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Direito à moradia e ao meio ambiente equilibrado: ponderação entre direitos internacionais dos direitos humanos

Direito à moradia e ao meio ambiente equilibrado: ponderação entre direitos internacionais dos direitos humanos

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A concessão dos instrumentos jurídicos estabelecidos no art.15 da atual Lei de Regularização Fundiária Urbana, em terras públicas ou privadas, deve ser precedida de análise da situação ambiental concreta, sob pena de resultar em violações de ambos os direitos aqui realçados.

Resumo: O direito à moradia foi estabelecido no âmbito internacional como direito humano desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948. O meio ambiente iniciou seu status de direito internacional a partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, quando as Organização das Nações Unidas perceberam a necessidade de preservação dos recursos naturais e ecossistemas para garantir uma melhor qualidade de vida do ser humano. A Constituição da República Brasileira de 1988 instituiu expressamente o meio ambiente equilibrado como direito fundamental e, posteriormente, por meio da Emenda Constitucional n.º 24, de março de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais no seu artigo 6.º, transmudando-se, assim, em direito fundamental. Ambos os valores estão entrelaçados numa mesma perspectiva de direitos internacionais dos direitos humanos, alçados em patamares de idêntica equivalência protetiva. Afigura-se relevante observar, portanto, a relação entre esses direitos quando do exame de casos concretos, visto que nem sempre esse entrelaçamento é harmonioso e pacífico. Este artigo procura evidenciar que, havendo aparente choque entre o direito à moradia digna e ao meio ambiente equilibrado, busca-se encontrar mecanismos para equilibrar os interesses envolvidos, sopesando os pesos e contrapesos dessa colisão.

Palavras-chave: Direitos internacionais dos direitos humanos. Moradia digna. Meio ambiente equilibrado. Assentamentos informais. Área de preservação permanente. Direitos fundamentais.


INTRODUÇÃO

A omissão do Poder Público no planejamento urbanístico e nas políticas públicas destinadas a uma valoração perene dos direitos humanos à moradia e ao meio ambiente equilibrado tem causado graves impactos socioambientais nas cidades. Cada vez mais se observa o crescimento de assentamentos informais nos centros urbanos que resultam em quadros de degradação ambiental irrecuperáveis, diante da total transformação do espaço ocupado de forma a modificar completamente a área originalmente existente.

Há ainda um elitismo na adoção das políticas públicas habitacionais que não atenta para a realidade socioeconômica de acesso à terra urbanizada e à moradia digna. É sabido que o direito à ordem urbanística institui o direito à cidade como direito difuso, tal como o é o direito ao meio ambiente equilibrado, conforme preconiza o artigo 2.º e inciso I do Estatuto da Cidade. Nesse aspecto, os problemas urbanos são problemas ambientais, na perspectiva de que o espaço construído e os assentamentos humanos integram a dimensão modificada pelo homem no meio ambiente.

A importância de conciliar os direitos internacionais dos direitos humanos à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra relevância na medida em que a garantia do bem-estar social do homem perpassa pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo certo que é preciso ponderar no caso concreto qual o direito fundamental a prevalecer diante de aparente conflito de valores. Tem-se afirmado que a concretização total de um princípio pode encontrar obstáculo na esfera de tutela de outro princípio constitucional.

Procura-se demonstrar a transversalidade dos direitos humanos decorrente de sua influência nos demais ramos do direito, incluindo-se o direito social à moradia e ao meio ambiente equilibrado. Realça-se que o conteúdo de ambos os direitos – moradia e meio ambiente – integra os elementos constitutivos dos direitos humanos, sendo, portanto, indivisíveis e universais enquanto valores inseridos numa pauta de interesse global.

Em linhas gerais, tenta-se evidenciar a evolução e construção no ordenamento jurídico internacional e doméstico do direito à moradia e do direito ambiental equilibrado como direitos entrelaçados e imprescindíveis à qualidade de vida do ser humano, incorporados que estão na Constituição Federal como direitos fundamentais.

Destaca-se ainda a possibilidade de, em situações excepcionais, o ordenamento jurídico brasileiro admitir assentamentos humanos consolidados em área de preservação permanente, desde que sejam observadas as regras de exceção previstas no Código Florestal vigente e na lei que dispõe sobre Regularização Fundiária Urbana (Lei 13.465/2017).

Por derradeiro, busca-se enfocar ainda que a proporcionalidade e ponderação são elementos essenciais para a resolução do conflito entre a proteção dos direitos à moradia e ao meio ambiente, ressaltando-se que os princípios constitucionais servem de lastro para o fundamento de todo o ordenamento jurídico, constituindo-se assim verdadeiras normas constitucionais vinculantes à proteção e garantia dos direitos fundamentais.


1 A INDIVISIBILIDADE E INTERDEPENDÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS À MORADIA E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

A noção contemporânea dos direitos humanos, a partir da Declaração Universal de 1948, caracterizou-se pela concepção de universalidade e indivisibilidade. Primeiro, porque a condição de pessoa seria o pressuposto à titularidade dos direitos, levando-se em conta a racionalidade e unicidade existencial do homem, sendo esses direitos inerentes a todos os membros da espécie humana, sem distinção1; segundo, porque os diversos catálogos de direitos humanos são interdependentes e a garantia de uns é requisito à observância de outros.

Posteriormente, os Pactos Internacionais dos direitos humanos relacionados aos direitos civis e políticos e econômicos, sociais e culturais, editados pela ONU em 1966, fez aparente separação desses direitos em dois blocos. Em linha de princípio, a justificativa foi a de que os direitos civis e políticos, por sua própria natureza, teria aplicação imediata, podendo de logo ser cobrado e exigido; ao passo que os direitos econômicos, sociais e culturais dependeriam de cooperação internacional e de políticas públicas internas programáticas.

Menos de dois anos depois, na Conferência Mundial realizada em Teerã, concluiu-se ser impossível realizar direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais em razão da indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. O relatório das Nações Unidas Nosso Futuro Comum, em 1987, defendeu pela primeira vez o conceito ainda tímido de desenvolvimento sustentável, apontando a crescente devastação ambiental e os riscos da escassez de recursos naturais para o planeta. Em 1993, a Declaração de Direitos Humanos de Viena ratificou a ideia de universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos2, anunciando que todos eles devem ser tratados de forma justa e equânime.

Nesse contexto, observa-se que o direito humano à moradia adequada se estende a todas as pessoas, conforme previsão no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sendo certo que o artigo 2 estabelece que os direitos ali previstos devem ser tratados e exercidos sem discriminação (BRASIL, 2013).

Já o direito ambiental reconhecido na esfera do direito humano ocorreu a partir de uma progressiva crise de recursos naturais, do desordenado crescimento econômico e de reiteradas catástrofes ambientais, fatores acentuados na segunda metade do século XX. O âmago desse direito internacional surgiu originalmente com a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano ocorrida em Estocolmo no ano de 1972.

Sob esse enfoque, os direitos humanos constituem-se num complexo único e indivisível por meio do qual os outros ramos do direito estão interdependentes entre si. Esses direitos não se completam se não estiverem relacionados com outras áreas do direito que acabam por interferir diretamente nos seus ditames. Em outras palavras, os direitos humanos para terem efetividade, precisam estabelecer dependência com os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e ambientais e assim por diante (BALIM, 2012).

O caráter de indivisibilidade está presente não só quando cotejado entre os valores protegidos nas duas colunas de direitos criadas pelos Pactos Internacionais referidos, mas quando relacionados aos valores pontuados no mesmo bloco dos direitos sociais, econômicos ou culturais, haja vista que as políticas públicas desenvolvem-se com o objetivo de proteger o meio ambiente e a sociedade.

Os direitos humanos e o meio ambiente estão irrefragavelmente interligados. Bosselmann aponta que “sem os direitos humanos, a proteção ambiental não poderia ter um cumprimento eficaz. Da mesma forma, sem a inclusão do meio ambiente, os direitos humanos correriam perigo de perder sua função central, qual seja, a proteção da vida humana, de seu bem-estar e de sua integridade” (BOSSELMANN, 2015, p.162).

Não se pode olvidar, em razão disso, que o direito social fundamental à moradia adequada deve ser reconhecido dentro da perspectiva de sustentabilidade ambiental3, uma vez que, para o reconhecimento da dignidade humana, o local da moradia há de ser ecologicamente equilibrado, com condições mínimas de habitabilidade, segurança, saneamento e equipamentos urbanos básicos.4 Impossível, portanto, pensar em direito à moradia e esquecer o direito humano ao meio ambiente equipendente. Tratam-se de valores indissociáveis e como tais indivisíveis e interdependentes.

Para Flávia Piovesan, impõe estabelecer uma nova ordem, mais democrática e equitativa, capaz de celebrar a interdependência entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos e que, acima de tudo, esteja focada em valorizar a prevalência absoluta da dignidade da pessoa humana (PIOVESAN, 2004, p.39).

Inseparavelmente, o conteúdo de ambos os direitos – moradia adequada e meio ambiente equilibrado – integra a dignificação humana, porquanto visa a garantir que todas as pessoas indiscriminadamente tenham um espaço seguro para viver, um local com acesso sustentável às infraestruturas primordiais à saúde, à água potável, energia, iluminação, saneamento e serviços emergenciais.

1.1 Direito social à moradia como direito fundamental

No âmbito internacional foi na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948 (DUDH) que se reconheceu de forma embrionária o direito à moradia, ainda que implicitamente, como integrante do rol dos direitos humanos5. Em 1976 entrou em vigor o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, editado em 1966. A partir daí os Estados que o ratificaram comprometeram-se a implementar políticas e programas domésticos com vistas a alcançar progressivamente direitos econômicos, sociais e culturais, inclusive com modificações legislativas no sentido de criar instrumentos legais de forma a dar efetividade ao exercício desses direitos.

Naquele mesmo ano, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos em Vancouver, Canadá. Instituiu-se à época o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos6, com o objetivo de atingir um consenso mundial sobre políticas habitacionais para grupos vulneráveis e assuntos correlatos. Este mesmo programa, em 2010, lançou a Campanha Mundial Urbana, com a finalidade de conscientizar a comunidade internacional sobre a necessidade de transformar as cidades num ambiente sustentável, reduzindo as desigualdades e ofertando melhor qualidade de vida às pessoas.

Após a Agenda 21, realizada no Brasil com a ECO-92, onde se estabeleceu que a habitação sadia é imprescindível para o bem-estar da pessoa humana, a ONU coordenou em 1996 na Turquia a segunda Conferência sobre Assentamentos Urbanos – Habitat II, com o escopo de avaliar as políticas programáticas dos Estados e instituir metas e planos de ação internacional no sentido de melhorar as condições dos assentamentos humanos, o meio ambiente e ressaltar a importância da participação da mulher e de grupos socialmente vulneráveis na política de habitação. Nessa mesma Conferência as nações envolvidas traçaram programas para implementar criação de ministérios e agências nos países, renovando a necessidade de celebração de parcerias com diversos setores da sociedade, a exemplo das organizações não governamentais e outros.

Em setembro de 2015, a Cúpula das Nações Unidas aprovou por meio de líderes de governo e Estados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (OSD) a serem alcançados até 2030, elaborando plano de ação para o ser humano, o planeta e a prosperidade. A agenda consistiu numa Declaração com 169 metas e 17 objetivos7, dentre os quais, impõe destacar o objetivo n.º 11, que é “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, proporcionando a todas as pessoas “o acesso à habitação segura, adequada e preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas.”

Em outubro de 2016, na cidade de Quito, aconteceu a Habitat III, por meio da qual se adotou uma Nova Agenda Urbana sobre as Cidades Sustentáveis e Assentamentos Urbanos, prestigiando-se ainda mais a igualdade de oportunidades sem discriminação; fomento às iniciativas verdes e de limpeza; redução de emissão de carbonos; respeito aos direitos dos refugiados e outros benefícios à sustentabilidade do ambiente construído.

No contexto interno, a República Federativa do Brasil, sob a perspectiva internacional de que o direito à moradia se traduz em direito humano, definiu a moradia como um direito social fundamental por meio da Emenda Constitucional n.º 26, de 2000, inserindo nos direitos sociais a moradia, além dos direitos que já constavam como educação, saúde, alimentação, trabalho, lazer, segurança, previdência social e outros.

Rafael Santiago Costa ressalta que o direito fundamental à moradia se enquadra dentre os direitos sociais, ínsitos à concepção do Estado Social, integrando assim o bloco dos direitos econômicos e culturais, considerados de segunda dimensão. Em face de seu status constitucional e do amparo legal, várias são as demandas judiciais travadas em torno do direito à moradia. Ocorrem situações em que o próprio Estado no intuito de assegurar o direito à moradia acaba se esquecendo de outros direitos e liberdades fundamentais, cuja situação resulta em questionamento sobre a validade de sua intervenção (COSTA, 2013).

O direito à moradia não se confunde com o direito de propriedade. Por essa razão hodiernamente esse valor social passou a ter maior proteção jurisdicional. É dever do Poder Público desenvolver planos específicos de ação e implementar legislação que observe o princípio da igualdade e da não discriminação, a fim de oferecer a todas as pessoas uma segurança na posse, como é o caso da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia e Concessão de Direito Real de Uso, institutos utilizados para o atingimento da função social da propriedade pública, registráveis na cadeia imobiliária, considerados direitos reais sobre coisa alheia nos moldes do art.1.225 do Código Civil.

É com essa perspectiva que o direito à moradia justa tem mais amplitude que o próprio direito à propriedade, já que abraça outros direitos correlatos, não ligados à propriedade, visando a garantir que as pessoas tenham um lugar seguro para viver em paz dignamente. A segurança na posse, portanto, é um dos requisitos do direito à moradia e pode materializar-se em várias formas, como alojamento de aluguel, cooperativa de habitação, arrendamento, ocupação pelo dono, habitação emergencial ou assentamentos informais, não se limitando a simples concessão de títulos (BRASIL, 2013).

Marcelo Benacchio e Denis Cassettari realçam que princípios transnacionais devem nortear o direito fundamental à moradia que não se resume a uma casa, a um teto.

O direito humano à moradia é um direito social em sua dimensão positiva, informado pelos princípios da solidariedade, da igualdade material e do Estado Social. Dessa forma, os Estados devem proteger e auxiliar os mais necessitados na efetivação do acesso à moradia digna que possibilite a efetivação dos demais direitos humanos (BENACCHIO; CASSETTARI, 2014, p.60).

Essa valoração tomou contornos ainda mais consistentes com a Emenda Constitucional n.45, de 2004, que adicionou ao art.5.º da Carta Magna o § 3.º, segundo o qual “tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Essa flexibilização quanto à internalização dos direitos humanos reforça a responsabilidade Estatal na implementação do direito à inclusão social, reconhecendo assim o direito à moradia digna como um direito de agenda global.

1.2 Direito Humano Ambiental como direito fundamental

Após a Segunda Guerra Mundial, houve o reconhecimento das liberdades fundamentais, notadamente com a DUDH em 1948, surgindo a partir daí o desenvolvimento da tutela dos direitos humanos. A proteção do meio ambiente, por sua vez, floresceu a contar do reconhecimento de uma crise ambiental no planeta na segunda metade do século XX, que culminou com a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972.

O princípio 1 da Declaração de Estocolmo pontuou:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o “apartheid”, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira permanecem condenadas e devem ser eliminadas.

Com os sucessivos Pactos, Protocolos8 e outros documentos internacionais, a maioria dos Estados atentou para a necessidade de restringir a governança interna e a própria soberania em prol da vida, como consequência do reconhecimento e valorização dos direitos humanos, imbricados no direito natural sob os reflexos do princípio universal da moral como um padrão mínimo de dignidade humana.

A lógica da tutela ambiental surge como uma necessidade básica, como ocorre com os outros direitos e liberdades fundamentais, na perspectiva de que o meio ambiente é indispensável à qualidade de vida dos seres humanos, haja vista que, comumente, quando ocorre um dano ambiental o gozo dos direitos humanos é posto irrefutavelmente em risco. O meio ambiente estável, harmonioso afigura-se, portanto, pressuposto imprescindível para diversos direitos humanos, dentre os quais, o direito à vida, à saúde e à moradia adequada.

Nesse contexto, impõe considerar condições ambientais saudáveis como parte integrante do direito à vida e de outros direitos humanos. Birnie e Boyle destacam que “há uma ligação óbvia entre a saúde ambiental e a saúde humana, e o direito internacional dos direitos humanos teve pouca dificuldade para derivar direitos ambientais de direitos humanos já existentes, como direito à vida, ao bem-estar, à vida privada ou à propriedade” (BIRNIE; BOYLE apud BOSSELMANN, 2015, p.148).

A Declaração do Rio-92, em seu Princípio 1, avançou no sentido de asseverar que todos têm direito a um meio ambiente seguro, sadio e ecologicamente sustentável, por meio do qual “os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Eles têm direito a uma vida sadia e produtiva em harmonia com a natureza”.

Outros documentos e relatórios elaborados pela ONU reafirmaram a relação de reciprocidade entre os direitos e deveres no tocante ao meio ambiente e os direitos humanos, oferecendo caminho para que o direito humano ao meio ambiente seja internacionalmente reconhecido, a exemplo do relatório de 1994, produzido por Fatma Ksentini, relatoria especial sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente9, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas a um meio ambiente vívido.

No âmbito do ordenamento jurídico interno, a Lei n.º 6.938, de agosto de 1981, foi a primeira legislação brasileira que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, criando o SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, composto por diversos órgãos administrativos com responsabilidade de gestão, controle e fiscalização ambiental. Esse instrumento legal objetivou compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação e equilíbrio ecológico. De seguinte, veio a lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, que instituiu a Ação Civil Pública como mecanismo processual para responsabilização por danos causados ao meio ambiente e outros direitos difusos e coletivos.

Com a Carta Magna de 1988 houve a constitucionalização do direito ambiental, havendo o constituinte dedicado um capítulo ao meio ambiente. Representou um marco para o ordenamento jurídico-ambiental interno, permitindo a regulação de várias situações que agridem o equilíbrio do meio ambiente e a qualidade de vida do ser humano, com a incorporação de princípios do Direito Ambiental, por exemplo, o princípio da precaução, da prevenção, do poluidor pagador, da função socioambiental da propriedade etc.

Na perspectiva dos valores da solidariedade no plano internacional, o meio ambiente foi incluído na Carta Política como direito fundamental de terceira dimensão, cujo objetivo é a tutela dos interesses transindividuais e coletivos de um bem do interesse de todos, portanto, um bem de uso comum do povo a ser protegido e preservado para as presentes e futuras gerações. Trata-se de um direito fundamental inerente a todo gênero humano.

Para Norma Sueli Padilha, a Constituição Federal de 1988 ampliou a abrangência da concepção jurídica de proteção ao meio ambiente, pois não o considera de forma dissociada dos direitos humanos fundamentais, mas um conjunto de todos os sistemas dentre os quais se integram todos os seres vivos, o homem e a natureza que o envolve, estabelecendo a tutela constitucional ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial (PADILHA, 2010, p.115).


2 ASSENTAMENTOS HUMANOS EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

Em linha de princípio, existe razoável incompatibilização entre as funções ambientais de preservação dos recursos naturais, da biodiversidade e a possibilidade de ocupação humana ou intervenções urbanísticas nessas áreas.

As áreas de preservação permanente, além de tutelar o fluxo gênico da fauna e da flora, protegendo o solo e a estabilidade geológica em áreas de riscos, asseguram o bem-estar da população humana. Afinal, não se pode olvidar que, segundo o art.225 da Carta Política, o meio ambiente equilibrado é direito de todos, “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.

Os artigos 64 e 65 da Lei n. 12.651, de 2012, admitem a regularização fundiária tanto de interesse social quanto de interesse específico em áreas de preservação permanente, nas hipóteses de assentamentos localizados em espaço urbano consolidado e que ocupam regiões não identificadas como área de risco, ficando a regularização ambiental admitida por meio de aprovação do respectivo projeto de regularização fundiária. Trata-se de exceção à regra, uma vez que a lógica da função e da finalidade da área de preservação permanente é a de não supressão da vegetação, devendo ser recuperada quando irregularmente suprimida.

Nos termos do artigo 8.º do mencionado Código Florestal, a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em APP é possível tão somente nos casos de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental10. Já o artigo 4.º do mesmo diploma identifica as APPs em zonas urbanas e rurais, podendo outras ser especificadas por ato do Chefe Poder Executivo, conforme artigo 6.º, a exemplo de áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; abrigar espécies da fauna ou da flora ameaçados de extinção; proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; assegurar condições de bem-estar público; além de outras situações previstas na lei.

O Código Florestal ainda realça que as intervenções ou supressões da vegetação nativa em manguezais e restingas podem ser autorizadas, “excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda” (§ 2.º do artigo 8.º da Lei 12.651/12).

Maria Luíza Machado Granziera aponta que, “independente das justificativas e das possibilidades que a lei prevê, a supressão de cobertura vegetal em APP representa a possibilidade de perda da função ambiental dessas áreas”. Eliminar essa vegetação é suprimir a proteção do espaço, o qual passará a ter outro fim, que não o de tutela ambiental (GRANZIERA, 2014, p.480).

Apesar de a supressão e a intervenção constituírem uma exceção, percebe-se que a legislação autoriza um leque amplo de situações que podem resultar numa discricionariedade técnica arriscada ao meio ambiente equilibrado. A excepcionalidade, contudo, há de ser um elemento fundamental para análise do órgão ambiental competente, objetivando conciliar os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equipendente.

A Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017, que dispõe sobre regularização fundiária urbana e outros assuntos, em seu art.11 § 2.º, prevê que o Poder Público poderá, motivando a decisão administrativa, admitir a regularização de núcleos urbanos informais em APPs, em conformidade com o disposto no Código Florestal, quando inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implicará na melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior, inclusive com realização de compensações ambientais.

Reconhecer a legalidade de ocupações humanas em áreas de preservação permanente caracteriza mitigação das normas de proteção do meio ambiente, cuja situação realça teoricamente um retrocesso ambiental. Bruno Faro Eloy Dunda sustenta a necessidade de encontrar fundamentos para rejeitar a possibilidade de alteração na norma jurídica ambiental que implique uma redução dos padrões de proteção ou de qualidade ambiental já alcançados. “(…) o direito ambiental se caracteriza como um ramo do direito ao qual se aderem duas finalidades absolutamente claras e indissociáveis: uma luta ou uma reação contra a degradação do meio ambiente e a consequente necessidade de sua preservação” (DUNDA, 2014, p.89).

Cintia Maria Scheid, todavia, reforça, ainda que superficialmente, a primazia do direito social à moradia em relação ao meio ambiente natural, sobretudo em área de preservação permanente quando a situação já se encontra consolidada e irreversível. “Quando houver relevante interesse social, como é o caso da moradia consolidada de quem habita essas áreas, a desafetação já se concretizou no mundo dos fatos, de forma que a lei ambiental não se configura como justificativa para a não regularização desses assentamentos” (SCHEID apud COSTA, 2013).

Segundo dados da ONU-HABITAT, cerca de 1 bilhão de pessoas pobres vivem em favelas no mundo. Desse quantitativo, mais de 930 milhões vivem em favelas nos países em desenvolvimento, constituindo 42% da população urbana11. Não precisa de muito esforço para concluir que há um grande número de núcleos urbanos informais ocupando área de proteção ecológica, existindo assim elevado passivo de ocupações irregulares, ocasionado por ausência de políticas urbanas e crescimento desordenado das cidades e de regiões metropolitanas ao redor do mundo.


3 PROPORCIONALIDADE E PONDERAÇÃO COMO ELEMENTOS PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À MORADIA E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

A proporcionalidade aqui realçada se apresenta como técnica de solução do conflito entre direitos fundamentais. Irrefragavelmente, o conteúdo de ambos os direitos ora abordados integram a dimensão valorativa dos direitos humanos e, portanto, fazem parte constitutiva da própria dignidade da pessoa humana.

A lógica da proporcionalidade, enquanto técnica de solução de controvérsia, afeta diretamente valores constitucionais, levando-se em conta a valorosa finalidade pública a justificar a restrição de outros princípios fundamentais. Para esse exame, faz-se necessário observar a licitude do propósito perseguido, o meio adequado, ou seja, o instrumento que leva ao alcance do fim, e a necessidade do meio utilizado para alcançar esse mesmo fim.

Humberto Ávila orienta que se deve fazer a seguinte indagação quando do exame da proporcionalidade: “O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais? Ou, de outro modo: As vantagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio?” (ÁVILA, 2015, p. 217).

Contextualizando a indagação, seria o caso de examinar se o direito fundamental à moradia adequada, consolidado em áreas de preservação permanente, pode sobrepor-se ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Ou se este último, enquanto direito difuso e transindividual tem prevalência sobre o direito humano social à moradia digna, igualmente reconhecido como direito internacional dos direitos humanos.

Norma Sueli Padilha aponta que a relação de precedência, por meio do qual se estabelece o peso relativo de um direito fundamental sobre outro no caso concreto, reside nas razões suficientes que justificam e fundamentam a tomada de decisão, consubstanciada na racionalidade da ponderação que se aperfeiçoa mediante a máxima da proporcionalidade (PADILHA, 2006).

Parece não merecer guarida o entendimento generalizado em prol da primazia de um direito fundamental sobre o outro. As peculiaridades de cada caso concreto devem ser consideradas, analisando, por exemplo, se a mitigação à tutela do meio ambiente não tem compensação ou correspondência nas vantagens ofertadas a uma coletividade que anseia por moradia adequada e uma melhor qualidade de vida nos centros urbanos, autorizando assim o sacrifício daquele direito humano difuso.

Klaus Bosselman mostra que a preocupação com a proteção dos direitos humanos, incluindo-se o direito social à moradia, e a preocupação com a proteção do meio ambiente se reforçam reciprocamente e deve ter como ponto de partida uma racionalidade ecológica fincada na sustentabilidade.

Os paradigmas de racionalidade aproximam sistemas de valores. Os sistemas de valores se referem à importância relativa atribuída a valores concorrentes. Se, por exemplo, o bem-estar humano for considerado superior ao bem-estar ambiental, as colisões serão resolvidas de maneira que favoreça as necessidades humanas (em todo seu espectro) em detrimento das necessidades ambientais. Em consequência, o grau em que a superioridade presumida é usada determina o grau de proteção ambiental. E se essa superioridade se manifesta em direitos irrestritos à propriedade, ao crescimento econômico e ao utilitarismo sem medidas, então está claro que o meio ambiente sofrerá (BOSSELMANN, 2015, p.144).

Evidentemente, existe uma preocupação no sentido de equilibrar esses valores humanos, conciliando-os e até mesmo oportunizando a realocação das pessoas envolvidas nos assentamentos informais e nas favelas erguidas em áreas ambientalmente protegidas. Sempre no exame da situação concreta, em algumas situações haverá de prevalecer o direito humano ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo cuja disponibilidade não se vincula a determinados grupos, mas aos interesses de todos os seres humanos.

Por outro lado, visando à efetividade do direito fundamental à moradia, preocupação também de uma agenda mundial que objetiva alcançar o princípio da dignidade da pessoa humana, não raras as vezes haverá de ser utilizada a técnica da proporcionalidade, ponderando-se os valores constitucionais em conflitos, respeitando a ética ambiental mas numa perspectiva de que a regularização fundiária ou qualquer empreendimento voltado às políticas habitacionais de interesse social deverá ser planejado diante das valorosas vantagens para o bem-estar de grupos vulneráveis e excluídos dos direitos à cidade.

Diferentemente do conflito de regras, que se resolve mediante a invalidação de uma delas ou por meio de uma cláusula de exceção para eliminação do conflito, ocorrendo colisão entre princípios, a solução é a ponderação. Natália Pires e Cibele Rodrigues destacam que nesses casos um princípio deverá ceder, diante de determinadas circunstâncias, haja vista que não há uma precedência básica entre eles, nenhum possui uma precedência absoluta (PIRES; RODRIGUES, 2005, p.527).

Quando a ocupação ou o assentamento humano estiver em área que seja de uso comum do povo, como praças e ruas, bem assim em áreas urbanas de interesse da preservação ambiental, a exemplo de margens de rios e lagos, encostas e matas ciliares, dentre outros casos considerados como de preservação permanente, é facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de moradia, por meio da Concessão de Uso Especial (CUEM), título de Legitimação de Posse, Legitimação Fundiária12, desapropriação por interesse social, Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), doação e outros institutos jurídicos, em local diverso que atenda aos requisitos desse direito social fundamental. O Poder Público também garantirá ao possuidor esse direito quando a área de ocupação acarretar risco à vida ou à sua saúde.

Inobstante a situação concreta possa resultar remoções forçadas, algumas vezes interpretadas como uma violação dos direitos humanos, impõe ao Poder Público oferecer condições melhores de habitabilidade àquelas pessoas removidas que não devem ficar desabrigadas, em circunstância de vulnerabilidade pior do que a anterior.

De outro norte, em consonância com o art.11, parágrafos 2.º, 3.º, 4.º da Lei n.º 13.465, de 2017, quando os assentamentos humanos estiverem inseridos em núcleos urbanos informais consolidados, ainda que em Áreas consideradas de Preservação ambiental Permanente, Unidade de Conservação de Uso Sustentável ou de Proteção de Mananciais, o Poder Público poderá, por decisão fundamentada, aplicar o princípio da proporcionalidade e ponderar os valores em choque, desde que se comprove, mediante estudo técnico, que a intervenção urbanística a ser precedida da concessão da titularidade, implique em melhorias nas condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior, por meio de recuperação de áreas degradas e daquelas não passíveis de regularização, resultando sobretudo num padrão mínimo de sustentabilidade urbano ambiental.

A mesma lógica poderá ser seguida nos casos de Regularização Fundiária Urbana de assentamentos informais consolidados às margens de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou abastecimento público, devendo, entretanto, ser considerada como faixa da área de preservação permanente a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum do reservatório (§ 4.º, art.11, Lei 13.465/2017).


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado por serem essenciais à sadia qualidade de vida são considerados princípios que norteiam a dignidade da pessoa humana e servem de base à construção de uma sociedade desenvolvida e moldada na sustentabilidade. Todas as pessoas têm direito a um ambiente natural e social capaz de assegurar a saúde corporal e o bem-estar espiritual, sendo certo que a conciliação entre esses valores constitucionais requer uma análise holística do direito ambiental, na busca de alcançar um progresso lastreado no respeito pela natureza e pelos direitos humanos universais.

As características da indivisibilidade e da interdependência entre os valores aqui abordados demonstram a necessidade de adotar-se um comportamento de vida sustentável como critério comum a todos, haja vista que a vida verdadeiramente digna apenas será reconhecida se todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos estiverem sendo respeitados, dentro de uma lógica racional, segundo a qual determinado direito não alcança a eficácia plena sem a realização e o respeito de outros direitos humanos, como é o caso da moradia e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que um deles tenha que prevalecer sobre outros em certas situações fáticas.

É difícil afirmar qual o valor constitucional preponderante numa avaliação meramente teórica, devendo ser feito acurado exame das peculiaridades em cada caso concreto, com escopo de sempre buscar a conciliação entre esse dois direitos fundamentais – moradia e meio ambiente – não sendo razoável afirmar de forma superficial que um tem primazia sobre o outro.

Impõe observar que, nesse contexto, assentamentos humanos precários ocasionam desrespeito e violação ao direito social à moradia, porquanto este não se restringe ao simples direito de ocupação de um lugar, mas sim a um espaço que ofereça condições para uma saudável e segura moradia, acompanhada de infraestrutura mínima essencial (§ 1.º, art.36, Lei n.º 13.465/2017), a exemplo de sistema de coleta de resíduos sólidos, saneamento, água potável, rede de energia elétrica domiciliar, além de outros equipamentos a serem definidos em razão das necessidades locais.

A Lei n.º 13.465/2017 não alterou os pressupostos de avaliação de riscos e prejuízos que existiam na então Legislação Federal n.º 11.977/2009, que cuidava da Regularização Fundiária Urbana. Não se deve admitir o retrocesso ambiental, com a ideia de que a qualquer custo o Poder Público regularizará a partir de agora os núcleos urbanos informais, sob pena de ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa humana. Não basta a titulação, a regularização deverá ser acompanhada de intervenções urbanísticas, sociais e ambientais.

Por essa razão, a concessão dos instrumentos jurídicos estabelecidos no art.15 da atual lei de Regularização Fundiária Urbana, em terras públicas ou privadas, deve ser precedida de análise da situação ambiental concreta, sob pena de resultar em violações de ambos os direitos aqui realçados.

A flexibilização da tutela ambiental, portanto, somente tem razão de ocorrer em áreas de preservação permanente, quando, efetivamente, se busca atender o direito social à moradia mediante realização plena e programada da regularização fundiária, com projeto consistente e estudo prévio que demonstre melhorias das condições ambientais em relação à situação anterior, inclusive recuperando, quando possível, as áreas degradadas, realocando pessoas, despoluindo o corpo hídrico e recompondo a vegetação ciliar.

Conclui-se, assim, que no confronto desses direitos fundamentais, diante da equivalência de relevância de ambos para o ser humano, há de se ter cautela na ponderação quanto à sua proteção e realização, devendo-se tentar uma harmonização, levando-se em conta a necessidade de analisar as peculiaridades e situações concretas, para se chegar a um equilíbrio socioambiental e um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.


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Notas

1 Essa é a concepção extraída do artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão e consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros”.

2 Aponta o parágrafo 5.º da Declaração: Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora se devam ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, econômico e cultural, promover e proteger todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais. 

3 Klaus Bosselmann traz em sua obra O Princípio da Sustentabilidade: Transformando direito e governança; tradução Phillip Gil França; prefácio Ingo Wolgang Sarlet. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, uma abordagem holística sobre a sustentabilidade, afirmando que hodiernamente a conciliação entre valores ambientais, direitos de propriedade, justiça social, moradia e interesses comerciais, se encontra no cerne da preocupação da legislação ambiental. Destaca que é improvável encontrar uma análise de desenvolvimento que não envolva a amplitude das preocupações ambientais, sociais e econômicas.

4A Lei Federal n.º 13.465, de 11 de julho de 2017 definiu no § 1.º, art.36 o que seria infraestrutura essencial mínima para fins de regularização fundiária urbana.

5 Artigo XXV: Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem–estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

6 Conhecido como ONU-HABITAT. O escritório Regional para a América Latina e o Caribe funciona no Rio de Janeiro desde 1996.

7 193 países ratificaram o documento, inclusive o Brasil. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ods.aspx>. Acesso em: 26 mai. 2016.

8 O Protocolo de San Salvador, suplementar à Convenção Americana sobre Direitos Humanos relativos aos direitos econômicos, sociais e culturais reconheceu no seu art.11 o direito a um meio ambiente sadio, prescrevendo que os Estados devem promover a proteção, preservação e melhoria do meio ambiente.

9 Bosselmann, op.cit. p.157, destaca que o relatório da ONU produzido 1994 por Fatma Ksentini é um dos mais abrangentes sobre direitos humanos e meio ambiente, porquanto realça com clareza a reciprocidade existente entre direitos e deveres do homem no tocante a esse bem de todos.

10 Segundo o artigo 3.º do aludido código, enquadram-se como de utilidades pública as obras de infraestruturas destinadas ao sistema viário, inclusive aquelas necessárias aos parcelamentos de solo urbano com aprovação pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão e outras. Casos de interesse social seriam as hipóteses de regularização fundiária para atender população de baixa renda; as situações de baixo impacto ambiental, dentre outras situações, incluem-se as construções de moradia de agricultores familiares, remanescentes de quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais, onde o abastecimento de água ocorra pelo esforço pessoal dos moradores.

11 Dados extraídos do Relatório emitido pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/FS21_rev_1_ Housing_en.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2016.

12 Instrumento jurídico polêmico criado pela Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, conferido exclusivamente no âmbito da regularização fundiária urbana. Constitui forma originária de aquisição da propriedade em área pública ou privada. Muito se assemelha ao usucapião.


Autor

  • José Herbert Luna Lisboa

    Mestre em Direito pela UNISANTOS-SP. Foi Professor do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ por duas décadas, professor da Escola Superior da Magistratura da Paraíba -ESMA, especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas, Londrina-PR, especialista em ciências criminais pela Universidade Potiguar-RN, especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito-SP; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhaguera-SP, Juiz de Direito titular da 4.ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa-PB e ex-membro da Turma Recursal da Capital-PB, Diretor do Foro da Capital-PB, Juiz Auxiliar da Corregedoria da Justiça na Paraíba no período de 2003 a 2006 e 2017 e 2018, ex-promotor de justiça (94/95). Autor de diversos livros, a exemplo, da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia e a Regularização Fundiária, editora Dialética, 2022. Atualmente cumula suas funções jurisdicionais com a de membro da Comissão do 2º Concurso para as Serventias Extrajudiciais do Estado da Paraíba e de Diretor do Foro Cível da Capital-PB

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LISBOA, José Herbert Luna. Direito à moradia e ao meio ambiente equilibrado: ponderação entre direitos internacionais dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5177, 3 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59593. Acesso em: 18 abr. 2024.