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A prescritibilidade da pretensão punitiva das Cortes de Contas inserta no inciso VIII do art. 71 da CF/88

A prescritibilidade da pretensão punitiva das Cortes de Contas inserta no inciso VIII do art. 71 da CF/88

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Partindo-se de uma análise das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU), analisa-se o prazo prescricional aplicável à pretensão punitiva dos tribunais de contas.

Resumo: Partindo-se de uma análise ontológica das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU), far-se-á um estudo acerca da prescrição da pretensão punitiva da Corte de Contas, haja vista os tribunais em destaque adotarem posturas diferentes quanto ao prazo de prescrição aplicável às penalidades a cargo do TCU no âmbito de sua atuação no controle externo da Administração Pública.

Palavras-chave: Tribunal de Contas da União. Pretensão punitiva. Prazo prescricional. Exercício do controle externo.

Sumário: 1 Introdução; 2 Da pretensão punitiva da Corte de Contas; 3 Da prescritibilidade da pretensão punitiva do Tribunal de Contas sob a ótica do TCU; 4 Do entendimento do STF; 5 Conclusão; 6 Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

A passagem do tempo é fato que muito interessa ao Direito, trazendo consequências inexoráveis à esfera jurídica dos indivíduos. O instituto da prescrição, nesse âmago, vem exercer papel elementar na busca da pacificação social, punindo a inércia do titular de uma pretensão com sua perda.

Trata-se de uma das facetas do princípio da segurança jurídica, norteador do ordenamento jurídico brasileiro, o qual pressupõe ser, a manutenção de certas situações jurídicas consolidadas pelo tempo, mais benéfica à coletividade do que o retorno ao status quo.

No âmbito da Administração Pública, o § 5º do art. 37 da CF/88 previu que a lei estabeleceria os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, a causar prejuízos ao erário, ressalvando apenas as respectivas ações de ressarcimento.

Relativamente ao Tribunal de Contas, órgão de previsão constitucional com a incumbência de auxiliar o legislativo no controle externo da Administração Pública, a Carta Constitucional, dentre as inúmeras atribuições que lhe deu, também o investiu de jus puniendi, com o fito de que possa prevenir e/ou reprimir os ilícitos administrativos afetos à sua jurisdição.

A ausência de previsão legal específica quanto ao prazo prescricional a ser aplicado à pretensão punitiva da Corte de Contas, todavia, dá margens a controvérsias.

O tema assumiu recente notoriedade com o julgamento, pelo STF, do Mandado de Segurança nº 32201/DF, cuja tese firmada foi no sentido de que o poder de punir do Tribunal de Contas da União prescreveria em 05 (cinco) anos, a teor do art. 1º da Lei nº 9.873/99.

De outra banda, a jurisprudência da Corte de Contas da União é assente no que tange à aplicação do prazo geral de 10 (dez) anos, inserto no art. 205 do Código Civil de 2002 (CC/2002).

Feitas tais considerações, o presente artigo será dividido em três tópicos, desenvolvidos por meio de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial. De início, far-se-á um breve exame do tema relativo à pretensão punitiva da Corte de Contas a fim de que se trate da prescritibilidade desta. A partir daí, serão contrapostas as teses adotadas pelo STF e pelo TCU, ocasião em que se exporá os fundamentos adotados por cada Corte.

A discussão faz-se crucial, mormente em face do lento trâmite dos processos de análise dos atos de gestão no âmbito dos Tribunais de Contas pátrios. É indubitável que, embora se revele menos benéfico aos responsáveis, o posicionamento do TCU permite que a Corte de Contas se valha de um maior lapso temporal para exercer seu jus puniendi. Todavia, a ausência de uma limitação temporal não condiz com os direitos fundamentais dos agentes públicos e/ou particulares a serem sancionados.


2. DA PRETENSÃO PUNITIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS

A CF/88 trouxe, ao lado da atuação do Congresso Nacional, a figura do Tribunal de Contas da União, a fim de que mencionados órgãos, em cooperação, cumprissem o valioso papel constitucional de fiscalizar os atos dos administradores públicos, na esfera federal, no gestão de recursos oriundos do erário.

 Para tanto, foi imposto o dever de prestar contas a qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos quais o respectivo ente federativo responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária. Nesse diapasão, a CF/88 previu que o controle externo dar-se-á especialmente no que se refere à observância de aspectos da legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

Embora se refira especificamente à União, o art. 70 da CF/88, a seguir reproduzido, é norma de observância obrigatória pelos entes federados:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Quanto à disposição constitucional alhures exposta, preleciona FURTADO (2014, p. 541-542):

Eis aí todo o vigor e plenitude do controle das contas públicas idealizado pelo constituinte de 1988. É o intitulado controle político-administrativo, que prevê a fiscalização da gestão pública em várias dimensões: contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e sob múltiplos aspectos: legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncias de receitas.

Isso releva que não é bastante a legalidade da despesa, mas que o gasto público há de ter legitimidade e economicidade; o controle deve alcançar a aplicação dos recursos públicos onde quer que seja efetivada, ainda que transferidos a título de subvenções; as alterações na legislação tributária que resultam em queda de receita também estão no foco do controle. Também a fiscalização deve ir além da verificação de conformidade contábil, financeira, orçamentária e patrimonial, alcançando a mensuração da eficiência do dispêndio dos recursos públicos.

Impende salientar que, não obstante vozes minoritárias em contrário1, o Tribunal de Contas é órgão independente, de estatura constitucional, não integrante da estrutura do Poder Legislativo, embora sua atuação lhe seja paralela e auxiliadora. Corroborando tal entendimento, a lição de MORAES (2016): O Tribunal de Contas da União é órgão auxiliar e essencial de orientação do Poder Legislativo, embora a ele não subordinado, praticando atos de natureza administrativa, concernentes, basicamente, à fiscalização, com garantias de autonomia e autogoverno”.

Com o fito de instrumentalizar a atuação da Corte de Contas no seu poder-dever de fiscalizar a gestão pública, o constituinte lhe atribuiu um rol de prerrogativas em defesa do erário e da própria sociedade, a saber: funções opinativa, jurisdicional, fiscalizadora, informativa, sancionadora, corretiva e de ouvidoria, in verbis:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

V – fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;

VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

VII – prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.

§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.

Observe-se que, dentre as muitas funções garantidas à Corte de Contas, há a possibilidade de que sejam aplicadas, em casos de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, sanções aos administradores ou responsáveis, nos termos do inciso VIII do art. 71. E é justamente esse poder de punir ilícitos no âmbito de sua competência que se denomina pretensão punitiva do Tribunal de Contas.

A função sancionatória, todavia, foi veiculada por meio de norma de eficácia limitada, uma vez que a Carta Magna exigiu que o legislador infraconstitucional instituísse as penalidades a serem aplicadas (v.g., multa proporcional ao dano causado ao erário). Trata-se, por seu turno, de sanções de natureza administrativa (WILLEMAN, 2005):

Por fim, cabe ao Tribunal de Contas aplicar multa a os responsáveis por danos causados ao erário, limitado o valor à extensão do prejuízo. É claro que, por se tratar de multa de natureza administrativa, não se exige a correlação direta e detalhada entre a conduta infratora e a punição.

Assim, embora seja requisito de validade para a aplicação da multa a sua prévia previsão legal, prescinde-se, contudo, da tipificação específica da conduta, sendo certo que a gradação da pena será avaliada pela Administração Pública dentro dos limites fixados pela lei, levando-se em consideração a gravidade da infração praticada, a partir de parâmetros razoáveis.

Ainda quanto ao ponto, anote-se que às decisões da Corte de Contas que resultem da aplicação de multas são atribuídas à eficácia de título executivo extrajudicial.

No âmbito do Tribunal de Contas da União, as penalidades a serem aplicadas foram veiculadas na Seção II da Lei nº 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU), a qual instituiu a possibilidade de aplicação das penas de multa e de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública, in verbis:

Multas

Art. 57. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário.

Art. 58. O Tribunal poderá aplicar multa de Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por:

I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo único do art. 19 desta Lei;

II - ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;

III - ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao Erário;

IV - não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, a diligência do Relator ou a decisão do Tribunal;

V - obstrução ao livre exercício das inspeções e auditorias determinadas;

VI - sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias realizadas pelo Tribunal;

VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.

§ 1° Ficará sujeito à multa prevista no caput deste artigo aquele que deixar de dar cumprimento à decisão do Tribunal, salvo motivo justificado.

§ 2° O valor estabelecido no caput deste artigo será atualizado, periodicamente, por portaria da Presidência do Tribunal, com base na variação acumulada, no período, pelo índice utilizado para atualização dos créditos tributários da União.

§ 3° O Regimento Interno disporá sobre a gradação da multa prevista no caput deste artigo, em função da gravidade da infração.

Art. 59. O débito decorrente de multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União nos do art. 57 desta Lei, quando pago após o seu vencimento, será atualizado monetariamente na data do efetivo pagamento.

Art. 60. Sem prejuízo das sanções previstas na seção anterior e das penalidades administrativas, aplicáveis pelas autoridades competentes, por irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas da União, sempre que este, por maioria absoluta de seus membros, considerar grave a infração cometida, o responsável ficará inabilitado, por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública.

Art. 61. O Tribunal poderá, por intermédio do Ministério Público, solicitar à Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, aos dirigentes das entidades que lhe sejam jurisdicionadas, as medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito, devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua restituição.

Entende-se que o escopo de qualquer poder sancionatório reside em seu caráter punitivo, visando à retribuição característica das multas penais, bem como em seus aspectos preventivo e pedagógico, a evitar a prática de condutas que firam o ordenamento jurídico tanto por aqueles que já o fizeram, como por aqueles que eventualmente possam praticá-las.

Quanto à abrangência das penalidades, o STF já afirmou que a Corte de Contas pode sancionar tanto os integrantes do poder público, como também os particulares que malfiram os preceitos normativos que regem a gestão do dinheiro público. Tal conclusão seria oriunda de uma leitura sistemática da CF/88, a teor do parágrafo único do art. 70, anteriormente citado2.

Dado todo o exposto e tendo em conta a conjuntura do lento trâmite dos processos de análise dos atos de gestão no âmbito dos Tribunais de Contas pátrios, estaria o Tribunal de Contas apto a penalizar, a qualquer tempo, as condutas dos responsáveis? Outra, estando o jus puniendi da Corte de Contas submetido a um limite temporal, qual prazo de prescrição seria aplicável?


3. DA PRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO PUNITIVA DA CORTE DE CONTAS SOB A ÓTICA DO TCU

Conforme leciona MIRANDA (1974, p. 101), “Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade”.

No que tange às irregularidades apuradas no âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas, aplica-se o art. 37, § 5º da CF/88, que rege a atuação de toda a Administração Pública, cuja redação aduz que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A pretensão punitiva da Corte de Contas, saliente-se, não se confunde com a pretensão ressarcitória, cujo objetivo é recompor o erário, reparando o prejuízo advindo da má gestão do dinheiro público. A diferenciação é crucial tanto no que se refere ao aspecto ontológico, como no que tange aos prazos prescricionais aplicáveis a cada uma das imputações, uma vez que a pretensão ressarcitória, com exceção daquela proveniente de ilícitos civis3, é imprescritível.

Se a própria Constituição exigiu que o legislador infraconstitucional estabelecesse os prazos de prescrição para ilícitos que causassem prejuízos ao erário, forçoso reconhecer, por conseguinte, a prescritibilidade da pretensão punitiva da Administração Pública, a incluir a Corte de Contas. Nesse sentido, inclusive, é o entendimento prevalecente do TCU, consoante enunciado do Acórdão 6201/2016 – Primeira Câmara, publicado no Boletim de Jurisprudência nº 146, de 17/10/2016:

Todas as multas aplicadas pelo TCU possuem natureza sancionatória e, dessa maneira, estão sujeitas à prescrição da pretensão punitiva, inclusive a multa proporcional ao débito (art. 57 da Lei 8.443/1992).

Todavia, até o presente momento, não sobreveio lei específica prevendo prazo prescricional para os ilícitos a serem punidos pelo Tribunal de Contas. Em não havendo dispositivo legal, a aplicação analógica de normativos existentes é o único caminho para reconhecer os efeitos inexoráveis do tempo sobre a inércia da Corte de Contas em penalizar os responsáveis.

A definição da qual o diploma legal seria aplicável ao caso, todavia, mostra-se controversa. De todo modo, tende a prevalecer, no âmbito do TCU, a corrente da aplicação do prazo geral de dez anos prevista no art. 205 do Código Civil em vigor, a contar da data de ocorrência das irregularidades:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Sobre o tema, reproduz-se excerto do voto exarado no Acórdão 5865/2013 – Primeira Câmara, de Relatoria do Min. Walton Alencar Rodrigues:

Desta forma, a partir do expresso texto constitucional, regras de prescrição para o exercício do poder punitivo por parte do TCU constituem matéria de estrita reserva legal.

Não é por simetria com outros diplomas legais atinentes à relação entre o Estado e o administrado que se suprem lacunas. Muito menos mediante a adoção de precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça.

Em razão mesma dessa ausência de reserva legal expressa, não está Tribunal de Contas da União autorizado a autolimitar-se no encargo constitucional a si atribuído pelos artigos 70 e seguintes da Constituição Federal. Tampouco poderá dizer da sua competência em estabelecer prazos de prescrição, muito embora seja expresso na Constituição que tal só poderá ser feito por lei.

A esse respeito, chamo a atenção para o risco da excessiva limitação temporal do jus puniendi do TCU, a inviabilizar, em grande parte o poder dissuasivo que a Carta Constitucional investiu esta Corte Federal de Contas, exatamente para prevenir ou de reprimir ilícitos administrativos afetos à sua jurisdição.

A referida Corte ainda entende pela possibilidade de interrupção do prazo prescricional da pretensão punitiva do TCU na data ato que ordena a citação, a audiência ou a oitiva da parte, v. g. Acórdão 1638/2017 – Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro José Múcio Monteiro).

Por fim, consoante disposto no Acórdão 2901/2017 Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Aroldo Cedraz), quando o fato irregular, ensejador da sanção, tiver ocorrido menos de dez anos antes do início da vigência da Lei 10.406/2002 (novo Código Civil), 11/1/2003, o prazo para a prescrição da pretensão punitiva do TCU (dez anos) é contado a partir dessa data.


4. DO POSICIONAMENTO DO STF

No julgamento do MS 32201/DF (MS-32201), em 21.3.2017, de relatoria do Min. Roberto Barroso, o STF anotou que, a despeito de a Lei Orgânica do TCU prever a competência do órgão na aplicação de multa pela prática de infrações submetidas à sua esfera de apuração, deixou de estabelecer prazo para exercício desse poder punitivo. Do exposto, entendeu que o normativo que mais se amolda à questão é a Lei 9.873/1999, que estabelece normas sobre a prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal e prevê, como regra geral, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos.

Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. 

A Suprema Corte, na ocasião, salientou que a omissão do legislador não significava hipótese de imprescritibilidade. No caso, embora a Lei 9.873/1999 se refira a poder de polícia, aplica-se à competência sancionadora da União em geral.

Antes de prosseguir, entende-se por poder de polícia o poder-dever, de natureza instrumental, atribuído à Administração Pública com o fito de, em prol do interesse público, restringir a propriedade e a liberdade dos indivíduos.

Em cotejo à jurisprudência da Corte de Contas da União, contudo, a tese da aplicação da Lei 9.873/1999 foi especificamente afastada, dada a natureza da função sancionatória dos Tribunais de Contas, que não tem como fundamento o exercício do poder de polícia, mas sim o exercício do controle externo, de previsão constitucional, in verbis:

Com efeito, tal legislação não pode servir de paradigma à atuação desta Corte de Contas, vez que, na forma preconizada no texto constitucional, suas atribuições são bem mais amplas, não se permitindo cingi-las ao mero exercício do poder de polícia, cujo fundamento é a supremacia geral exercida pelo Estado sobre as pessoas, bens e atividades, em razão da predominância do interesse público sobre o particular. Em outras palavras, a missão deste Tribunal não consiste em 'limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público', conceito moderno que, segundo o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, foi adotado no Direito brasileiro (in 'Direito Administrativo', Editora Atlas, 6ª ed., p. 94).

Conforme o TCU, a relação da Administração, no exercício da função constitucional de controle externo, para com seus agentes públicos com funções administrativas, não se confunde com a relação da Administração e seus administrados no âmbito do poder de polícia. O tema, inclusive, é alvo de reiterados posicionamentos da Corte, conforme destacado nos enunciados de jurisprudência a seguir:

Não se aplicam aos processos de controle externo os prazos prescricionais previstos em normas que regulam a ação punitiva movida pela Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia (Lei 9.873/1999), ou que disciplinam a cobrança de dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, (Decreto 20.910/1932). Com relação a cobrança de débito, são imprescritíveis as ações de ressarcimento em favor do erário. (Acórdão 825/2014 – Segunda Câmara, Data da sessão 11/03/2014, Relator Min. José Jorge)

As regras de prescrição da Lei 9.873/1999 não se aplicam ao exercício do poder punitivo por parte do TCU, por não ser norma regente da atividade de controle externo. (Acórdão 5865/2013 – Primeira Câmara, Data da sessão 27/08/2013, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues)

A regra de prescrição para o exercício do poder punitivo pelo TCU é matéria sujeita à reserva legal, para a qual ainda não há lei específica. Diante da lacuna na Lei 8.443/1992, aplica-se aos processos de controle externo o prazo geral previsto no Código Civil, não o da Lei 9.873/1999, porquanto a atividade judicante do Tribunal não tem como fundamento o exercício do poder de polícia. (Acórdão 1683/2013 – Plenário, Data da sessão 03/07/2013, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues)


5. CONCLUSÃO

Se por um lado se impõe reconhecer a razoabilidade dos argumentos utilizados pelo TCU com o fito de afastar a incidência do prazo de prescrição previsto na Lei 9.873/1999 aos casos de aplicação de sanções por esta Corte de Contas, uma vez que, de fato, o exercício de controle externo não se confunde com o poder de polícia; por outro, forçoso considerar que, ao se socorrer do prazo decenal previsto no Código Civil de 2002, o TCU em muito mais se afasta dos princípios que orientam a atuação da Corte – supremacia e da indisponibilidade do interesse público, haja vista o diploma regular a relação entre particulares.

Outrossim, o STF não equiparou o poder sancionatório do Tribunal de Contas ao exercício do poder de polícia administrativo. Em verdade, a Suprema Corte entendeu por elastecer a aplicação do dispositivo legal ao poder sancionatório em geral da União, no qual se inclui a função punitiva das Cortes de Contas.

Anote-se ainda que o posicionamento adotado pelo STF deu-se por meio de uma de suas turmas, em âmbito de Mandado de Segurança, isto é, não houve posicionamento do Plenário sobre o tema, além de a tese não ser vinculante. Por seu turno, o TCU ainda não se manifestou especificamente sobre o posicionamento do STF no julgamento do MS-32201, em 21.3.2017. É preciso esperar.

De todo modo, a omissão legislativa persiste e, dado os inexoráveis efeitos do tempo, algum prazo de prescrição há de ser adotado no âmbito dos processos que tramitam nas Cortes de Contas, sob pena de ter que considerar a imprescritibilidade das sanções insertas na Lei nº 8.443/92 e nas demais leis orgânicas dos Tribunais de Contas do Estado.

O certo é que não se pode conceber a ideia de que a atividade de fiscalização da Corte de Contas possa exceder a limites protetivos do cidadão, dentre os quais se inclui a segurança jurídica.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FURTADO, Caldas J.R. DIREITO FINANCEIRO. 4 edição rev., atual. e ampl., Belo Horizonte. Editora Fórum: 2014, p. 541-542.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Tomo VI. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 101.

WILLEMAN, Mariana Montebello. Os Tribunais de Contas e a Disregard Doctrine. Fórum Administrativo. Belo Horizonte. Ano 5, n.49, mar.2005.


NOTAS

1 Nesse sentido é o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, o qual defende que o Tribunal de Contas compõe o Poder Legislativo.

2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 30788 / MG – MINAS GERAIS, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento:21/05/2015, Órgão Julgador: Tribunal Pleno.

3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 669069/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 3.2.2016. (RE-669069)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Mariana Andrade. A prescritibilidade da pretensão punitiva das Cortes de Contas inserta no inciso VIII do art. 71 da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5108, 26 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57998. Acesso em: 25 abr. 2024.