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O surgimento e o desenvolvimento do right to privacy nos Estados Unidos

O surgimento e o desenvolvimento do right to privacy nos Estados Unidos

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Apresenta-se a evolução do right to privacy, cuja origem doutrinária foi lentamente sendo consagrada na jurisprudência, na legislação de um grande número de estados e, finalmente, elevada ao nível constitucional pela Suprema Corte.

SUMÁRIO: 1.1. Introdução. 1.2. O surgimento do right of privacy e a contribuição de Warren e Brandeis. 1.3. O reconhecimento do right of privacy nos tribunais dos Estados Unidos. 1.4. As dificuldades para o desenvolvimento do privacy até a década de 1950. 1.5. O right of publicity. 1.6. A difícil distinção entre o privacy e o publicity. 1.7. O privacy na construção doutrinária de Prosser . 1.8. O privacy como tutela da dignidade e da individualidade. 1.9. A formulação do privacy constitucional. 1.10. A consolidação do entendimento do caso Griswold. 1.11. A relação entre o right of privacy e os direitos da personalidade. 1.12. Considerações finais. BIBLIOGRAFIA           


1.1.   Introdução

O right of privacy surgiu nos Estados Unidos e difundiu-se para os países que adotam o sistema da common law. Tais países, entretanto, apresentam um grau bastante variado de proteção da personalidade humana, valendo notar, por exemplo, que no Direito inglês não haveria uma espécie de proteção geral, mas apenas uma tutela indireta, relacionada com elementos constitutivos de determinados delitos[1].

Desta feita, considerando sua origem e os grandes avanços de seu sistema protetivo, bem como que se trata de modelo utilizado por outros países de common law e mesmo de civil law, objetivamos realizar um breve estudo sobre o right of privacy nos Estados Unidos, passando pelas diversas fases de seu desenvolvimento até seu reconhecimento no âmbito constitucional.

Nossa análise, ao lado do estudo do privacy, também buscará a compreensão dos principais pontos de divergência e convergência entre o sistema dos Estados Unidos e o dos direitos da personalidade, tradicionalmente reconhecido pelos países de direito continental, como é o caso do Brasil.


1.2.  O surgimento do right of privacy e a contribuição de Warren e Brandeis

A ideia de privacy, conforme asseveram muitos autores, já estava presente no sistema jurídico dos Estados Unidos no século XIX, sendo possível o reconhecimento de uma primeira manifestação do interesse individual de “ser deixado só” no caso Wheaton v. Peters, decidido pela Suprema Corte no ano de 1834. No entanto, o conceito de privacy não chegou a receber reconhecimento formal da comunidade jurídica como um right, o que somente ocorreu com a publicação do artigo de Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis[2]-[3].

Antes do artigo de Warren e Brandeis, vamos encontrar na obra do juiz Thomas Cooley, publicada em 1880, sob o título “A Treatise on the Law of Torts”, a primeira utilização da expressão “right to be let alone”. Apesar de ter cunhado a expressão, Cooley não a relacionou com a noção de privacy[4], mencionando-a em seu trabalho sobre responsabilidade civil (torts) como parte do seguinte trecho: “The right to one’s person may be said to be a right of complete immunity: to be let alone” [5].

A expressão forjada por Cooley somente ganhou relevo com a publicação, em 15 de dezembro de 1890, na Harvard Law Review, do artigo de autoria de Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, intitulado “The Right to Privacy”. Nele os autores colocam em evidência a ocorrência de transformações sociais, políticas e econômicas, bem como o surgimento de novos inventos, como a fotografia, que contribuíram para a ocorrência de violações da vida privada das pessoas[6]-[7].

Partindo desses problemas, os autores analisam um bom número de decisões de tribunais ingleses e americanos, deduzindo então a existência de um princípio geral na common law, o right of privacy. Assim, utilizando o termo “right to be let alone”, propõem um novo “tort”, a invasão do “privacy”, que constituiria uma profunda ofensa, que lesionaria o senso da própria pessoa sobre sua independência, individualidade, dignidade e honra[8].

Nessa linha, o direito em questão garantiria ao indivíduo uma ampla liberdade contra intromissões não desejadas em sua vida, tutelando seus pensamentos, sentimentos, emoções, dados pessoais e até mesmo o nome[9]. A imagem também foi incluída no âmbito de proteção do privacy[10], destacando-se que os avanços da fotografia tornaram possível a captação de forma oculta dos traços pessoais, pelo que se fazia necessária a utilização da lei de torts diante dos riscos inerentes ao progresso técnico[11].

Para fundamentar o privacy, os autores recorreram ao direito à vida, expressamente enunciado na declaração de independência dos Estados Unidos e formalmente reconhecido pela quinta emenda da Constituição. Acrescentaram ainda que apesar da Constituição não fazer qualquer menção à palavra privacy, seus princípios já faziam parte da common law, particularmente no que diz respeito à proteção do domicílio, tendo o desenvolvimento tecnológico apenas tornado necessário reconhecer expressamente e separadamente esta proteção sob o nome de privacy[12].

Outrossim, apresentam no artigo limitações ao privacy, como por exemplo: a permissão de publicação de material de interesse geral e público, a possibilidade de publicação de fatos danosos quando o indivíduo consente, bem como a inexistência de defesa quando se alega que o fato é verdadeiro ou então que não houve “malícia” na publicação[13].

O artigo de Warren e Brandeis vai provocar um impacto considerável no sistema jurídico norte-americano, mas isso não vai ocorrer de maneira imediata. De fato, em um primeiro momento ocorreu hesitação por parte da doutrina quanto ao privacy, pois muitos autores negaram energicamente as novas ideias, enquanto que outros defenderam o instituto com entusiasmo[14].

Nos tribunais o efeito da publicação do artigo também não foi imediato, uma vez que os primeiros casos julgados não reconheceram a existência do privacy. Contudo, a ideia foi aos poucos sendo adotada e até expandida pelos tribunais estaduais e federais, valendo ainda notar que nas primeiras décadas de existência o right of privacy foi defendido ao abrigo da property theory, mas depois passou a ser progressivamente abordado como um direito pessoal[15].

De qualquer forma, é interessante notar que para o sistema da common law dos Estados Unidos é bastante incomum que um artigo publicado em uma revista tenha sido decisivo para desenvolvimento de um direito. Também é muito supreendente o fato de que um artigo publicado em 1890 ainda continue a ser considerado hodiernamente como a obra fundamental sobre o tema, sem tem perdido sua validade, especialmente se levarmos em conta a importância e atualidade da matéria[16].


1.3.  O reconhecimento do right of privacy nos tribunais dos Estados Unidos

Os casos Schuyler v. Curtis (1891)[17] e Marks v. Jaffa (1893) são normalmente apontados, por um grande número de doutrinadores, como aqueles que teriam iniciado as discussões a respeito do right of privacy nos tribunais dos Estados Unidos. Apesar da precedência, mais célebres se tornaram outros dois casos, que foram julgados de forma diversa e coincidentemente envolveram lesão ao direito à imagem[18].

O primeiro deles, o caso Roberson v. Rochester Folding Box Co., conhecido como “Flour of the Family”, diz respeito à inserção da fotografia de uma moça em um cartaz publicitário divulgado por um fabricante de farinha. A ação foi rejeitada em 1902 pela Court of Appeals de Nova Iorque, mas a existência do right of privacy aparentemente tinha sido reconhecida pelas duas cortes inferiores[19].

Na decisão da Court of Appeals, tomada por estreita maioria de quatro votos a favor e três contra, foi negada a existência do direito em questão pela falta de precedente, pelo caráter puramente mental da lesão, pela dificuldade de se estabelecer a distinção entre natureza pública e privada, bem como pela indevida restrição à liberdade de imprensa e liberdade de expressão[20].

Em seguida, três anos mais tarde, o caso Pavesich v. New England Life Ins. Co. foi levado à Suprema Corte da Georgia. Nele foi debatida a reprodução não autorizada em um jornal do retrato do senhor Pavesich, que foi colocado ao lado da foto de um homem em farrapos, tendo sido atribuída a prosperidade do primeiro ao fato de ter contratado uma apólice de seguro[21].

Na decisão, proferida em 1905, a corte rejeitou os argumentos levados anteriormente ao caso Roberson, pelo que acabou aceitando o entendimento de Warren e Brandeis. Assim, os juízes consideraram que a publicação da imagem de uma pessoa, sem seu consentimento e com o propósito de exploração comercial, configuraria uma violação do right of privacy, o que não demandaria da pessoa retratada prova especial do dano[22].

A decisão do caso Pavesich v. New England Life Ins. Co. foi então sendo paulatinamente seguida por tribunais de vários outros estados americanos, de modo que na década de 1950 a oposição ao right of privacy já tinha praticamente desaparecido[23].

Por conseguinte, fica evidente que as duas últimas decisões mencionadas são extremamente importantes para o desenvolvimento do privacy nos Estados Unidos, motivo pelo qual são reiteradamente analisadas nos manuais. Também é interessante observar que os casos apresentados estão associados à defesa de valores patrimoniais, ainda que ligados a valores pessoais. Ademais, vale ainda destacar que apesar de no caso Roberson v. Rochester Folding Box Co. ter sido rejeitada a concepção de Warren e Brandeis, não podemos nos esquecer que tal julgado contou com opiniões divergentes, bem como deu causa à promulgação de uma lei sobre privacy no Estado de Nova Iorque[24].


1.4.  As dificuldades para o desenvolvimento do privacy até a década de 1950

O período que vai do início até a metade do século XX não apresentou evolução aparente da doutrina do privacy, registrando apenas decisões que confirmaram a concepção desenvolvida por Warren e Brandeis. Perdeu-se então a oportunidade de incluir os avanços tecnológicos do período na proteção[25].

A estagnação do desenvolvimento do privacy provavelmente está associada à apresentação aos tribunais de um reduzido número de casos com novos pontos de vista, bem como pelo fato de que os tribunais não estavam dispostos a avançar no tema sem apoio em figuras jurídicas tradicionais, como a proteção da honra ou da propriedade[26].

A problemática é muito bem representada pela decisão do caso Olmstead v. United States, que pode ser considerada como uma das corresponsáveis pela referida estagnação da doutrina do privacy. O processo envolvia escutas telefônicas feitas pelo FBI contra Roy Olmstead e muitas outras pessoas, que teriam transportado e vendido bebidas alcoólicas em violação à lei nacional[27].

O tribunal decidiu que as escutas telefônicas realizadas, que constituíam o principal meio de prova, não tinham sido feitas com invasão da propriedade privada, já que os cabos telefônicos interceptados se localizavam na rua, em áreas próximas das casas e dos escritórios investigados. No voto vencedor, o juiz Taft esclareceu que a escuta por meios eletrônicos não poderia ser considerada como busca, no sentido empregado pela Constituição, uma vez que não houve invasão física, e que não teria ocorrido apreensão inconstitucional, na medida em que não envolveu nenhum bem tangível[28].  

Desse modo, como os locais investigados não foram fisicamente invadidos, as interceptações telefônicas não violariam a Quarta Emenda da Constituição, que garante a inviolabilidade da pessoa, da sua casa, de seus documentos e dos seus bens contra a realização de buscas e apreensões ilegítimas. Assim, foi dada interpretação literal à Quarta Emenda constitucional, que seria aplicável somente na hipótese de busca envolvendo invasão física e de apreensão de objetos tangíveis[29].

Apesar do entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos, o juiz Brandeis, coautor do famoso artigo já mencionado, apresentou voto em sentido contrário, propugnando por uma aplicação liberal da Quarta Emenda constitucional, que protegeria o cidadão contra qualquer violação injustificada do privacy, seja qual for o meio utilizado. Asseverou ainda que o governo deveria ter obtido um mandado de busca antes de ter invadido a privacidade alheia, mesmo porque a Constituição protege os cidadãos não apenas em aspectos materiais, mas também em suas crenças, pensamentos, emoções e sensações[30].

Nessa linha, Brandeis, usando na decisão linguagem similar àquela do artigo publicado muitos anos antes, ampliou o foco do privacy, destacando que o right to be let alone encontra proteção não somente na common law, mas também na Constituição. Também identificou o Estado como um potencial ofensor desse direito[31].

Nos anos que se seguiram, a posição defendida por Brandeis foi continuamente sustentada por outros juízes, mas a Suprema Corte dos Estados Unidos, apesar de pronunciamentos ousados em muitos julgados, manteve reserva ao right of privacy quando se discutia seu reconhecimento constitucional e a admissão de provas em processos criminais[32].

Assim, também não foi reconhecida a ocorrência de violação ao privacy no caso Goldman v. United States (1942), em que a conversa do acusado foi gravada por um microfone instalado na parede do apartamento contíguo, uma vez que a prova não teria sido obtida com invasão física[33]. O posicionamento foi mais uma vez confirmado no caso On Lee v. United States (1952), quando o tribunal admitiu as provas colhidas pela escuta de conversações entre On Lee e um agente infiltrado, que estava com um microfone. O mesmo pode ser constatado em Silvermann v. United States (1961), que, confirmando a regra do caso Olmstead, apenas condenou a utilização de microfones pelo fato de ter ocorrido invasão de propriedade[34].


1.5.  O right of publicity

Em 1953 mais um passo importante é dado no julgamento do caso Haelan Laboratories Inc v. Topps Chewing Gum Inc, que colocou em evidência a falta de adaptação e a insuficiência do privacy para a resolução de problemas relativos a interesses patrimoniais, estabelecendo novos limites para esse direito[35].

A demanda envolveu a celebração de vários contratos entre a empresa Haelan Laboratories Inc e jogadores profissionais de baseball, nos quais foi estabelecido um direito exclusivo de utilização da imagem, do nome e de elementos biográficos dos jogadores para a venda de produtos da empresa. Conhecendo a existência do contrato, a empresa concorrente Topps Chewing Gum Inc procurou os mesmos jogadores e obteve, em violação à obrigação contratual anterior, semelhante autorização para utilização da imagem, o que deu ensejo à demanda judicial por parte da primeira empresa[36].

Em sua defesa, a ré asseverou que os contratos celebrados entre a autora e os jogadores não poderiam transferir o right of privacy, visto que tal direito tinha natureza pessoal e intransferível. Também argumentou que nos contratos não havia previsão de nenhum property right que pudesse ser invocado[37].

Entretanto, o tribunal rejeitou os argumentos da defesa, considerando, sem nenhuma preocupação teórica, a necessidade de se destacar uma parte do right of privacy e reconhecer a existência de um right of publicity. Tal direito foi considerado independente do privacy e garantiria um privilégio exclusivo à pessoa quanto ao aproveitamento econômico de sua notoriedade, o que poderia ser considerado um property right, na medida em que teria valor pecuniário[38].

Assim sendo, apesar de guardar suas origens históricas no right of privacy, o surgimento do right of publicity não decorreu de um processo evolutivo, mas é resultado de uma radical ruptura do right of privacy, que produziu um direito transmissível, inclusive, na opinião da doutrina majoritária, por herança[39].

Após a decisão do caso Haelan, a nova figura jurídica foi rejeitada por alguns tribunais e aceita por outros. A mesma diversidade de entendimentos pôde ser vista na doutrina, que contou, entre os defensores do right of publicity, com Grodin e Nimmer. Este último acabou fixando os contornos do novo instituto, destacando que o right of privacy não era adequado para a integral proteção do cidadão na segunda metade do século XX, em especial pela presença maciça da publicidade[40].

No âmbito da Suprema Corte dos Estados Unidos, o right of publicity somente foi reconhecido em 1977, no julgamento do caso Zacchini v. Scripps-Howard Broadcasting Company, quando se admitiu a existência de interesse econômico na apresentação de um “homem-bala” que foi transmitida pela televisão sem sua autorização[41].

Na demanda, o tribunal atribuiu ao right of publicity um interesse análogo à propriedade (propietary interest) e afirmou ainda que a finalidade de tal direito é muito próxima à de uma patente ou de um copyright, na medida em que é protegido o direito de colher os frutos de uma atividade individual, que nada tem a ver com a proteção dos sentimentos ou da reputação[42].

Depois dessa decisão o right of publicity foi sendo progressivamente admitido pelos Estados do país, muitos deles consagrando até mesmo uma legislação específica sobre o tema[43].

Portanto, a proteção do direito à imagem na common law passou a compreender um modelo dualista, composto tanto pelo right of privacy como pelo right of publicity. O primeiro voltado para a tutela de valores pessoais, enquanto que o segundo se destina à proteção de valores patrimoniais[44].


1.6.  A difícil distinção entre o privacy e o publicity

Como foi visto, o right of publicity pode ser concebido, em linhas gerais, como o direito que cada pessoa tem de controlar o uso comercial de sua identidade, dirigindo sua tutela para aspectos meramente patrimoniais. O instituto é visto como uma espécie do gênero da concorrência desleal, uma vez que garante o privilégio exclusivo quanto à exploração da identidade, particularmente no que toca à publicação de fotografias[45].

Ocorre que o fato do right of publicity ser mencionado em ligação com a identidade não significa que a sua proteção está relacionada apenas com os bens da personalidade. Na verdade, essa tutela vai muito além, abrangendo todas as formas de identificação da pessoa, como a imagem, o nome ou a voz, bem como objetos materiais[46].

Nessa linha, a despeito da definição doutrinária aparentemente clara do right of publicity, bem como do estabelecimento de suas diferenças em relação ao privacy, na prática a distinção não é tão simples, mesmo porque existe uma grande afinidade entre esses direitos.

Normalmente, um dos critérios utilizados na distinção é o comportamento anterior da vítima. Assim, se a pessoa, como ocorreu no caso Zacchini, não se opõe à publicidade, contanto que ela receba as vantagens financeiras pela exposição, estaríamos diante do publicity. Também ocorrerá atentado apenas ao right of publicity quando uma pessoa autoriza a publicação de seu nome ou de sua imagem em um determinado periódico, mas não em um outro, ou quando a extensão da utilização publicitária excede o que foi previsto contratualmente[47].

Por outro lado, estaremos diante de invasão do privacy se os fatos em análise indicam que o indivíduo jamais explorou o valor associado a sua reputação ou a sua atividade profissional, bem como que não houve qualquer consentimento no que toca à utilização do seu nome ou de sua imagem[48].

A partir daí, parte da doutrina e da jurisprudência passaram a considerar, de modo geral, que a utilização do nome ou da imagem de pessoas célebres, sem autorização, em uma propaganda, somente afeta o right of publicity. De contrário, tratando-se de uma pessoa não conhecida do público, a defesa da utilização não autorizada do nome e da imagem deve ser feita pelo right of privacy[49].

Outrossim, podemos arrolar ainda a distinção no que toca à patrimonialidade e à transmissibilidade do interesse protegido. Assim sendo, considerando a patrimonialidade do publicity, a doutrina reconhece que ele faz parte do próprio patrimônio da pessoa (estate) e admite a possibilidade de sua cessão contratual ou transmissão hereditária. O mesmo não valendo para o right of privacy, que se volta para a proteção de interesses ideais e não permite a transmissão[50].

Por conseguinte, deve-se admitir que são poucas as situações em que a delimitação se apresenta tão evidente. A despeito disso é sem dúvida sempre conveniente analisar o comportamento anterior da vítima, investigar a natureza da agressão, bem como buscar interpretar o consentimento do sujeito para que se possa chegar à conclusão se estamos diante de um caso de privacy ou publicity, sobretudo quando foi contratualmente autorizada a exploração do nome ou da imagem[51].


1.7.  O privacy na construção doutrinária de Prosser

Somente na década de 1960 é que vai ser visto o surgimento de novas discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do privacy. No que toca à doutrina, inicia-se então um debate contrapondo pontos de vista favoráveis e opostos às ideias de Warren e Brandeis.

Entre as críticas dirigidas à concepção, podem ser distinguidas diversas orientações, como a que substitui o conceito de privacy por outro considerado mais adequado, a que censura a utilização de um vocábulo único para diversos atos ilícitos e a que contesta a definição do privacy como o “direito de ser deixado só” [52].

Entretanto, vamos aqui destacar o embate mais célebre, que envolveu Prosser e Bloustein, tendo exercido, como será visto, indiscutível influência nos desenvolvimentos posteriores do privacy[53].

William Prosser, aclamado professor da California School of Law (Berkeley) e à época uma das maiores autoridades em responsabilidade civil (tort law), apresentou em 1960 um estudo bastante preciso acerca das decisões prolatadas sobre o right of privacy. Nele o estudioso procurou evidenciar as regras emanadas de cada caso e os desenvolvimentos jurídicos daí decorrentes[54]-[55].

Após a análise de substancial amostra do repertório jurisprudencial disponível, Prosser admitiu a existência de confusão e inconsistências no desenvolvimento do privacy, mas tentou sistematizar a matéria. Asseverou que não se estava diante de apenas um tort, mas sim de quatro grupos diversos, vendo em cada um deles a lesão de diferentes tipos de interesses protegidos. Nessa linha, destacou que os interesses tutelados pelo privacy não teriam quase nada em comum, exceto que todos eles representariam uma interferência no right to be let alone[56].

Prosser passa então a classificar o privacy nas seguintes espécies: 1) invasão em assuntos privados da pessoa (intrusion); 2) publicação de fatos embaraçosos relativos à vida privada de determinada pessoa (public disclosure); 3) publicação que leve a opinião pública a uma falsa compreensão (false light), o que se assimila à difamação (defamation), mas enquanto esta requer que a informação seja falsa, no privacy a informação geralmente é verdadeira, mas cria uma falsa impressão e; 4) abuso do nome ou da imagem de outrem para benefício próprio (appropriation)[57], conceito que se aproximaria do right of publicity, no entanto, este direito protege a pessoa contra a exploração comercial não autorizada (property right), enquanto que o privacy diz respeito à tutela de valores pessoais da personalidade[58].

O estudioso não foi, obviamente, o primeiro a apresentar uma classificação do right of privacy em diferentes tipos. Na verdade, o que torna seu trabalho relevante, a ponto de ser considerado por muitos como leitura obrigatória para as discussões sobre privacy, não é somente o fato de ter desenvolvido uma classificação que impôs ordem e clareza à matéria, mas também por ter identificado o bem jurídico protegido em cada uma das hipóteses apresentadas[59].

Destarte, ainda que de forma implícita, pode-se deduzir do pensamento de Prosser que não existe unidade na tutela do privacy, visto que não estaríamos diante de um valor independente, mas sim de uma composição de interesses que vai abranger a reputação, a tranquilidade emocional e a propriedade imaterial[60].


1.8.  O privacy como tutela da dignidade e da individualidade

Os ensinamentos de Prosser não ficaram isentos a críticas, como a apresentada pelo professor Harry Kalven, no artigo intitulado “Privacy in Tort Law – Were Warren and Brandeis Wrong?”, publicado em 1966. Nele o estudioso questiona a proteção do privacy por meio da legislação de torts, concluindo que, com exceção dos casos de apropriação, a tentativa de proteger o privacy no âmbito da responsabilidade civil é um erro[61].

Edward Bloustein, em trabalho publicado em 1964, assevera que a análise em grupo de casos, apresentada por Prosser, contrariou o que Warren e Brandeis defendiam, uma vez que acabava indicando a incapacidade dos tribunais de continuarem o desenvolvimento do privacy sem que fosse necessário o apoio em figuras jurídicas tradicionais, como a propriedade e a honra[62].

Nessa linha, Bloustein destaca a existência de uma considerável confusão no que toca à natureza do bem jurídico protegido pelo privacy, entendendo que Prosser remete esse direito novamente às antigas instituições jurídicas, o que estaria em contradição com o pensamento de Warren e Brandeis, na medida em que viam no privacy uma figura jurídica nova e unitária[63].

Partindo desses problemas, Bloustein propõe em seu artigo uma teoria geral do privacy, levando em conta, para tanto, o bem jurídico protegido em todos os casos. Considera então que a dignidade humana seria esse bem jurídico, que ligaria o right of privacy do direito privado ao direito público, vínculo este totalmente ignorado por Prosser. Acrescenta ainda que o privacy não é limitado à common law, abrangendo o direito como um todo, inclusive as disposições de direito processual penal[64].

Outrossim, Bloustein lembra da existência de muitas leis mais recentes, que regulam o uso de sistemas eletrônicos de vigilância ou que proíbem a interceptação telefônica de conversas, exemplos que seriam suficientes para comprovar a proteção do right of privacy de forma independente, não somente como uma proteção civil contra atos ilícitos[65].

Além disso, outra questão que se colocava era a respeito dos desenvolvimentos futuros do privacy. De acordo com o estudioso, a influência do trabalho de Prosser era patente, já que nos anos que se seguiram à sua publicação quase toda decisão sobre privacy mencionava sua concepção, bem como também refletiu na elaboração do Restatement of Torts. Assim sendo, nas palavras de Bloustein, se seu posicionamento não estivesse correto, então seria importante demonstrar suas falhas e apresentar uma teoria alternativa[66].

Desse modo, em suma, sugere Bloustein que o raciocínio de Prosser não estava correto, pois o privacy envolveria o mesmo interesse na preservação da dignidade e da individualidade do ser humano, falando-se então em apenas um tort, que garantiria uma proteção abrangente e sem lacunas[67].

Alguns autores americanos concordaram com Bloustein, especialmente diante dos fortes argumentos lançados contra Prosser no sentido de que sua visão se limitava à common law, bem como que a classificação por ele proposta não era exaustiva e ainda apresentava distinções insuficientemente esclarecidas[68].

Contudo, boa parte dos estudiosos acabou seguindo o posicionamento de Prosser, sendo certo que alguns deles, como é o caso de Wade, até avançaram em suas ideias[69]. De qualquer forma, é interessante notar que as ideias de Bloustein em muito se assemelham à concepção em vigor no direito continental, especialmente pela menção à tutela da dignidade humana.

Por conseguinte, o fato é que as ideias de Prosser acabaram saindo vitoriosas e sua sistemática passou a exercer uma influência tão grande que foi seguida de forma quase unânime pela doutrina e pela jurisprudência, ecoando ainda no Second Restatement of Torts, de 1977, bem como na constituição, nas leis e na common law de vários estados[70]. E o resultado não poderia ser diverso, uma vez que independentemente da denominação utilizada, o fato é que o conceito de privacy procura realmente dar uma visão unitária a um grande número de situações ou de relações que são heterogêneas[71], isso sem falar na ampla e já tradicional aceitação pela jurisprudência da inclusão desse instituto entre os torts[72].


1.9.  A formulação do privacy constitucional

Paralelamente ao debate doutrinário, viu-se que ao longo do tempo o right of privacy, desenvolvido como um conceito da common law, passou a aparecer em casos envolvendo a Constituição dos Estados Unidos. Todavia, apesar do início dos debates ter ocorrido ainda na primeira metade do século XX, o reconhecimento do right of privacy na Constituição somente veio com o caso Griswold v. Connecticut, decido em 1965 pela Suprema Corte dos Estados Unidos[73].

Na demanda, foi debatida uma lei de Connecticut, que tornou ilegal o uso ou a distribuição de anticoncepcionais, o que configuraria ingerência do Estado no privacy. A lei deu causa à condenação de um médico, que examinou uma mulher casada e prescreveu métodos contraceptivos, bem como do senhor Griswold, diretor da clínica onde o referido médico trabalhava[74].

Na Suprema Corte dos Estados Unidos o juiz Douglas, que tinha assumido a cadeira de Brandeis, redigiu o voto do caso Griswold v. Connecticut, que se tornou célebre. Nele o magistrado declarou a inconstitucionalidade da lei e reconheceu a existência de um direito geral de privacy, que decorreria das seguintes emendas à Constituição dos Estados Unidos: primeira (liberdade de expressão), terceira (restrição ao aquartelamento de soldados em casas particulares), quarta (busca e apreensões ilícitas), quinta (autoincriminação) e nona (declara que os direitos não especificados na Declaração de Direito são também protegidos por ela)[75].

A decisão ainda destaca o caráter sacro da união conjugal e o respeito que merece a intimidade do casal, considerando, por conseguinte, inadmissível que a polícia pudesse estender suas investigações ao quarto do casal (“the sacred precincts of marital bedrooms”)[76].

Dessa forma, somente a partir do caso Griswold v. Connecticut que vai ser reconhecido constitucionalmente, pela primeira vez, o right of privacy, que apesar de não ser expressamente mencionado pela Constituição, estaria localizado, conforme o voto do juiz Douglas, no interior das penumbras ou zonas de liberdade criadas por uma interpretação mais abrangente da declaração de direitos[77].


1.10.   A consolidação do entendimento do caso Griswold

Em 1967 a Suprema Corte dos Estados Unidos vai finalmente superar a doutrina Olmstead, analisando o caso Katz v. United States, no qual policiais, sem autorização judicial, interceptaram conversações telefônicas realizadas de uma cabine telefônica.

O voto vencedor foi proferido pelo juiz Stewart, que mencionou o posicionamento do tribunal no caso Griswold e reconheceu a violação do privacy decorrente de injustificada medida de busca e apreensão, na hipótese envolvendo bem imaterial. O magistrado ainda acrescentou em sua decisão que Katz tinha uma razoável expectativa de privacy quando entrou na cabine telefônica e fechou a porta, estando assim resguardado pela Quarta Emenda, que protege pessoas e não lugares (the Fourth Amendment protects people, not places)[78].

Em seguida, em 1969, no caso Stanley v. Georgia, novamente foi colocada em prova a solução dada ao caso Griswold. A demanda envolveu a realização de busca e apreensão na casa de Stanley, estando a polícia munida do respectivo mandado, deferido para que fossem encontradas provas da atividade de agenciamento de apostas. Todavia, durante o procedimento, foram encontrados vídeos obscenos no quarto de Stanley, que foi acusado de violação da legislação da Georgia[79].

Pois bem, na Suprema Corte dos Estados Unidos todos os juízes estavam de acordo com a absolvição de Stanley, mas houve divergência quanto aos fundamentos. Nesse particular, vale destacar o voto do juiz Marshall, que citou tanto a manifestação proferida pelo juiz Brandeis no caso Olmstead quanto o entendimento acolhido pelo tribunal no caso Griswold, argumentando ainda que a Constituição protege os cidadãos contra invasões não esperadas em seu direito de privacy[80].

Por derradeiro, as decisões posteriores ao caso Griswold permitiram então a construção e consolidação do privacy constitucional, que foi ainda dividido em duas espécies: a primeira com fundamento na Quarta Emenda e nas “penumbras” de outras emendas (primeira, terceira, quarta, quinta e nona), enquanto que a segunda está voltada para o devido processo substantivo[81].


1.11.   A relação entre o right of privacy e os direitos da personalidade

No Direito dos Estados Unidos, como foi exposto, não é comum a menção a bens da personalidade, mesmo porque não existe a figura dos direitos da personalidade, como é conhecida nos países de tradição continental. Para a solução de eventuais demandas relacionadas com os bens da personalidade, os norte-americanos desenvolveram então o right of privacy, que constitui uma categoria de direitos que não é equivalente aos direitos da personalidade[82].

De fato, o right of privacy apresenta inúmeros pontos de divergência, abarcando, por um lado, aspectos que não se incluem no âmbito dos direitos da personalidade, bem como deixando de tutelar temas que são evidentemente abrangidos pelos direitos da personalidade.

Em linhas gerais, apresentamos a evolução do right of privacy naquele país, cuja origem doutrinária foi lentamente sendo consagrada na jurisprudência, na legislação de um grande número de estados e, finalmente, foi elevado ao nível constitucional pela Suprema Corte.

Nesse contexo, pode-se notar que há um paralelo entre o desenvolvimento do privacy e dos direitos da personalidade. É que para problemas muito semelhantes, surgidos no decorrer do século XX e início do século XXI, foram apresentadas pelos dois sistemas soluções muitas vezes bastante parecidas, não obstante a diversidade da fundamentação.

Todavia, é certo que os norte-americanos levam o individualismo ao extremo, bem como possuem uma mentalidade pouco solidária, o que, somado ao raciocínio da common law sustentado pela técnica de solução de casos pelos precedentes[83], acaba por deixar claro que é bastante complicada qualquer aproximação teórica entre o right of privacy e os direitos da personalidade. A isso deve ser acrescido o fato de que há uma grande dificuldade de se estabelecer uma definição adequada entorno do privacy, havendo diferentes formas de se ver o instituto[84].

Realmente, esses institutos apresentam origem, natureza jurídica, abrangência, fundamentação e limites bastante diversos. Todavia, considerando a similude dos problemas enfrentados pelos países da civil law e da common law, não nos parece despropositada a constante análise do direito dos Estados Unidos, que sempre poderá contribuir com soluções criativas para a inovação da civil law.

Por fim, no que toca especificamente ao direito à imagem, vale lembrar que o sistema jurídico dos Estados Unidos é bastante particular, uma vez que reconhece dois direitos distintos para a sua proteção, conforme o atentado diga respeito a um aspecto da vida privada ou à utilização comercial da imagem. Assim, tal solução apresenta o inconveniente da dificuldade de delimitação do conceito e das fronteiras entre o privacy e o publicity, o que, a nosso ver, não aconselha sua adoção no direito pátrio.


1.12.   Considerações finais

Reputamos ser sempre interessante o conhecimento de outros sistemas jurídicos, tanto que nos propusemos a estudar o privacy. No entanto, a mera transposição de institutos da common law para a seara dos direitos da personalidade, sem um aprofundado exame da matéria, em especial no que toca à tutela da imagem, não parece apresentar grandes vantagens. Ao contrário, tal tentativa pode representar uma ameaça aos direitos da personalidade, cuja proteção já conta com legislação, doutrina e jurisprudência bastante sólidas nos países de tradição romano-germânica.

Portanto, consideramos ser sempre necessária muita cautela ao se tentar uma aproxição do privacy aos direitos da personalidade, pelo que vemos com certa restrição à conduta daqueles estudiosos, entusiastas do Direito dos Estados Unidos, que procuram, sem maiores cuidados, a transposição para o direito continental de institutos da common law.


BIBLIOGRAFIA

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WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890.


Notas

[1] LÉVY, Vanessa, Le droit à l’image: définition, protection, exploitation, p. 152.

[2] SOMA, John T. Privacy law. St. Paul: Thomson/West, 2008, p. 11.

[3] Apesar de muitos estudiosos admitirem na common law o reconhecimento jurisprudencial do right of privacy antes do artigo de Warren e Brandeis, o tema não é, entretanto, isento de discussões. De fato, há um grupo considerável de estudiosos que vê nos casos apontados pelo artigo como de reconhecimento do privacy apenas a admissão de outros institutos, como o direito de propriedade, a quebra de contrato, a violação de confiança ou mesmo a ocorrência de difamação, sendo a eventual proteção do privacy apenas incidental. Afirma-se ainda que os argumentos utilizados por Warren e Brandeis para a construção do privacy partiram da errônea compreensão dos precedentes examinados (FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 156-157).

[4] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 272.

[5] COOLEY, Thomas McIntyre. A treatise on the law of torts. Chicago: Callaghan, 1880, p. 29.

[6] Warren e Brandeis consideram a proteção do privacy uma necessidade: “The intensity and complexity of life, attendant upon advancing civilization, have rendered necessary some retreat from the world, and man, under the refining influence of culture, has become more sensitive to publicity, so that solitude and privacy have become more essential to the individual; but modern enterprise and invention have, through invasions upon his privacy, subjected him to mental pain and distress, far greater than could be inflicted by mere bodily injury” (WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 196).

[7] Há muito debate em torno da motivação de Warren e Brandies para a publicação do artigo dedicado ao privacy. Alguns estudiosos especulam que foi uma resposta ao aumento de sensacionalismo da imprensa em geral. Outros apontam que seria uma reação direta aos abusos cometidos pela imprensa contra a família de Warren, uma das mais influentes na sociedade de Boston do final do século XIX. Seja como for, independentemente das razões que levaram ao artigo, é certo que ele causou muito impacto no âmbito da commun law, sendo ainda hoje inegável a sua importância (WAGNER, Wienczyslaw J. Le “droit à l’intimité” aux Etats-Unis. Revue Internationale de Droit Comparé, v. 17, n. 2, p. 365-376, abr.-jun. 1965, p. 366).

[8] SOMA, John T, Privacy law, p. 11.

[9] PLACZEK, Thomas. Allgemeines Persönlichkeitsrecht und privatrechtlicher Informations- und Datenschutz. Hamburg: LIT, 2006, p. 46-47.

[10] É importante observar, já de início, que o termo “privacy” não pode ser confundido com a expressão “privacidade” da língua portuguesa. De fato, deflui tanto do artigo de Warren e Brandeis como das primeiras decisões sobre a matéria que o privacy assumiu, desde o início, vocação para ampla tutela dos valores da personalidade, não se limitando apenas à tutela da privacidade (FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 32). Desse modo, considerando a dificuldade na tradução do termo, que não se confunde com a privacidade e nem com os direitos da personalidade, preferimos utilizar nesse trabalho, para não incorrermos em nenhuma imprecisão, a expressão em inglês.

[11] WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, v. 4, n. 5, p. 193-220, dez. 1890, p. 211.

[12] SOMA, John T, Privacy law, p. 13-14.

[13] SOMA, John T, Privacy law, p. 14.

[14] PROSSER, William Lloyd. Handbook of the law of torts. 4 ed. St. Paul: West, 1971, p. 802.

[15] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 164-165.

[16] KAMLAH, Ruprecht. Right of privacy. Köln: Carl Heymanns, 1969, p. 58-59.

[17] O caso Schuyler v. Curtis é particularmente interessante, pois além de apresentar um problema que abrangeria o reconhecimento do direito à imagem, também levanta a questão da imagem da pessoa falecida. A demanda foi iniciada por Philip Schuyler, sobrinho de Mary Hamilton Schuyler, que se opôs à construção e exposição de uma estátua de sua falecida tia em um evento em Chicago. A Supreme Court de Nova Iorque (primeira instância), em 1891, apoiada no artigo de Warren e Brandeis, acolheu o pedido, sustentando que a falecida tinha mantido em vida uma postura reservada, que não seria compatível com a pretendida exposição. A Court of Appeals, entretanto, asseverou que não era relevante o desejo da falecida, pois eventual right of privacy não teria sobrevivido à morte da senhora Schuyler (HAND, Augustus N. Schuyler against Curtis and the Right to Privacy. The American Law Register and Review, Philadelphia, vol. 45, n. 12, p. 745-759, dez. 1897, passim).

[18] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 161-165.

[19] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 278.

[20] PROSSER, William Lloyd, Handbook of the law of torts, p. 803.

[21] PROSSER, William Lloyd, Handbook of the law of torts, p. 803.

[22] Os juízes se pronunciaram nos seguintes termos: “The publication of a picture of a person, without his consent, as a part of an advertisement, for the purpose of exploiting the publisher’s business, is a violation of the right of privacy of the person whose picture is reproduced, and entitles him to recover, without proof of special damage” (LÉVY, Vanessa, Le droit à l’image: définition, protection, exploitation, p. 150).

[23] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 59-60.

[24] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 59-60.

[25] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 61.

[26] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 61.

[27] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D. Privacy as a constitucional right: sex, drugs, and the right to life. New York: Quorum Books, 1992, p. 92.

[28] O’BRIEN, David M. Privacy, law, and public policy. New York: Praeger, 1979, p. 51-52.

[29] O’BRIEN, David M., Privacy, law, and public policy, p. 51.

[30] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D., Privacy as a constitucional right, p. 93.

[31] SOLOVE, Daniel J.; ROTENBERG, Marc; SCHWARTZ, Paul M. Privacy, information, and technology. New York: Aspen, 2006, p. 28-29.

[32] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 61-63.

[33] DIONISOPOULOS, Allan; DUCAT, Craig R., The Right to Privacy, p. 18.

[34] O’BRIEN, David M., Privacy, law, and public policy, p. 54-55.

[35] ROUVINEZ, Julien. La licence des droits de la personnalité. Zürich: Schulthess, 2011, p. 81.

[36] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 395.

[37] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 176.

[38] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 393 e 396.

[39] GÖTTING, Horst-Peter, Persönlichkeitsrechte als Vermögensrechte, p. 191.

[40] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 179.

[41] FREEDMAN, Warren. The Right of Privacy in the Computer Age. Nova Iorque: Quorum, 1987, p. 28.

[42] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 393-394.

[43] ROUVINEZ, Julien, La licence des droits de la personnalité, p. 82.

[44] LÉVY, Vanessa, Le droit à l’image: définition, protection, exploitation, p. 151.

[45] FREEDMAN, Warren, The Right of Privacy in the Computer Age, p. 28.

[46] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 166.

[47] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 394-396 e 407.

[48] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 394-396.

[49] GÖTTING, Horst-Peter, Persönlichkeitsrechte als Vermögensrechte, p. 243.

[50] ROUVINEZ, Julien, La licence des droits de la personnalité, p. 82.

[51] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 395.

[52] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 630.

[53] DIONISOPOULOS, Allan; DUCAT, Craig R., The Right to Privacy, p. 25-26.

[54] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 71.

[55] O trabalho de Prosser foi ampliado e atualizado por Keeton, contando com última edição (5. ed.) publicada em 1984 sob o título: Prosser and Keeton on the Law of Torts.

[56] PROSSER, William Lloyd, Handbook of the law of torts, p. 804.

[57] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 72.

[58] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 179.

[59] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 72.

[60] BLOUSTEIN, Edward J. Privacy as an aspect of human dignity: an answer to dean Prosser. New York University Law Review, v. 39, p. 962-1007, 1964, p. 962.

[61] FREEDMAN, Warren, The Right of Privacy in the Computer Age, p. 8.

[62] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 73.

[63] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 74.

[64] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 74.

[65] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 74.

[66] BLOUSTEIN, Edward J. Privacy as an aspect of human dignity: an answer to dean Prosser. New York University Law Review, v. 39, p. 962-1007, 1964, p. 964.

[67] BLOUSTEIN, Edward J. Privacy as an aspect of human dignity: an answer to dean Prosser. New York University Law Review, v. 39, p. 962-1007, 1964, p. 1005.

[68] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 633.

[69] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 75.

[70] GÖTTING, Horst-Peter, Persönlichkeitsrechte als Vermögensrechte, p. 185-186.

[71] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 632.

[72] FREEDMAN, Warren, The Right of Privacy in the Computer Age, p. 8-9.

[73] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 167.

[74] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D., Privacy as a constitucional right, p. 93.

[75] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D., Privacy as a constitucional right, p. 97.

[76] RIGAUX, François, La protection de la vie privée et des autres biens de la personnalité, p. 167.

[77] SOLOVE, Daniel J.; ROTENBERG, Marc; SCHWARTZ, Paul M., Privacy, information, and technology, p. 28-29.

[78] KAMLAH, Ruprecht, Right of privacy, p. 71.

[79] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D., Privacy as a constitucional right, p. 99.

[80] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D., Privacy as a constitucional right, p. 99.

[81] MCWHIRTER, Darien Auburn; BIBLE, Jon D., Privacy as a constitucional right, p. 100.

[82] FESTAS, David de Oliveira, Do conteúdo patrimonial do direito à imagem, p. 166.

[83] ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil: Teoria Geral, v. 1, p. 60.

[84] SOMA, John T, Privacy law, p. 16.


Autor

  • Leonardo Estevam de Assis Zanini

    Livre-docente em Direito Civil pela USP. Pós-doutorado em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Alemanha). Pós-doutorado em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Strafrecht (Alemanha). Doutor em Direito Civil pela USP, com estágio de doutorado na Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela USP. Juiz Federal. Professor Universitário. Pesquisador do grupo Novos Direitos CNPq/UFSCar. Pesquisador do grupo Direito e Desenvolvimento Público da Universidade de Araraquara (UNIARA). Autor de livros e artigos publicados nas áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais, Direito do Consumidor e Direito Ambiental. Foi bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da CAPES. Foi Delegado de Polícia Federal. Foi Procurador do Banco Central do Brasil. Foi Defensor Público Federal. Foi Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Foi Diretor Acadêmico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores da Justiça Federal em São Paulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. O surgimento e o desenvolvimento do right to privacy nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5130, 18 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57228. Acesso em: 25 abr. 2024.