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O aniversário da Constituição brasileira e as esperanças nas instituições democráticas

O aniversário da Constituição brasileira e as esperanças nas instituições democráticas

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Balanço constitucional nos 28 anos de vigência da Carta Política. Apanhado histórico. Relação institucional dos poderes e o fenômeno da judicialização. Bases para um projeto de densidade democrática e republicana. Correlação entre legalidade e sociedade.

Resumo: Em cinco de outubro de 2016 a Constituição Federal da República Federativa do Brasil completa vinte e oito anos de existência e vigência. O artigo faz um apanhado histórico da situação política anterior à promulgação da Carta e os eventos e circunstâncias que determinaram sua identidade. Analisa as expectativas e as frustrações que, ciclicamente, vieram a se repetir a cada dia e a cada ano de sua vigência. Identifica a questão política mais relevante da atualidade em relação à harmonia e independência dos poderes republicanos. Supõe que o comportamento institucional da teoria tripartite vem influenciando as intenções programáticas da Carta e sua realização na vida social, em particular sob os influxos de vetores internacionais e da coercitividade dos sistemas econômicos contemporâneos, em destaque, o neoliberalismo e a concepção do Estado mínimo. Confere a comunicação destaque para a judicialização como fenômeno político que se entrelaça com a realidade social, determinando a proeminência judicial. Conclui com insumos para um projeto democrático e de governabilidade por meio de densa legitimidade estatal implementada pela correlação entre expectativas e benefícios sociais esperados, muito além das dicções da legalidade do texto constitucional.

Sumário: 1 Introdução. 2 A gênese da Constituição de 1988. 3 O balanço da Constituição de 1988. 4 A frustração institucional. 5 O novo perfil da teoria da separação dos Poderes. 6 A visão programática da Constituição atual. 7 A Constituição e o neoliberalismo. 8 A supremacia do Judiciário e o fenômeno da judicialização. 9 Conclusão. 10 Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O tema sugere a reflexão dirigida ao balanço1 da repercussão jurídica, social e política pelo transcurso dos vinte e oito anos desde a promulgação da Carta de 1988, com aniversário consolidado no último dia cinco de outubro. Ao adotar-se o aludido critério urge a imperiosa avaliação do resultado, através de crítica alicerçada na transmutação do regime ditatorial para o Estado Democrático de Direito abraçado pela Assembléia Constituinte.

Nesse diapasão, deve-se verificar a congruência entre a abstração humana do regime de governo democrático com a realidade social que ele visa reger, para a efetiva legitimidade de atuação das possibilidades e dos limites da nova ordem constitucional como forma de regulação social.2

De efeito, inobstante as multifárias conseqüências da revolução constitucional promovida pela Constituição de 1988, essencialmente, deve-se centralizar o ponto de investigação entre a relação causal da efetividade do ius cogens e a cristalização do sentimento constitucional3 capaz de estabelecer a paz social e a segurança jurídica, princípios instrumentais para alcançar-se o sobreprincípio gizado no preâmbulo4 da Constituição cidadã do Brasil: a sociedade fraterna.5


2. A GÊNESE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

A luta pela normalização democrática e pela conquista do Estado de Direito Democrático começara assim que se instalou o golpe de 1964 e especialmente o Ato Institucional nº 5, instrumento mais autoritário da história política do Brasil. Tomara, porém, as ruas a partir da eleição de governadores e 1982. Intensificara-se quando, no início de 1984, as multidões acorreram entusiásticas e ordeiras aos comícios em prol da eleição direta do Presidente da República, interpretando o sentimento da Nação, em busca do reequilibro da vida nacional, que só poderia consubstanciar-se numa nova ordem constitucional que refizesse o pacto político-social.6

Como atenta José Afonso da Silva: “É a Constituição cidadã, na expressão de Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania”.[7]

A despeito do tema, vale trazer à colação homenagem póstuma do Juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região Arnaldo Esteves Lima8 ao Capitão dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, verbis: “Como se sabe, em 05.10.88, sob a presidência do insigne deputado federal Dr. Ulysses Guimarães, a Assembléia Nacional Constituinte promulgou a vigente Constituição, que muito inovou em nosso ordenamento jurídico-institucional. Seu texto, como não poderia deixar de ser contém princípios que lhe são, por natureza, próprios, tanto material quanto formal. A par disso, existem normas outras, e várias, que melhor encontrariam sua disciplina na legislação infraconstitucional. Observe-se, todavia, que as regras constitucionais, formalmente, pelo nosso sistema, têm igual hierarquia, pouco importando a maior ou menor nobreza - sob o prisma jurídico - existente entre elas. [...]Alvo de elogios por seu conteúdo essencialmente democrático mas, também, de críticas, no sentido construtivo, por sua prodigalidade na proclamação de direitos que o Estado ainda não tem condição de assegurar, a mesma já sofreu vinte e cinco Emendas e várias outras se prenunciam, tudo visando, ao que se sustenta, adequá-la à realidade nacional. [...] É impossível, este não é o propósito, realçar tudo de bom que a mesma acrescentou à nossa ordem normativa. É certo, porém, que tal ocorreu, abundantemente. Seu texto, igualmente, reclama alterações, supressões etc., o que vem sendo feito pelo órgão competente, que é o Congresso Nacional. É inegável que seu advento valeu a pena e seu décimo aniversário não pode ser esquecido, inobstante coincidir com as eleições (04/10) e a ‘crise financeira internacional’, pois ela é muito importante para o nosso país, ao inseri-lo, definitivamente, no rol das Nações Democráticas, após período de turbulências institucionais que, no momento, não vem a pêlo recordar. Finalmente, por justiça, é de se lembrar que a forte associação que existe entre a ‘Constituição-Cidadã’ e o saudoso brasileiro Dr. Ulysses, recomenda que, ao saudá-la pelo decurso de uma década de existência, a sua memória seja, igualmente, reverenciada, como preito de reconhecimento e agradecimento pelo importantíssimo trabalho daquele expressivo homem público que, tão obstinadamente, presidiu a última Constituinte.”


3. O BALANÇO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

A Assembléia Nacional Constituinte, na transição política entre a ordem constitucional de ditadura imposta pelo regime militar e o Estado Social de Direito, acabou por politizar a essência da aspiração ideológica de liberalização do Brasil.9

Dessa forma, o Constituinte de 1988 cometeu seu primeiro pecado ao praticar a juridicização do fato político denominado democracia, não resistindo à tentação de legislar casuisticamente, o que entendeu ser o instrumental capaz de estabelecer o welfare state, esquecendo-se que o processo de democratização divide-se em etapas e que jamais será consolidado.10

Esse afã de normatizar o incansável11 está demonstrado no vetusto art. 5º onde o constituinte regulou, em seus inúmeros incisos, os direitos e garantias individuais para, como a demonstrar sua rendição ao impossível desiderato de elencar, mesmo a título de numerus clausus, os direitos naturais12 imanentes ao ser humano, estabelecer em seus parágrafos a auto aplicabilidade e a não-exclusão de outras garantias, inclusive as reconhecidas pelos tratados internacionais.

Sem embargo, a Constituição-Cidadã não foi pautada na inteligência das implicitudes, como já foi adjetivada a Constituição estadunidense, lançando-se ao desafio da explicitação dos direitos e das limitações, equívoco despercebido e que ensejou o seu curto fôlego histórico.13

A Assembléia Nacional não atentou na subordinação necessária e imperativa à teoria da legislação da qual as regras de direito são instrumentos práticos, em especial as constitucionais, elaborados e construídos por homens, para que, mediante seu manejo, produzam na realidade social uns certos efeitos, precisamente em cumprimento dos propósitos concebidos.14

A essência dessa doutrina está sintetizada na necessária utilidade pública das regras de direito, na esteira da exigência pioneira que se continha no artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789, princípio agasalhado pelo artigo 179, inciso II, da Constituição Imperial do Brasil de 1824, dando assento histórico ao determinar que “Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública.”[15]

O desatendimento às premissas básicas, no momento sublime da corporificação da novel Constituição, teve o condão de, em uma análise prospectiva da época, criar a dualidade irremovível entre o direito e a realidade, rompendo necessário equilíbrio na tensão existente na linha imaginária de interseção, como já advertira Konrad Hesse, do inevitável extremo da norma vazia de realidade ou da realidade vazia de normatividade.16

Em síntese, os méritos trazidos pela inovação topográfica com preferência aos direitos e garantias individuais17, a inserção da cláusula mágica do due process of law[18], a prevalência dos direitos humanos19 e outras conquistas transformadas em cláusulas pétreas em decorrência da adoção da regra programática externadora da justiça social, como realçado por Sérgio Zveiter quando a Carta completava dez anos de vigência, retrato que pouco se alterou, razão da relevância de suas palavras: “Há dez anos o país e a cidadania reconquistavam sua plena capacidade, com a outorga de uma nova Constituição. De lá para cá, não têm faltado vozes que condenam, com maior ou menor ênfase, o diploma fundamental. Impõe-se, contudo, uma avaliação isenta dos dez anos de vivência de nossa Lei Fundamental. Cumpre não olvidar o momento histórico em que foi partejada. Recém-saímos das trevas de prolongada ditadura militar. Inevitavelmente, uma nova Constituição seria o estuário das ânsias libertárias. Haveria, até, o risco dos excessos e a forte possibilidade do exercício do delírio romântico político-institucional. Nada disso, contudo, desqualifica um texto de tal natureza e majestade. As constituições, tais como os homens, são somatórios de sua essência e de suas circunstâncias. No confronto dessas vertentes, cremos perfeitamente adequado dizer que a Carta de 1988 tem um elenco de virtudes bem superior ao de seus defeitos. [...] Todavia, o essencial reside em que, por primeira vez, na História, os poderes do Estado restaram realmente independentes e autônomos. Doutra parte, fortaleceram-se expressivamente as instituições do Ministério Público e da Advocacia, como pilares essenciais da realização do ideal de justiça e de canalização dos anseios da cidadania. [...] Mas o problema não está na Constituição que, em tais segmentos, era correta e elogiável, quando foi promulgada. O que ocorreu foi uma dinâmica, em plano global, tão vertiginosa que os pilares ideológicos, materiais e estruturais, aplicáveis a tais campos, envelheceram prematuramente. Fato que não invalida o trabalho exemplar antes feito, nem autoriza a crítica raivosa dos iconoclastas por mero amor à arte da destruição.”


4. A FRUSTRAÇÃO INSTITUCIONAL.

Em relação à averiguação dos objetivos institucionais e normativos pretendidos pela transformação política operada pela promulgação da Constituição-Cidadã, temos reconhecido a frustração da ideologia democrática, com o distanciamento para a efetiva concretização de justiça distributiva e comutativa.20

A nossa Carta retrata hoje, do mesmo modo que se comportou durante cada dia desses vinte e oito anos, o simbolismo decadente do sonho pela realização de democracia, uma vez que cedeu sua força política aos homens que exercem os Poderes Republicanos, despersonalizando-se de um Documento social21 para o que Canotilho denomina como Constituição econômica, servindo como instrumental para a realização do neoliberalismo.22

Dessa forma, toda a diretriz constitucional converge para a subordinação aos interesses e controle do big government e do big business, valendo a advertência de Eugênio Raul Zaffaroni que, “dentro da relatividade do mundo, a impossibilidade do ideal não legitima a perversão do real.”

Considerando a faceta formal da Constituição em vigor, a omissão legislativa de diversos dispositivos constitucionais que dependem de norma intercalar para sua efetividade social deixam desamparada a cidadania brasileira que não logrou alcançar, até o presente momento, direitos simbólicos invocados na Carta, a par dos remédios constitucionais que ela mesma prevê, no caso o mandado de injunção e a ação direta para declaração de inconstitucionalidade por omissão.23

Permanecendo nessa linha, a transfiguração sofrida pela Carta de 1988 pela força compulsiva do processo legislativo de Emendas vem causando duas conseqüências primordiais: a primeira é o rompimento da estabilidade necessária capaz de produzir o já denominado sentimento constitucional e a sua conseqüência imediata - o estabelecimento da paz e da segurança jurídica; a segunda, a transmudação da doutrina da separação dos Poderes24.


5. O NOVO PERFIL DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.

A par do ciclo histórico da evolução da teoria tripartite da separação dos Poderes, temos que o pragmatismo das relações políticas atuais impinge a análise da questão relativa à independência e harmonia dos Poderes da República do Brasil, diante da Lex Mater, notadamente no que tange ao controle recíproco das funções estatais.

A independência dos Poderes retrata, somente, o exercício da função imanente a cada Poder, por intermédio de sua estrutura burocrática, hierarquicamente sobposta sobre a cúpula de cada órgão máximo dos três Poderes.25

De outro lado, a harmonia preconizada pela doutrina de John Locke e Montesquieu e difundida no seio das constituições ocidentais, nada mais é do que a expressão da teoria ditada pela organização original do Estado Americano, relativamente aos freios e contrapesos (checks and balances), ou seja, o controle recíproco, a fim de se evitar o arbítrio de um deles.26

Entretanto, o exercício do neoliberalismo e a prática da linguagem pós-moderna, bem como os fenômenos da transnacionalização colocam novos desafios ao direito constitucional e à teoria das normas que lhe está subjacente.27

A separação de poderes, ao contrário dos motivos que embasaram o surgimento do Estado liberal, além de conservar a sua feição de antídoto para a limitação dos apanágios do governantes, assoma como sistemática de eficiência estatal em sua ação.

O Poder Legislativo, particularmente, requer maior agilidade na fiscalização da atividade financeira da administração e na elaboração de leis de regência da sociedade. Quanto ao Executivo, a dinâmica estatal contemporânea exige plataforma política voltada à justiça social, com expedito substancial à estrutura da sociedade civil, no que tange ao fornecimento de condições de acesso à educação, saúde, segurança pública, assistência e seguridade social.

Ao Judiciário, no limiar da transição para a era pós-moderna e na complexa sociedade tecnológica de nossos dias, as atividades de controle mudam de vetor, deixando de voltar-se primordialmente para o passado para ocupar-se do futuro. O Juiz passa a exercer, pelo clamor social, uma função socioterapêutica, liberando-se do apertado condicionamento imposto pela estrita legalidade e responsabilidade exclusivamente retrospectiva, obrigando-se a uma responsabilidade prospectiva, preocupada com a consecução de finalidades política das quais ele não mais se exime em nome do princípio da legalidade.28

Dessarte, a crise dos Poderes na atualidade brasileira, a denominada judicialização, decorre, essencialmente, da perda da diretriz social, cujo primado da fraternidade, como paradigma social da época contemporânea, é a capa protetória dos direitos da terceira geração. É, enfim, o único meio de equilíbrio entre a democracia e os efeitos transnacionais da globalização econômica.29

Porquanto, findou o estágio da humanidade com relação aos dogmas da liberdade, igualdade e fraternidade. E com ele morreu nosso documento corporificado como Constituição.30

No Brasil, atualmente, ao se falar sobre os Poderes da República, insta averiguar se os representantes governamentais têm a sensibilidade da consciência dos princípios superiores e inatos à pessoa humana, uma vez que o texto escrito no documento sublime da República do Brasil não expressa um comando restrito em si mesmo. Porém, representa mero instrumental para a realização de sobreprincípios31 democráticos, cujos conceitos encontram-se no intróito da Carta, como se anotou linhas atrás.32

Em suma, a reflexão sobre a gênesis do Estado moderno é, nos clássicos, o caminho de uma ampla reflexão sobre a gêneses da sociedade moderna e o exercício da interpretação das normas constitucionais, temperado com o sentimento humanístico - até porque, em política, interpretar é sempre um exercício de liberdade. Disse alguém que “A desgraça dos que não se interessam por política é serem governados pelos que se interessam33.


6. A VISÃO PROGRAMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO ATUAL.

A tendência moderna do estudo setorizado de instituições próprias do Estado, em virtude da complexidade dos fenômenos conjunturais da sociedade, tem levado à redução da cosmovisão no aperfeiçoamento das mesmas, já que suprime uma das facetas primordiais à compreensão e conseqüente evolução científica da organização sistêmica34, ofertando-lhe suporte axiológico hábil em conferir coerência interna e harmônica.

De sorte que, a preocupação com a solução dos conflitos sociais, a redução das desigualdades material e formal, enfim, o cumprimento de todo o complexo das funções do Estado, imprimindo-se apenas a regulação através de leis, tende a um ESTADO DE LEGALIDADE35, cuja ineficácia se atesta em face da dissensão na matriz organizacional do ente estatal, como estrutura orgânico-funcional do poder.

Nesse diapasão, imprescindível afigura-se o meio de interação entre a produção das funções do Executivo, do Legislativo e do Judiciário dentro da atual realidade - o estágio que se denomina pós-moderno36 e imprime às teorias da separação dos Poderes novos contornos37.

Na verdade, hodiernamente, ocorre a mudança no paradigma político-social, em razão da reorganização do setor de produção, percebida numa série de técnicas e estratégias para ajustarem-se à permeabilidade do atual conceito de fronteiras geográficas das soberanias38, retratadas pela competitividade, produtividade, reengenharia, downsizing, empowerment, global source, trabalho em team, customer driven production, just in time, empresa virtual, benchmark.[39]

Adverte Aymore Roque P. de Mello que a fragilidade da Carta, pela perda da decência de sua rigidez, está gerando o protagonismo político, encartado, hodiernamente, pelo Chefe do Executivo. Dí-lo: “O retorno às práticas democráticas recriou o Estado de Direito e, como conseqüência do desenvolvimento da consciência política nacional, desembocou na Assembléia Constituinte Originária que, em 1988, promulgou a denominada Constituição Cidadã, consagradora de substantivas conquistas da sociedade no plano das liberdades públicas, dos direitos sociais e de cidadania, dentre outros, grande parte fruto de históricos pleitos e árduas lutas do povo brasileiro. [...] Na área pública, as demandas sociais reprimidas revelam as distorções do Estado organicamente imperial, funcionalmente corporativo, economicamente deficitário e socialmente inadimplente; na área de iniciativa privada, escancarasse a selvageria e volatilidade dos capitais financeiros, a fragilidade do sistema bancário, a precariedade de sustentação econômica dos parques produtivos nacionais e, até por conseqüência, a insipiência e inconstância dos mercados de trabalho e de consumo, de par com altas taxas de desemprego, baixos níveis salariais, crescimento geométrico do mercado informal de trabalho e notável incremento nos índices de inadimplência empresarial e civil. No plano dos efeitos, este processo torna inescondível a situação concordatária, marcadamente pré-falimentar, do Estado brasileiro em todos os seus níveis e segmentos institucionais, públicos e privados. E porque inegável, a crise passa a mobilizar os principais e históricos atores da cena política nacional e estrutura um verdadeiro e litigioso processo de disputa pelo poder de produzir e direcionar a sua solução”.40


7. A CONSTITUIÇÃO E O NEOLIBERALISMO.

A Carta vem sendo manejada como se fosse a plataforma política inerente ao regime parlamentarista, onde o chefe do Poder Executivo conta com o apoio incondicional de seu “gabinete”, que, por mera questão circunstancial, é nominado, no Brasil, como Congresso Nacional e como Poder Republicano independente.

Esse retrato político tende a perverter a Constituição e tachá-la como empeço à diretriz econômica e salvadora da crise brasileira. Como exemplo, é contundente a avaliação do então subchefe jurídico da Casa Civil do Palácio do Planalto, Gilmar Ferreira Mendes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, em entrevista concedida à imprensa, do seguinte teor: “Se para o investidor externo as mudanças na Constituição, ao longo destes dez anos, auxiliaram a vinda de empresas estrangeiras, no plano interno ela é vista pelo governo como principal responsável pelo déficit nas contas públicas. É uma Constituição em que não se fez conta. Esqueceram-se de detalhes econômicos imprescindíveis, da reserva do financeiramente possível. Havia a idéia de que o Estado tudo poderia suportar. É possível que essa visão estivesse associada ao regime inflacionário, que dá a ilusão de que os problemas podem ser resolvidos mediante a emissão de moeda.”41 Parece que o tempo não passa.


8. A SUPREMACIA DO JUDICIÁRIO E O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO.

Decorridos todos esses anos da promulgação da Carta a profecia dos estudiosos foi confirmada em relação ao papel do Judiciário como o baluarte racionalizador do ideal democrático e a realidade emergente da sociedade brasileira, procedendo à efetividade dos direitos do homem reconhecidos pelos organismos supranacionais e ao alcance máximo das garantias expressas e implícitas ainda constantes no corpo moribundo da Constituição, apesar do enfrentamento ostensivo das forças poderosas da nação.42

O Poder Judiciário, dessa forma, consagra-se como força política43 essencial para conter as investidas econômicas sobre a sociedade brasileira, aplicando os princípios da Carta de forma justa, generosa, pacificadora e sempre coerente com a realidade social, na trilha da interpretação sociológica exaltada por Jean Carbonin.

A atuação altaneira e desassombrada dos juízes e tribunais, em especial os constitucionais, por meios de atos e procedimentos democráticos, acaba por legitimar o processo dialético e competitivo da organização política, atendendo, apesar de alguns tropeços, à inarredável convocação feita por Seabra Fagundes, citado por Carlos Roberto de Siqueira Castro ao Excelso Pretório: “A grandeza das instituições, como as dos lideres, não dispensa o arrojo, o idealismo e a consciência da própria destinação. O Brasil é muito grande para ter uma Corte Suprema presa às contingências menores da rotina, e o comportamento em que o temos se disfarça em imprudência. É preciso entender que a nação, que é grandiosa, não pede uma Corte Suprema vulgar, senão capaz de projetar-se para o seu bem, à altura de sua grandeza.”

Sem embargo, sufraga-se os elementos ideológicos inerentes à justiça social em prol da atividade econômica, protagonizando os órgãos burocráticos do Poder Executivo a posição de legisladores por excelência, engessando paulatinamente a atividade judicial, convertendo a doutrina do Estado na anomia denominada disfunção44, com pretensão de enveredar a consciência da população na perda de eficiência e do vínculo de eficácia, em razão da carência de provisão aos insumos originários do ambiente social (realidade).


9. CONCLUSÃO.

De efeito, a Carta Cidadã por mais que venha sofrendo suturas corpóreas, permanece com a alma impregnada do simbolismo democrático, e clama pela busca da essência dos valores atinentes ao social welfare rights cravados nos preceitos constitucionais. Nesse sentido: “La Constitución assegura una unidad del ordenamiento esencialmente sobre la base um ‘ordem de valores’ materiales expreso en ella y no sobre las simples reglas formales de producion de normas. La unidad del ordenamiento es, sobre todo, uma unidad material de sentido, expresada em umos principio generales de derecho, que o al intérprete toca investigar y descubrir o la Constitucion los há declarado de manera forma destacando entre todos, umos valores sociales determinados que se proclaman em el solemne momento constituyente como primordiales y básicos de toda a vida coletiva. Ninguna norma subordinada - y todas lo son para la Constitucion - poderá desconocer esse cuadro de valores báiscos y todas deberám interpretarse em el sentido de hacer posible com su aplicacion el servicio, precisamente, a dicho valores.”[45]

O fato de o Brasil adotar como princípios fundamentais a República, o Estado Democrático de Direito e a representação política para o exercício do regime político da democracia, por intermédio do sufrágio universal, não se traduz suficiente em si mesmo para a legitimidade necessária de subordinação espontânea do povo brasileiro às emanações legislativas.

Vale aqui a afirmação de Roberto Mangabeira Unger46 de que nós temos que entender a democracia como muito mais do que pluralismo político e accontability eleitoral de um Governo por parte do respectivo eleitorado. Concebido de forma mais ampla, o projeto democrático tem sido o esforço de efetuar o sucesso prático e moral da sociedade, mediante a reconciliação de duas famílias de bens fundamentais: o bem do progresso material, liberando-nos da monotonia e da incapacidade e dando braços e asas para nossos desejos, e o bem da emancipação individual, liberando-nos da opressão sistemática da divisão e hierarquia social que nos impede de lidar um com o outro como plenos indivíduos.

É necessário que o ordenamento jurídico seja decorrência de avaliação de políticas públicas pautada nos princípios elencados anteriormente, impedindo o efeito da contracultura legislativa, esse fenômeno da vida social moderna que põe em xeque a forte e enraizada tradição que relaciona o direito com a organização burocrática do poder, porque rompe o nexo de causalidade da fórmula de que a ligação de idéias é o edifício da razão humana (Beccaria).

Se a noção do belo depende da noção do feio, a consciência do direito decorre da consciência do não direito, do entuerto, do antidireito. Não se pode esquecer, nesta altura, a sabedoria do aforismo: contraria iuxta se posita magis clarescunt.47 O antidireito é a negação explícita ou implícita do direito positivo ou subjetivo, público ou privado, interno ou internacional. A luta pelo direito e a luta pelo antidireito constituem a dialética da qual vai resultar o futuro de cada ser humano e de toda a humanidade. Não há como fugir a uma, sem favorecer a outra.48

Dessa forma, sem pretender a utopia de eliminar a referida dialética, certo é que, cabe ao Poder Judiciário eliminar, ou pelo menos, de forma real, restringir o espaço de tensão entre a norma cogente e a sua eficácia cultural, social e econômica, reduzindo a resistência natural de dominação do injusto49, uma vez que a resistência sempre existirá, cabendo o equilíbrio de suas formas: “é um dever resistir à injustiça ultrajante que chega a provocar a própria pessoa, isto é, à lesão ao direito que em conseqüência da maneira que é cometida, contém o caráter de um desprezo pelo direito, de uma lesão corporal. É um dever do interessado para consigo próprio, porque é um preceito da própria conservação moral; é um dever para com a sociedade, porque esta resistência é necessária para que o direito se realize.”[50]

E, em arremate, com relação às questões circunstanciais da crise nacional, é preciso que o Judiciário avoque para si a responsabilidade imanente a seu status mitológico para solver a problemática metapolítica consubstanciada na tarefa de dizer what the law is, com toda a representação ideológica por ela traduzida, como único aparato no caminho peregrinado ao edênico Estado Social de Realização51, onde igualdade, liberdade, fraternidade e oportunidades de vida como instrumentais de justiça distributiva e comutativa, sejam elevados a valores da humanidade e que o Brasil alcance o patamar capaz de compartilhar a universalização desses ideais, que estão, conforme veredicto de Agnes Heller52, além da justiça.


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Notas

1 Essa diretriz foi proposta pelo professor Manuel Gonçalves Ferreira Filho, em palestra realizada no TRF da 2ª Região, no dia 19/10/98, em comemoração dos 10 anos de promulgação da atual Constituição, com o tema intitulado A Constituição da República Federativa do Brasil 10 Anos Depois: Um Balanço. Na apresentação o palestrante peregrinou pela efetividade das normas constitucionais, a inadequação em razão das emendas, a reeleição, a crítica ao sistema proporcional gerando muitos partidos e rachando a representação popular, a politização do Judiciário, o contencioso constitucional e a hegemonia da União. Em excelente editorial da edição do jornal O GLOBO do sábado próximo passado (dia 08.10.2016, 2ª edição, p. 04), o colunista Merval Pereira convidou o constitucionalista Gustavo Binenbojm, professor da UERJ, para descrever um balanço atual dos 28 anos de vigência da Constituição brasileira. O professor destaca, em resumidíssima síntese, que a partir de 1988, é preciso reconhecer os avanços civilizatórias à sociedade brasileira, como identificar gargalos que atravancam ou dificultam nosso desenvolvimento político, econômico e social. Nesse sentido, destaca o mérito de haver erigido o Estado brasileiro como uma poliarquia institucional, com órgãos independentes e com um nível inédito de institucionalidade, com reflexos positivos de respeito às leis, à impunidade e ao combate à corrupção. A Carta constitucional tornou mais republicana nossa administração pública, com exigência de publicidade, transparência, licitações e concurso público. Além disso, permitiu a alternância pacífica e democrática do poder político, com respeito às liberdades fundamentais e à diversidade. O acadêmico aponta falha no contexto da Constituição. Critica o funcionamento do regime político-partidário, excessivamente fragmentado e capturado por interesse de corporações e até facções criminosas, aponta a criação de um presidencialismo de coalizão que impõe custos elevadíssimos à governabilidade e, ao descer em minúcias orçamentárias e financeiras, o texto cria vinculações que não são realistas, em prejuízo, inclusive, para a federação que, segundo ele, não funciona porque permitiu o centralismo fiscal da União e a fraticida guerra fiscal entre os estados, além de ter aberto as portas para a proliferação desenfreada e oportunista de pequenos municípios. Ignora os limites financeiros do Estado e da sociedade para arcar com os benefícios dos direitos sociais, fruto de lobby de corporações e de sindicatos. Conclui o editorial, segundo Binenbojm que “o Brasil precisa compreender que levar direitos a sério significa levar o problema da escassez de recursos a sério, o que impõe série de escolhas trágicas envolvidas na sua alocação, sem ceder às tentações populistas e à ilusão fiscal.”

2 HESSE, Konrad. La Fuerza de La Constitución, in Escritos de Derecho Constitucional, 1983, pág. 75.

3 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, RJ: Renovar, 1990, Pág. 40.

4“A doutrina sempre considerou que o preâmbulo tinha valor de texto jurídico, pois concretiza os princípios gerais do direito, que preexistem às disposições escritas.” (Celso D. Albuquerque Mello, Direitos Humanos e Conflitos Armados, RJ: Renovar, 1997, pág. 34).

5 Para Adam Przeworski: “O que torna as democracias sustentáveis, dado o contexto de condições exógenas, são as suas instituições e as suas práticas. A democracia é sustentável quando a sua estrutura institucional promove objetivos normativa e politicamente desejáveis, como a recusa à violência arbitrária, a segurança material, a igualdade, a justiça e quando, por sua vez, estas instituições são hábeis para responder a crises que ocorrem quando estes objetivos não são alcançados” (PRZEWORSKI, Adam. Sustainable Democracy, Cambridge University Press, 1995, p. 107).

6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, pág. 78/79.

7 Idem, ibidem, pág. 80.

8 Jornal do Commercio, seção Direito e Justiça, 10/11/98, pág. B-9.

9 “A Constituição é mais que um documento legal. É um documento com intenso significado simbólico e ideológico, refletindo tanto o que nós somos enquanto sociedade, como o que nós queremos ser” (Jackman. Constitucional Rhetoric and social justice: refletions on the justiciability debate. In: Joel Bakam & David Schneiderman. Eds Social justice and the Constitution: perspectives on a social union for Canada. Canada. Carleton University Press. 1192).

10 Adota-se a classificação de Guillermo O’Donnell, quando afirma: “É útil conceber o processo de democratização como processo que implica em duas transições. A primeira é a transição do regime autoritário anterior para a instalação de um Governo democrático. A segunda transição é deste Governo para a consolidação democrática ou, em outras palavras, para a efetiva vigência do regime democrático” (Transitions. Continuities. And paradoxes. In: Scott Mainwaring. Guillermo O’Donnel e J. Samuel Valenzuela, Org., Issues in democratic consolidation: the new south american democracies in comparative perspective. Notre Dame, University of Notre Dame Press. 1992, p. 18). Neste sentido, sustenta-se que, embora a primeira etapa do processo de democratização já tenha sido alcançada - a transição do regime autoritário para a instalação de um regime democrático - a segunda etapa do processo de democratização, ou seja, a efetiva consolidação do regime democrático, ainda está se concretizando (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, SP: Max Limonad, 1997, segunda edição, pág. 53).

11 Essa expressão é utilizada por Luiz Roberto Barroso (ob. cit., página 42), citando Marcelo Figueiredo Santos, As Normas Programáticas. Uma Análise Político-Constitucional, na tese apresentada ao VIII Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, Porto Alegre: 1987, pág. 23.

12 A reverência da idéia jusnaturalista de direitos pré-constitucionais e mesmo pré estatais a serem observados pelo Estado, conforme preconizado por Blackstone e Rousseau, também garantida na 9ª Emenda da Lei Magna norte-americana (Retained By the People), consagra a regra de garantias implícitas ou sombras jurídicas extensivas (penumbral rights), ou seja, deve haver um estado normal de liberdade pública como regra e o assentamento constitucional de limitações estatais. Confira-se: SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, RJ: Forense, 1989, pág. 73.

13 Vide Luiz Roberto Barroso, ob. cit., pág. 49, trazendo a clássica citação de Oliver Wendell Holmes, antigo e respeitado Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos: “The Life of Law Has Not Been Logic: It Has Been Experience.”

14 SICHES, Luiz Recaséns. Nueva Filosofia de La Interpretación del Derecho, 1980, pág. 277.

15 Esse princípio sempre foi dirigido aos magistrados, como o comprova o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916: “Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

16 MENDES, Gilmar Ferreira. (Controle de Constitucionalidade, Aspectos Jurídicos e Políticos, São Paulo: Saraiva, 1990, págs. 3/5), no escólio de Konrad Hesse, percebe outro aspecto que interessa ressaltar. A Constituição, enquanto ordem jurídica fundamental da coletividade, não apenas contém as linhas básicas do Estado, mas determina as diretrizes e limites ao conteúdo da legislação infraconstitucional vindoura, ou seja, não existe uma pretensão de completude na lei superior. Esta característica permite a flexibilidade necessária à atualização do texto, possibilitando que o seu conteúdo subsista aberto dentro do tempo in die zeit hinein offen. Esta ausência de regulamentação minudente assegura a abertura constitucional tão imprescindível ao desenvolvimento político democrático. No mesmo sentido, José Joaquim Gomes Canotilho ensina: “Se a constituição se destina à regulamentação de relações de vida historicamente cambiantes, ela deve ter um conteúdo temporariamente adequado, isto é, um conteúdo apto a permanecer dentro do tempo e sujeitar-se a constantes alterações” (Direito Constitucional, Coimbra, 4ª edição, Editora Almedina, 1986, pág. 85).

17 Diversamente da Carta de 1988, que consagra princípios e direitos fundamentais nos primeiro títulos, para depois tratar da Organização do Estado, a Constituição de 1967 cuidava primeiramente da organização nacional - Título I - para, num segundo momento, estabelecer os direitos - Título II.

18 Para o real sentido processual e substantivo do devido processo legal e da razoabilidade das leis, em nosso sistema jurídico, foi especialmente reafirmada em estudo de Carlos Roberto de Siqueira Castro, na obra retro citada, conforme reconhecimento de Caio Tácito, in A Razoabilidade das Leis, Revista de Direito Administrativo, vol. 204, abr./jun. 1996, pág. 03.

19 É verdade que existe forte corrente doutrinária que critica a posição da Constituição brasileira em relação ao Direito Internacional de Direitos Humanos, sustentando o despreparo do constituinte e dos juristas brasileiros em relação à sua extensão e sua efetiva aplicação. É o caso de Celso D. Albuquerque Mello (ob. cit., pág. 38): “No Brasil a situação é caótica. A grande maioria dos direitos sociais enumerados no art. 7º são considerados normas programáticas e aguardam regulamentação. As normas internacionais não estão previstas na Constituição, não havendo assim qualquer orientação para a jurisprudência. Os nossos tribunais são em matéria de Direito Internacional Público absolutamente leigos, como ocorre com os juristas brasileiros que não sabem se utilizar do DIP.” De outro lado temos a opinião de Flávia Piovesan: “A Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político democrático no Brasil. Introduz também indiscutível avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, situando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil” (Flávia Piovesan, ob. cit., pág. 55).

20 A justiça que no fundo é a igualdade entre coisas ou pessoas, significa proporção entre o que é recebido e o que é dado, dividindo-se em justiça comutativa, justiça distributiva e justiça legal. As duas primeiras baseiam-se na igualdade e na proporcionalidade, A última baseia-se na equidade, que é seu complemento indispensável, adequação e adaptabilidade da lei ao caso concreto. A justiça legal ou social humaniza o direito na base da equidade. A lei, escrita ou não, fruto da experiência coletiva, é superior a qualquer preceito individual, por mais justo que seja; é ela que permite que a obediência a outro homem se compatibilize com a dignidade do homem livre que obedece. Os conceitos de justiça corretiva e justiça distributiva são de origem aristotélicas (Ética a Nicômano, V, 12.296), passando por Santo Tomás de Aquino (Suma Teológica, II, q. LXI, art. I), ressurgindo na prática política das democracias liberais a partir do século XX, sendo reatualizados no debate contemporâneo que com a emergência do direito social, em seus diferentes matizes, quer com a retomada, no âmbito da filosofia jurídico-política, das tentativas de solução da disjuntiva igualdade/liberdade, das análises relativas à inserção histórica e social dos juízos éticos e dos esforços de construção de uma nova teoria da justiça. Vide José Eduardo Faria. O Poder Judiciário no Brasil: Paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995, pág. 73, nota nº 50.

21 Indiscutivelmente, o Estado de Direito encontra-se ligada à própria teoria da evolução humana, na medida em que o welfare state conjuga, dentre outra gama de fatores, além da paz social, a justiça social distributiva de condições básicas. “Uma conseqüência importante e totalmente nova decorre do que relatei: é que não somente a saúde do homem, mas também a sua estatura dependem em parte do grau de civilização, prosperidade e sofrimento público. Na verdade, muito freqüentemente os governos poderiam aumentar o tamanho médio dos homens que lhe são submissos, se por acaso usassem todo o seu poder em prol da felicidade de todos” (L.-R.Villermé, citado por Jean-Claude Chesnais. A Vingança do Terceiro Mundo, tradução A. Bastos, Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1989, pág. 99).

22 Nesse sentido, coube ao Jurista e Professor Carlos Roberto de Siqueira Castro a avaliação maléfica da influência do neoliberalismo na reforma administrativa do Estado brasileiro, por ocasião de palestra proferida no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no dia 10/12/97, sobre o tema O Neoliberalismo e a Reforma do Estado.

23 Os dois instrumentos constitucionais mencionados encontram-se com a potencialidade esvaziada: “Assim, de acordo com a interpretação da mais alta Corte, existem dois remédios constitucionais para que seja dada ciência ao órgão omisso do Poder público, e nenhum para que se componha, em via judicial, a violação do direito constitucional da parte. A versão assim mesquinha do instituto mereceu a adesão surpreendente da pena ilustre, e outrora progressista, de Sepúlveda Pertence, que ao relatar o Mandado de Injunção nº 168-5/RS, DJ-20/04/90, pág. 3.047, decidiu: ‘O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado’”. Em outro acórdão (MI nº 107-3/DF), o STF tratou dos efeitos relativos a ambos os institutos: “A ação que se propõe contra o Poder, órgão, entidade ou autoridade omissos quanto à norma regulamentadora necessária à viabilização do exercício dos direitos, garantias e prerrogativas a que alude o art. 5º, LXXI, da Constituição, e que se destina a obter sentença que declare a ocorrência da omissão constitucional, com a finalidade de que se dê ciência ao omisso dessa declaração, para que se adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da Carta Magna), com a determinação, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou administrativos, se se tratar de direito constitucional oponível ao Estado, mas cujo exercício está inviabilizado por omissão deste” (Luiz Roberto Barroso, ob. cit., pág. 179).

24 Confira-se, como relíquia, a opinião da equipe de articulistas da Folha de São Paulo, publicada no dia 05/10/1998 (Dez Anos da Constituição): “A Constituição foi elaborada em um país concentrado em si próprio; fechado economicamente e algo alheio ao debate sobre as mudanças internacionais. Também importante, o processo constituinte parecia então a oportunidade de refundar uma sociedade historicamente injusta, abalada por uma década de crise econômica e que permanecera por mais de 20 anos sob um regime autoritário. Tal corrida era orientada tanto por um legalismo algo ingênuo, ainda quando legítimo, como por idéias anacrônicas, fantasmas de ideologias frustradas e derrotadas nos embates políticos internos e mundiais, no plano teórico ou da prática política econômica. A aparente liberdade de um momento em que seria possível reconstituir o país, uma espécie de grau zero da instituição da sociedade, teve um lado muito positivo. Nunca, antes de 1988, se pudera dizer que a expressão ‘democracia de massas’ tinha sentido no país. Por outro lado, a pressão de todos os lobbies e organizações sociais e políticas imagináveis, combinada a certo irrealismo de sabor populista por parte de lideranças e partidos, fez da Carta de 88 uma peça detalhista, na qual se procurava conciliar todos os interesses sociais e econômicos, até os mais caricatos, dado o seu particularismo. Mas a realidade econômica do país e de um Estado há muito à beira da falência era menos generosa que os constituintes. O Brasil patinava na estagnação econômica por não compreender a nova dinâmica econômica e financeira do planeta. No que diz respeito às instituições políticas, apesar de terem sido criadas novas garantias para os direitos do cidadão, especialmente na área do Judiciário, a prática política jogou por terra certas esperanças do otimismo legal. Desde o início, a figura das medidas provisórias dava margem a abusos. A avidez do Executivo e a conveniência do Congresso fizeram desse dispositivo um meio de solapar a separação dos Poderes, gerando instabilidade legal contínua. Nunca será demais lembrar, porém, que quanto mais minuciosamente seja enumerados mandamentos sobre o bem-estar social, mais os desenvolvimentos históricos tenderão a torná-los irrealistas.”

25 A expressão Poder do Estado pode ser empregada em dois sentidos: umas vezes, os autores e as leis referem-se às diversas faculdades de agir contidas no poder político; outras, querem significar os sistemas de órgãos pelos quais se encontra dividido o exercício das formas de autoridade política. As três funções (legislativa, executiva e judiciária) são funções jurídicas, vale dizer, relacionadas com a criação e aplicação do direito. Ao exercer a função legislativa, o Estado edita norma de observância obrigatória; ao exercer a função executiva, o Estado busca o cumprimento da norma mediante o processo administrativo (iniciativa e parcialidade); e, ao exercer a função judiciária, o Estado aplica a norma a um caso concreto levado ao seu conhecimento, conforme doutrina de Marcelo Caetano (in Direito Constitucional. RJ: Forense, volume I, pág. 242).

26No Brasil de hoje existe a preponderância do lado negativo da harmonia preconizada na Constituição, na medida em que procura-se a criação do controle externo do Poder Judiciário, deflagrado pelo o consenso político entre o Executivo e o Legislativo, atribuindo-se-lhe a culpa pela sua resistência ao ingresso no processo de globalização econômica conforme preconizado pelo Banco Mundial, que afirma serem os Juízes ciosos de sua independência pessoal e encaram seu trabalho como forma de artesanato, infensa aos avanços da tecnologia e dos métodos de organização e gerenciamento que aumentam a produtividade em outros setores da atividade humana. O FMI, constantemente, defende a realização de ampla mudança no Poder Judiciário de países como o Brasil, para criar o clima empresarial necessário aos investimentos e para promover uma redução mais rápida da pobreza e da desigualdade, sugerindo remuneração variável aos Juízes, de acordo com a produtividade. Certa vez, o Presidente do STF, Min. Celso Mello, e o Exmo. Sepúlveda Pertence rechaçaram essa ideia do FMI com a base na afirmativa de que há, na proposta, uma visão mercadológica da Justiça.

27 Canotilho, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª edição, p. 17. Coimbra: Almedina, 1993.

28 Tércio Sampaio Ferraz Jr. Divisão de Poderes: um princípio em decadência. Revista USP, nº 21, Mar/Abr/Mai/94, p. 19.

29A integração global é acompanhada da ascensão de uma doutrina redentora da economia, que um exército de consultores econômicos constantemente leva à política: o neoliberalismo. Se os governos, em todas as questões cruciais do futuro, nada mais conseguem se não apontar os imperativos da economia transnacional, toda a política torna-se uma farsa, uma demonstração de impotência, e o Estado democrático perde sua legitimação como tal. A globalização converte-se em cilada para a democracia” (Hans-Peter Martin e Harald Schumann. A Armadilha da Globalização: o assalto à democracia e ao bem-estar social. 3ª edição, São Paulo: 1998, Título original: Die Globalisierungsfalle).

30 O Dr. Fábio Konder Comparato, em comunicado veiculado pelo órgão de divulgação da AJUFE/2ª Região (Lato Sensu nº 1) bem retratou a sistemática a vocação ilegítima do Chefe do Executivo das demais competências constitucionais privativas dos Poderes Legislativo e Judiciário. Confira-se: “Não sejamos ridículos. A Constituição de 1988 não está mais em vigor. É pura perda de tempo discutir se a conjunção ‘e’ significa ‘ou’, se o ‘caput’ de um artigo dita o sentido do parágrafo ou se o inciso tem precedência sobre a alínea. A Constituição é hoje o que a Presidência quer que ela seja, sabendo-se que todas as vontades do Planalto são confirmadas pelo Judiciário. As ordenações Filipinas, que vigoravam entre nós por muito tempo, cominavam dois tipos de pena capital: a morte natural e a espiritual. A primeira atingia o corpo; a segunda, a alma. O excomungado continuava a viver, mas só fisicamente: sua alma fora executada pela autoridade episcopal, com a ajuda do braço secular do Estado. Algo semelhante aconteceu com nossa Carta. Ela continua a existir materialmente, seus exemplares podem ser adquiridos nas livrarias (na seção das obras de ficção naturalmente), suas disposições são invocadas pelos profissionais do Direito no característico estilo ‘boca de foro’. Mas é um corpo sem alma. Hitler, afinal, não precisou revogar a Constituição de Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbárie nazista: simplesmente relegou às traças aquele ‘pedaço de papel’. A única razão de ser de uma Constituição é proteger a pessoa humana contra o abuso de poder dos governantes. Se ela é incapaz disso, porque o governo dita a interpretação de suas normas ou as revoga sem maiores formalidades, seria mais decente mudar a denominação - ‘o Presidente da República, ouvido o Congresso Nacional e consultado o Supremo Tribunal Federal, resolve: a Constituição da República Federativa do Brasil passa a denominar-se regimento interno do governo’. No início do século, Ruy Barbosa trovejou contra o presidencialismo brasileiro, qualificando-o como ‘ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo’. Ele ainda não tinha visto o monstro em sua plena maturidade. Naqueles felizes tempos, a ditadura presidencial só se exercia no âmbito do Executivo. Hoje, ela compreende também o poder de legislar e o de emendar a Constituição, tudo sob as vistas complacentes do Judiciário.”

31O direito exige para cumprir o fim específico de regrar os comportamentos humanos, nas suas relações de interpessoalidade, a implantação dos valores que a sociedade almeja alcançar. As normas gerais e abstratas, principalmente as contidas na Lei Fundamental, exercem um papel relevantíssimo, pois são o fundamento de validade de todas as demais, indicando os rumos e caminhos que as regras inferiores haverão de seguir. Quem se proponha a conhecer o direito positivo não pode aproximar-se dele na condição de sujeito puro, despojado de atitudes axiológicas, como se estivesse perante um fenômeno da natureza ou uma equação algébrica. A neutralidade axiológica impediria, desde o início, a compreensão do sentido das normas, tolhendo a investigação. Além do mais, o conhecimento jurídico já encontra no seu objeto uma auto-explicação, pois o direito fala de si mesmo e este falar-de-si é componente material do objeto” (Paulo de Barros Carvalho. Princípio da Segurança Jurídica em Matéria Tributária. Revista Especial do TRF da 3ª Região, Curso de Direito Tributário, vol. 2, p. 56).

32 “Nesse ambiente marcadamente difuso, facilitador de ações transacionais dirigidas para a produção de supremacias, a Constituição nem se implementa, nem se efetiva: permanecem inertes as definições de democracia participativa; o Estado despreza a sociedade como instância de poder, e a classe política confia no prestígio eleitoral; o processo eleitoral parece incapaz, por si só de assegurar a formação de governo representativo; e parece subordinado, assim como o processo legislativo, ao poder econômico e midiático, aos interesse locais, regionais ou corporativos; a política é um dos principais agentes de violação dos direitos humanos, contando, em muitos casos, com a conivência do Judiciário. Pior do que isso: a Constituição e as instituições jurídicas, de modo geral, não parecem salvaguarda suficiente face ao tufão neoliberal. Tudo como se tivéssemos elaborado uma Constituição para a década de 60, como se 1964 nos tivesse posto fora do tempo ocidental, e como se devêssemos, agora, preservar a nação, a democracia e os direitos humanos a partir de uma crise que não previmos, e para a qual não estávamos preparados: a coincidência do processo de redemocratização, com o impacto da globalização; a interseção das nossas taras tradicionais com a chamada crise de paradigmas” (Sérgio Sérvulo da Cunha. Acesso à Justiça - Contribuição à Reflexão sobre a Reforma do Judiciário. Inédito, Santos (SP), junho\96, pp. 1\2).

33 Apresentação de Francisco C. Weffort. Os Clássicos da Política. 3ª edição, 1º vol. São Paulo: Ática, p. 8.

34 Ao definir sistema jurídico, escreve John Rawls: “O sistema jurídico é uma ordem coercitiva de regras públicas endereçadas a pessoas racionais, com o propósito de regular certas condutas e assegurar os fundamentos de uma cooperação social. A ordem jurídica é o sistema de regras públicas endereçadas a pessoas racionais, no qual os preceitos de justiça são associados ao Estado de Direito” (RAWLS. John. A theory of Justice, Cambridge, Harvard University Press, 1971, p. 235).

35 “Uma rendição da Justiça à tecnologia do sucesso, com a transformação do direito em simples e corriqueiro objeto de consumo” (Tércio Sampaio Ferraz Jr. Divisão de Poderes: um princípio em decadência. Revista USP, nº 21, Mar/Abr/Mai/94, p. 21).

36O pós-modernismo assinala a morte das metanarrativas, cuja função terrorista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história humana universal. Estamos agora no processo de despertar do pesadelo da modernidade, com sua razão manipuladora e seu fetiche de totalidade, para o pluralismo retornado do pós-moderno, essa gama heterogênea de estilos de vidas e jogos de linguagem que renunciou ao impulso nostálgico de totalizar e legitimar a si mesmo...A ciência e a filosofia devem abandonar suas grandiosas reivindicações metafísicas e ver a si mesmas, mais modestamente, como apenas outro conjunto de narrativas” (David Harvey. A Condição Pós-Moderna. SP: Loyola, 1992, p. 19).

37 A esse propósito citamos Tércio Sampaio Ferraz Jr.: “Num livro publicado em 1982, de título bastante sugestivo - DESPEDINDO-SE DE MONTESQUIEU (ABSCHIED VON MONTESQUIEU) - Hans Girardi assinala que o princípio da divisão dos poderes não tem hoje a mesma relevância de outras épocas. Embora persistam as questões tradicionais referentes à função de controle na relação entre os três poderes, o eixo da discussão torna-se agora a dicotomia tipicamente tecnológica macropoder/micropoder” (Divisão de Poderes: um princípio em decadência. Revista USP, nº 21, Mar/Abr/Mai/94, p. 21).

38 A Constituição face a Perda do Lugar e da Inércia Geográfica e Territorial. Telma da Graça de Lima Lage. Revista do Departamento de Direito da PUC/RJ - Rio, Direito, Estado e Sociedade, nº 10, jan/jul/1997, p. 144.

39 Ciro Gomes, no artigo A sociedade pós-industrial e o estado moderno, publicado no Jornal do Brasil, 1º Cad., p. 11, 2/jul/1995.

40 DE MELLO. Aymore Roque Pottes. O Enfrentamento da Crise Judiciária e a Reforma Constitucional. Jornal da AJURIS- Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, nº 46, novembro/95, p. 23.

41 Reportagem antiga, mas perfeitamente aplicável aos dias atuais, de Juliano Basile, da Gazeta Mercantil, de out/1998, com o título Constituição tem culpa do déficit. Cabe ressaltar a inquestionável capacidade do professor, jurista e ministro, Gilmar Ferreira Mendes, como Procurador da República, magistrado e Doutor em Direito pela Universidade de Münster/Alemanha.

42 Adverte Sanchez Agesta: “Eficácia atual consiste em uma força histórica efetiva, apta para realizar os fins que se propõe. O seu titular deve dispor de força, ou se achar investido de autoridade, para realizar a criação da ordem frente a forças que se podem opor.”

43 Como acentua Carlos Roberto de Siqueira Castro (ob. cit., pág. 213), citando Mauro Cappelletti, com a invocação do filósofo germânico Heinrich von Treitschke, que “Todo acto de decir justica (jurisdicción) es una función política, puesto que no se puede decir el derecho de outra manera que deduciendolo del espíritu de un determinado Estado. [...] y esta verdad no choca com la necesidad de que el juez sea independiente de las fuerzas políticas, porque con esta fórmula se quiere indicar en la jurisdicción una actividad, y una fuerza, autónoma frente a las otras fuerzas políticas en el Estado, pero no se quiere negar en absoluto que ella misma sea una fuerza política.”

44 E sobre o conceito de função: “Na definição de Durkhein a função de uma instituição social é a correspondência entre elas e as necessidades ( besoins, em francês). Da organização social, esta definição exige alguma precaução. Em primeiro lugar, para evitar possível ambigüidade e, em particular, a possibilidade de uma interpretação teleológica, gostaria de substituir o termo ‘necessidade’ pelo termo condições necessárias de existência. [...] A função da contribuição que determinada atividade proporciona à atividade total da qual é parte. A função de determinado costume social é a contribuição que este oferece à vida social como funcionamento do sistema social. [...] Tem certo tipo de unidade funcional. Podemos definir como condição pela qual todas as partes do sistema social atuam juntas com suficiente grau de harmonia ou consistência interna, isto é sem ocasionar conflitos persistentes que nem podem ser solucionados nem controlados” (Radicliffe Brown, A. R. Estrutura e Função na Sociedade Primitiva. Vozes: l973, pp. 220 e 224).

45 ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La Constitucion como Norma y el Tribunal Constitucional. Civitas, pág. 98.

46 UNGER, Roberto Mangabeira. What should legal analysis become?, Cambridge, Harvard Law School, 1995, p. 9.

47 Afirmações contrárias postas lado a lado esclarecem mais.

48 HEIDEMANN, André. Uma Análise Comentada do Texto de Rudolf von Jhering, DER KAMPF UM’S RECHT (A Luta pelo Direito), Texto apresentado para exposição, 07/09/98, pág. 18.

49 Cabe lembrar a peça “Antígona” de Sófocles que gerou o diálogo com Creonte, quando aquela enterrara a Polínice, violando o edito desta, do seguinte teor: “Creonte - agora dize rápida e concisamente: sabeis que edito proibia aquilo? Antígona - Sabia. E como ignoraria? Era notório. Creonte - E te atreveste a desobedecer às leis? Antígona - Mas Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são as ditadas entre os homens pela Justiça, companheira de morada dos deuses infernais; e não me pareceu que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgiram”

50 Idem supra, página 14.

51Na ordem da natureza só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira de nossa fraqueza” (Portalis).

52 Professora Titular de Filosofia na New School of Social Research, em Nova York e autora do livro Além da Justiça, Editora Civilização Brasileira: RJ, 1998, tradução de Savannah Hartmann.


Autor

  • Marco Falcão Critsinelis

    Mestrando Profissional em Justiça Administrativa na Universidade Federal Fluminense/UFF (Brasil), Especialista em Políticas Públicas e de Governo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (Brasil), Especialista em Direito Comunitário Europeu e Mercosul/Faculdade Universo (Brasil) em parceria com a Faculdade de Coimbra (Portugal), Juiz Federal (Rio de Janeiro, Brasil). http://lattes.cnpq.br/6271225868002463.

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