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Porte de arma para advogados como direito e garantia fundamental.

Análise da constitucionalidade do Projeto de Lei nº 704/2015

Porte de arma para advogados como direito e garantia fundamental. Análise da constitucionalidade do Projeto de Lei nº 704/2015

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Analisa-se a questão do porte de arma para advogados sob a ótica do direito de igualdade com magistrados e membros do Ministério Público, em especial o Projeto de Lei 704/2015. Estudo apresentado ao relator com proposta de substitutivo.

Resumo: A Constituição Federal, ao tratar da organização dos Poderes de Estado, prevê as funções essenciais à Justiça, que são o Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública, sendo estas três últimas compostas por advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Decorre dessa previsão constitucional a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça e a inexistência de hierarquia entre membros da Advocacia, Magistratura e Ministério Público. Porém, mesmo sem contar com todo o aparato para segurança pessoal dos membros da Magistratura e do Ministério Público, os advogados ainda ficaram alijados do direito, por prerrogativa de função, ao porte de arma de fogo para defesa pessoal. A legislação, que confere aos membros da Magistratura e do Ministério Público o direito ao porte de arma de defesa, e, portanto, reconhece que armas se prestam à defesa pessoal, silenciou quanto ao direito dos advogados portarem armas de fogo para sua defesa. Neste artigo se analisa o porte de arma de fogo de defesa para advogados como direito e garantia fundamental à igualdade de tratamento com membros da Magistratura e do Ministério Público, mediante o cumprimento de requisitos mínimos, conforme prevê o Projeto de Lei 704/2015, demonstrando que tal projeto é Constitucional e, ao final, apresentando um substitutivo para resolver possíveis problemas emergentes da aplicação da lei.

Palavras-chave: Advogado. Igualdade. Porte de Arma. Prerrogativa.

Sumário: RESUMO. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1 Advocacia como Função Essencial à Justiça. 2 Direito de defesa como decorrência do direito à vida. 3 Regulamentação do direito à posse e porte de armas. 4 Direito ao porte de arma de fogo por membros da Magistratura e do Ministério Público. 5 Proposta legislativa. 5.1 Direito e não dever de portar arma. 5.2 Requisitos adequados à razoabilidade e ao bem comum. 6 Substitutivo. 7 Justificativas para o substitutivo. CONCLUSÃO.


INTRODUÇÃO

A inexistência de subordinação entre advogados, magistrados, promotores e procuradores decorre da premissa constitucional do reconhecimento da Advocacia como “Função Essencial à Justiça”, da indispensabilidade do advogado à administração da Justiça.

Porém, mesmo atuando com a beligerância, naturalmente decorrente, dos conflitos de interesses que não são resolvidos de forma amigável pelas partes envolvidas nas discussões judiciais, aos advogados não foi previsto o direito à proteção pessoal e legítima defesa efetiva, mediante o uso de arma de fogo, direito este que foi previsto expressamente para os membros da Magistratura e do Ministério Público.

As funções essenciais à Justiça estão elencadas na Constituição Federal, a  saber: Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública. Dentre estas, somente ao Ministério Público foi dado o direito ao porte de arma para defesa pessoal.

Neste trabalho analisa-se o direito à igualdade àqueles que exercem funções essenciais à Justiça, especialmente os advogados, pois no caso de aprovação do Projeto de Lei 704/2015, este direito ao porte de arma de fogo de defesa também será aplicado aos membros da Advocacia e Defensoria Públicas, pois seus integrantes são advogados de origem.

Ao final, o Autor apresentará as conclusões sobre o tema proposto, sempre fiel às premissas adotadas.


1 Advocacia como Função Essencial à Justiça

O Legislador Constituinte previu que são “Funções Essenciais à Justiça” o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública.

O Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei nº 8.906, de 1994, outorga ao advogado fundamental no direito de acesso à Justiça. Conforme previsto no art. 133 da Constituição Federal, o advogado é indispensável à administração da Justiça. “No seu ministério privado, como se lê no § 1º do art. 2º, presta serviço público e exerce função social.”

A importância do advogado e da advocacia extrapola os limites das relações privadas entre advogado e cliente, tanto que “No exercício da profissão é inviolável por seus atos e manifestações”.

Segundo o art. 6º do Estatuto da OAB, “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos se tratar com consideração e respeito recíprocos”.

Dentre os direitos dos advogados destacam-se o de usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusações ou censura que lhe forem feitas (art. 7º, X) e o de ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela (idem, XVII).

No seu mister, os advogados têm por objeto de trabalho a resolução dos mais diversos conflitos de interesses possíveis na vida em sociedade, que não foram passíveis de resolução pelas partes interessadas sem a intervenção de terceiros.

A própria lei prevê que o advogado, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social (Lei 8.906/1994, artigo 2º, parágrafo 1º). Isso significa que a atividade exercida pelo advogado é de relevância para toda a sociedade, não interessando apenas às partes de um determinado processo ou procedimento.

A relevância jurídica e social da Advocacia é reconhecida pelos Tribunais, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, como segue:

"A CR estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são direitos fundamentais (art. 5º,  XXXIV,  a, e XXXV), porém estes não garantem a quem não tenha capacidade postulatória litigar em juízo, ou seja, é vedado o exercício do direito de ação sem a presença de um advogado, considerado "indispensável à administração da justiça" (art. 133 da CR e art. 1º da Lei 8.906/1994), com as ressalvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no rol das exceções, as ações protocoladas nos juizados especiais cíveis, nas causas de valor até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei  9.099/1995) e as ações trabalhistas (art. 791 da CLT), não fazendo parte dessa situação privilegiada a ação popular.

[AO 1.531 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-6-2009, P, DJE de 1º-7-2009.]

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e a OAB. Dispositivos impugnados pela AMB. (...) O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo."

[ADI 1.127, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, j. 17-5-2006, P, DJE de 11-6-2010.] Vide Rcl 19.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 24-3-2015, 2ª T, DJE de 2-6-2015 Vide Rcl 4.535, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 7-5-2007, P, DJ de 15-6-2007

"Mandado de injunção. Ajuizamento. Ausência de capacidade postulatória. Pressuposto processual subjetivo. Incognoscibilidade da ação injuncional (...). A posse da capacidade postulatória constitui pressuposto processual subjetivo referente à parte. Sem que esta titularize o ‘jus postulandi’, torna-se inviável a válida constituição da própria relação processual, o que faz incidir a norma inscrita no art. 267, IV, do CPC, gerando, em conseqüência, como necessário efeito de ordem jurídica, a extinção do processo, sem resolução de mérito. - Ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de Advogado, a quem compete, nos termos da lei, o exercício do ‘jus postulandi’. O Advogado constitui profissional indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133), tornando-se necessária a sua intervenção na prática de atos que lhe são privativos (Lei nº 8.906/94, art. 1º). - São nulos de pleno direito os atos processuais, que, privativos de Advogado, venham a ser praticados por quem não dispõe de capacidade postulatória. Inaplicabilidade do art. 13 do CPC, quando o recurso já estiver em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Precedentes. - O direito de petição qualifica-se como prerrogativa de extração constitucional assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Política (art. 5º, XXXIV, "a"). Traduz direito público subjetivo de índole essencialmente democrática. O direito de petição, contudo, não assegura, por si só, a possibilidade de o interessado - que não dispõe de capacidade postulatória - ingressar em juízo, para, independentemente de Advogado, litigar em nome próprio ou como representante de terceiros. Precedentes."

[MI 772 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/2007, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00057 RTJ VOL-00216-01 PP-00181 RCJ v. 23, n. 146, 2009, p. 155-156]

Cita-se ainda parte da decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello em 14/02/2006 no HC 88.015-MC/DF DJ de 21/02/2006:

“O Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, as diretrizes, previamente referidas, consagradas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”

No sistema brasileiro, a presença de advogado em ação judicial somente é possível nos juizados especiais cíveis, em causas de menor valor, quando ambas as partes litigam sem advogado.

Em todas as outras demandas é necessária a representação da parte por advogado, que detém o jus postulandi e a quem é atribuída na maioria dos casos, a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso na demanda.

Em sua profissão, o advogado lida com questões de beligerância, que afetam a psique: o querer e não ser atendido, acreditar que tem o direito a algo e não conseguir, ou conseguir parcialmente, são situações em que as pretensões resistidas mexem com as emoções de qualquer pessoa e o advogado sempre está presente, seja para ser ovacionado por uma parte do processo, seja para ser repreendido pela outra.

Tanto é verdadeira esta afirmação que uma simples pesquisa na rede mundial de computadores por “advogados mortos” ou “advogado ameaçado” lista dezenas de casos em que advogados são ameaçados ou mortos em razão de sua atividade.

Magistrados[1] e Membros do Ministério[2] Público[3] possuem o direito ao porte de arma para defesa previsto nas respectivas legislações justamente porque se presume a necessidade em razão das funções desempenhadas, podendo inclusive portar armas de calibre restrito[4].

Porém, os advogados, justamente os que não contam com todo o aparato estatal para garantir sua segurança pessoal, tais como policiais nos fóruns e sedes do Ministério Público, não possuem esta previsão no Estatuto da Advocacia e da OAB – Lei 8.906.

Ressalta-se que advogados, membros da Magistratura e do Ministério Público estão em igualdade no exercício de funções, mas não estão em igualdade legislativa, e isso em qualquer causa que justifique o tratamento diferenciado, pois membros da Magistratura e do Ministério Público não usam armas como instrumento de trabalho como fazem por exemplo policiais e membros das Forças Armadas. O instrumento de trabalho de Magistrados e Membros do Ministério Público é a argumentação, o papel e a caneta ou o computador com assinatura digital. Tanto é verdadeira essa premissa que as armas das quais possuem porte estas categorias são armas de defesa, armas curtas, conceitos que adiante serão abordados, e não armas de forças especiais.

Esta omissão muito se justifica porque na época da publicação da Lei 8.906 o porte de armas era concedido com relativa facilidade, mediante o cumprimento de requisitos objetivos, diferentemente do que ocorre hoje, pois o Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826, condiciona o exercício do direito à defesa da vida mediante o porte de arma de fogo a requisitos absolutamente subjetivos e discricionários, que acaba por cercear o direito de porte de arma por advogados, ferindo o direito de igualdade, e, por via reflexa, a própria administração da Justiça.


2 Direito de defesa como decorrência do direito à vida

O direito fundamental à vida é aquele de maior hierarquia no ordenamento constitucional.

Previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal, o direito à vida sequer tem sua forma de exercício regulada como os demais direitos fundamentais, como por exemplo o direito de ir e vir ou a liberdade de expressão, conforme se verifica da leitura, abaixo:

Art. 5º  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos sobre este tema assim dispõe:

Artigo III

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

O direito à vida, portanto, é inquestionável, e por óbvio abrange o direito à defesa da vida, tanto que o ser humano sempre reconheceu na legítima defesa um ato lícito, excludente de ilicitude ou aceito jurídica e socialmente.

No Brasil a legitima defesa é reconhecida desde o Código Criminal do Império, de 1830[5], passando pelo Decreto 847, de 11/10/1890[6], e sendo mantida no atual, Decreto-lei 2.848, de 07/12/1940, que assim prevê:

Art. 25.  Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

O exercício da legítima defesa pode ser feito de diversas formas, seja com reações treinadas seja com reações instintivas, mas o certo é que não se pode negar o exercício do direito de defesa da forma mais efetiva possível para quem dela queira fazer uso.

Neste ponto, por exercerem um múnus público, é plenamente constitucional que os advogados possam exercer o seu direito de defesa pessoal por meio da utilização de armas de fogo.

É claro que há de ter em consideração que o uso de mecanismo que possa causar danos a outrem merece ser regulamentado, e não simplesmente liberado.

A defesa da vida daqueles cujo exercício de profissão os coloque em situação de risco é absolutamente constitucional, lícito e moral. Aliás, negar o direito à legítima defesa armada aos advogados é ato absolutamente inconstitucional. Demais disso, a legalidade da possibilidade de se regulamentar o porte de armas de fogo para advogados encontra respaldo na Constituição Federal, Lei 8.906 e no princípio da igualdade, posto que as categorias que exercem papel fundamental na resolução das lides em processos judiciais: Magistratura e Ministério Público, possuem porte de arma de fogo para defesa como prerrogativa.

Assim, o Projeto de Lei 704/2015 se mostra totalmente viável sob o ponto de vista constitucional e legal, não havendo óbice para sua aprovação, visto que, na atual legislação os advogados estão praticamente alijados de exercer sua defesa pessoal, conforme se verá no item seguinte.


3 Regulamentação do direito à posse e porte de armas

Em razão da omissão do direito ao porte de armas, que obviamente abarca o direito à aquisição de arma, aos advogados, que exercem um múnus público, se aplica a legislação geral, que atualmente é a Lei 10.826 - Estatuto do Desarmamento e seus regulamentos.

O Estatuto do Desarmamento, como se depreende da leitura de sua denominação é uma lei que foi criada com a finalidade de desarmar a população civil, tanto que previu a proibição de venda de armas de fogo em todo o território nacional, dispositivo condicionado ao plebiscito ocorrido em 2005 com o expressivo percentual de 63,94% contra a proibição, ou seja, favoráveis à venda controlada de armas de fogo.

Nesta senda, o Estatuto do Desarmamento proíbe o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo as exceções constantes do seu texto, que basicamente são as pessoas que utilizam armas de fogo como instrumentos de trabalho, tais como integrantes das Forças Armadas, Polícias, entre outros, e exceções previstas em leis específicas para pessoas que ocupam cargos que não utilizam armas como instrumentos de trabalho, mas cujo exercício traz riscos à vida e integridade que podem ser repelidos por meio do porte de armas de fogo.

Hoje os advogados estão na mesma situação de cidadãos comuns e mesmo que comprovem aptidão psicológica, técnica e moral, poderão ter seus pedidos de porte de arma negados caso fundamentem a efetiva necessidade no risco profissional. Aliás, esta é a realidade que se vivencia no dia-a-dia em contato com advogados e instrutores de tiro que relatam exatamente as negativas reiteradas de concessão de autorização para porte de arma para advogados por não se considerar o exercício profissional para a efetiva necessidade.

 A primeira pergunta dos advogados: é justo condicionar o exercício do direito fundamental à legítima defesa da vida e integridade física ,para quem exerce um múnus público, à comprovação da efetiva necessidade?

A segunda pergunta: O que é efetiva necessidade? Se perguntadas sobre o assunto, cem pessoas responderão de forma diferente, pois o critério é subjetivo. Nos extremos estarão aqueles para os quais a efetiva necessidade deriva do exercício da advocacia e aqueles que não vislumbram no exercício profissional a efetiva necessidade, pois a segurança pública é função do Estado, que auto defesa é vedada e o porte somente pode ser concedido para “autoridades”.

Atualmente é público o notório que advogados não obtém porte de arma mediante a alegação do risco profissional, como aliás qualquer cidadão, sendo raras as pessoas que conseguem o deferimento de porte de arma, mesmo que comprovem o cumprimento de todos os requisitos objetivos da lei.

Diante desta situação, os advogados estão em desigualdade legal com membros da Magistratura e do Ministério Público, mesmo que exerçam funções essenciais à Justiça e isso deve ser resolvido mediante a supressão da omissão legislativa ao direito de porte de arma de defesa aos advogados.


4 Direito ao porte de arma de fogo por membros da Magistratura e do Ministério Público

 Conforme já referido, Magistrados e Membros do Ministério Público possuem o direito ao porte de arma para defesa previsto nas respectivas legislações justamente porque se presume a necessidade em razão das funções desempenhadas, podendo inclusive portar armas de calibre restrito, conforme segue:

Lei Complementar 35, de 1979, Lei Orgânica da Magistratura:

Art. 33.  São prerrogativas do magistrado:

..........................................................

V - portar arma de defesa pessoal.

Lei 8.625, de 1993, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 42.  Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo em todo o território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou autorização.

Lei Complementar 75, Estatuto do Ministério Público da União:

Art. 18.  São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:

I - institucionais:

..........................................................................................

e) o porte de arma, independentemente de autorização;

Por fim, a Portaria Colog 25, DOU de 26 abril de 2016.

Art. 2º Os membros do Ministério Público da União e dos Estados e os membros da Magistratura ficam autorizados a adquirir, na indústria nacional, para uso particular, até 2 (duas) armas de porte, de uso restrito, dentre os calibres.357 Magnum,.40 S&W,.45 ACP ou 9mm, em qualquer modelo.

Art. 3º Os membros do Ministério Público da União e dos Estados e os membros da Magistratura podem adquirir por transferência até 2 (duas) armas de uso restrito, para uso próprio, dentre os calibres.357 Magnum,.40 S&W,.45 ACP ou 9mm, em qualquer modelo

 Como visto, as legislações citadas outorgam direito ao porte de arma aos membros da Magistratura e do Ministério Público, independente de autorização.

Este é um ponto muito importante de ser ressaltado, pois o Projeto de Lei 704/2015 não prevê o porte de arma independentemente de autorização para advogados, mas mediante a comprovação de capacidade técnica e psicológica, merecendo o assunto ser tratado em tópico próprio, a seguir.


5 Proposta legislativa

 O Projeto de Lei 704/2015 tem o seguinte teor:

Art. 1º. O art. 7º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art.7º...........................................................................................................

XXI – portar arma de fogo para defesa pessoal.

§ 10. A autorização para o porte de arma de fogo que trata o inciso XXI está condicionada à comprovação dos requisitos previstos no inciso III do art. 4º da Lei nº 10.826/2003, nas condições estabelecidas no regulamento da referida Lei.

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

5.1 Direito e não dever de portar arma

Ponto relevante é que não se pretende substituir a segurança pública. Advogados, até mesmo pela formação, não são justiceiros que querem armas para “fazer justiça com as próprias mãos”, muito menos substituírem o Estado na segurança pública.

Dentre os mais de um milhão de advogados regularmente inscritos na OAB, há os que não querem portar armas mesmo que o PL 704/2015 seja aprovado, assim como há membros da Magistratura e do Ministério Público que não portam armas.

Portar arma para defesa pessoal é questão de foro íntimo, cabendo a cada advogado, após a aprovação do PL 704/2015, decidir por exercer ou não este direito. 

O PL 704/2015 não traz obrigatoriedade, mas sim apenas a faculdade de porte de arma para advogados, de forma que aqueles que não quiserem ou não conseguirem provar aptidão, não portarão armas para defesa.

5.2 Requisitos adequados à razoabilidade e ao bem comum

Outro ponto de destaque é que o PL 704/2015 não traz liberação geral sem critérios, pois há de se exigir aptidão psicológica e técnica para porte de armas de fogo.

O dispositivo citado, inciso III, do art. 4º, da Lei 10.826, se refere à “comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei”.

Em síntese, o projeto de lei em análise exige dos advogados a comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento da lei 10.826.

De fato, não se trata de um projeto que implante igualdade total entre membros da Magistratura e do Ministério Público, mas de um projeto que respeita quesitos de razoabilidade e bem comum, compatíveis com o princípio da isonomia, além de suprimir discussões sobre aplicabilidade de restrições previstas na Lei 10.826 ao porte por prerrogativa de função.

Nesse ponto há de se elogiar a inciativa do autor do projeto, Deputado Rolaldo Benedet, posto que em se tratando da utilização de um equipamento que tem potencial para causar danos em caso de uso inadequado, o mínimo que se exige é que o postulante ao exercício do direito comprove que possui condições técnicas e psicológicas, assim como o operador de um veículo automotor.

Porém, mesmo reconhecendo a pertinência, constitucionalidade, legalidade e, acima de tudo, a moralidade do projeto de lei em questão, há de reconhecer a necessidade de se melhorar o Projeto de Lei 704/2015 nos pontos que seguem:

1º) limitação territorial: hoje o Estatuto do Desarmamento prevê a necessidade de comprovação da efetiva necessidade em todo o território nacional e, juntamente, a previsão de possibilidade (que se tornou regra, sendo exceção o porte válido em todo o território nacional), de limitar territorialmente o porte de arma concedido para defesa pessoal.

Os advogados regularmente inscritos em qualquer seccional da OAB podem exercer sua profissão em todo o território nacional, especialmente os advogados que residem em cidades limítrofes de estados da federação, que atende clientes em mais de um estado.

Por este motivo é importante explicitar que o advogado tem direito a porte federal em todo o território nacional, independentemente de quantas inscrições tiver e sem se limitar à seccional a qual está vinculado.

2º) direito à aquisição e registro: Considerando que muitas vezes o que não está explicitado pode gerar dúvidas, mesmo que o direito seja naturalmente decorrente ou implícito, é importante deixar claro que o direito ao porte de arma implica direito à aquisição e registro de arma de fogo sem a comprovação da tal “efetiva necessidade”, pois se não constar na lei, o acesso ao porte pode ser obstaculizado por via reversa, negando-se a aquisição.

3º) O projeto afasta um requisito importante que é a prova de idoneidade moral prevista no art. 4º, I, da Lei 10.826, embora a exigência de não estar respondendo a inquérito e processo judicial fira a razoabilidade e seja de duvidosa constitucionalidade por ferir o princípio da presunção de inocência, é razoável que se adote requisitos de idoneidade moral.

4º) O projeto não informa como se prova a qualidade de advogado, se o direito se aplica aos advogados suspensos e se o direito ao porte constará na carteira de identidade do advogado ou em documento específico de porte de arma.

5º) O projeto remete à Lei 10.826 (art. Art. 4º, III), e hoje há mais de um projeto de lei que visa revogar a Lei 10.826, de forma que, em sendo aprovado o PL 3.722/2012 ou o PL7075/2017  e revogada a lei 10.826, o PL 704 fica desconexo e perde a remissão aos requisitos.

Já que o fundamento do projeto é o direito de igualdade com Magistrados e Membros de Ministérios Públicos, é importante que seja explicitado no texto essa igualdade condicionada e todos os seus pormenores que cabem a uma lei ordinária.

Assim, apresentamos um substitutivo ao PL 704/2015, que prevê o direito ao porte de arma condicionado ao cumprimento de requisitos, não automáticos e que mantém o controle das autoridades competentes para aferição das condições de capacidade psicológica, técnica e moral, consubstanciados em aprovação em exames psicotécnicos específicos para aquisição e porte de arma de fogo, bem como exames técnicos  - teóricos e práticos – para manuseio de arma de fogo, além de provar que não estão condenados por crimes dolosos. Além disso, o projeto prevê que o registro e o porte tem validade temporal e devem ser renovados sob as penas da lei, que é a perda da validade do registro e porte, com as consequências legais.


6 Substitutivo

 PROJETO DE LEI Nº 704/2015 (Substitutivo Deputado Alceu Moreira)

Inclui dispositivos nas Leis números 8.906, 04 de julho de 1994, 10.826, e dá outras providencias.

SUBSTITUTIVO ao Projeto de Lei Nº 704, DE 2015

Altera o art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, atribuindo aos advogados o direito de adquirir e portar armas de fogo para defesa pessoal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º.  Esta lei altera o art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, incluindo entre os direitos dos advogados a aquisição e o porte de armas de fogo para defesa pessoal, em todo o território nacional.

Art. 2º. O art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 7

 ......................................................................

XXII - adquirir e portar armas de fogo para defesa pessoal, em todo território nacional.

....................................................................................

§ 13. A autorização para a aquisição, registro e porte de armas de fogo de que trata o inciso XXII equivale ao mesmo direito dos magistrados e membros do Ministério Público, em quantidades e calibres, e terá validade em todo território nacional, independentemente da Seccional em que o advogado for inscrito, bem como validade temporal limitada, devendo ser renovada periodicamente nos mesmos prazos previstos na regulamentação das leis que tratam sobre aquisição e registro de armas para civis.

§ 14. A autorização para a aquisição de armas de fogo, bem como o registro e a renovação dos certificados, no Sistema Nacional de Armas - SINARM ou no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA, conforme o caso, está condicionada à comprovação, perante a autoridade competente:

I - da qualidade de advogado ativo, mediante certidão de inscrição e regularidade nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, expedida pela Seccional da inscrição principal, e comprovante de residência certa, juntados a cada pedido de aquisição, registro, porte e respectivas renovações;

II - de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas por profissionais credenciados pela Polícia Federal e pelo Exército Brasileiro, conforme regulamentação das leis que tratam sobre aquisição e registro de armas para civis.

III – da ausência de condenação criminal pela prática de infração penal dolosa, mediante a apresentação das respectivas certidões.

§ 15.  A autorização para o porte de armas de fogo e sua renovação estão condicionadas à comprovação, perante a autoridade competente do Sistema Nacional de Armas - SINARM ou do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA, conforme o caso, do cumprimento dos requisitos do parágrafo anterior e também:

 I – do registro da arma no órgão competente;

II – de capacidade técnica e de aptidão psicológica específica para o porte de arma de fogo, atestadas por profissionais credenciados pela Polícia Federal e pelo Exército Brasileiro, conforme regulamentação das leis que dispõem sobre o porte de armas para civis.

§ 16. As autorizações para porte de armas de fogo de uso permitido, em vigor quando da publicação desta Lei, concedidas pela Polícia Federal a advogados devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, passam a ter validade em todo território nacional, devendo a Polícia Federal emitir segunda via do porte atual, com validade para todo o território nacional, mediante requerimento do interessado, que deverá pagar a taxa respectiva e comprovar o requisito previsto no inciso I do § 14.

§ 17. Aplica-se ao direito de aquisição e porte de armas de fogo previsto no inciso XXII as vedações de porte ostensivo e perda de eficácia caso o seu portador seja detido ou abordado em estado de embriaguez, ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas, bem como se valer da arma para o cometimento de infração penais, tais como ameaça e lesão, entre outros.

§ 18. A aplicação da penalidade de suspensão por mais de trinta dias ou exclusão dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, ou, ainda, o cancelamento da inscrição ou licenciamento do advogado, implicarão automaticamente na perda da validade do porte de arma emitido em razão do exercício da advocacia, devendo os beneficiários devolver os documentos de porte às autoridades competentes e regularizar a situação das armas perante o Sistema Nacional de Armas - SINARM e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA, no prazo de trinta dias, sob as penas da lei.

§ 19. As Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil disponibilizarão às Superintendências Regionais da Polícia Federal e Regiões Militares de seus Estados, para controle no Sistema Nacional de Armas - SINARM e no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA, a lista dos advogados suspensos por mais de trinta dias, dos que tiveram a inscrição cancelada e dos que estiverem licenciados, para a adoção das medidas cabíveis relativamente aos registros e portes de arma expedidos.

§ 20. As Superintendências Regionais da Polícia Federal e Regiões Militares informarão os registros e portes expedidos para advogados inscritos, com base nesta Lei, às respectivas Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, para controle destas”. (NR)


7 Justificativas para o substitutivo

Primeiramente cumpre salientar que se trata de um direito e não um dever, cabendo a cada advogado(a), conforme sua livre convicção decidir por exercer este direito ou não, assim como o PL 704/2015.

Outrossim, cumpre salientar, de início, que se trata de um projeto que prevê regulamentação e requisitos, não sendo uma concessão de direito sem limites ou requisitos.

O uso de armas de fogo somente deve ser possibilitado a quem tenha condições morais, psicológicas e técnicas.

Razoabilidade. Esta é a linha mestra do substitutivo ora apresentado, pois em síntese, o que se busca com este projeto é retirar do Delegado de Polícia Federal a discricionariedade para: (i) a concessão do direito ao início do processo de habilitação para aquisição e porte de arma de fogo; e (ii) extensão territorial de validade de porte de arma expedido. Outro ponto que se busca é respeitar a igualdade de prerrogativas dos Advogados com os Magistrados e Membros do Ministério Público, que possuem direito de aquisição e porte.

O substitutivo ao projeto de lei 704/2015 ora encaminhado foi elaborado com o objetivo de garantir as prerrogativas legais do exercício da advocacia, alicerçado nos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, tais como o direito à vida, à liberdade e o livre exercício da profissão, bem como à administração da justiça, previsto no art. 133, da Constituição Federal, e seu direito à inviolabilidade profissional, bem como baseando-se nos princípios da isonomia previsto no art. 6º, da Lei nº 8.906/1994.

Notório que algumas profissões possuem riscos inerentes ao trabalho desenvolvido, motivo pelo qual a Lei nº 10.826/2003, em seu art. 6º caput  prevê que é proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria, que se valem de armas de fogo para defesa pessoal.

A Lei Orgânica do Ministério Público (art. 42 da Lei nº 8.625/1993) e Lei Orgânica da Magistratura (art. 33, inciso V, da Lei Complementar nº 35/1979), autorizam os promotores de justiça e magistrados portar tais armamentos, tendo em vista o risco do exercício destas atividades essenciais à justiça, inclusive de calibres restritos.

Neste norte, não se pode olvidar que o exercício da profissão do Advogado possui os mesmo riscos daquela desenvolvida por membros da Magistratura e dos Ministérios Públicos Estadual  e Federal, ainda que figurem em polos diversos nas demandas judiciais.

Aliás, o art. 6º da Lei nº 8.906/1994 estabelece que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

A partir daí, denota-se que o Estatuto da Advocacia foi omisso com relação à garantia legal dos advogados em ter o porte de arma de fogo, até porque à época não havia a restrição atual à aquisição e porte de arma, justamente essa a razão para o presente Projeto de Lei.

Importante ressaltar que o porte de arma de fogo para defesa pessoal não é obrigação e sim faculdade, podendo o advogado optar por fazer uso de seu direito ou não, conforme seu livre entendimento.

Além do mais, a proposta traz avanços e proteção à sociedade em geral, relativamente ao direito dos membros da Magistratura e do Ministério Público, pois prevê que a autorização para compra e porte de arma de fogo somente será concedido ao advogado após a comprovação dos requisitos legais e de capacidade técnica(instrutores de tiro credenciados pela Polícia Federal) e de aptidão psicológica (psicólogos credenciados pela Polícia Federal) para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento da Lei 10.826.

Portanto, não basta a simples previsão legal para o advogado poder adquirir e portar a arma de fogo. Será necessária a aquisição legal do armamento, a comprovação de aptidão técnica e psicológica, e emissão do documento de porte de arma pela autoridade competente.

Em síntese, o projeto apenas retira a discricionariedade do delegado de polícia federal analisar a “efetiva necessidade” para aquisição e porte de arma de fogo, prevista na lei 10.826, e para limitar territorialmente a validade dos portes de armas emitidos, criando-se, assim, uma presunção legal de necessidade de corrente naturalmente do exercício da advocacia, assim como ocorre com membros da Magistratura e do  Ministério Público.

Deste modo, resta evidente que a digna profissão do advogado, profissional responsável pela manutenção e administração da justiça, que não rara às vezes sofre com ameaças e atentados à vida, à família, à inviolabilidade de seu lar, é merecedora de tal incumbência legal, qual seja, o porte de arma de fogo para defesa pessoal, como relatado no sítio www.advogadospelaigualdade.com.br.

Não bastasse tal justificativa, repisa-se a isonomia dos responsáveis pelo andamento legal da Justiça brasileira: Advogados, Magistrados, Promotores de Justiça e Procuradores da República. Todos na incumbência de tornar o país mais justo e democrático, brandindo suas espadas na tutela dos direitos individuais e coletivos, enfrentando os riscos da honrosa profissão em nome de uma única bandeira: JUSTIÇA.

Por fim, ressalta-se que a proposta legislativa apresentada não necessita alterar o texto da Lei 10.826, pela razão de que exige dos advogados todos os registros e autorizações.


CONCLUSÃO

A conclusão que se chega é que a proposta de concessão de porte de arma de defesa para advogados, constante do PL 704/2015, é plenamente constitucional. Está amparada tanto nos artigos 5º e 133 da Constituição Federal, bem como art. 6º da Lei 8.906.

Por sua vez, o substitutivo ora apresentado respeita a ideia central do PL 704/2015, apenas melhorando o texto a fim de possibilitar maior controle e evitar o esvaziamento da norma jurídica por meio de interpretações restritivas que no substitutivo são expurgadas pela previsão expressa na lei.

Demais disso, igualdade tem de se aplicar naquilo que é possível, pois as funções essenciais à justiça e o exercício da jurisdição possuem diferenças, especialmente porque a carreira da advocacia pode ser pública ou privada, bem como os advogados podem também seguir pela defensoria pública. O que se quer é assegurar igualdade de tratamento no que couber, que é o direito de poder portar armas de fogo para defesa.


Notas

[1] Lei Complementar 35/1979.

Art. 33.  São prerrogativas do magistrado:

..........................................................

V - portar arma de defesa pessoal.

[2] Lei 8.625/1993.

Art. 42.  Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo em todo o território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou autorização.

[3] Lei Complementar 75/1993.

Art. 18.  São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:

I - institucionais:

..........................................................................................

e) o porte de arma, independentemente de autorização;

[4] PORTARIA COLOG 25, DOU de 26 abril de 2016.

Art. 2º Os membros do Ministério Público da União e dos Estados e os membros da Magistratura ficam autorizados a adquirir, na indústria nacional, para uso particular, até 2 (duas) armas de porte, de uso restrito, dentre os calibres.357 Magnum,.40 S&W,.45 ACP ou 9mm, em qualquer modelo.

Art. 3º Os membros do Ministério Público da União e dos Estados e os membros da Magistratura podem adquirir por transferência até 2 (duas) armas de uso restrito, para uso próprio, dentre os calibres.357 Magnum,.40 S&W,.45 ACP ou 9mm, em qualquer modelo.

[5] Art. 14. Será o crime justificavel, e não terá lugar a punição delle:

.................................................................................

2º Quando fôr feito em defeza da propria pessoa, ou de seus direitos.

3º Quando fôr feito em defeza da familia do delinquente.

Para que o crime seja justificavel nestes dous casos, deverão intervir conjunctamente os seguintes requisitos: 1º Certeza do mal, que os delinquentes se propozeram evitar: 2º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial; 3º O não ter havido da parte delles, ou de suas familias provocação, ou delicto, que occasionasse o conflicto.

4º Quando fôr feito em defeza da pessoa de um terceiro.

Para que o crime seja justificavel neste caso, deverão intervir conjunctamente a favor do delinquente os seguintes requisitos: 1º Certeza do mal, que se propôz evitar: 2º Que este fosse maior, ou pelo menos igual ao que se causou: 3º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial: 4º Probabilidade da efficacia do que se empregou.

Reputar-se-ha feito em propria defeza, ou de um terceiro, o mal causado na repulsa dos que de noite entrarem, ou tentarem entrar nas casas, em que alguem morar, ou estiver, ou nos edificios, ou pateos fechados a ellas pertencentes, não sendo nos casos em que a Lei o permitte.

[6] Art. 32. Não serão também criminosos:

§ 1º Os que praticarem o crime para evitar mal maior;

§ 2º Os que o praticarem em defesa legitima, propria ou de outrem.

A legitima defesa não é limitada unicamente á protecção da vida; ella comprehende todos os direitos que podem ser lesados.


Autor

  • Fabio Adriano Stürmer Kinsel

    Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio Grande do Sul desde 11 de agosto de 1995. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Concentração em Direitos Fundamentais. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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Informações sobre o texto

Estudo elaborado para entrega ao Relator do PL 704/2015, a fim de subsidiar argumentos expostos sobre o tema. O autor é atirador desportivo e caçador portador de certificado de registro perante a 3ª Região Militar, filiado à Confederação Brasileira de Tiro Defensivo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KINSEL, Fabio Adriano Stürmer. Porte de arma para advogados como direito e garantia fundamental. Análise da constitucionalidade do Projeto de Lei nº 704/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5118, 6 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58978. Acesso em: 20 abr. 2024.