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Crimes sexuais contra a mulher no direito brasileiro contemporâneo

Crimes sexuais contra a mulher no direito brasileiro contemporâneo

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Um dos grupos que vem merecendo maior proteção da ordem jurídica é o das mulheres. Seja pela inferior força física, seja pela histórica submissão ao gênero masculino, as mulheres ainda sofrem os mais variados tipos de violência, principalmente no âmbito familiar.

1. NOVOS CONTORNOS DA PROTEÇÃO PENAL À MULHER

1.1. Igualdade material entre homens e mulheres

Acompanhando à tendência mundial, o Brasil vem buscando, a cada dia, assegurar maior proteção a mulher no âmbito penal.

É preciso anotar que o princípio da igualdade, insculpido no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, não busca a mera igualdade formal entre homens e mulheres, mas sim, mais do que isso, a igualdade material, efetiva, atentando-se às diferenças históricas e – infelizmente – ainda existente entre os gêneros.

Para isso, o direito se vale das denominadas discriminações positivas, ou affimartive actions, no afã de proteger determinados grupos, historicamente marginalizados ou hipossuficientes, quando comparados ao restante dos indivíduos daquele seio social.

Um desses grupos que mereceram maior proteção na ordem jurídica é justamente o das mulheres, as quais, seja pela inferior força física, seja pela histórica submissão ao gênero masculino, ainda sofrem os mais variados tipos de violência, notadamente no âmbito familiar. 

1.2. Iniciativas internacionais de proteção à mulher

Em 1979, foi aprovada pelas Nações Unidas a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Trata-se do segundo documento internacional com maior número de adesão por Estados-Partes: 187 Estados até 2014, ficando atrás somente da Convenção sobre os Direitos da Criança. (PIOVESAN, 2015).

O art. 2º da Convenção prevê que os Estado-Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher.

O art. 1º trata de explicar o significado do termo “discriminação contra a mulher” como sendo “toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.

No âmbito do sistema regional interamericano de proteção aos direitos humanos, em 9 de junho de 1994, na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará, foi aprovada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 1.973/96.

Tal como a Convenção aprovada penas Nações Unidas, esse documento busca a proteção da mulher, observando que a violência contra ela “constitui ofensa Contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”.

Nos termos do art. 2 da Convenção Interamericana:

“Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica.

a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;

b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.”

De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ambas as convenções acima mencionadas, por versarem sobre direitos humanos e terem sido aprovadas antes da Emenda Constitucional 45/2004, possuem caráter supralegal. Em outras palavras, por não terem sido aprovados nos moldes do art. 5º, § 3º da Constituição de 1988, são infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, são dotados de um atributo de supralegalidade. Por conseguinte, “a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada” (STF, RE 466.343-1 São Paulo).

1.3. Lei Maria da Penha – um marco no direito nacional

A lei federal nº 11.340/06, batizada de “Lei Maria da Penha”, em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, cearense que suportou as mais diversas formas de violência perpetradas por se então marido, representa um marco no direito brasileiro, no que respeita à proteção da mulher vítima de violência doméstica ou familiar.

As medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 22 a 24 daquele diploma legal, representam uma das maiores inovações agregadas ao ordenamento jurídico, possibilitando à mulher vítima de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral em seu âmbito familiar ou em sua unidade doméstica, pleitear junto ao Poder Judiciária medidas que vão desde o afastamento do agressor do lar e a proibição de se aproximar à vítima, até o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento.

Como mencionado alhures, a Lei Maria da Penha traduz importante discriminação positiva, a fim de garantir às mulheres igualdade material perante os homens.

Tanto é assim que o STF, na ADC 19, por votação unânime, declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 daquele diploma. Em seu voto, a Ministra Rosa Weber aduziu que:

“a Lei Maria da Penha inaugurou uma nova fase no iter das ações afirmativas em favor damulher brasileira, consistindo em verdadeiro microssistema de proteção àfamília e à mulher, a contemplar, inclusive, norma de direito do trabalho.A Lei 11.340/2006, batizada em homenagem a Maria da Penha, traduz a luta das mulheres por reconhecimento, constituindo marcohistórico com peso efetivo, mas também com dimensão simbólica, e quenão pode ser amesquinhada, ensombrecida, desfigurada, desconsiderada.Sinaliza mudança de compreensão em cultura e sociedade de violênciaque, de tão comum e aceita, se tornou invisível – ‘em briga de marido emulher, ninguém mete a colher’, pacto de silêncio para o qual a mulhercontribui, seja pela vergonha, seja pelo medo.”

1.4. Rede de atendimento

Com a vigência da Lei Maria da Penha, muitos municípios passaram a dispor de programas especializados no atendimento à mulher.

Na capital paulista, por exemplo, as mulheres vítimas ou em situação de risco têm podem contar com os serviços prestados pelos CRMs – Centros de Referência da Mulher, os CDCMs – Centros de Defesa e Convivência da Mulher, os CRAS – Centros de Referência da Assistência Social, os CREAS – Centros de Referência Especializada de Assistência Social, além das DDMs – Delegacias de Defesa da Mulher e do GEVID – Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica, do Ministério Público estadual.

No que respeita especificamente aos crimes sexuais, objeto de estudo do presente ensaio, as vítimas contam ainda com integral suporte do Programa Bem-me-quer, mantido pelo Núcleo de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, do Hospital Pérola Byington.

O Núcleo, que conta com uma unidade do Instituto Médico Legal especializado em sexologia forense, oferece transporte das vítimas das delegacias até o hospital, onde são prestados os seguintes serviços como: prevenção da gravidez decorrente da violência sexual, prevenção da infecção pelo HIV, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis não virais, prevenção da hepatite B, tratamento de traumatismos genitais, atendimento psicológico, atendimento social, atendimento de solicitações de abortamento por gravidez decorrente de estupro, conforme previsto no inciso II do artigo 128 do Código Penal brasileiro, dentre outros.[1]


2. CRIMES SEXUAIS CONTRA A MULHER

Recentemente o debate acerca dos crimes sexuais contra a mulher foi acirrada no Brasil, após divulgação de repetidos casos de crimes sexuais contra mulheres no transporte coletivo.

Diante da compreensível desaprovação da sociedade como um todo, parte dela passou a emitir suas “sentenças”, notadamente por meio de redes sociais e, quase em sua totalidade, à margem do ordenamento jurídico.

Não obstante a devida prioridade na proteção a mulher, garantias constitucionais e processuais devem ser respeitadas, não podendo dar lugar à pressão popular, inflamada por parte dos órgãos de imprensa e seus objetivos espúrios.

Nessa toada, importante relembrar de alguns princípios que garantem segurança jurídica ao sistema penal, bem como aclarar sucintamente algumas das características dos principais crimes sexuais contra a mulher, seja em seu âmbito familiar ou unidade doméstica ou não.

2.1. Princípio da legalidade ou reserva legal

O ordenamento jurídico de nosso país é norteado por princípios basilares que visam garantir o Estado de Direito, opondo-se a qualquer forma de autoritarismo. (LENZA, 2014).

Um desses princípios está previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição de 1988: o princípio da legalidade. Reza a previsão constitucional que: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

O Código Penal, seguindo os ditames constitucionais, repete igual previsão, em seu artigo 1º. Assim, a fim de evitar a aplicação de penas arbitrárias, ninguém poderá ser responsabilizado criminalmente senão por atos que anteriormente eram previstos como crime.

O direito penal deve ser a ultimaratio na manutenção da ordem jurídica. Apenas deve ter espaço quando outros ramos do direito se mostraram ineficientes para solucionar o caso concreto. Isso porque tem como uma de suas consequências a privação da liberdade da pessoa humana, garantia constitucional que apenas deve ser restringida para garantir a incolumidade dos bens jurídicos mais relevantes.

Daí se conclui que a conduta da vida real que se pretende punir na seara criminal deverá estar perfeitamente subsumida ao tipo abstrato, não havendo espaço para analogia, tampouco parainterpretação extensiva.

Para concluir, vale consignar, por oportuno, as lições de Bittencourt (2016, p. 50-51):

“O princípio da legalidade é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigência de justiça, que somente os regimes totalitários têm negado. (...) A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida.”

2.1. Estupro (art. 213 do Código Penal)

O artigo 213 do Código Penal brasileiro prevê o crime de estupro, que consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Ponto crucial a ser esclarecido é que o verbo constranger, previsto no caput do artigo, significa o ato de forçar, compelir, obrigar, coagir pessoa (homem ou mulher, de acordo com a nova redação dada pela lei nº 12.015/09) a praticar conjunção carnal (cópula vagínica) ou outro ato libidinoso (v.g., sexo anal ou oral). Portanto, diferente de como disseminado por órgãos de imprensa, falsos especialistas e pretensos julgadores, constranger, no crime de estupro, nada tem a ver com desonrar, encabular, envergonhar. (NUCCI, 2017).

O crime de estupro é hediondo e sua pena é de 6 a 10 anos de reclusão. Portanto, deve ser reservado para atos sexuais mais gravosos. Pensando nisso, atos como passar as mãos na coxa ou nas nádegas da vítima ou roubar um beijo lascivo configuram a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, que será discutida em item próprio.

2.2. Violação sexual mediante fraude (art. 215 do Código Penal)

Diferente do estupro, na violação sexual mediante fraude o autor não constrange a vítima, ou seja, não se vale de violência ou grave ameaça para atingir o seu intento. Nesse caso, o autor pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso mediantefraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

De difícil configuração, a doutrina costuma citar os seguintes exemplos: a) simulação de celebração de casamento; b) substituição de uma pessoa por outra; c) casamento por procuração, dentre outros (BITENCOURT, 2016).

A nosso ver, a conduta daquele que ejacula sobre a vítima no interior de transporte coletivo também comete o crime do artigo 215. Aproveitando-se do aglomerado de pessoas típico do transporte público e/ou ao fato de a atenção da vítima não estar voltada a ele, o autor satisfaz a sua lasciva ao praticar ato libidinoso consistente em se masturbar próximo da vítima e ejacular sobre ela.

Nesses casos, a livre manifestação da vítima é dificultada, por sequer imaginar que ato de tamanha ousadia possa vir a acontecer, em especial por estar em local público e ocupado por diversas pessoas. Entendemos não se estar diante do crime de estupro, vez que, ausente violência ou grave ameaça, tampouco da contravenção penal prevista no art. 61 da lei especial, vez que a ejaculação sobre a vítima configura ato libidinoso apto a satisfazer a lascívia do autor e que, indubitavelmente, viola, de maneira substancial, a dignidade sexual da vítima, não podendo se falar de ato que apenas iniba ou cause mero desconforto à vítima. Nesse sentido, magistério de Nucci (2017, p.22):

“No tocante aos outros atos libidinosos, basta o toque físico eficiente para gerar a lascívia ou o constrangimento efetivo da vítima, que se expõe sexualmente ao autor do delito, de modo que este busque a obtenção do prazer sexual.”

Por derradeiro, vale atentar para que se a livre manifestação de vontade da vítima for absoluta, impedindo reação que, ao menos em tese, pudesse conter o desejo libertino do autor, estar-se-á diante do crime de estupro vulnerável, e não violação sexual mediante fraude, conforme adiante será exposto.

2.3. Assédio sexual (art. 216 do Código Penal)

O crime previsto no artigo 216 do Código Penal é voltado às relações de emprego, cargo ou função. Ocorre quando a vítima é coagida por seu superior hierárquico, prevalecendo-se de sua posição, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual.

É a “insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno”.[2]

Trata-se de tipo penal voltado ao superior hierárquico que, na relação de trabalho, persegue os funcionários, insistentemente, com propostas sexuais importunas. (NUCCI, 2017).

2.4. Estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal)

O delito previsto no artigo 217-A do Código Penal visa a proteger a dignidade sexual de pessoas vulneráveis, quais sejam: a) menores de 14 (catorze) anos; b) quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou c) que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Protege-se a criança e o adolescente menor de 14 (catorze) anos, vez que incompleto o discernimento sobre a prática sexual, enfermos e doentes mentais que, do mesmo modo, não têm o necessário discernimento para o ato e, por fim,  qualquer pessoa que não possa oferecer resistência, como a vítima do famoso e famigerado golpe conhecido como “boa noite cinderela”, pelo qual a vítima é induzida a ingerir substância que acaba por levá-la à inconsciência e, então, neste estado, é sexualmente violentada

Diferente do estupro comum, o autor não se vale de violência ou grave ameaça, mas sim se aproveita da ausência de discernimento ou capacidade de resistência da vítima para consumar sua intenção libidinosa.

2.5. Ato obsceno (art. 233 do Código Penal)

Concordamos com Nucci (2017, p. 125) no sentido de que a definição de ato obsceno

“envolve, nitidamente, uma valoração cultural, demonstrando tratar-se de elemento normativo do tipo penal. Obsceno é o que fere o pudor ou a vergonha (sentimento de humilhação gerado pela conduta indecorosa), tendo sentido sexual. Trata-se de conceito mutável com o passar do tempo e deveras variável, conforme a localidade.”

Com efeito, a noção de obscenidade é mutável com o tempo, sendo certo que o contexto social e cultural de 1940 é significativamente diferente do atual.

Não obstante, a título exemplificativo, pode ser citada a conduta de quem exibe seu órgão genital ou pratica ato sexual com outrem, em lugar público ou aberto ao público, causando desconforto a terceiros.

2.6. Importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do Decreto-lei nº 3.688/41)

Reza o artigo 61 do Decreto-lei nº 3.688/41 (Lei de contravenções penais), estar sujeito a pena de multa quem: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”.

Importunar significa causar transtorno, incomodar, perturbar. Pudor, segundo Nelson Hungria, é o sentimento de timidez ou de vergonha que acomete pessoas normais diante de fatos que vão de encontro a decência. (GONÇALVES, 2015).

Deve-se notar que, segundo o texto legal, a conduta deve ocorrer em local público ou acessível ao público, tal como no crime de ato obsceno. Por outro lado, diferente do estupro, o agente que o comete não se utiliza de violência ou grave ameaça.

Alguns exemplos trazidos pela doutrina podem ser mencionados: passar a mão nas nádegas da vítima, fazer propostas amorosas indecorosas, proferir palavras de baixo calão ofensivas ao pudor, “roubar” um beijo da vítima, dentre outros tantos (ANDREUCCI, 2013).

Dessa forma, ainda que repugnante, o ato de passar as mãos no corpo da vítima ou lhe roubar um beijo, configuram a contravenção ora estudada, e não crime de estupro, desde que, obviamente, ausente qualquer outra circunstância que leve o ato a subsumir-se a infração mais gravosa.

Nesse sentido, vale consignar o escólio de Bittencourt (2016, p. 57):

“A partir da Lei dos Crimes Hediondos – que elevou a pena de estupro e atentado violento ao pudor para seis a dez anos de reclusão –, em que pese alguma divergência, passar as mãos nas coxas, nas nádegas ou nos seios da vítima, ou mesmo um abraço forçado ou roubar um beijo lascivo configuram, a nosso juízo, a contravenção penal do art. 61 da lei especial (...) Essa interpretação é recomendada e autorizada pelo princípio da proporcionalidade, não se podendo ignorar o desnível que tais condutas apresentam em relação não só ao desvalor da ação como também em relação ao desvalor do resultado, comparadas ao sexo anal ou oral, os quais configuram, na essência, o estupro sob a modalidade de ato libidinoso diverso. Por esse aspecto, aquelas outras condutas antes mencionadas exigem menor severidade na sua repressão (proporcional).”

Na mesma toada, Nucci (2017, p. 33-34):

“Tratando-se de crime hediondo, sujeito a uma pena mínima de seis anos, não se pode dar uma interpretação muito aberta ao tipo do art. 213. Portanto, atos ofensivos ao pudor, como passar a mão nas pernas da vítima, devem ser considerados uma contravenção penal, e não um crime. A este é preciso reservar o ato realmente lascivo, que sirva para satisfazer a ânsia sexual do autor, que se vale da violência ou da grave ameaça.”


3. CONCLUSAO

Apesar de muito ainda haver o que fazer, indiscutível que a proteção da mulher em face de crimes sexuais vem, a cada dia, merecendo maior atenção, seja do Poder Legislativo, na edição de leis como a denominada “Lei Maria da Penha”, seja do Poder Judiciário, que a cada decisão volta os olhos à hipossuficiência da mulher no que respeita ao tema, seja do Poder Executivo, com a criação de rede de atendimento a mulheres em situação de risco.

Dentre as medidas que ainda podem ser implantadas, está a possibilidade de o Delegado de Polícia conceder à vítima uma ou mais medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/06, ainda que com posterior submissão da decisão ao crivo do Poder Judiciário.

Com efeito, o Delegado de Polícia é a autoridade que, na maioria esmagadora dos casos, primeiro toma conhecimento dos crimes e contravenções cometidos ou na iminência de serem cometidos contra as mulheres.

Permitir que a Autoridade Policial, bacharel em direito, aprovada em concurso público de provas e títulos e integrante de carreira jurídica, defira medidas protetivas de urgência à mulher vítima ou em situação de risco agilizaria a proteção jurídica do Estado à requisitante, vez que, pelo sistema atual, a Autoridade Policial conta com prazo de até 48 horas para remeter o pedido à Autoridade Judiciária que, por sua vez, terá até mais 48 horas para decidir pela concessão ou não da medida.

Por fim, é curial que as autoridades se mantenham isentas de pressões populares e midiáticas, analisando cada caso e exarando suas decisões sob os ditames dos princípios constitucionais e da legislação vigente.


REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial - 9ª ed., atual. eampl – São Paulo: Saraiva, 2013.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1 - 22ª ed., rev., ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2016.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 4 - 10ª ed., rev., ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2016.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial - Coleção Esquematizado – São Paulo: Saraiva, 2015.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado - 18ª ed., rev., atual. eampl. - São Paulo: Saraiva, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial: arts. 213 a 361 do Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional - 15ª ed., rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2015.


Notas

[1] http://www.hospitalperola.com.br/programa-bem-me-quer.php - Acessado em 23.09.2017.

[2] Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 319.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Tiago Contatto. Crimes sexuais contra a mulher no direito brasileiro contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5257, 22 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60886. Acesso em: 18 abr. 2024.