Discorre o autor que no direito brasileiro, mais importa o resultado do que o percurso argumentativo de construção das decisões judiciais. Como exemplo, ilustra com o diagnóstico de José Rodrigo Rodrigues em sua obra “Como decidem as cortes”, na qual trata que o Supremo Tribunal Federal decide, mas não delibera, na medida em que os onze ministros levam seus votos prontos ao plenário de julgamento, oferecendo, muitas vezes, razões distintas que chegam a um mesmo resultado (SOUZA NETO, 2015, p. 64).

Assim não se torna possível identificar uma voz institucional da corte brasileira, mas um conjunto de decisões individuais, que não necessariamente se relacionam. Nesse contexto, se o resultado importa mais que a argumentação, a vinculação aos precedentes perde força, na medida em que as decisões poderiam facilmente variar conforme a composição do tribunal (SOUZA NETO, 2015, p. 65).

Portanto, o novo CPC traz mais racionalidade à atividade judicial brasileira, na medida em que exige decisões completas e fundamentadas, e estabelece a necessidade de maior vinculação aos precedentes. No mesmo sentido, o relator do projeto do novo código na Câmara dos Deputados, o deputado Paulo Teixeira defende que o incidente de resolução de demandas repetitivas é um instituto vocacionado a conferir mais racionalidade à jurisprudência brasileira, evitando o elevado número de decisões diferentes sobre um mesmo assunto e tornando o sistema mais coerente e acessível (SOUZA NETO, 2015, p. 65).

O incidente de resolução de demandas repetitivas, apresentado no artigo 976 do novo CPC, possui grande conexão com a fundamentação das decisões, pois o novo código prioriza a discussão do mérito das questões submetidas aos tribunais, reforçando a importância da argumentação jurídica e produzindo assim decisões de melhor qualidade (SOUZA NETO, 2015, p. 66).

A necessidade de fundamentação das decisões judicias reafirma uma exigência constitucional (art. 93, inciso IX), sendo dever do Estado e direito fundamental do jurisdicionado, como garantia do devido processo legal e melhor expressão do Estado Democrático de Direito (SOUZA NETO, 2015, p. 66).

Além disso, a garantia de fundamentação é indispensável para a aferição da correção das decisões judiciais, ensina Souza Neto (2015, p. 67). Esta garantia exerce dupla função: a motivação das decisões judiciais fornece elementos para que as partes analisem as razões do juiz, podendo recorrer a uma instância superior; e a fundamentação das decisões judiciais interessa à própria sociedade, na medida em que a opinião pública e os próprios cidadãos são interessados nas manifestações judiciais.

Em alguma medida, todos aqueles que vivem a Constituição são seus legítimos intérpretes, de modo que todos são capazes de empreender alguma forma de controle sobre as decisões judiciais a partir de suas fundamentações (HÄBERLE, 2002 apud SOUZA NETO, 2015, p. 67).

A necessidade de vinculação aos precedentes judiciais acarreta em um grande esforço da fundamentação. Não se pode negar que a finalidade de fundamentação das decisões judiciais se aprimore substancialmente, pois a motivação das decisões é de caráter substancial, não apenas formal. O juiz deve se manifestar sobre todas as teses sustentadas pela parte, o que decorre do próprio princípio do contraditório, que assegura às partes o direito de ter seus argumentos levados em consideração (SOUZA NETO, 2015, p. 67).

3.2.1.4 Celeridade processual

Prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, a duração razoável do processo é um direito fundamental constantemente desrespeitado pelo Poder Judiciário. O respeito aos precedentes poderá trazer maior agilidade do Judiciário, na medida em que permitem que processos posteriores que tratam de situações idênticas sejam solucionados de forma mais rápida, pois o magistrado aproveitará todo o estudo já realizado pelos Tribunais superiores (SANTO, 2014).

Constatando a paridade de situações, o julgador aplicará o precedente, o que permite com que o magistrado tenha mais tempo para se dedicar aos outros casos que exigem solução individualizada (SANTO, 2014).

Quando o Judiciário tem entendimentos diversos acerca de uma mesma questão jurídica, os jurisdicionados tentarão todos os recursos possíveis, na esperança de ver aplicado ao seu caso o entendimento que lhe é mais favorável (SANTO, 2014).

A mesma situação é verificada no ajuizamento de novas ações. Se não há tese que prevaleça, todos que estão na mesma situação irão propor ações judiciais, na esperança de que seu pedido seja julgado procedente (SANTO, 2014).

Ambas situações, as quais podem ser denominadas de “aventuras jurídicas”, colaboram para o aumento do número de processos, geram maiores despesas para o Judiciário e o tornam mais lento (SANTO, 2014).

Tendo a parte certeza de que a sua pretensão não será acolhida pelo Judiciário, não arcará com os custos do processo e nem perderá tempo em busca de uma tutela plenamente infrutífera (SANTO, 2014).

Quando os tribunais inferiores estão obrigados a decidir de acordo com os tribunais superiores, os recursos apenas serão admitidos em casos excepcionais e a parte não correrá o risco de ter que levar o seu caso aos tribunais superiores para que a tese destes prevaleça (SANTO, 2014).

Evita-se o desperdício de tempo e dinheiro em recurso de uma decisão que será fatalmente reformada. A tutela do direito da parte poderá ser conferida de plano, abreviando o caminho e com custos menores para a parte e para o próprio Judiciário (SANTO, 2014).

O sistema jurídico brasileiro atual acaba por estimular a propositura de ações e a interposição de recursos, pois não existe unidade de interpretação da norma, muitas vezes num só tribunal observam-se posicionamentos diversos. Tal situação favorece a criatividade judicial, o debate jurídico e colabora para a evolução do direito, mas por outro lado provoca uma maior lentidão do Judiciário (SANTO, 2014). Dessa forma, não se pode negar que o sistema do stare decisis possibilitará maior celeridade processual ao Judiciário brasileiro.

3.2.2 Desvantagens mais relevantes
3.2.2.1 Obstáculo à inovação do Direito

Relevante questionamento para a aplicação dos precedentes vinculantes é até que ponto a obrigatoriedade do sistema poderia dificultar a mudança do entendimento judicial, ainda que de forma fundamentada.

A obrigatoriedade da vinculação dos precedentes poderá tolher a criatividade judicial, na medida em que o juiz não poderá inovar nas suas decisões. O magistrado poderá ser impedido de demonstrar a evolução do seu posicionamento no decorrer do tempo e de decidir determinada questão jurídica da forma que achar a mais adequada àquele contexto social e temporal (SANTO, 2014).

A implantação do precedente poderia ocasionar numa imobilização da jurisprudência, o que impediria a evolução do direito no decorrer do tempo, tornando-o inadequado às novas realidades sociais (SANTO, 2014).

Apesar deste obstáculo, constata-se que há previsão no próprio sistema do stare decisis, com técnicas que permitam a sua mudança, como por exemplo, através da técnica do overruling (SANTO, 2014).

Assim como as leis, os precedentes podem ser revogados gradativamente, com a evolução da sociedade, permitindo-se o desenvolvimento do direito, adequando-o à realidade. A obrigatoriedade dos precedentes não significa torná-los imutáveis, pois poderão ser modificados, excepcionalmente, em razão, por exemplo, da transformação dos valores, do desenvolvimento da ciência e do surgimento de novas tecnologias (SANTO, 2014).

Nos países adotantes do common law, a obrigatoriedade dos precedentes não impede a sua revogação em razão da evolução da sociedade, pois, com o passar do tempo poderá haver a superação do precedente, surgindo a necessidade de cancelá-lo, através da técnica do overruling (SANTO, 2014).

3.2.2.2 Violação da autonomia judicial

Os críticos da adoção dos precedentes vinculantes defendem que obrigar o juiz a decidir de acordo com um precedente violaria a sua independência. Entanto, ser independente no sistema jurídico brasileiro significa poder interpretar a lei da maneira que achar correta, desde que de forma fundamentada (SANTO, 2014).

No sistema do civil law, o juiz poderá dar significado à lei, ainda que exista posicionamento reiterado em outro sentido, fixado pelo tribunal. Isso não violaria o direito da parte, pois esta tem à sua disposição os recursos e outros meios de impugnação das decisões judiciais. A questão da vinculação dos precedentes, por outro lado, põe em confronto a garantia do exercício autônomo da magistratura e a necessidade dos jurisdicionados de obter do Judiciário uma resposta uníssona quanto a uma determinada questão jurídica controvertida, diante de casos semelhantes (SANTO, 2014).

Invocar a independência funcional para fundamentar decisões díspares para casos semelhantes seria o mesmo que concordar com respostas diferentes emanadas do mesmo Poder Judiciário ou com a existência de várias normas aplicáveis a uma mesma situação (SANTO, 2014).

Em verdade, o objetivo da vinculação dos precedentes não é subordinar um juiz inferior a um superior, mas fazer com que o Judiciário como um todo respeite os seus precedentes, suas próprias decisões, uniformizando-as num determinado sentido (SANTO, 2014).

Questiona-se ainda o fato de que o juiz inferior não poder revogar o precedente, o que violaria sua autonomia. Mas isso faz parte de um sistema balizado pelo duplo grau de jurisdição, pois assim como o juiz de primeiro grau pode ter sua decisão reformada por um tribunal superior, pode-se determinar que desde já os precedentes daquela corte sejam respeitados (SANTO, 2014).

A jurisdição é una, e os juízes e tribunais compõem uma só estrutura, portanto, o Judiciário poderá fixar seu entendimento a respeito da interpretação de uma lei, prestando a tutela jurisdicional com maior coerência, oferecendo à sociedade uma só resposta para a questão apresentada em juízo (SANTO, 2014).

A Constituição Federal garante aos juízes a autonomia funcional, mas também a mesma carta constitucional assegura o princípio da igualdade de todos perante a lei (em visão mais atualizada, a igualdade perante o ordenamento jurídico, o que inclui as decisões judiciais), o que deve ser visto não só em abstrato, mas também em relação à sua interpretação nos casos concretos (SANTO, 2014).

A garantia da independência funcional, portanto, também deve ser vista sob o prisma dos jurisdicionados, conferindo-lhes direito a um julgamento imparcial e justo. A imparcialidade e justiça existirão quando em casos semelhantes, o juiz aplique igualdade de tratamento (SANTO, 2014). Não há, portanto, qualquer invasão ou desrespeito à autonomia judicial com a aplicação do sistema do stare decisis.

3.3 Impactos à criatividade judicial provocados pelo sistema do stare decisis

Andrade (apud MESSIAS, 2013) explana que para Chiovenda, o juiz, exercendo a jurisdição, se limitava a declarar a vontade da lei. É o que se conhece como teoria dualista ou declaratória do ordenamento jurídico.

No contraponto desse pensamento, Carnelutti, partindo da ideia de que a jurisdição pressupõe a existência da lide, apresenta o pensamento de que o juiz, quando exerce a jurisdição, cria a norma individual para o caso concreto, solucionando o conflito. Esse posicionamento, advindo de origem kelsiana, é conhecido como teoria unitária do ordenamento jurídico (MESSIAS, 2013).

Em síntese às duas teorias, Marinoni (apud MESSIAS, 2013) resume que as concepções de que o juiz atua a vontade da lei e de que o juiz edita a norma do caso concreto beberam da mesma fonte, pois a segunda, ao afirmar que a sentença produz a norma individual, quer dizer apenas que o juiz, depois de raciocinar, concretiza a norma já existente, a qual, dessa forma, também é declarada. Leite (apud MESSIAS, 2013) arremata que as duas teorias não se diferenciam, uma vez que a jurisdição deveria levar em conta a norma geral (lei), para solucionar o caso concreto.

Após as grandes mudanças advindas da segunda metade do século XX, em especial na própria teoria geral do direito, atualmente não se encontra dificuldade em afirmar que a decisão judicial tem força normativa, inclusive extra individual, na forma de precedente. Outra importante mudança é a observância de que quem interpreta também cria, pois toda interpretação é uma atividade criativa, em diferentes níveis, dando forma à criatividade judicial (MESSIAS, 2013).

Não se pode afastar a ideia de que a jurisdição é uma função criativa, pois quando se decide, cria-se a norma jurídica do caso concreto, bem como se cria a própria regra abstrata que deve regular o caso concreto (DIDIER JR., 2013 apud MESSIAS 2013). A decisão judicial contém a norma individual (ou norma jurídica individualizada), que diferentemente das demais normas, tem aptidão de se tornar imutável pela coisa julgada material.

Pontes de Miranda (apud MESSIAS, 2013) explica que o princípio de que o juiz está sujeito à lei é algo como um guia, um roteiro, que nem sempre serve ao viajante. Desse entendimento é que surge a necessidade da função criativa do juiz, pois se a criação jurisdicional fosse nula, os hard cases (casos em que ainda não há precedente sobre o tema, devendo o magistrado refletir, pela primeira vez sobre o assunto, já diante do caso concreto que se apresenta) não poderiam ser resolvidos (MESSIAS, 2013).

Messias (2013) ensina que o judiciário tem o dever de solucionar todo e qualquer caso que seja a ele apresentado, inclusive os “difíceis”, os quais serão objeto do poder da criatividade. Entende-se dessa forma que a criatividade jurisdicional serve, acima de tudo, para evitar o non liquet (expressão latina que se aplicava nos casos em que o juiz não encontrava nítida resposta para decidir, e por isso, deixava de julgar).

O juiz, quando cria a norma individual, deve fundamentá-la. Esse dever, como se sabe, está expresso até mesmo na Constituição Federal (art. 93, IX). A legitimidade da decisão jurisdicional depende não apenas do convencimento do juiz, mas da racionalidade da sua decisão com base no caso concreto, nas provas produzidas e na convicção que formou sobre a situação de fato e de direito, explana Marinoni (apud MESSIAS, 2013).

Ao formar o seu próprio convencimento, logo em seguida o magistrado deve exercer a função criativa de maneira fundamentada, visando a persuasão das partes e da sociedade no sentido da bem feitura da decisão. Importante ressaltar que o entendimento firmado em uma decisão pode com o tempo ser superado, pois Justiça não é religião, não se baseia em dogmas. As decisões judiciais, por mais bem feitas que seja, podem ser tranquilamente superadas, como nos casos de overruling e overriding dos precedentes judiciais (MESSIAS, 2013).

A criatividade judicial, na visão de Messias (2013) possui duas dimensões: quando o juiz decide, cria a norma jurídica individualizada do caso (contida no dispositivo da decisão) como também cria a norma jurídica geral do caso (contida na fundamentação da decisão). É imprescindível que o juiz produza um discurso que atinja as duas plateias: as partes e a comunidade. Quando atingida a comunidade, pode-se considerar a decisão como um precedente judicial (ratio decidendi), tornando-se uma norma jurídica geral construída a partir do raciocínio dedutivo que pode servir como diretriz para demandas semelhantes (DIDIER JR., 2013 apud MESSIAS, 2013).

É por este motivo o grande prestígio dado atualmente à força normativa das decisões judiciais, fortalecendo o sistema do stare decisis brasileiro e imprimindo maior segurança jurídica e isonomia aos jurisdicionados.

A ideia da criatividade judicial é abraçada pelo legislador, segundo Messias (2013), pois ao observar que não tem como prever todas as situações possíveis da realidade, autoriza ao Judiciário, que de maneira cooperativa e atento aos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, criará a norma que, de fato, regulará as relações jurídicas da sociedade. Não se pode negar a tendência do Judiciário em adotar, como método interpretativo preferido, o método tópico-problemático em detrimento do método hermenêutico-concretizador. Diante dessa afirmação percebe-se que cada vez mais o Judiciário parte do problema para a norma, e não da norma para o problema.

No mesmo sentido, Andrade (apud MESSIAS, 2013) ensina que a função jurisdicional é uma atividade genuinamente criadora, pois, a concepção da sentença ou da decisão como sinônimo de silogismo caiu em descrédito, em virtude da defesa da ideia de que a obra do órgão jurisdicional traz sempre, em maior ou menor medida, um aspecto novo, o qual, não estava contido na norma geral.

Todavia, Messias (2013) alerta para o fato de que a criatividade jurisdicional, apesar de imprescindível, não é ilimitada. Possui dois grandes limites: o direito positivo propriamente dito (leis, decretos, tratados, Constituição, etc.) e o próprio caso concreto. O juiz, no exercício da atividade criativa, não poderá jamais decidir além do pedido (decisões extra ou ultra petita). Portanto, ainda que fundamental o uso da criatividade jurisdicional, esta não pode fugir dos limites delimitados pelo ordenamento jurídico.

3.4 O que teríamos, o que perdemos e o que vamos ter

Durante a elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, já na exposição de motivos, percebia-se a preocupação dos idealizadores da nova lei com a tutela da segurança jurídica e com a uniformidade da jurisprudência (MACÊDO, 2015).

Na justificativa do novo código, houve severa crítica à jurisprudência disforme, seja em relação aos jurisdicionados tratados de forma diferente em situações substancialmente idênticas, seja em relação àqueles que planejaram sua situação conforme o entendimento dos tribunais e viram o seu direito mudar de posicionamento. A insegurança nas decisões judiciais, assim foi tratada no anteprojeto: “gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade” (MACÊDO, 2015).

Na primeira passagem do projeto de lei no Senado Federal, a disciplina dos precedentes judiciais continuou tímida. Não havia menção sequer ao termo “precedente judicial”. Todavia, desde a primeira versão, já constava os deveres de uniformidade e estabilidade atribuídos aos tribunais, apresentando-se como material necessário para a construção do stare decisis brasileiro, ou seja, o dever geral de os tribunais dialogarem com os seus precedentes e, sobretudo, o dever de seguirem os precedentes do STF e dos tribunais superiores, destaca Macêdo (2015).

Na Câmara dos Deputados, após o envio do projeto do Senado Federal, o texto recebeu muitas modificações, inclusive no que tange ao regime dos precedentes judiciais. Afirma Macêdo (2015) que houve um incremento substancial da qualidade do texto, ao qual foram acrescentados uma série de disposições específicas para a compreensão e aplicação adequada dos precedentes judicias obrigatórios.

Nessa fase, a versão da Câmara dos Deputados inseriu um capítulo próprio “Do precedente judicial”, logo após as regras sobre decisão judicial, no título dedicado ao “Procedimento Comum”. Informa Macêdo (2015) que essa mudança traz força simbólica importante, destacando o tema e ressaltando a novidade.

Ainda na Câmara dos Deputados, além dos deveres de uniformidade e estabilidade inseridos no projeto, incluiu-se também os importantes deveres de integridade e coerência, atribuídos aos tribunais como meio de instituir o stare decisis brasileiro. Em conjunto com o dever de edição de enunciados de súmula, já presente na versão vinda do Senado Federal, acresceu-se que os enunciados fossem editados conforme as circunstâncias fáticas dos precedentes que autorizavam sua criação, evitando-se que a súmula seja elaborada de forma excessivamente abstrata, em semelhança a um dispositivo legal (MÂCEDO, 2015).

O projeto do CPC aprovado na Câmara dos Deputados trazia um rol de precedentes obrigatórios, visando a concretização dos deveres de uniformização, estabilidade e coerência. Nesse rol, situam-se os precedentes advindos dos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, bem como os precedentes formados pelo plenário do STF, em controle difuso de constitucionalidade, e pela Corte Especial do STJ, em matéria infraconstitucional (MACÊDO, 2015).

Em conjunto com tais normas, outras foram inclusas ainda na Câmara dos Deputados, tais como o dever de fundamentação adequada e específica na superação de precedentes, a possibilidade de modulação da eficácia temporal dos novos precedentes, o dever de fundamentação adequada na formação e aplicação dos precedentes judiciais, a publicidade qualificada dos precedentes, a ideia de ratio decidendi e de obiter dictum (parte obrigatória e não obrigatória do precedente), a expressa permissão para realização de distinções, procedimentos qualificados para a superação de precedentes (os quais previam forte participação), e a disciplina das razões suficientes para uma modificação de norma advinda de precedente judicial, assim elenca Macêdo (2015).

Entretanto, ensina Macêdo (2015), um revés ocorre para o sistema do stare decisis, pois quando a matéria retorna ao Senado Federal para votação definitiva do projeto, foi aprovada uma lei bem pior do que se esperava em matéria de precedentes judiciais. O tema restringiu-se de forma acanhada nos artigos 926 e 927 do novo CPC, juntamente com as disposições do art. 489, § 1º, incisos V e VI.

Todo o capítulo criado exclusivamente para tratar dos precedentes judiciais foi excluído, voltando a regulação do tema para as disposições gerais do título dedicado ao “Processo nos Tribunais”. As únicas duas menções ao termo “precedentes judiciais” estão no dispositivo que estabelece o requisito de a súmula respeitar as circunstâncias fáticas do precedente que lhe autorizou, e no que menciona o dever de publicidade qualificada (MACÊDO, 2015).

As grandes perdas para o sistema do stare decisis brasileiro foram: a determinação de que os tribunais sigam os precedentes do STF em matéria constitucional, o dever de observância das decisões da Corte Especial do STJ em matéria infraconstitucional, a referência dos precedentes no que toca aos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, as regras sobre ratio decidendi e obiter dictum, e a disposição que tratava de forma geral das razões suficientes para a superação dos precedentes (MACÊDO, 2015).

Seguindo a tendência das modificações, o termo “precedente” foi substituído por “jurisprudência”, que não podem ser considerados como sinônimos. Enquanto a teoria dos precedentes trabalha a partir da importância de uma única decisão para a produção de Direito, a força normativa da jurisprudência, em sentido contrário, pressupõe a inexistência de relevância da decisão em sua unidade, sendo a autoridade somente apresentada a partir de um grupo de precedentes, ou seja, uma repetição de julgados no mesmo sentido, esclarece Macêdo (2015).

No entanto, foram mantidos no novo CPC os deveres de uniformidade, estabilidade, integridade e coerência, bem como a modulação de efeitos. Macêdo (2015) ressalta a possibilidade da construção do sistema do stare decisis brasileiro, mesmo com todas as alterações sofridas no projeto, através do esforço doutrinário e jurisprudencial, mediante uma interpretação evolutiva do conceito de “jurisprudência”, compreendendo como “precedente”.

Macêdo (2015) considera o artigo 926 do novo CPC como porta de entrada para o sistema dos precedentes obrigatórios, sendo logo seguido pelo artigo 927. Transcrevem-se tais artigos para melhor análise.

Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

A formação da jurisprudência no Judiciário brasileiro deve ser norteada pelo princípio da coerência, assim determina o artigo 926 do novo CPC. A coerência é elemento central para a garantia da própria integridade do direito (DWORKIN, 2013 apud SOUZA NETO, 2015, p. 71).

Embora a lista efetivamente presente no artigo 927 não preveja os precedentes do STF sobre matéria constitucional e nem os do STJ em matéria infraconstitucional, devem estes serem considerados obrigatórios por força do direito fundamental à segurança jurídica. O rol presente no artigo 927 é meramente exemplificativo, devendo os tribunais concretizá-lo em conformidade à Constituição Federal, que resguarda o princípio da segurança jurídica, da igualdade e da eficiência, todos plenamente aplicáveis à atividade jurisdicional (MACÊDO, 2015). Constata Macêdo (2015) que não se concebe que um juiz de primeiro grau possa julgar em desconformidade a um precedente do STF em recurso extraordinário sem fazer uma distinção (distinguishing).

No inciso I do artigo 927, juízes e tribunais deverão observar “as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade”. Trata-se de dispositivo que confere força obrigatória aos precedentes do STF produzidos em processo de controle concentrado de constitucionalidade. Não se trata de exigência de respeito à coisa julgada produzida nesses processos, até porque não faria sentido uma previsão como essa, afinal: todos têm que respeitar a coisa julgada, sobretudo quando erga omnes; o rol do artigo é de precedentes obrigatórios, não de hipóteses de formação da coisa julgada (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 464).

Por isso, o enunciado 168 do Fórum Permanente de Processualistas Civis esclarece que são os fundamentos determinantes (ratio decidendi) do julgamento da ação de controle concentrado de constitucionalidade que produzem o efeito vinculante de precedente para todos os órgãos jurisdicionais (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 464).

Os incisos II e IV do artigo 927 do novo CPC estabelecem que os juízes e tribunais deverão observar os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional (inclusive os de súmula vinculante) e do STJ em matéria infraconstitucional. Observar tais enunciados é observar a ratio decidendi dos precedentes que os originam (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 465).

No inciso III do artigo 927 do novo CPC, os juízes e tribunais deverão observar “os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”. A previsão de incidente processual para a elaboração de precedentes obrigatórios (arts. 489, § 1º, 984, § 2º e 1.038, § 3º do novo CPC), com natureza de processo objetivo é uma espécie de formação concentrada desses precedentes (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 465).

Na formação desses incidentes, todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida haverão de ser enfrentados. O contraditório é ampliado, com audiências públicas e a possibilidade de participação de amicus curiae (arts. 138; 927, § 2º; 983; 1.038, incisos I e II, todos do novo CPC) (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 465).

O inciso V do artigo 927 do novo CPC prescreve que juízes e tribunais devem seguir “a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”. Observam-se duas ordens de vinculação: a interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte; a externa, aos demais órgãos de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 466).

Portanto, os precedentes do plenário do STF, sobre matéria constitucional, vinculam todos os tribunais e juízes brasileiros; os do plenário e órgão especial do STJ, em matéria de direito federal infraconstitucional, vinculam o próprio STJ, bem como os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais de Justiça e juízes (federais e estaduais) a ele vinculados; o do plenário e órgão especial do TRF vinculam o próprio tribunal, bem como juízes federais a ele vinculados; e os do plenário e órgão especial do TJ vinculam o próprio tribunal, bem como juízes estaduais a ele vinculados (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 467).

O artigo 489, em especial seu § 1º do novo CPC também demonstra sua importância para a construção do sistema do stare decisis. Cita-se a seguir.

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

O texto do artigo 489 permite maior densidade e aplicabilidade no dever constitucional de fundamentação da decisão, garantia inerente ao Estado Democrático de Direito. Baseado na participação, a fundamentação prevista no dispositivo corresponde com um contraditório centrado no efetivo dever de o Judiciário responder os argumentos das partes (MÂCEDO, 2015).

O novo CPC traz o resgate do dever de fundamentação, determinando que não é fundamentada qualquer decisão que se encaixe nos incisos V e VI do artigo em estudo, podendo se afirmar que o artigo supracitado é um dos dispositivos mais importantes do Código, uma verdadeira resposta combativa à prática de fundamentar insuficientemente ou arbitrariamente, tão corriqueira nos tribunais superiores (MÂCEDO, 2015).

No mesmo sentido Câmara (2015) ensina que o novo CPC “desenhou” o que a rigor sequer precisava ser dito, pois a fundamentação da decisão resulta diretamente da Constituição, sendo nula toda e qualquer decisão que falte fundamentação, seja de que natureza for. Destaca-se a nulidade da decisão que deixa de enfrentar todos os argumentos deduzidos pela parte capazes de, em tese, infirmar as conclusões alcançadas pelo órgão julgador, ponto que merece todo o destaque por sua transcendental importância no Estado Democrático de Direito.

Na visão de Souza Neto (2015, p. 68), o §1º do artigo em estudo contempla a motivação da decisão do magistrado, o qual deve levar em conta a jurisprudência, mas também deve expor as razões que o levaram a aderir ou não a ela. O que mais importa é a fundamentação, expressando a própria formação de seu convencimento.

O inciso IV carrega grande conteúdo, ao obrigar os tribunais superiores à observância de sua própria jurisprudência, gerando incremento de racionalidade nas deliberações. A jurisprudência não deve variar conforme a composição das cortes, mas tampouco ser engessada, podendo avançar na medida em que o diálogo com os precedentes e o enfrentamento de suas teses jurídicas imponham mudanças de entendimento (SOUZA NETO, 2015, p. 69).

O parágrafo 2º do mesmo artigo tem como função exigir do juiz a mais ampla justificação do percurso hermenêutico que o levou a decidir em determinado sentido e não de outro, dando concretude ao que exige a Constituição (art. 93, inciso IX). Deve ser este parágrafo entendido em sintonia com o mandamento constitucional que estabelece o dever de fundamentar as decisões judiciais. Deve ainda ser recebido como uma garantia a mais ao cidadão, não apenas para compreender a ratio decidendi que lhe interessa diretamente, mas sim para dispor de instrumento capaz de impugnar eventual decisão que não observe adequadamente o preceito constitucional que lhe assegura conhecer os fundamentos da decisão judicial (SOUZA NETO, 2015, p. 70).

Adverte Didier Jr., Oliveira e Braga (2015, p. 447) que não bastasse a exigência constitucional de a decisão judicial ser devidamente motivada, é preciso que o órgão jurisdicional, máxime os tribunais superiores, tenham bastante cuidado na elaboração da fundamentação dos seus julgados, com rigorosa observância do artigo 489, §§ 1º e 2º do novo CPC, pois, a prevalecer determinada ratio decidendi, será possível extrair, a partir dali, uma regra geral a ser observada em outras situações.

Com a boa aplicação dos dispositivos (art. 926, 927 e 489), o Judiciário brasileiro poderá construir a obrigatoriedade dos precedentes judiciais, trabalhando com os conceitos de ratio decidendi e de obiter dictum, aplicando as técnicas de distinções (distinguishing), da superação dos precedentes (overruling), entre outras constantes no stare decisis (MACÊDO, 2015).

Em consonância, Câmara (2015) explana que a construção de um sistema de produção de decisões judiciais, especialmente para as causas repetitivas, baseado nos precedentes aos quais se atribuí eficácia vinculante, possibilita a eliminação de uma cacofonia jurisprudencial no Judiciário brasileiro. A todo instante, jurisdicionados e a sociedade deparam-se com casos rigorosamente iguais recebendo decisões completamente diferentes, como se isto fosse normal ou correto. Complementa Câmara (2015) que casos iguais devem receber idênticas soluções (to treat like cases alike), e o novo Código se encarrega de estabelecer mecanismos destinados a assegurar que isto ocorra.

Apesar da derrocada dos precedentes judiciais no decorrer do processo legislativo – da construção de um sistema aperfeiçoado e cuidadoso implementado na Câmara dos Deputados – o novo CPC saiu para um não-sistema de precedentes, no qual os jurisdicionados estão sujeitos a conviverem em situação intolerável, com a incerteza da jurisprudência lotérica (MACÊDO, 2015). Mas ainda restam esperanças no que foi preservado, sendo possível a construção do stare decisis brasileiro, o qual pode garantir adequadamente segurança jurídica, igualdade e eficiência jurisdicional.

3.5 Enunciados da ENFAM sobre a aplicação do stare decisis no novo CPC

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) divulgou 62 enunciados que servirão para orientar a magistratura nacional na aplicação do novo Código de Processo Civil. Os textos foram aprovados por cerca de 500 magistrados presentes durante o seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, entre os dias 26 e 28 de agosto de 2015 (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2015).

Transcreve-se a seguir os enunciados relevantes ao sistema do stare decisis brasileiro.

[...]

7) O acórdão, cujos fundamentos não tenham sido explicitamente adotados como razões de decidir, não constitui precedente vinculante.

8) Os enunciados das súmulas devem reproduzir os fundamentos determinantes do precendente.

9) É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.

10) A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa.

11) Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332.

12) Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante.

13) O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios.

[...]

19) A decisão que aplica a tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a correlação fática entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada.

20) O pedido fundado em tese aprovada em IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) deverá ser julgado procedente, respeitados o contraditório e a ampla defesa, salvo se for o caso de distinção ou se houver superação do entendimento pelo tribunal competente.

21) O IRDR pode ser suscitado com base em demandas repetitivas em curso nos juizados especiais.

[...]

44) Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema.

[...]

47) O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizado especiais.

[...]

Observa-se que o enunciado 7 trata em definir a presença da ratio decidendi de forma explícita no acórdão do julgado, para que se constitua de fato como precedente vinculante. O enunciado 8 propõe observância à qualidade na criação dos enunciados das súmulas, presente no artigo 926, § 2º do novo CPC, os quais devem reproduzir os fundamentos determinantes do precedente, ou seja, devem constar a ratio decidendi do caso.

No enunciado 9 constata-se a necessidade da parte em provocar e demonstrar o distinguishing ou o overruling, conforme prevê o artigo ao qual faz referência, apontando jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula que embase sua tese, a fim de ver seu caso julgado de forma diversa.

O enunciado 10 trata da questão da fundamentação disposta no artigo 489, § 1º, inciso IV do CPC/2015. O enunciado prevê que a fundamentação sucinta é permitida, desde que se aborde todas as questões cuja resolução do caso, em tese, influencie a decisão da causa. Em seguida, o enunciado 11 delimita quais são os tipos de precedentes que podem ser invocados para a aplicação do distinguishing ou do overruling nos casos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI do codex em estudo.

Nos enunciados 12 e 13 há a relativização da aplicação do artigo 489, § 1º, inciso IV, pois desobrigam o juiz a enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo, quando já tiverem sido analisados na formação dos precedentes obrigatórios. Ou seja, não precisará o magistrado repetir o que já está no precedente utilizado para a decisão do caso. E também não há ofensa à norma quando a decisão não analisar questões cujo exame foram prejudicadas na análise anterior da questão subordinante.

Nos julgamentos de casos repetitivos, os enunciados 19 e 20 explanam que a decisão que aplica a tese jurídica não necessita enfrentar os fundamentos já analisados no caso paradigma, bastando a similaridade dos fatos e do direito entre o caso concreto e o precedente no incidente. Somente não será julgado procedente o incidente de resolução de demandas repetitivas se demonstrados o distinguishing ou o overruling, respeitando o contraditório e a ampla defesa.

Não menos importantes, os enunciados 21, 44 e 47 tratam da aplicação do incidente de resolução de demandas repetitivas e do artigo 489 do novo CPC no sistema dos juizados especiais. O incidente é admitido com julgamento realizado por órgão colegiado de uniformização e o artigo 489 do novo CPC não pode ser aplicado ao sistema dos juizados especiais.


4 CONCLUSÃO

Diante do exposto, observa-se que o sistema do stare decisis, advindo do common law, demonstra toda sua força no decorrer do tempo, na sua inserção gradual dentro do civil law. É inegável que o sistema do stare decisis está cada vez mais inserto no ordenamento jurídico brasileiro. Visualizava-se alguns traços desse sistema no Código de Processo Civil de 1973 e suas alterações posteriores, especialmente em virtude da constitucionalização que o processo civil vivenciou diante da tão conhecida Constituição Cidadã de 1988.

A adoção do stare decisis no Direito Brasileiro era uma questão de tempo; e o nosso ordenamento jurídico está cada vez mais próximo da efetivação desse sistema. Não se pode mais tolerar que o magistrado decida como bem entenda, apenas citando alguns artigos, trechos de decisões judiciais, súmulas, sem a devida observância a uma correta fundamentação, e sem qualquer conexão aos precedentes já estabelecidos em decisões anteriores.

O precedente judicial, instrumento principal do sistema do stare decisis, juntamente com seus demais institutos (ratio decidendi, obiter dictum, distinguishing, overruling etc.), poderá propiciar aos jurisdicionados, aos operadores do Direito, e em especial, a toda sociedade, um contato mais realístico com o dever de Justiça, o qual deve ser perseguido e atingido pelo Poder Judiciário.

Nesse sistema, observam-se diversas técnicas que permitem corrigir as imperfeições advindas dos precedentes, instrumentos que possibilitam a inovação do Direito com a prudência devida, propiciam ainda aos cidadãos o respeito aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, em suma, poderá a sociedade alcançar um novo patamar na qualidade e eficiência da administração da Justiça.

O novo Código de Processo Civil possibilitará atender as principais súplicas dos jurisdicionados: a segurança jurídica e a celeridade nos julgamentos dos processos. Permitirá ainda maior uniformidade das decisões a processos semelhantes e a implantação de instrumentos que reconheçam e positivem os precedentes judiciais.

Obviamente, esse novo codex não é perfeito, pois muito do sistema do stare decisis foi perdido na tramitação do projeto de lei nas casas legislativas. Mas essa perca é decorrência natural da forma de operar das instituições democráticas. E bem como foi aventado nesse trabalho, ainda será possível a implantação do stare decisis com os dispositivos que permaneceram no novo CPC, mas principalmente, com o esforço doutrinário e jurisprudencial no sentido de dar força e voz ao precedente judicial.

Nas brilhantes palavras de Souza Neto (2015, p. 70), o novo Código de Processo Civil aponta a um duplo objetivo: por um lado, cria mecanismos que conferem celeridade na tentativa de desafogar as pilhas de processos que abarrotam o Poder Judiciário todos os anos; por outro lado, ao tempo em que oferece instrumentos que priorizam o mérito das decisões, exige do juiz maior racionalidade e qualidade em seus julgados.

Ribeiro (2015, p. 77) entende que o raciocínio com base em precedentes está presente em todo o texto, sendo o respeito à jurisprudência verdadeiramente uma marca do novo código. É parte de uma estratégia geral de conferir maior previsibilidade e estabilidade às decisões, o que se traduz em maior segurança jurídica e em celeridade.

Em conclusão, a adoção do sistema do stare decisis no direito brasileiro e a obediência ao precedente judicial apresentam-se salutares quando estes estão em concordância com o ordenamento jurídico vigente. Há uma oportunidade ímpar da comunidade jurídica brasileira abraçar esse sistema e o novo CPC, transformando na prática o Direito Processual Civil em sinônimo de respeito à segurança jurídica, à isonomia dos jurisdicionados, à celeridade processual e à excelência na fundamentação das decisões judiciais.


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Informações sobre o texto

Monografia apresentada à Escola Superior da Magistratura do Estado do Piauí como requisito para a obtenção do título de Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NORMANDO, Pablo Edirmando Santos. O sistema do stare decisis no direito brasileiro e as implicações do novo Código de Processo Civil na adoção dos precedentes judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4634, 9 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46506. Acesso em: 26 abr. 2024.