Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/55304
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Do contrato de fornecimento de energia elétrica para consumidores do grupo B

Do contrato de fornecimento de energia elétrica para consumidores do grupo B

Publicado em . Elaborado em .

Efetua uma análise do contrato de fornecimento de energia elétrica à luz da Resolução 414 da ANEEL, doutrina e jurisprudência recentes.

Resumo: O presente artigo objetiva analisar aspectos legais, contratuais e jurisprudenciais do contrato de prestação de serviço público de energia elétrica para consumidores do Grupo B, à luz do que dispõe a Resolução nº 414/2010 da ANEEL, a Lei dos Serviços Públicos (Lei 8987/95) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). Preliminarmente, efetua-se o exame do contrato de prestação de serviço público de energia elétrica, considerando o que prevê a Resolução Normativa supramencionada, passando-se a verificar quais os princípios do direito do consumidor e dos serviços públicos aplicáveis na situação posta. Visto isso, passa-se a analisar criticamente a posição atual do Superior Tribunal de Justiça, que impede o corte de fornecimento de energia elétrica por débito pretérito ou por fraude de medição. Na sequência, aponta-se dados comerciais obtidos junto à Área Comercial da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica objetivando demonstrar as perdas não técnicas experimentadas pela concessionária  em razão da impossibilidade de efetuar a suspensão do fornecimento em determinadas situações, seja em razão de decisão judicial, seja com fundamento em dispositivo legal.  O escopo principal é analisar sinteticamente o contrato de prestação de serviço público de energia elétrica para consumidores do Grupo B e demonstrar que o impedimento ao corte de energia elétrica desconsidera a situação econômico- financeira das concessionárias de energia elétrica que prestam serviço público de fornecimento sem receber a correspondente contraprestação.

Palavras-chave: Relação de Consumo. Dignidade da pessoa humana. Serviços Essenciais. Energia Elétrica. Suspensão do Fornecimento.


1 INTRODUÇÃO

Pretende-se analisar aspectos contratuais, legais e jurisprudenciais do contrato de prestação de fornecimento de energia elétrica para consumidores titulares de unidades consumidoras do Grupo B. O artigo 2º da Resolução Normativa 414 da ANEEL, define o Grupo B para fins de fornecimento de energia elétrica. Segundo este dispositivo:

 Grupo B abrange o grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão inferior a 2,3 kV, caracterizado pela tarifa monômia e subdividido nos seguintes subgrupos: residencial, rural, demais classes e iluminação pública. [1]

Relativamente a tais unidades consumidoras, estabelece a Resolução um modelo contratual constante do Anexo IV, o qual é nitidamente de adesão, vez que o conteúdo contratual é previamente estabelecido pela concessionária com fundamento no regramento existente, sendo que não é dado ao consumidor a faculdade de discutir ou modificar substancialmente o seu teor.

Na cláusula segunda e terceira do Anexo referido são previstos os direitos e deveres do consumidor, em consonância com às disposições do Estatuto Consumerista e a Lei dos Serviços Públicos, dentre os quais destaco a obrigação da concessionária de informar, por escrito, ao consumidor, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias sobre a possibilidade de suspensão do fornecimento por falta de pagamento. Na cláusula quarta, constam as hipóteses de suspensão de fornecimento, quais sejam:

- Deficiência técnica ou de segurança em instalações da unidade consumidora – esta situação ocorre quando a unidade consumidora não obedece aos padrões estabelecidos na Resolução 414, em especial no que tange à instalação do medidor e ligação com a rede, colocando em risco o próprio cliente, terceiros ou o sistema elétrico. Nesta hipótese, o usuário deve ser comunicado da situação com 3 (três) dias de antecedência. No entanto, quando representar risco iminente de danos a pessoas ou ao funcionamento do sistema elétrico, a suspensão deve ser imediata, bem como nos casos de ligação clandestina ou de fornecimento de energia elétrica a terceiros.

- Fornecimento de energia elétrica a terceiros – é vedado ao cliente regular fornecer energia a terceiros. Caso isto aconteça, fica a concessionária autorizada a efetuar a suspensão do fornecimento.

- Impedimento do acesso de empregados e representantes da concessionária para leitura, substituição de medidor ou inspeções necessárias – verifica-se principalmente quando o medidor se encontra instalado em desacordo com os critérios estabelecidos pela distribuidora, que, em regra, exige que este seja instalado de forma que possibilite à concessionária efetuar a leitura, medições e vistorias.

- Razões de ordem técnica – muitas vezes por causa de eventos naturais, fica a concessionária obrigada a suspender o fornecimento a fim de regularizar situações de queda de fios, postes ou problemas em transformadores, por exemplo.

- Falta de pagamento da fatura de energia elétrica –   o corte só poderá ser feito em horário comercial, 15 dias após a notificação, sendo que faturas em aberto, com mais de 90 dias, não poderão mais gerar corte, desde que as posteriores estejam quitadas (artigo 172, §2º da Resolução nº 414/2010).

No decurso do estudo em tela, ficará demonstrado que muito embora estejam caracterizadas algumas das hipóteses de suspensão de fornecimento acima elencadas, poderá a concessionária ficar impedida de efetuar a suspensão do fornecimento em razão de decisão judicial ou porque se assim o fizesse impediria a prestação de outros serviços públicos essenciais e/ou causaria danos à coletividade.


2 Prestação de serviço público de energia elétrica e relação de consumo

É majoritário na doutrina o entendimento de que a prestação de serviço público de energia elétrica constitui relação de consumo. Isto porque o cliente da concessionária de energia elétrica se utiliza do fornecimento de energia elétrica como destinatário final, nos termos do que estatui o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. E ao concessionário de energia elétrica aplica-se a definição de fornecedor, eis que se amolda à definição legal constante do artigo 3º da Lei 8078/90.

Conforme leciona Marcelo Costa Fadel (2009, p. 61-63), Consumidor de energia elétrica é o usuário que adquire ou utiliza este produto como destinatário final fático e econômico, apresentando vulnerabilidade técnica, cientifica ou fática, frente ao fornecedor.[2]

2.1. Princípios de proteção ao consumidor

Elenca-se os princípios mais incidentes considerando a relação de prestação de serviço público de fornecimento de energia elétrica.

2.1.1. Dignidade da pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios mais propalados atualmente na doutrina e jurisprudência.  Numa definição simplória, dignidade da pessoa humana nada mais é do que o respeito aos direitos de um ser humano, previstos legal e constitucionalmente. É um princípio extremamente aberto, primário, subjetivo e universal. Na Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana não é trazida como um princípio, mas como fundamento da República Federativa do Brasil, dada a importância que lhe foi concedida pelo legislador constitucional.

O direito de acesso à energia elétrica é tido como um direito fundamental social materialmente constitucional[3], eis que a energia elétrica é considerada indispensável para uma vida digna. Esse direito é materializado por meio de “serviços públicos” sejam estes prestados diretamente pelo Estado ou por terceiros mediante permissão ou concessão de serviço público. No entanto, mencionado entendimento é apenas doutrinário e jurisprudencial, vez que não há legislação específica que aponte a energia elétrica como um serviço público essencial. Analogicamente, argui-se a Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, a chamada Lei de Greve. O artigo 10 e incisos desta Lei elenca um rol de serviços ou atividades consideradas essenciais, e dentre elas está o abastecimento de energia elétrica, conforme se segue: “Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: I Tratamento e abastecimento de água; Produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II Assistência médica e hospitalar; [...]”[4]

Cumpre registrar que a Portaria nº 03/99 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (publicada em 19/03/99), reconheceu como serviço essencial o fornecimento de água, energia elétrica e telefonia.[5]

É certo que existe a possibilidade de interrupção do serviço. A ideia de essencialidade encontra limites, visto que outros critérios hão de ser observados, como o princípio da continuidade. Mas, a essencialidade deve ser preservada, por se tratar da preservação de um bem necessário e dela decorrerá o respeito a outros princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, por exemplo.

Neste sentido, entendendo que a suspensão do fornecimento de energia elétrica infringe o princípio da dignidade da pessoa humana, direciona-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme pode se observar em trecho da ementa do Recurso Especial nº 721119, onde constou: 

“a despeito da jurisprudência majoritária desta Corte, tem ressalvado o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica – como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. O interesse da coletividade abrangeria não apenas o interesse público em sentido amplo (necessidades coletivas), como também o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta: em primeiro lugar, há que se distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica.”[6]

No mesmo diapasão, menciona-se:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente. 2. Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma. 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade. 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 8. Recurso improvido”. [7]

2.1.2. Eficiência

A eficiência foi inclusa expressamente como princípio da administração pública pelo legislador constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou o artigo 37 da Constituição Federal para constar: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.[8]

O Código de Defesa do Consumidor (1990) traz a eficiência como um direito básico do consumidor no artigo 6º, inciso X. Relativamente à eficiência no serviço público, menciona o artigo 22 e seu parágrafo único:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.[9]

Importante também consignar que o mencionado princípio é expresso na Lei de Concessões e Permissões de Serviço Público nos artigos 6º, § 1º, e 7º, inciso I.

2.1.3. Proibição de práticas abusivas

As práticas abusivas encontram-se elencadas nos artigos 39 a 41 do Estatuto Consumerista. É prática abusiva qualquer conduta do fornecedor que acarrete prejuízo moral ou econômico ao consumidor, fundado na vulnerabilidade e hipossuficiência deste.    

Parte da jurisprudência entende que a suspensão do fornecimento de energia elétrica constitui prática abusiva, porque vai de encontro ao disposto no artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor que prevê a continuidade de serviços essenciais.

Ainda, é considerada prática abusiva a cobrança de dívidas mediante qualquer constrangimento físico ou moral. Assim, será atentatório ao consumidor a cobrança de dívida de energia elétrica sob a ameaça de corte no fornecimento, quando se tratar de débito pretérito. Tal tese encontra-se consolidada no Superior Tribunal de Justiça. Com fundamento neste entendimento, são inúmeras as decisões que entendem pela inviabilidade da adoção do corte de energia como meio para efetuar a cobrança do débito, vez que existem meios administrativos e judiciais para a concessionária efetivar a cobrança. Neste sentido, ilustra-se:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. (...). CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CABIMENTO NO CASO DO ART. 6º, § 3º, II, DA LEI Nº 8.987/95. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO ABASTECIMENTO NA HIPÓTESE DE EXIGÊNCIA DE DÉBITO PRETÉRITO. CARACTERIZAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO E AMEAÇA AO CONSUMIDOR. CDC, ART. 42. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO-COMPROVADO. 1. Agravo regimental contra decisão que desproveu agravo de instrumento. 2. O acórdão a quo entendeu pela proibição do corte no fornecimento de energia elétrica por débitos antigos, em face da essencialidade do serviço, uma vez que é bem indispensável à vida, além do que dispõe a concessionária e fornecedora dos meios judiciais cabíveis para buscar o ressarcimento daqueles. 3. Argumentos da decisão a quo que se apresentam claros e nítidos. (...). 4. Com relação ao fornecimento de energia elétrica, o art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95 dispõe que “não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando for por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”. Portanto, havendo o fornecimento de energia elétrica pela concessionária, a obrigação do consumidor será a de cumprir com sua parte, isto é, o pagamento pelo referido fornecimento, sendo possível, verificando-se caso a caso, uma vez não realizada a contraprestação, o corte. 5. Hipótese dos autos que se caracteriza pela exigência de débito pretérito, não devendo, com isso, ser suspenso o fornecimento, visto que o corte de energia elétrica pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo, sendo inviável, pois, a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos, em relação aos quais existe demanda judicial ainda pendente de julgamento, devendo a companhia utilizar-se dos meios ordinários de cobrança, não se admitindo qualquer espécie de constrangimento ou ameaça ao consumidor, nos termos do art. 42 do CDC. 6. (...). 7. Agravo regimental não provido” [10]

2.1.4. Vulnerabilidade e hipossuficiência

A vulnerabilidade do consumidor é reconhecida expressamente pelo artigo 4º, I do Código de Defesa do Consumidor e significa que o consumidor é a parte fraca, frágil da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: “um de ordem técnica e outro de cunho econômico”[11].

A hipossuficiência decorre da ausência, por parte do consumidor, de informações a respeito do produto e serviços que adquire. Poderá não existir quando o consumidor detiver conhecimento técnico ou científico que lhe permita ter ciência do que está contratando.

2.2. Serviço Público de fornecimento de energia elétrica

Segundo Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo[12], serviço público pode ser definido como:

 É a atividade administrativa concreta traduzida em prestações que diretamente representem, em si mesmas, utilidades ou comodidades materiais para a população em geral, executada sob regime jurídico de direito público pela administração pública ou, se for o caso, por particulares delegatários (concessionários e permissionários, ou ainda, em restritas hipóteses, detentores de autorização de serviço público).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

Conforme já mencionado, o Estatuto Consumerista, refere aos serviços públicos no artigo 22, destacando suas principais características, quais sejam: adequação, eficiência, segurança e continuidade. A continuidade aplica-se aos serviços tidos como essenciais, tal como a energia elétrica.

2.3. Princípios norteadores dos serviços públicos

Apontamos como princípios norteadores dos serviços públicos a continuidade, a generalidade, a eficiência e a  modicidade tarifária.

As concessionárias de energia elétrica aderem também às normas da Lei dos Serviços Públicos. Segundo o art. 140 da Resolução 414/2010 da ANEEL:

Art. 140. A distribuidora é responsável, além das obrigações que precedem o início do fornecimento, pela prestação de serviço adequado a todos os seus consumidores, assim como pelas informações necessárias à defesa de interesses individuais, coletivos ou difusos.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, assim como a melhoria e expansão o do serviço.[13]

2.4. Natureza essencial e contínua do fornecimento de energia elétrica e jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça

Conforme já explanado, a jurisprudência, em especial do Superior Tribunal de Justiça, sustenta o aspecto essencial do serviço de energia elétrica, o qual não poderia sofrer solução de continuidade. O fundamento legal argüido é, geralmente, o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 10 da Lei de Greve. No âmbito infra legal, podemos mencionar o teor do artigo 172, § 2º da Resolução 414 da ANEEL, que estabelece:

 § 2o É vedada a suspensão do fornecimento após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias, contado da data da fatura vencida e não paga, salvo comprovado impedimento da sua execução por determinação judicial ou outro motivo justificável, ficando suspensa a contagem pelo período do impedimento.[14]

E como princípio norteador invoca-se, com frequência, o princípio da dignidade da pessoa humana, já debatido.

No entanto, a Lei Federal nº 8987/95 dispõe diversamente, eis que traz em seu artigo 6º, § 3º, a possibilidade de interrupção do serviço público em situações de emergência, por razões de ordem técnica ou de segurança nas instalações e pela inadimplência do consumidor.  Ainda, em situações entendidas como força maior ou caso fortuito também é admissível a interrupção do serviço, mas nesse caso, a prestadora será responsável por eventuais danos causados. No mesmo sentido dispõe a Resolução nº 414/2010, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, conforme já explanado na introdução. Contudo, o artigo 7º da Lei de Concessões adverte acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, no tocante aos direitos dos usuários. Consigna o dispositivo: “Art. 7º Sem prejuízo do disposto na Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: 1- receber serviço adequado.” [15]

Verifica-se que, no concernente aos serviços essenciais, a norma específica, asseguradora do direito à continuidade do serviço público ao usuário, é a do artigo 22, do Código de Defesa do Consumidor, não existindo razão a determinar suposta prevalência do artigo 6º, inciso II, § 3º da Lei de Concessões. Daí, deflui a posição prevalente do Superior Tribunal de Justiça, a qual veda a suspensão do fornecimento no que tange a débito pretérito ou decorrente de fraude de consumo. Neste sentido, menciona-se:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. CORTE DE FORNECIMENTO. CONSUMIDOR INADIMPLENTE. IMPOSSIBILIDADE. - Esta Corte vem reconhecendo ao consumidor o direito da utilização dos serviços públicos essenciais ao seu cotidiano, como o fornecimento de energia elétrica, em razão do princípio da continuidade (CDC, art. 22). - O corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa em atraso, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito. - Precedentes. - Agravo regimental improvido. [16]

 (...) 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se 'as empresas concessionárias de serviço público. 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade. 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.[17]

PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO CONFIGURADA. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.  INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR.SUSPENSÃO. NECESSIDADE DE AVISO PRÉVIO. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO QUANTO AOS DÉBITOS ANTIGOS. COBRANÇA PELAS VIAS ORDINÁRIAS. (PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. USUÁRIO INADIMPLENTE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DO SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE.)

1. Em verdade, a Primeira Seção e a Corte Especial do STJ entendem legal a suspensão do serviço de fornecimento de energia elétrica pelo inadimplemento do consumidor, após aviso prévio, exceto quanto aos débitos antigos, passíveis de cobrança pelas vias ordinárias de cobrança.

2. Admitir o inadimplemento por um período indeterminado e sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos inclusive no princípio da modicidade.

3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para, sanando a omissão apontada, dar parcial provimento ao recurso especial.[18]

CONSUMIDOR. ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE NO MEDIDOR. APURAÇÃO UNILATERAL. O fornecimento de energia elétrica não pode ser interrompido se a alegada fraude no medidor tiver sido apurada unilateralmente pela concessionária do serviço público. Agravo regimental não provido.[19]

Parte da doutrina corrobora o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Leciona Nunes (2005, p. 312):

Quando a concessionária se utiliza da suspensão do fornecimento do serviço público a fim de compelir os consumidores inadimplentes   ao pagamento de seus débitos incorre em grave violação aos  princípios jurídicos norteadores das relações patrimoniais. Segundo nos parece, e observando o disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, o qual preceitua que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, conclui-se que a interrupção do fornecimento do serviço constitui-se em flagrante violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A cobrança de eventuais débitos deve seguir os ditames fixados pelo nosso ordenamento jurídico, atendendo-se, também, ao princípio da obrigatoriedade da continuidade da prestação do serviço público.[20]

Todavia, o mencionado entendimento, apesar de corrente na Corte Superior, desconsidera o impacto econômico financeiro em face das concessionárias de energia, isto porque gera insegurança jurídica e aumenta os riscos da atividade, vez que a concessionária está obrigada a prestar o serviço, mas não detém certeza quanto ao pagamento do mesmo. Tal fato, pode prejudicar a realização de investimentos a longo prazo, os quais exigem profunda especialização, planejamento e investimentos. E, aparentemente, viola-se a ordem econômica, constitucional e infraconstitucional a que se submete o setor porquanto inexiste norma que obrigue o prestador público ou privado de energia elétrica a permanecer prestando o serviço apesar da inadimplência do usuário, o que representa uma interferência indevida na economia do setor. Ainda, a tese que prevalece premia o cliente fraudador e mal pagador, pois será mais vantajoso para qualquer cliente ser desonesto e fraudar o consumo, pois sabe que em razão do eventual furto de energia não sofrerá corte, pois a cobrança por fraude de consumo não é considerada como um débito atual e ensejador de suspensão do fornecimento. Do mesmo modo, ao cliente poderá se tornar mais conveniente não pagar sua fatura, mesmo detendo condições financeiras para tanto, pois sabe que se não realizado o corte em 90 dias o mesmo não poderá mais ocorrer, exceto se houver fatura atual impaga.

Assim, poderá ocorrer uma disparidade: o fraudador continuará recebendo energia sem efetuar o pagamento da conta, enquanto que o cidadão honesto poderá ter suspenso o fornecimento sempre que não a pagar.  E surpreendentemente, o fraudador poderá ter o fornecimento de luz religado por força de decisão judicial, e eventualmente ser indenizado a título de danos morais. Fica evidente que neste contexto, lesiona-se o princípio da igualdade das partes e se favorece o enriquecimento sem causa daquele que é fraudador. Isto sem falar que se está diante de uma medida socialmente injusta, uma vez que o sistema tarifário prevê tarifas mais baixas para determinadas categorias de usuários (tarifa social de energia elétrica – artigo 110 da Resolução nº 414), sem, contudo, isentar integralmente qualquer usuário do pagamento da correspondente contraprestação.

A posição da Corte Superior é contraditória, uma vez que na hipótese de simples inadimplência do usuário não vigora o princípio da essencialidade do serviço, enquanto que para aquele que frauda o sistema elétrico descabe o corte sob aquele fundamento. Ou seja, dependendo da situação fática do réu, a energia será ou não serviço essencial. E o mais grave é que a  posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça não deixa de ser um estímulo à fraude.

É salutar destacar que há consenso na doutrina e jurisprudência acerca da impossibilidade de suspensão do fornecimento de energia quando o interesse da coletividade for substancialmente ameaçado, em razão da supremacia do interesse público sobre o particular. É o que se verifica quando estamos diante de inadimplência de Municípios, em relação aos quais se deixa de realizar o corte de energia, sob pena de inviabilizar os serviços públicos municipais, no caso de iluminação pública, cuja despesa também é ônus da Municipalidade e quando se trata de hospitais, que sem fornecimento de energia, ficariam com suas atividades prejudicadas.

Traz-se à colação:

ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42, DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). 1. Recurso Especial interposto contra Acórdão que entendeu ser ilegal o corte de fornecimento de energia elétrica, em face de inadimplemento do Município recorrido. 2. Não resulta em se reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma em face de ausência de pagamento de fatura vencida. 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. O art. 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assevera que "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". O seu parágrafo único expõe que "nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código". Já o art. 42, do mesmo diploma legal, não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Os referidos dispositivos legais aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 6. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 7. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de ação com o fim de impedir suspensão de fornecimento de energia. 8. Recurso Especial não provido. [21]

Porém, é conveniente assinalar que existe, ainda que de forma minoritária, decisões do Superior Tribunal de Justiça que admitem o corte do fornecimento de energia elétrica, em caso de inadimplência de Municípios. Alude-se:

ENERGIA ELÉTRICA. CORTE POR INADIMPLÊNCIA. MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. 1. A interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplemento não configura descontinuidade da prestação do serviço público. Precedentes. 2. O interesse da coletividade não pode ser protegido estimulando-se a mora, até porque esta poderá comprometer, por via reflexa, de forma mais cruel, toda a coletividade, em sobrevindo má prestação dos serviços de fornecimento de energia, por falta de investimentos, como resultado do não recebimento, pela concessionária, da contra-prestação pecuniária. 3. Legítima a pretensão da Concessionária de suspender a decisão que, apesar do inadimplemento, determinou o restabelecimento do serviço e a abstenção de atos tendentes à interrupção do fornecimento de energia. 4. Agravo Regimental não provido.[22]

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.  FALTA DE PAGAMENTO. CORTE ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE.

1. A Corte Especial, acompanhando o entendimento das Turmas de Direito Público, pacificou a questão sobre a possibilidade de corte administrativo do fornecimento de energia elétrica, tendo em vista as características inerentes ao contrato de concessão (equilíbrio fornecimento/pagamento) e o interesse coletivo.

2. O Tribunal de origem asseverou ser: a) incontestável a relação contratual entre a concessionária do serviço de energia elétrica e a empresa recorrida, e b) confesso o inadimplemento desta última.

3. Infere-se dos autos que os débitos são atuais e que a empresa foi notificada  para pagamento, razão pela qual a hipótese se subsume aos casos em que o Superior Tribunal de Justiça permite a suspensão do fornecimento de energia.

4. Recurso Especial provido.[23]

Na doutrina, há também posições favoráveis à suspensão do fornecimento de energia elétrica em face de pessoas jurídicas de Direito Público em caso de inadimplência. Afirma Denari (2005, p. 141):

Assim sendo, partindo do suposto de que todos os serviços públicos são essenciais, resta discorrer sobre a exigência legal da sua continuidade. A nosso aviso, essa exigência do art. 22 não pode ser subentendida: 'os serviços essenciais devem ser contínuos' no sentido de que não podem deixar de ser ofertados a todos os usuários, vale dizer, prestados no interesse coletivo. Ao revés, quando estiverem em causa interesses individuais, de determinado usuário, a oferta de serviço pode sofrer solução de continuidade, se não forem observadas as normas administrativas que regem a espécie. Tratando-se, por exemplo, de serviços prestados sob o regime de remuneração tarifária ou tributária, o inadimplemento pode determinar o corte do fornecimento do produto ou serviço. A gratuidade não se presume e o Poder Público não pode ser compelido a prestar serviços públicos ininterruptos se o usuário, em contrapartida, deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento.[24]


2. Dados Comerciais da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica.

A fim de ilustrar a situação posta, buscou-se junto à área comercial da concessionária mencionada dados numéricos que demonstrassem o prejuízo econômico financeiro experimentado pela distribuidora de energia em razão de situações que apesar de caracterizada a inadimplência, resta impedida a realização do corte de fornecimento pelas mais variadas razões, algumas delas já trazidas à baile, como a dignidade da pessoa humana, o princípio da continuidade dos serviços públicos e preceitos decorrentes do microssistema do direito do consumidor.

Tabela 1 – Consumo, Faturamento e Saldo devedor de Município de Grande Porte.

Município A

Próprios Municipais

consumo (KWh)

Faturamento  (R$)

Saldo devedor (R$)

85.216

64.778,32

34.159,54

Iluminação Pública

consumo (KWh)

Faturamento (R$)

Saldo devedor (R$)

843.593

342.597,09

3.811.994,93

Fonte: Elaborado pela aluna.

Tabela 2 – Consumo, Faturamento e Saldo devedor de Município de Médio Porte.

Município B

Próprios Municipais

consumo (KWh)

Faturamento (R$)

Saldo devedor (R$)

55.144

43.027,82

5.374,45

Iluminação Pública

consumo (KWh)

Faturamento (R$)

Saldo devedor (R$)

429.189

231.545,93

9.653.528,50

Fonte: Elaborado pela aluna.

Tabela 3 – Consumo, Faturamento e Saldo devedor de Município de Pequeno Porte.

Município C

Próprios Municipais

consumo (KWh)

Faturamento (R$)

Saldo devedor (R$)

36.613

28.697,04

46.471,69

Iluminação Pública

consumo (KWh)

Faturamento (R$)

Saldo devedor (R$)

90.375

70.092,28

6.897.071,17

Fonte: Elaborado pela aluna.

Os dados colhidos dizem respeito a três municípios localizados na área de concessão da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica. O consumo destes Municípios foi cindido considerando a origem (Próprios Municipais e Iluminação Pública). Trata-se de Municípios de dimensões diferenciadas (grande, médio e pequeno), conforme se deflui do consumo apurado. O faturamento, expresso em Reais, na 2ª coluna, diz respeito ao mês de setembro de 2016. Em relação aos Municípios mencionados, verifica-se que além do faturamento elevado no que tange aos próprios municipais (prédios públicos, escolas, postos de saúde, por exemplo) há um saldo devedor acumulado (4ª coluna), cuja cobrança judicial muitas vezes é realizada, mas é inexitosa, em razão das peculiaridades que cercam a execução em face da Fazenda Pública. E nesse contexto, a concessionária se vê obrigada a permanecer fornecendo energia sob pena de inviabilizar a prestação de serviços públicos municipais.  E tal posicionamento é chancelado pela jurisprudência pátria, que, em regra, entende que em relação aos Municípios é ilegítima a suspensão do fornecimento de energia elétrica como forma de compelir ao pagamento do débito, uma vez que tal conduta viola o princípio do interesse público, prejudicando a prestação de serviços públicos e trazendo prejuízos aos munícipes. Assim, o interesse público prevalece em face do interesse privado de natureza econômica da concessionária de energia elétrica, que deverá se valer os meios ordinários de cobrança.

Neste sentido, cita-se o precedente:

ADMINISTRATIVO.   FORNECIMENTO  DE  ENERGIA  ELÉTRICA.  AUSÊNCIA  DE OMISSÃO  NO ACÓRDÃO REGIONAL. INADIMPLÊNCIA. PRÉDIO PÚBLICO. SERVIÇO ESSENCIAL.  INTERRUPÇÃO.  FORMA DE COMPELIR O MUNICÍPIO AO PAGAMENTO DO   DÉBITO.   INTERESSE  DE  TODA  A  COLETIVIDADE.  ILEGITIMIDADE. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 568/STJ.

1.  Não cabe falar em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão colocada nos autos.

2.   Verifica-se  que  o  Tribunal  a  quo  decidiu  de  acordo  com jurisprudência  desta  Corte,  no  sentido  de  que  é  ilegítimo  a suspensão do fornecimento de energia elétrica como forma de compelir o  Município  ao  pagamento  do débito e em prejuízo do interesse da coletividade. Súmula 568/STJ.

Agravo interno improvido.[25]

Quanto à iluminação pública, importante mencionar a regulamentação normativa e constitucional da questão:

A Resolução Normativa nº 414 da Agência Nacional de Energia Elétrica define em seu artigo 2º, inciso XXXIX, iluminação pública: “XXXIX – iluminação pública: serviço público que tem por objetivo exclusivo prover de claridade os logradouros públicos, de forma periódica, contínua ou eventual.”[26]

No artigo 5º, § 6º da Resolução supramencionada, define-se a classe iluminação pública nos seguintes termos:

§ 6o A classe iluminação pública, de responsabilidade de pessoa jurídica de direito público ou por esta delegada mediante concessão ou autorização, caracteriza-se pelo fornecimento para iluminação de ruas, praças, avenidas, túneis, passagens subterrâneas, jardins, vias, estradas, passarelas, abrigos de usuários de transportes coletivos, logradouros de uso comum e livre acesso, inclusive a iluminação de monumentos, fachadas, fontes luminosas e obras de arte de valor histórico, cultural ou ambiental, localizadas em áreas públicas e definidas por meio de legislação específica, exceto o fornecimento de energia elétrica que tenha por objetivo qualquer forma de propaganda ou publicidade, ou para realização de atividades que visem a interesses econômicos.[27]

Por sua vez, a Constituição Federal estabelece em seu art. 30:

Art. 30 – Compete aos Municípios:

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;[28]

Portanto, verifica-se que a prestação do serviço de iluminação pública constitui nítido interesse local, sendo competência municipal. Tanto o é, que a Carta Magna instituiu a Contribuição sobre Iluminação Pública, taxa a ser instituída pelos Municípios, no artigo 149-A, abaixo transcrito:

Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)[29]

No que tange à iluminação pública, conforme podemos observar a partir das tabelas acima, constata-se que o consumo a este título supera aquele atinente aos próprios municipais e, que, por consequência, o valor devido também. Só que nestes casos, este consumo por dizer respeito à iluminação pública, usufruível por todos os munícipes, o corte de fornecimento, em regra, é inadmitido pelos Tribunais, sob pena de lesionar a coletividade.

A fim de ilustrar a questão, menciona-se:

 ADMINISTRATIVO. CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECONHECIMENTO, PELO MUNICÍPIO, DA INADIMPLÊNCIA DO PAGAMENTO DA TARIFA RELATIVA À ILUMINAÇÃO PÚBLICA. "UNIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS". ILEGALIDADE. SEGURANÇA PÚBLICA. INTERESSE DA COLETIVIDADE. GARANTIA. PRINCÍPIOS DA ESSENCIALIDADE E CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. OBSERVÂNCIA. 

1. A Corte Especial, no julgamento do AgRg na SS 1497⁄RJ, perfilhou o entendimento de que: 

"AGRAVO REGIMENTAL - SUSPENSÃO - DEFERIMENTO - FORNECIMENTO DE ENERGIA - CORTE POR INADIMPLÊNCIA - MUNICÍPIO - POSSIBILIDADE. 

1. A interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplemento não configura descontinuidade da prestação do serviço público. Precedentes. 

2. O interesse da coletividade não pode ser protegido estimulando-se a mora, até porque esta poderá comprometer, por via reflexa, de forma mais cruel, toda a coletividade, em sobrevindo má prestação dos serviços de fornecimento de energia, por falta de investimentos, como resultado do não recebimento, pela concessionária, da contra-prestação pecuniária. 

3. Legítima a pretensão da Concessionária de suspender a decisão que, apesar do inadimplemento, determinou o restabelecimento do serviço e a abstenção de atos tendentes à interrupção do fornecimento de energia, porque a questão relativa à eventual compensação de dívidas recíprocas não foi objeto da ação mandamental em que originada a decisão objeto do pedido de suspensão. 

4. Agravo não provido." 

2. Destarte, é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta. 

3. A Lei de Concessões, entretanto, estabelece que é possível o corte desde que considerado o interesse da coletividade (artigo 6º, § 3º, inciso II, da Lei 8.987⁄95), que significa não empreender o corte de utilidades básicas de um hospital ou de uma universidade, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. 

4. In casu, o acórdão recorrido assentou que a suspensão no fornecimento implicaria em ofensa ao interesse da coletividade, uma vez que "... a iluminação pública é serviço essencial ao bem-estar e segurança da população, que não pode ser punida com o corte, pois é ela que, ao fim e ao cabo, sofrerá o ônus. É o cidadão, que paga seus tributos regularmente, que será penalizado. Não se pode olvidar, ainda, que se trata de uma concessão do serviço que deveria, sim, ser prestado pelo Estado. Por razões que ora não importam, o Estado concede a um particular a prestação deste serviço. E o fornecedor, no caso, dispõe dos mecanismos legais para se ressarcir, que é a ação de cobrança, não podendo lançar mão de meios nitidamente coercitivos para tanto.(...)". Segundo o Tribunal de origem, "há na espécie, nitidamente, afronta ao interesse público, com infringência, inclusive, de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Efetivamente, o corte da energia elétrica ocasionaria todos tipo de transtornos, destacando-se entre eles a insegurança pública, tendo em vista que uma cidade às escuras propiciaria um campo fértil aos acidentes de automóveis, roubos e furtos, gerando um verdadeiro caos urbano. Destarte, correta a afirmação de que a energia elétrica é um bem essencial à vida na sociedade urbana moderna, não podendo ser o seu fornecimento suspenso unilateralmente, sem o embasamento, no mínimo, de uma decisão transitada em julgado". 

5. O corte de energia nas repartições públicas municipais (Prefeitura municipal, escolas, Secretaria de Saúde e de Obras) e nos logradouros públicos atinge serviços públicos essenciais, gerando expressiva situação de periclitação para o direito dos munícipes. 

6. As normas administrativas devem ser interpretadas em prol da administração, mercê de impedir, no contrato administrativo a alegação da exceptio non adimplenti contractus para paralisar serviços essenciais, aliás inalcançáveis até mesmo pelo consagrado direito constitucional de greve. 

7. Deveras, este relator, a despeito da jurisprudência majoritária desta Corte, tem ressalvado o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. O interesse da coletividade abrangeria não apenas o interesse público em sentido amplo (necessidades coletivas), como também o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta: em primeiro lugar, há que se distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. 

8. In casu, não se trata de corte de energia uti singuli, vale dizer: da concessionária versus o consumidor isolado, mas, sim, do corte de energia em face do Município e de suas repartições, o que pode atingir serviços públicos essenciais. A supressão da iluminação pública de Município afronta a expectativa da população no recebimento de serviço público essencial, constituindo ainda grave risco de lesão à ordem pública, atingindo toda a coletividade municipal. 

9. Ademais, sucede que, na hipótese em comento, o inadimplemento municipal sequer é absoluto, uma vez que se encontra noticiado nos autos a quitação das faturas referentes às repartições públicas, sendo tão-somente confesso o atraso atinente à iluminação pública. 

10. Precedente da Segunda Turma, da relatoria do Ministro Castro Meira, pugna pela impossibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica de "unidades públicas essenciais", verbis: 

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLEMENTO. UNIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 22 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E 6º, § 3º, II, DA LEI Nº 8.987⁄95. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL INDEMONSTRADA. 

(...) 

2. O artigo 22 da Lei 8.078⁄90 (Código de Defesa do Consumidor), dispõe que: "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". 

3. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser amenizado, ante a exegese do art. 6º, § 3º, II da Lei nº 8.987⁄95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. 

4. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, prevalece nesta Turma a tese de que o corte de energia é possível, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais. 

5. A interrupção de fornecimento de energia elétrica de Município inadimplente somente é considerada ilegítima quando atinge as unidades públicas provedoras das necessidades inadiáveis da comunidade, entendidas essas - por analogia à Lei de Greve - como "aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população", o que se perfaz na hipótese. 

(...) 

7. Recurso especial improvido." (REsp 791713⁄RN, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 01.02.2006) 

11. Recurso especial desprovido. [30]

Muito embora seja louvável tal posicionamento, pois demonstra a preocupação dos julgadores com o bem-estar da coletividade, deixa-se de ponderar o aspecto econômico e financeiro na manutenção das concessões. A inadimplência acarreta perdas comerciais irreparáveis para as empresas de energia e prejuízos aos demais clientes, uma vez que estes serão penalizados com o aumento de tarifa. Isto porque, as perdas comerciais são consideradas no cálculo do reajuste tarifário pelo Órgão Regulador. Cabe invocar também os prejuízos advindos em razão da ausência de capital para investimentos e manutenção nas redes de distribuição, o que atinge todos os demais usuários.

Assim, permitir que certos clientes continuem usufruindo do serviço de energia sem a correspondente contraprestação acarreta um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato de concessão, o que pode vir, num futuro próximo, a comprometer todo o sistema de fornecimento de energia.

Cumpre assinalar que apenas com os dados trazidos de três municípios inadimplentes, o montante devido à concessionária ultrapassa 20 milhões de Reais. No que tange a débitos de iluminação pública, a inadimplência atinge 55,5% dos Munícipios da área de concessão, conforme se deflui da tabela abaixo transcrita, atingindo valor que supera 83 milhões (dados de outubro de 2016).

Tabela 4 – Consumo, faturamento e saldo devedor de municípios da área de concessão no que tange a rubrica de “iluminação pública”

Prefeitura

Iluminação Pública

Consumo (kWh)

Faturam. (R$)

Saldo Devedor

ALVORADA

627.016

236.153,39

-

AMARAL FERRADOR

11.005

4.286,25

49.054,84

ARAMBARE

61.573

23.330,31

66.063,54

ARROIO DO PADRE

18.584

6.492,25

-

ARROIO DO SAL

235.650

86.387,04

-

ARROIO DOS RATOS

91.417

38.140,61

505.840,80

ARROIO GRANDE

93.491

75.386,19

6.955.135,79

BAGE

539.491

198.549,31

-

BALNEARIO PINHAL

204.818

76.672,04

124.256,70

BARAO DO TRIUNFO

2.400

842,38

1.492,35

BARRA DO RIBEIRO

78.737

28.861,00

28.017,97

BUTIA

100.332

36.626,66

-

CAMAQUA

318.301

115.668,10

-

CANDIOTA

51.216

18.607,16

-

CANGUCU

103.866

39.927,24

165.410,40

CAPAO DA CANOA

761.026

277.707,21

243.930,38

CAPAO DO LEAO

84.300

29.449,51

-

CAPIVARI DO SUL

51.749

18.474,04

-

CARAA

69.793

25.189,16

-

CERRITO

34.562

12.073,98

-

CERRO GRANDE DO SUL

31.178

11.211,75

-

CHARQUEADAS

201.113

77.003,51

313.757,94

CHUI

43.394

15.667,68

61.609,13

CHUVISCA

15.811

5.617,91

-

CIDREIRA

233.262

90.607,18

531.309,45

CRISTAL

63.924

22.855,08

-

DOM FELICIANO

51.008

18.273,90

-

DOM PEDRITO

175.959

64.128,51

-

DOM PEDRO DE ALCANTARA

26.474

9.801,67

28.857,19

ELDORADO DO SUL

320.887

114.960,00

-

ENCRUZILHADA DO SUL

77.418

29.464,99

77.138,24

GUAIBA

521.703

205.494,85

2.592.123,30

HERVAL

30.271

11.314,68

11.391,85

HULHA NEGRA

157

54,96

-

IMBE

414.390

223.638,20

9.885.074,43

ITATI

19.334

7.064,28

-

JAGUARAO

163.606

133.473,43

15.322.953,38

LAVRAS DO SUL

44.363

15.990,95

-

MAMPITUBA

12.763

4.847,88

-

MAQUINE

34.403

12.669,51

13.166,89

MARIANA PIMENTEL

54.363

19.597,54

18.968,45

MINAS DO LEAO

48.554

16.961,85

-

MORRINHOS DO SUL

24.702

8.629,35

-

MORRO REDONDO

34.760

12.581,13

-

MOSTARDAS

83.957

29.329,59

-

OSORIO

572.050

206.721,03

122.201,68

PALMARES DO SUL

132.992

50.344,69

-

PANTANO GRANDE

108.149

40.909,01

301.864,02

PEDRAS ALTAS

19.215

6.712,39

-

PEDRO OSORIO

53.341

19.499,72

-

PELOTAS

1.331.742

798.136,55

40.576.333,68

PINHEIRO MACHADO

78.920

29.293,03

91.404,03

PIRATINI

50.053

23.169,16

599.947,71

PORTO ALEGRE

5.799.506

2.162.011,57

73.110,40

RIO GRANDE

1.434.945

501.284,19

10,72

S JOSE NORTE

147.618

53.960,33

-

S VITORIA PALMAR

108.068

39.690,74

111.902,42

SANTO ANTONIO DA PATRULHA

309.221

112.596,09

-

SAO JERONIMO

116.641

42.507,77

-

SAO LOURENCO DO SUL

189.392

73.650,08

685.345,67

SENTINELA DO SUL

19.363

7.291,23

-

SERTAO SANTANA

31.470

11.513,77

-

TAPES

102.526

37.318,05

-

TAVARES

25.495

8.984,45

9.167,37

TERRA DE AREIA

95.485

34.946,82

-

TORRES

478.116

174.363,59

-

TRAMANDAI

816.532

332.088,95

4.152.659,96

TRES CACHOEIRAS

109.173

39.516,05

-

TRES FORQUILHAS

36.207

13.293,00

27.969,49

TURUCU

21.511

7.821,55

-

VIAMAO

870.358

310.254,35

-

XANGRI-LA

530.491

191.166,44

-

Média

275.773

108.876,51

1.163.159,31

Total

19.855.660

7.839.108,81

83.747.470,17

Fonte: área comercial da CEEE-D.

Assim, é pertinente que os tribunais façam não apenas uma leitura “social” do tema, devendo se preocupar também com os reflexos econômicos das inúmeras decisões judiciais que garantem o fornecimento de energia elétrica independentemente do pagamento das faturas, sejam estas atuais ou não. Daí a urgência na mudança de entendimento, a fim de possibilitar o corte de fornecimento e pôr fim a essa indevida interferência do Poder Judiciário na economia do setor elétrico.


3 CONCLUSÃO

A posição atual do Superior Tribunal de Justiça que impede o corte da energia elétrica a consumidores que fraudam ou violam medidores de consumo ou que possuem débitos considerados pretéritos foram elaboradas com fundamento em premissas equivocadas. Sem dúvida, princípios estabelecidos constitucionalmente, contidos no Estatuto Consumerista e na Lei dos Serviços Públicos devem prevalecer, no entanto, devem ser ponderados em caso de colidência com outros princípios ou com dispositivos legais em vigor, utilizando o princípio da proporcionalidade. A alteração da jurisprudência é desejável, tendo em vista os efeitos econômicos maléficos que ela acarreta às prestadoras do serviço de energia elétrica.  O que ocorre é que o corte de energia elétrica é um direito que assiste ao Poder Público ou a seu concessionário, no caso de inadimplência do usuário. Trata-se de mero ato de gestão, decorre de disposição legal e assim jamais poderia caracterizar constrangimento ou qualquer tipo de ameaça ou infração a direitos do consumidor ou à Lei dos Serviços Públicos. A continuidade do serviço para o fraudador ou para o inadimplente, sem o efetivo pagamento, infringe o princípio da igualdade, uma vez que clientes em situações similares são tratados de forma diversa e ocasiona o enriquecimento sem causa àquele que é beneficiado.  Seria pertinente que os julgadores considerassem todo o sistema integrado de normas e que não simplesmente dispensassem qualquer consumidor do pagamento, sob pena de gerar um desequilíbrio econômico-financeiro para as concessionárias, o que pode vir a inviabilizar a própria continuidade da prestação do serviço. De certa forma, o próprio ordenamento já dispõe dos preceitos que fundamentariam a alteração de entendimento jurisprudencial, só precisariam ser observados com maior atenção e rigidez por parte do julgador.

 Esperamos que uma mudança de rumo jurisprudencial seja possível em relação a essa matéria, isto porque o Superior Tribunal de Justiça vem norteando várias de suas decisões com a preocupação dos reflexos econômicos advindos das mesmas.


Referências Bibliográficas

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Resolução Normativa nº 414/2010. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/documents/656877/14486448/bren2010414.pdf/3bd33297-26f9-4ddf-94c3-f01d76d6f14a?version=1.0. Acesso em: 20 nov. 2016.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei Federal 8078/90. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm . Acesso em: 25 nov. 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 nov. 2016.

BRASIL. Lei nº 7.783 de 28 de junho de 1989. Brasília: Senado, 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L7783.htm . Acesso em: 18 nov. 2016.

BRASIL. Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Brasília: Senado, 1995. Disponível em: http://www.leidireto.com.br/lei-8987.html . Acesso em: 20 nov. 2016.

BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria nº 03/99. Disponível em: http://www.decon.com.br/portaria03.htm. Acesso em: 18 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Agravo de Recurso Especial 893273. Relator Ministro Humberto Martins. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1526800&num_registro=201600815447&data=20160817&formato=PDF. Acesso em: 27  nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença 216. Relator Ministro Edson Vidigal. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=615613&num_registro=200502061254&data=20060410&formato=PDF Acesso em: 25 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento  633173/RS, Relator Ministro José Delgado. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=535044&tipo=0&nreg=200401411242&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20050502&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 20 nov.  2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 131.356. Relator Ministro Ari Pargendler. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201103056275&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea Acesso em: 26 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 298.017. Relator Ministro Francisco Falcão. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/304022/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-298017-mg-2000-0144950-8 Acesso em: 20 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos Declaratórios nos Embargos Declaratórios no Recurso Especial 1192168. Relator Ministro Mauro Campbel. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201000807318&dt_publicacao=15/08/2011. Acesso em: 26 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 313606, Relator Ministro Herman Benjamin. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=931420&num_registro=200100348734&data=20091217&formato=PDF .Acesso em: 25 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 442.814/RS, Relator Ministro José Delgado. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=471934&num_registro=200201073971&data=20050221&formato=PDF. Acesso em: 25 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 721.119-RS. Relator Ministro Luiz Fux. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7160901/recurso-especial-resp-721119-rs-2005-0012159-0/inteiro-teor-12881442. Acesso em: 25 nov 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 8915/MA. Relator Ministro José Delgado. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19841752/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-8915-ma-1997-0062447-1. Acesso em: 25 nov. 2016.

DENARI, Z. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

FADEL, Marcelo Costa. O direito da energia elétrica sob a ótica do consumidor. 1° ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

NUNES, L.A.R. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

PES, João Hélio Ferreira. A constitucionalização de direitos humanos elencados em tratados. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.

ROCHA, Fábio Amorim da. As irregularidades no consumo de energia elétrica: doutrina, jurisprudência, legislação. Rio de Janeiro: Synergia, 2011.


Notas

[1] BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Resolução Normativa nº 414/2010. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/documents/656877/14486448/bren2010414.pdf/3bd33297-26f9-4ddf-94c3-f01d76d6f14a?version=1.0. Acesso em: 20 nov. 2016.

[2] FADEL, Marcelo Costa. O direito da energia elétrica sob a ótica do consumidor. 1° ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

[3] PES, João Hélio Ferreira. A constitucionalização de direitos humanos elencados em tratados. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.

[4] BRASIL. Lei nº 7.783 de 28 de junho de 1989. Brasília: Senado, 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L7783.htm.Acesso em: 18 nov. 2016.

[5] BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria nº 03/99. Disponível em: http://www.decon.com.br/portaria03.htm .Acesso em: 18 nov. 2016.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 721.119-RS. Relator Ministro Luiz Fux. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7160901/recurso-especial-resp-721119-rs-2005-0012159-0/inteiro-teor-12881442.Acesso em: 25 nov 2016.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 8915/MA. Relator Ministro José Delgado. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19841752/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-8915-ma-1997-0062447-1. Acesso em: 25 nov. 2016.

[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 nov. 2016.

[9] BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei Federal 8078/90. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm . Acesso em: 25 nov. 2016.

[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento  633173/RS, Relator Ministro José Delgado. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=535044&tipo=0&nreg=200401411242&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20050502&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: nov de 2016.

[11] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

[12] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Rio de Janeiro: Forense, 2014,  p. 722.

[13] AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Resolução Normativa nº 414/2010. Estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica de forma atualizada e consolidada. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/documents/656877/14486448/bren2010414.pdf/3bd33297-26f9-4ddf-94c3-f01d76d6f14a?version=1.0 Acesso em: 15 nov. 2016.

[14] AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Resolução Normativa nº 414/2010. Estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica de forma atualizada e consolidada. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/documents/656877/14486448/bren2010414.pdf/3bd33297-26f9-4ddf-94c3-f01d76d6f14a?version=1.0. Acesso em: 15 nov. 2016.

[15] BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L8078.htm>. Acesso em: 15 nov. 2016.

[16] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 298.017. Relator Ministro Francisco Falcão. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/304022/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-298017-mg-2000-0144950-8 Acesso em: 20 nov. 2016.

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 8915. Relator: Ministro José Delgado. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/495534/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-8915-ma-1997-0062447-1 Acesso em: 20 nov. 2016.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos Declaratórios nos Embargos Declaratórios no Recurso Especial 1192168. Relator Ministro Mauro Campbel. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201000807318&dt_publicacao=15/08/2011. Acesso em 26 de nov. 2016.

[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 131.356. Relator Ministro Ari Pargendler. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201103056275&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea Acesso em 26 de nov. 2016.

[20] NUNES, L.A.R. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2005.

[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 442.814/RS, Relator Ministro José Delgado. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=471934&num_registro=200201073971&data=20050221&formato=PDF. Acesso em 25 nov. 2016.

[22] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença 216. Relator Ministro Edson Vidigal. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=615613&num_registro=200502061254&data=20060410&formato=PDF Acesso em: 25 nov. 2016.

[23] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 313606, Relator Ministro Herman Benjamin. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=931420&num_registro=200100348734&data=20091217&formato=PDF .Acesso em: 25 nov. 2016.

[24] DENARI, Z. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

[25] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Agravo de Recurso Especial 893273. Relator Ministro Humberto Martins. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1526800&num_registro=201600815447&data=20160817&formato=PDF. Acesso em: 27  nov. 2016.

[26] AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Resolução nº 414/2010. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/documents/656877/14486448/bren2010414.pdf/3bd33297-26f9-4ddf-94c3-f01d76d6f14a?version=1.0. Acesso em: 27 nov. 2016.

[27]AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL).Resolução nº 414/2010. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/documents/656877/14486448/bren2010414.pdf/3bd33297-26f9-4ddf-94c3-f01d76d6f14a?version=1.0. Acesso em 27 de nov. 2016.

[28] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 nov. 2016.

[29] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 nov. 2016.

[30] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº721119. Relator Ministro Luiz Fux. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=6207. Acesso em: 25 nov. 2016.Do Contrato de fornecimento de energia elétrica para consumidores do Grupo B


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNO, Danielle Cristina Nunes. Do contrato de fornecimento de energia elétrica para consumidores do grupo B. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4958, 27 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55304. Acesso em: 19 abr. 2024.