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A usucapião e o provimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ n. 65/17

A usucapião e o provimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ n. 65/17

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1.A problemática envolvendo a usucapião extrajudicial

Apesar de ser um tema bastante antigo, esse assunto ocupa, atualmente, um lugar de grande e incontestável destaque nas discussões jurídicas.

Por certo, a sua relevância se dá por diversos motivos, entretanto alguns se destacam:

  1. Estamos vivenciando nos dias atuais o fenômeno da desjudicialização. Esse movimento tem sido incentivado por vários seguimentos públicos e privados há alguns anos, tendo como antecedente a absoluta impossibilidade do Poder Judiciário atender de forma eficaz a todas as demandas que lhe são encaminhadas somada a sua lentidão e a sua excessiva onerosidade. Existe hoje no nosso País e de certa forma esse é um movimento mundial, uma forte tendência de subtrair do Poder Judiciário todas as questões que não envolvam litigiosidade, a chamada jurisdição voluntária, transferindo-as aos Serviços Notariais e de Registro, em especial. Esse movimento chamado de desjudicialização se iniciou, no Brasil, em 1992, por meio da Lei nº 8.560/92, que regulou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e permitiu o reconhecimento de paternidade perante o Registrador Civil. A desjudicialização vem se intensificando a cada ano, sendo que a última grande novidade ocorreu com o advento do novo Código de Processo Civil, que no seu art. 1.071 e seguintes, permitiu que a usucapião fosse reconhecida extrajudicialmente. É bem verdade que esse diploma legal contém diversas imperfeições, no entanto, entendemos que, mais uma vez, caberá ao Poder Judiciário, conferir eficácia ao velho instituto da usucapião, assim como ocorreu com a exitosa Lei nº 11.441/07[2], que só alcançou todos os efeitos pretendidos pela sociedade em razão da Resolução nº 35/07, expedida pelo CNJ[3];

  1. Com relação à usucapião, a questão da desjudicialização assume importância significativa, cabendo salientar alguns pontos. Antes mesmo do novo Código de Processo Civil, nosso ordenamento jurídico já previa a possibilidade da usucapião extrajudicial, por meio da Lei nº 11.997/09[4], que trata do tema da regularização fundiária, dividindo-as em duas formas: a de interesse social e a de interesse específico, outorgando ao ocupante do lote regularizado o título de legitimação de posse, que será passível de registro, vide art. 167, I, 41, da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Uma vez registrado o título de legitimação de posse, após cinco anos, este será convertido em propriedade. Outra forma da usucapião extrajudicial, atualmente existente, é a usucapião administrativa de bens públicos, prevista na Medida Provisória nº 2.200/01 e Lei nº 11.481/07, que trata de terrenos de marinha e acrescidos, vide art. 22-A, da aludida Lei;

  1. Vale registrar que em 11 de julho de 2017 foi editada a Lei nº 13.465, que dispõe sobre a regularização fundiária urbana e rural, inclusive no âmbito da Amazônia Legal, alterando, substancialmente, os dois institutos mencionados na letra “b”, acima, ao conceder ao direito de laje o status de direito real, bem como reconheceu a criação da propriedade coletiva neste âmbito e ainda cunhou a legitimação fundiária como uma nova forma de aquisição originária de propriedade, entre outras;"

  1. A questão da falta de moradia e o comando constitucional que elevou o direito à moradia à condição de direito social, após a Emenda Constitucional nº 26/2000, o princípio da função social da propriedade (teorias subjetiva, objetiva e sociológica da posse), da função social da posse, da função social da cidade (art. 182, da CF/88) e do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1º, da CF/88), foram fatores determinantes que incentivaram o nosso legislador a rever e outorgar prioridade à matéria atinente à usucapião;

  1. É certo que a celeridade do procedimento não beneficiará apenas ao cidadão, à medida que a regularização imobiliária implica em relevante meio de incremento na arrecadação de receitas federais, estaduais e municipais, decorrentes da cobrança do IPTU, do ITBI e do ITCMD, foro, laudêmio, favorecendo diretamente a Administração Pública, em especial neste momento de grave crise financeira que assola os cofres públicos;

  1. Por fim, de forma surpreendente e célere, o legislativo nacional, por meio da edição da Lei nº 13.465/17, determinou que o silêncio do titular do direito real fosse interpretado como concordância. Indubitavelmente, esse era o maior óbice para que a usucapião lograsse êxito, mormente, na via extrajudicial. E, agora, ao apagar das luzes, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 65/17, com o intuito de uniformizar as regras que tratam da usucapião extrajudicial e, consequentemente, conceder-lhe a almejada eficácia.

Destarte, tecidas essas considerações preliminares, voltemos ao tema que nos interessa: a usucapião. O fundamento principal do instituto da usucapião é conferir segurança jurídica a uma situação, que se consolidou com o decurso do tempo e que poderá transformar-se no robusto e desejado direito de propriedade ou de qualquer outro direito real, à exceção dos direitos reais de garantia.

Discorrendo ainda sobre a segurança jurídica, leia-se a lição do renomado jurista José Carlos de Moraes Salles: “Interessa à paz social a consolidação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-se em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade”.[5]

Além de conferir segurança jurídica, outro importante fundamento da usucapião é a sua relevância social, pois o possuidor confere ao bem destinação útil e funcional, atendendo e dando efetividade aos preceitos constitucionais da função social da propriedade, do direito social à moradia e, consequentemente, ao sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, viga mestra de todo o nosso sistema jurídico.

E, como todos sabem, tanto no reconhecimento extrajudicial, como na decisão judicial, trata-se de uma forma originária de aquisição de um determinado direito real, à exceção dos direitos reais de garantia. O registro da usucapião extrajudicial será declaratório e não constitutivo, como ocorre na forma de aquisição derivada, conforme nos ensina o artigo 1.245, do Código Civil, ao dizer “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. Apesar do registro imobiliário, nessa hipótese, não ser constitutivo, conferirá a aquele bem oponibilidade erga omnes, i.e., absolutividade, assim como disponibilidade enquanto um direito real, vide art. 1.228, do Código Civil, a saber: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

Note-se que o direito preexiste, com o simples decurso do tempo e o exercício da posse qualificada, ou seja, da posse ad usucapionem, que é caracterizada pelo exercício de forma mansa, justa e ininterrupta de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Por essa razão, incorreto seria falar de animus domini, mas sim o ânimo do titular do direito usucapido, animo suo, posto que não só o direito real de propriedade poderá ser usucapível, mas qualquer outro previsto no art. 1.225 do nosso Código Civil, por exemplo, o direito real de usufruto, de servidão, de superfície, à exceção dos direitos reais de garantia, como já dito anteriormente.

Isso quer dizer que não é qualquer posse que conferirá o direito à usucapião, por exemplo, a posse ad interdicta não confere à possibilidade da aquisição pela usucapião, pois, neste caso, trata-se de uma posse que confere ao seu titular o direito à utilização da coisa, além da proteção possessória, no entanto, não conferirá ao seu titular a possibilidade da aquisição do direito de propriedade pela usucapião, como ocorre na posse exercida pelo locatário ou comodatário.

Outro requisito também fundamental para que seja reconhecida a usucapião é que a posse seja justa, isto é, que não seja violenta, clandestina ou precária. Sendo certo ainda, que as posses violentas e clandestinas poderão se convalescer desde que cesse a violência ou a clandestinidade (arts. 1.200 e 1.208 do CC/02)[6].

Por seu turno, não devemos confundir posse justa com justo título. Posse justa é aquela posse que não foi adquirida com violência, clandestinidade ou precariedade, ou seja, a posse não pode decorrer de coação física ou moral, não pode ter sido adquirida sem publicidade ou por violação do dever de restituição. Justo título é, segundo a definição de Leonardo Brandelli, “todo ato jurídico hábil, abstratamente considerado, a transferir ou constituir um direito real passível de usucapião, esteja registrado ou não, incluindo-se o compromisso de compra e venda quitado”[7].

Vale ressaltar que sendo a posse precária uma consequência da violação do dever de restituir a coisa (bem), como ocorre com o comodatário ou locatário, uma vez que, instado a devolver a coisa, não o faz, a sua posse, em regra, jamais será robusta o suficiente para gerar a usucapião.

Em linguagem técnica, dizemos que a posse precária não se convalesce, pelas razões já expostas acima.

Saliente-se, contudo, que boa parte da jurisprudência e da doutrina, entende que se trata de uma presunção iuris tantum, e.g., poderá haver alteração do caráter da posse, o que chamamos de interversão da posse, vide art. 1.203, do Código Civil Brasileiro[8].

Por exemplo, os caseiros não podem usucapir, pois são detentores e, portanto, não são possuidores, já que guardam o bem em decorrência de uma relação jurídica de subordinação para com o outro, como bem descreve o artigo 1.198 do nosso Código Civil[9].

Outra questão a ser enfrentada pelos operadores de direito ao analisar se o bem que se pretende usucapir poderá ou não ser objeto da usucapião, é a chamada de res habilis (coisa hábil).

Res Habilis quer dizer coisa hábil a ser usucapida. Nesse sentido, temos os bens, móveis e imóveis, e os direitos reais, à exceção dos direitos reais de garantia e dos bens públicos.


2.A proibição constitucional e a usucapião de bens públicos.

No tocante aos bens públicos, a questão será bem tormentosa. Tanto a nossa Constituição Federal (§3º, o art. 183 e Parágrafo único do art. 191), como a nossa legislação civil (art. 102), além da Súmula 340, do Supremo Tribunal Federal, vedam a usucapião sobre bens públicos.

Todavia, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, entendem que os bens públicos que não estejam afetados a uma finalidade, chamados bens dominicais, são passíveis de serem usucapidos.

Os autores supramencionados defendem que a proibição de se usucapir bens públicos deverá recair somente sobre os bens materialmente públicos, restando a possibilidade de se usucapir os bens formalmente públicos, a fim de fazê-los cumprir a sua função social.

Em síntese, aqueles que defendem a possibilidade de se usucapir bens públicos, alegam o seguinte: se o particular está obrigado a outorgar a sua propriedade uma função social, por muito mais razão os entes públicos deveriam cumprir com essa obrigação.

Acrescentam, ainda, os aludidos autores que a absoluta impossibilidade de se usucapir bens públicos ofende o princípio constitucional da função social da posse, além do princípio da proporcionalidade (princípio que tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade).

Registre-se, também, o emblemático acórdão proferido pelo Tribunal de Minas Gerais, conhecido pelo “O Caso DER/MG”, na Apelação Cível 1.0194.10.011238-3/001, Comarca de Coronel Fabriciano/MG, que admitiu a declaração da usucapião de área pública.

Por sua vez, impende, igualmente, destacarmos que a Medida Provisória nº 2.200, editada no ano de 2001 e convertida na Lei nº 11.481/07, prevê a possibilidade de aquisição de direitos sobre imóveis públicos, por meio da concessão especial individual de uso para fins de moradia e da concessão especial coletiva de uso para fins de moradia. As aludidas concessões foram incluídas no rol atinente aos direitos reais, no inciso XI, do art. 1.225, bem como na Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), no art. 167, I, 37.

Continuando na questão dos bens públicos, é bom que se esclareça que a ausência do registro acerca da propriedade ou de qualquer direito real usucapível não induz a presunção iuris tantum em favor do Estado de que a terra é pública (terras devolutas), ou seja, o Estado deverá provar essa alegação[10].


3.Os chamados “bens públicos por assemelhação”.

E com relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas que ostentam personalidade jurídica de direito privado? O Supremo Tribunal Federal tem entendido que há possibilidade de se usucapir tais bens (RE nº 536.297).

Atualmente, a jurisprudência tem entendido majoritariamente, pela impossibilidade de aquisição de imóveis alienados fiduciariamente pela Caixa Economia Federal, por meio da usucapião. O fundamento da controvérsia reside basicamente na previsão constitucional que veda expressamente a aquisição de bens públicos pela via da usucapião, conforme disposto no §3º, do artigo 183, da Constituição Federal, tendo por fundamento lógico o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.  Ocorre, que os bens alienados pela Caixa Econômica Federal, em que pese não possuir a natureza de bem público, à medida que de fato não pertencem ao Estado, têm sido considerados por grande parte dos juízes, “bens públicos por assemelhação” em razão da origem do capital empregado pela Caixa Econômica Federal, na grande maioria das vezes oriundo do Sistema Financeiro de Habitação – SFH.

Nesse sentido, dentre os argumentos utilizados pelos partidários da possibilidade de aplicação da usucapião a tais imóveis, está o fato de que ainda que consideremos que a natureza de tais bens é pública, estariam estes, reconhecidamente, inseridos na categoria de bens públicos dominicais[11], em razão de não estarem os mencionados bens afetados a nenhuma função pública, sendo, portanto, pertencentes ao patrimônio disponível do Estado, sendo assim, viável o seu alcance na esfera da usucapião.

Na qualidade de bens públicos dominicais, o entendimento majoritário seria pela flexibilização das limitações impostas aos bens públicos ditos especiais e de uso comum, que são tidos como imprescritíveis, impenhoráveis e inalienáveis. Deste modo, a partir do momento em que se reconhece a hipótese de que os bens públicos podem ser alienados (art. 101 do CC/2002), desde que para satisfação do interesse público, não há razão de não lhes reconhecer a prescritibilidade, com base no mesmo fundamento.

Outro argumento bastante utilizado - contrariando a tese majoritária aplicada pelo Judiciário - repousa no fato de a Caixa Econômica Federal, na qualidade de empresa estatal (sociedade de economia mista), não fazer parte da administração direta e, portanto, não gozar das idênticas prerrogativas concedidas às autarquias, dentre elas a proteção do seu patrimônio, tendo em vista que não fornece serviços públicos, de modo contrário, explora atividade econômica.

Neste aspecto, entendem alguns autores que o posicionamento assumido pelo Judiciário, inadmitindo a aplicação da usucapião aos imóveis alienados fiduciariamente pela Caixa Econômica Federal, é contra legem, posto que, reconhece natureza pública a bens pertencentes à pessoa jurídica de direito privado, contrariando o previsto pelo art. 98 do Código Civil, in verbis:

“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.” 

Embora não sejam muitos os posicionamentos judiciais nesse sentido, destaca-se o entendimento da Ministra  Ellen Gracie, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 536297, no qual reconhece a natureza privada da Caixa Econômica Federal e a disponibilidade de seus bens. Destaca-se ainda, que os poucos precedentes no sentido da possibilidade da usucapião de bens alienados pela Caixa Econômica Federal, correspondem a decisões no Supremo Tribunal Federal - STF, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, o posicionamento contrário é imperioso.

Para facilitar a compreensão do tema, elaboramos quatro quadros sinóticos, cujo objetivo é prestar melhor compreensão do procedimento da usucapião. ( WWW.CARTORIO15.COM.BR - ARTIGOS)


4.O Artigo 1.071 do CPC, o Provimento CGJ/RJ nº 23/16 e o Provimento CNJ nº 65/17.

Nossa proposta é, nesse momento, elaborar ideias simétricas entre os três contextos legais, de modo a proporcionar com clareza a viabilidade procedimental do instituto em comento.

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, positiva-se a usucapião extrajudicial ao instituí-la no seu artigo 1.071, alterando o Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), que passou a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A:

“Art. 216-A - Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com (...)”.Nota-se que o novo texto observa que o interessado tem legitimidade para requerer a declaração de aquisição da propriedade pela usucapião, devidamente representando por advogado. Percebe-se a diferença em relação ao diploma processual pretérito, uma vez que no Código de Processo Civil de 1973 somente o possuidor teria legitimidade para propor a ação judicial visando à declaração da usucapião.  (art. 941)

Nesta perspectiva, o Provimento CNJ nº 65/2017, no seu art. 2º, passou a utilizar o termo requerente:

“Art. 2º Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado pelo requerente – representado por advogado ou por defensor público, nos termos do disposto no art. 216-A da LRP –, que será processado diretamente no ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele.”

Já a Corregedoria do RJ trata como interessado, art. 10, do Provimento nº 23/16:

“Art. 10. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o reconhecimento extrajudicial da usucapião, a requerimento do interessado, representado por advogado, junto ao Oficial do Registro de Imóveis da circunscrição em que estiver situado o imóvel usucapiendo.”

Dentro desse contexto, o novo diploma processual consubstancia e reforça a importância da ata notarial na seara das provas, razão que a introduz no ambiente do pleito da usucapião extrajudicial como eficaz instrumento de instrução para que seja requerida tal forma aquisicional imobiliária.

Assim, o inciso I, do artigo 216-A do novo CPC, observa que o requerimento da usucapião deverá ser processado no cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, instruído com:

“I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017).”

Com relação à ata notarial, o Provimento CNJ nº 65/17, no seu artigo 5º determina que a ata notarial seja lavrada pelo tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele, contrariando, frontalmente, à Lei Federal nº 8.935/94, que determina no seu art. 8º, que é livre a escolha do tabelião de notas.

Neste aspecto, a Corregedoria do RJ, no art. 1º, do Provimento nº 23/16, determina expressamente que a escolha do tabelião será de livre escolha das partes, obviamente, o tabelião não poderá deslocar-se a outro município fora dos limites do que lhe fora delegado, vide art. 2º, do Provimento CGJ/RJ nº 23/16 (vide art. 9º, da Lei nº 8.935/94).

“§ 1º. É vedada a realização de diligências pelo Tabelião de Notas fora dos limites territoriais do município de sua atuação, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.935/1994.”

O Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 observa, ainda, que além do tempo da posse do interessado e de seus sucessores poderão constar, entre outros: declarações das testemunhas, declaração das partes atestando que desconhecem a existência de ações possessórias, valor da posse – art. 8º, Provimento nº 23/2016[12]. 

A Corregedoria Geral de Justiça CGJ/RJ entende que a Ata Notarial deverá conter o máximo de informações possíveis, no sentido de facilitar a análise do pedido do reconhecimento extrajudicial pelo Registrador Imobiliário, como por exemplo, especificar que espécie da usucapião é objeto da ata, vide art. 6º, do mencionado Provimento nº 23/2016. Portanto, o ato a ser lavrado pelo Tabelião de Notas, na verdade será a ata notarial e escrituras declaratórias.

Com o fim de buscar o reconhecimento extrajudicial da usucapião, poderão ser lavradas mais de uma ata notarial, desde que sejam complementares, inclusive escrituras declaratórias, como já foi dito acima. Nesse ponto, o CNJ e a Corregedoria do RJ comungam de idêntico entendimento. Basta lermos o art. 4º do aludido Provimento do CNJ (§7º, do art. 4º).

A lei também determina a necessidade de planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes.

Neste aspecto, o novo CPC e o Provimento CGJ nº 23/216, no inciso IV, do art. 10, determinam que seja apresentada prova de anotação de responsabilidade técnica, conhecida como A.R.T., expedida por engenheiros, que deverão estar inscritos regularmente no CREA - Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. No entanto, olvidaram-se de mencionar a possibilidade da prova do registro de responsabilidade técnica - R.R.T. - expedida por arquitetos, inscritos regularmente no CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (desde dezembro de 2011).

Todavia, o Provimento do CNJ nº 65/17, no inciso II, do art. 4º, já se refere expressamente ao R.R.T - registro de responsabilidade técnica. [13]

Outra alteração importante introduzida pelo Provimento CNJ nº 65 foi no §5º, do seu art. 4º, que dispensa a apresentação da planta e do memorial descritivo se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula.

Atentemo-nos, igualmente, para a questão que se relaciona às certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente exigidas no inciso III, do art. 216-A.

O Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 corrigiu a imperfeição da lei, pois, não há que se falar em certidões negativas, vide inciso V, do art. 10:

“V- Certidões de distribuição de feitos expedidas pela Justiça Federal e Estadual da comarca da situação do imóvel, demonstrando a inexistência de ações em curso que caracterizem oposição à posse do imóvel, ou a sua improcedência, com trânsito em julgado, comprovando a natureza mansa e pacífica da posse.”

As únicas ações que poderiam impedir o reconhecimento da usucapião extrajudicial seriam a ação possessória ou a reivindicatória, que desqualificariam o caráter de posse justa. Por outro lado, a CGJ/RJ exigiu também as certidões expedidas pela Justiça Federal, mas não se referiu às certidões do domicílio do requerente.

Mais uma vez, entendemos que o CNJ, por meio do seu Provimento nº 65, equivocou-se nesse ponto, ao exigir no inciso IV, do art. 4º, as certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual, uma vez que as certidões negativas estão vinculadas, na maioria dos casos, em comprovar que a pessoa ou objeto (carro, imóvel, terreno, entre outros) não possui débito junto aos órgãos públicos, ou seja, que não existem ações civil, criminal ou federal com relação a essa pessoa ou objeto. Portanto, nos parece incabível tal exigência, por falta de eficiência.

Outra inovação do Provimento nº 65/17 foi exigir certidões não apenas em nome requerente, mas também, em nome do proprietário do imóvel e o seu cônjuge/companheiro e de todos os demais possuidores e o seu cônjuge/companheiro, na hipótese de sucessão da posse.

O mencionado Provimento CNJ nº 65/17, no seu inciso VIII, do art. 4º, exigiu, adicionalmente, a certidão dos órgãos municipais ou federais que demonstrem a natureza urbana ou rural do imóvel usucapiendo.

Quanto à exigência do justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel (art. 216-A. IV), tanto o Provimento CGJ nº 23/16 (inciso VI, do art. 10), como o Provimento CNJ nº 65/17 (inciso III, do art. 4º), referem-se sobre a sua necessidade. No entanto, como sabido, o justo título somente será indispensável quando se tratar da usucapião ordinária.

Já na esfera da atuação do pedido, como preceitua o § 1º do artigo 216-A, será efetuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

Nesta ordem, o Provimento CGJ/RJ nº 23/2016, no art. 19 ampliou as hipóteses da prorrogação da prenotação e previu a omissão do interessado em cumprir as exigências legais, além de acrescentar que a prorrogação será de 60 dias, a contar da última exigência. A Lei de Registros Públicos, no seu artigo 188, deverá ser lida agora com essas alterações.

Uma das efetivas conquistas da Lei nº 13.465/2017 foi a alteração junto ao § 2º do artigo 216-A, uma vez que traz ao silêncio do titular do direito real sobre o imóvel usucapiendo a presunção de concordância e não discordância como estava na Medida Provisória nº 759/2016. O referido parágrafo disciplina que se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância.

O Provimento CNJ nº 65, já alinhado com a Lei nº 13.465, em seu art. 10, entende que o silêncio dos titulares dos direitos reais será considerado como concordância, colocando um ponto final nesse assunto que gerou conturbadas discussões.

Nas hipóteses de imóveis que não foram objeto de registro ou transcrição, a anuência poderá ser dos ocupantes identificados na ata notarial, assim prevê o § 2º do art. 12 do Provimento CGJ/RJ nº 23/2016:

“§ 2º. Poderá anuir como confinante, tratando-se de condomínio especial, o síndico; no condomínio geral, qualquer dos condôminos; em caso de bem objeto de meação, qualquer dos cônjuges ou meeiro; tratando-se de pessoa falecida, o inventariante ou os herdeiros identificados em escritura pública declaratória da inexistência de outros herdeiros, da qual poderá constar a concordância; e, no caso de imóvel não objeto de registro ou transcrição, os ocupantes identificados na ata notarial”. (negrito nosso)

O § 2º do art. 216-A prevê que se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância (redação dada pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017).

O Provimento CNJ nº 65/17, em consonância com a Lei nº 13.465/17, em seu art. 10, entende que o silêncio dos titulares dos direitos reais será considerado como concordância.

O Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 no § 1º, do art. 12 estipula que se tratando de pessoa falecida, a anuência poderá ser prestada pelo inventariante ou pelos herdeiros identificados em escritura pública declaratória da inexistência de outros herdeiros.

Este entendimento foi mantido no art. 12 do Provimento CNJ nº 65/17.

Nas hipóteses de imóveis que não foram objeto de registro ou transcrição, a anuência poderá ser dos ocupantes identificados na ata notarial.

O Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 no § 2º, do art. 12 determina, outrossim que o síndico no condomínio especial poderá anuir como confinante, no condomínio geral, qualquer dos condôminos, nos casos de bens objeto de meação, qualquer dos cônjuges ou meeiro; tratando-se de pessoa falecida, o inventariante ou os herdeiros identificados em escritura pública declaratória da inexistência de outros herdeiros e na hipótese de imóvel não objeto de registro ou transcrição, os ocupantes identificados na ata notarial.

Este entendimento foi mantido no art. 6º do Provimento CNJ nº 65/17.

O Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 no § 3º, do art. 12 estabelece que considera-se anuente o proprietário que tenha concordado prévia e documentalmente com a transmissão da posse ou propriedade do imóvel, desde que haja reconhecimento de firma ou registro público, e não haja dúvida quanto à identificação do imóvel.

Seguindo idêntica linha de posicionamento, o Provimento CNJ nº 65/17 prevê:

“Art. 13 - Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste Provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

§ 1º São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere o caput:

I – compromisso ou recibo de compra e venda;

II – cessão de direitos e promessa de cessão;

III – pré-contrato;

IV – proposta de compra;

V – reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar;

VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel;

VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel;

VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação”.

Entretanto, o Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 no § 4º, do art. 12 determina que na hipótese do parágrafo anterior, deve ser demonstrada a impossibilidade de registro do título translativo e o cumprimento de suas condições, ou provado o preenchimento dos requisitos da usucapião, a partir da data do vencimento da última prestação, se houver .

O Provimento CNJ nº 65/17 vai além do que determina a CGJ/RJ no Provimento nº 23/2016 e dispõe no § 2º do supracitado art. 13 que em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo o registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

Ou seja, no aspecto da anuência, tanto o Provimento CGJ/RJ 23/2016 quanto o Provimento CNJ nº 65/17, interpretam a lei flexivelmente ao considerar anuente o proprietário que tenha concordado prévia e documentalmente com a transmissão da posse (§ 3º), exigindo apenas que seja demonstrada a impossibilidade do registro do título translativo (§4º) cuja finalidade é o impedimento de possíveis burlas ao pagamento de imposto de transmissão (ITD/ITBI).

Lembramos que o cotejo do arcabouço da usucapião extrajudicial não é apenas a desjudicialização, mas, sobretudo, a desburocratização. Nesta ordem, encontramos diversos dispositivos na lei, como nos provimentos e resoluções que dão amparo a essa percepção. A busca por efetividade perpassa necessariamente pela eficiência.

Dentro dessa ótica que o §5º do art. 12, do Provimento 23, determina que é dispensada a anuência dos confrontantes quando o imóvel usucapiendo for unidade autônoma cujos limites, perfeitamente discriminados no assento imobiliário coincidam com a descrição no memorial de que trata o inciso III, do art. 10, desse Provimento, salvo no caso de unidades em sobrados e assemelhadas, segundo prudente critério do Oficial.

O Provimento nº 23/2016, em seu §6º, do art. 12 determina que é igualmente dispensada a anuência dos confrontantes quando o imóvel usucapiendo for área cujos limites, perfeitamente discriminados no assento imobiliário, coincidam com a descrição no memorial descritivo, previsto no inciso III, do art. 10, do mencionado Provimento.

Neste aspecto, houve inovação trazida pelo Provimento CNJ nº 65/17, que no § 5º do art. 4º, determina que será dispensada a apresentação de planta e memorial descritivo se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula.

E quanto às Procuradorias? Como serão oficiadas no contexto da extrajudicialidade? O § 3º do art. 216-A preceitua que o oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.

Ressalta-se que tanto o CPC/15, como o Provimento CGJ nº 23/2016, no seu art. 22, falam em somente “dar ciência” aos entes públicos.

O Provimento CNJ nº 65/17 determina no seu § 1º, do art. 15, que: “A inércia dos órgãos públicos diante da notificação de que trata este artigo não impedirá o regular andamento do procedimento nem o eventual reconhecimento extrajudicial da usucapião.” Sem dúvida uma grande vitória para efetividade, pois os entraves burocráticos, constatados na inércia das procuradorias sempre foram algozes na celeridade da ação judicial de usucapião.

Outro ponto importante que devemos destacar é que não é mais obrigatória a interveniência do Ministério Público, na forma em que era preconizada no art. 944, do Código de Processo Civil de 1973.

O Ministério Público somente intervirá quando houver interesse público ou social, interesse de incapaz e nos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, vide art. 178, do atual Código de Processo Civil.

Ainda na esteira do aludido artigo 216-A, enfatizamos a busca por efetividade como ratio motivadora do referido contexto legal ao determinar no § 4º a promoção de publicação de edital através de jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias. Uma lógica clara de busca de celeridade e rapidez no processo administrativo. 

Cabe ainda a realização de diligências que sejam necessárias, a critério do registrador oficial, para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, como forma de assegurar a correição e a transparência de todo o procedimento (art. 216-A. § 5º).

Por fim, o § 6º do art. 216-A determina que transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e se achando em ordem a documentação, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso (redação dada pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017).

A regra é a aplicação do princípio da unitariedade da matrícula e de acordo com o citado princípio, cada imóvel será objeto de uma matrícula e cada matrícula descreverá apenas um imóvel. Frise-se que somente será aberta nova matrícula se a descrição do imóvel usucapiendo não coincidir com aquela constante no registro imobiliário.

Nesse sentido, o § 2º do art. 20 do Provimento CNJ nº 65/17 determina que caso o reconhecimento extrajudicial da usucapião atinja fração de imóvel matriculado ou imóveis referentes, total ou parcialmente, a duas ou mais matrículas, será aberta nova matrícula para o imóvel usucapiendo, devendo as matrículas atingidas, conforme o caso, ser encerradas ou receber as averbações dos respectivos desfalques ou destaques, dispensada, para esse fim, a apuração da área remanescente.

O Provimento CGJ nº 23, no seu art. 26, entende de forma idêntica ao Provimento CNJ nº 65, no tocante à unitariedade da matrícula.

Preceitua o § 7º do art. 216-A que, em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.

Destarte, o Provimento CGJ/RJ nº 23/2016 conclui em seu §1º, do art. 21, que o Registrador, contrariando o princípio registral da instância ou da rogação, que determina que o Oficial só agirá mediante provocação do interessado, vide art. 198, da Lei de Registros Públicos, poderá de ofício suscitar dúvida ao juízo competente em matéria de Registros Públicos.

Nesse exato sentido, o § 5º do art. 17 do Provimento CNJ nº 65/17, segundo o qual a rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos.

 Em termos finais, o Registrador poderá rejeitar o pedido, caso a documentação não esteja em ordem (art. 216-A §8º) o que não impede o ajuizamento de ação judicial de usucapião (art. 216-A §9º).

Observa-se que o Provimento CGJ/RJ nº 23/2016, no Parágrafo único, do art. 27, prevê que, além da propositura de ação visando à declaração da usucapião, poderá o interessado suscitar dúvida, nos termos do art. 198, da Lei de Registros Públicos.

O Provimento CNJ nº 65/17 também determina no § 5º do art.17, que a rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos.

Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião (art. 216-A § 10) apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum".

Tanto o novo CPC no §10 do art. 1.071 e no seu art. 47, como o Provimento CGJ nº 23/2016, no §1º, do art. 31, quanto o §3º, do art. 18 do Provimento CNJ nº 65/17, determinaram a remessa dos autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel.

No entanto, se houver interesse da União, a competência será da Justiça Federal, nos termos do inciso I, do art. 109, da CF/88 (Súmulas 15, 32, 42, 66, 82, 150, 173 e 208, todas do STJ).

Além da hipótese do interesse da União, poderá, igualmente, a competência deslocar-se para o juízo universal da falência, vide Conflito de Competência 114.842/GO.

“CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. FALÊNCIA. JUÍZOS CÍVEL COMUM E FALIMENTAR. AÇÃO DE USUCAPIÃO. PERDA PATRIMONIAL IMEDIATA. BEM IMÓVEL ARRECADADO PELA MASSA FALIDA.

1. O eventual acolhimento do pedido na ação de usucapião acarreta perda patrimonial imediata, ou seja, perda da propriedade do imóvel, gerando enorme prejuízo para os credores da massa falida. Assim, deve-se reconhecer a competência do juízo universal da falência para apreciar demandas dessa natureza.

2. "A arrecadação é ato de apreensão judicial executiva que visa à guarda e conservação dos bens do falido para futura alienação, em benefício dos credores. Sendo assim, nada mais coerente que todas as questões relacionadas aos bens arrecadados sejam decididas pelo juízo falimentar." (CC 84.752/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27/06/2007, DJ 01/08/2007, p. 433).

3. Conflito de competência não conhecido em relação aos Juízos da 16ª e 17ª Varas Cíveis de Brasília/DF e, quanto ao incidente suscitado em face do Juízo da  11ª Vara Cível de Brasília/DF e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 11ª Vara Cível de Goiânia/GO.”

O Provimento CGJ/RJ nº 23/2016, em seu artigo 28 sugere que em caso de impugnação ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião, que o Registrador tente conciliar as partes.

O Provimento CNJ nº 65/17 prevê não apenas a conciliação, mas a mediação:

“Art. 18. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas” (negritos nossos).

Registre-se que os §§11 a 15 foram incluídos ao art. 216-A, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, pelo art. 7º da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, com a mesma ratio de desburocratização, ao disciplinar que  no caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes e bastando a notificação do síndico para se manifestar na forma do § 2º do referido artigo 216-A (§ 11) , bem como estipula simples notificação ao síndico se o imóvel confinante contiver um condomínio edilício, dispensada a notificação de todos os condôminos (§ 12).

Nesta mesma ordem, o parágrafo 13 considera a notificação por edital em jornal de grande circulação, por duas vezes, pelo prazo de quinze dias, caso não seja encontrado o titular de direito real pertinente ao imóvel usucapiendo ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido. Tal fato será certificado pelo registrador, pelos meios já citados, interpretado o silêncio do notificando como concordância.

Progride a Lei, em simetria com os avanços tecnológicos atuais ao permitir a publicação do edital em meio eletrônico (§14) ao dizer que o Regulamento do órgão jurisdicional competente para a correição das serventias poderá autorizar a publicação do edital em meio eletrônico, caso em que ficará dispensada a publicação em jornais de grande circulação.

E quando o oficial Registrador se deparar com ausência ou insuficiência de documentos? A resposta está no §15 do respectivo artigo 216-A:

“§15 - No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso IV do caput deste artigo, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial, que obedecerá, no que couber, ao disposto no 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383 da Lei nº 13.105, de 16 março de 2015 (Código de Processo Civil)” (negrito nosso).

Pontua-se, contudo, que o Provimento CNJ nº 65 determina que a eventual justificação administrativa deverá ser realizada perante o oficial de registro de imóvel, vide § 1º, do art. 17, do mencionado Provimento.

Exige, ainda, em seu art. 19 que para o registro do reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel rural e necessária a apresentação:

“I – do recibo de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, de que trata o art. 29 da Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, emitido por órgão ambiental competente, esteja ou não a reserva legal averbada na matrícula imobiliária, fazendo-se expressa referência, na matrícula, ao número de registro e à data de cadastro constantes daquele documento;

II – do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR mais recente, emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, devidamente quitado;

III – de Certificação do Incra que ateste que o poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhum outro constante do seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme as áreas e os prazos previstos na Lei nº 10.267/2001 e nos decretos regulamentadores. “

O Provimento CNJ nº 65 dispõe, ainda, em seu art. 14 que a existência de ônus real ou de gravame na matrícula do imóvel usucapiendo não impedirá o reconhecimento extrajudicial da usucapião. No entanto, no seu art. 21 determina que o reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel matriculado não extinguirá eventuais restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritos.

Já o Provimento CGJ nº 23/16, no seu §7º, do art. 12, determina que no caso de imóvel ou proprietário atingido por ordem de indisponibilidade, é necessária a anuência da autoridade judicial ou administrativa.

Por derradeiro, é de suma relevância ressaltarmos e reiterarmos que o instituto da usucapião não poderá servir como instrumento de burla ao pagamento de tributos e ao cumprimento das regras legais concernentes ao direito notarial e registral, ex vi § 2º, do art. 13, do Provimento CNJ nº 65/17.

Adite-se que, buscando dar celeridade ao processo de usucapião extrajudicial, em uma parceria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) com a Consultoria-Geral da União (CGU) – órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) responsável pela representação extrajudicial, assessoramento e consultoria jurídica da União – publicou uma portaria (PORTARIA CONJUNTA Nº 1, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2017) que facilita os procedimentos para a usucapião de bens imóveis.

Essa portaria dispõe sobre procedimentos a serem adotados pelos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União e pelas Superintendências do Patrimônio da União nos Estados e no Distrito Federal na representação da União relativamente à usucapião extrajudicial de bens imóveis, e dá outras providências.

Segundo o consultor-geral da União, Marcelo Augusto de Vasconcellos, “a finalidade da nova portaria é otimizar a atuação das Superintendências do Patrimônio da União e da CGU, estabelecendo um fluxo de trabalho que permite que cada uma das unidades envolvidas atue de acordo com suas atribuições”.

A nova norma determina que os cartórios acionem a SPU no estado onde está localizado o imóvel sempre que haja pedido de usucapião extrajudicial, a fim de verificar se o imóvel é de propriedade da União. Caso não haja dúvida jurídica sobre o imóvel em questão, caberá às próprias Superintendências responderem diretamente aos titulares dos cartórios de imóveis, sem necessidade de atuação dos órgãos de execução da CGU.

“Por outro lado, se houver questionamentos jurídicos, a SPU deverá encaminhar o caso para a consultoria jurídica da União nos estados ou à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, quando o bem estiver no DF”, ressalta Vasconcellos [14].


ANEXOS

ENUNCIADOS DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL

313 – Arts. 1.239 e 1.240. Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir.

497 - O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor.

595 - O requisito "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.

ENUNCIADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

108 - A ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial.

JURISPRUDÊNCIA ATINENTE À USUCAPIÃO

  1. Usucapião entre Herdeiros e Condôminos

"USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. CONDOMÍNIO. HERDEIROS E CONDÔMINOS. NECESSIDADE DE POSSE EXCLUSIVA ANIMUS DOMINI UNICI. REQUISITO INEXISTENTE NA ESPÉCIE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. É possível a usucapião entre herdeiros e condôminos, comprovados, porém, determinados requisitos, sendo imprescindível a posse exclusiva, animus domini unici, traduzido de modo inequívoco, com exclusão dos demais."(RT 524/210).

"Usucapião. Condomínio. Posse do condômino de parte certa e determinada. Inexistência de oposição dos demais condôminos. Legítimo interesse. Pedido procedente. Recurso não provido." (JTJ 157/198).

“Para obter usucapião sobre imóvel em condomínio, o condômino deve provar sua posse com exclusão dos direitos possessórios dos demais. Estes não precisam residir no imóvel para conservar seus direitos.” (RT 502/79, 538/55, 544/73).

RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO OPOSTO COMO EXCEÇÃO EM AÇÃO DE DIVISÃO. CABIMENTO DE USUCAPIAO ENTRE CONDÔMINOS. (Apelação Cível Nº 500430228, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Julgado em 15/09/1983)

(TJ-RS - AC: 500430228 RS, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Data de Julgamento: 15/09/1983, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)

TJ-MG- Usucapião entre herdeiros. 

AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - HERDEIROS - POSSIBILIDADE DO CONDÔMINO USUCAPIR EM ÁREA COMUM - POSSE EXCLUSIVA SOBRE O BEM POR MAIS DE DEZ ANOS - COMPROVAÇÃO - REQUISITOS PREENCHIDOS. - Com a morte daquele que detém a posse do imóvel usucapiendo, estas se transmitem de pleno direito aos herdeiros. - Porém é admissível o ajuizamento da ação de usucapião extraordinário por um ou alguns dos herdeiros, se comprovado o exercício da posse de forma exclusiva, com animus domini e pelo decurso do tempo de 10 (dez) anos, nos termos do art. 1.028, parágrafo único. - Comprovando a posse exclusiva e os demais requisitos legais, a procedência da ação é medida que se impõe. - Recurso não provido.

(TJ-MG - AC: 10049110009203001 MG, Relator: Alvimar de Ávila, Data de Julgamento: 27/02/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/03/2013)

 TJ-PR - Usucapião entre herdeiros

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MAGISTRADO QUE ENTENDEU PELA IMPOSSIBILIDADE DE SE PARTILHAR A POSSE DOS IMOVÉIS DESCRITOS NAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES. MESMO OS BENS NÃO REGISTRADOS DEVEM SER DESCRITOS NO INVENTÁRIO. LITIGIOSIDADE DOS HERDEIROS E INEXISTÊNCIA DE TÍTULO LEGITIMANDO A POSSE QUE EXIGE A PROPOSITURA DE AÇÃO DE USUCAPIÃO PARA REGULARIZAÇÃO DO DOMÍNIO. QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO QUE NÃO ENSEJA A EXTINÇÃO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO, MAS A SUSPENSÃO ATÉ JULGAMENTO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO, CUJA LEGITIMIDADE SERÁ DO ESPÓLIO EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE INVENTÁRIO. SENTENÇA ANULADA PARA SE DETERMINAR A SUSPENSÃO DO PROCESSO QUANTO À PARTILHA DOS IMÓVEIS ATÉ REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE. SALDO EM CONTA BANCÁRIA DE TITULARIDADE DO DE CUJUS, O QUE TAMBÉM IMPEDE A EXTINÇÃO DO INVENTÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Os Senhores Desembargadores integrantes da 11ª Câmara Cível, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto, nos exatos termos do voto do Relato (TJPR - 11ª C.Cível - 0003682-36.2014.8.16.0103/0 - Lapa - Rel.: Sigurd Roberto Bengtsson - - J. 24.02.2016)

(TJ-PR - APL: 000368236201481601030 PR 0003682-36.2014.8.16.0103/0 (Acórdão), Relator: Sigurd Roberto Bengtsson, Data de Julgamento: 24/02/2016,  11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 02/03/2016)

  1. Loteamento irregular

TJ-SP - Usucapião em Loteamento Irregular.

Usucapião. Loteamento irregular. Irrelevância. Inobservância da lei do parcelamento do solo urbano e a inércia do Poder Público não constituem impedimento para o reconhecimento da usucapião. Aquisição originária da propriedade. Sentença anulada. Recurso provido.

(TJ-SP - APL: 00010657820108260099 SP 0001065-78.2010.8.26.0099, Relator: Caetano Lagrasta, Data de Julgamento: 27/02/2013, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/05/2013)

TJ-SP - Usucapião em Loteamento Irregular.

USUCAPIÃO. Loteamento irregular. Circunstância que não obsta o acolhimento do pedido. Precedentes da jurisprudência. Iniciada a posse no ano de 1994. Aplicável à hipótese o prazo vintenário com a regra de transição. Inteligência do art. 550 do CC/16 c/c art. 2.028 do CC vigente. Requisito temporal não preenchido quando do ajuizamento da demanda, no ano de 2007. Hipótese em que não se justifica admitir o cômputo do período de trâmite da demanda. Recurso desprovido.

(TJ-SP - APL: 00011890420078260443 SP 0001189-04.2007.8.26.0443, Relator: Milton Carvalho, Data de Julgamento: 30/04/2015, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/05/2015).

TJ-SC - Usucapião em Loteamento Irregular.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - PROPRIEDADE - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - ALEGADO LOTEAMENTO IRREGULAR - ÁREA USUCAPIENDA NÃO DESMEMBRADA - DESOBEDIÊNCIA ÀS NORMAS DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO E DE RESERVA DE ÁREA VERDE - IRRELEVÂNCIA - INOCORRÊNCIA DE MÁ-FÉ - PREVALÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - SENTENÇA MANTIDA - APELO IMPROVIDO. Inocorrendo má-fé do autor, a desobediência às normas de parcelamento do solo não obsta a usucapião, rejeitando-se a impossibilidade jurídica do pedido.

(TJ-SC - AC: 20150008040 Porto Belo 2015.000804-0, Relator: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 29/03/2016, Sexta Câmara de Direito Civil, )

TJ-SP - Usucapião em Loteamento Irregular.

USUCAPIÃO EXTRAODINÁRIA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. Loteamento irregular. Inexistência de óbice legal para o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Mera irregularidade administrativa. Accessio possessionis. Art. 1.243 do Código Civil. Impossibilidade de soma de posse exercida pelos titulares do domínio. Lapso temporal do art. 1.238, do Código Civil não atendido. Extinção mantida. Recurso não provido.

(TJ-SP - APL: 00018480520128260486 SP 0001848-05.2012.8.26.0486, Relator: Mary Grün, Data de Julgamento: 08/10/2015, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/10/2015)

TJ-ES - Usucapião em Loteamento Irregular.

ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – REQUISITOS LEGAIS – CONFIGURADOS – LOTEAMENTO IRREGULAR – IRRELEVANTE – NOVA MATRÍCULA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Diante da presença dos requisitos legais (art. 1.238 CC⁄2002), a declaração por sentença da aquisição pretendida consistirá em título hábil a ser registrado junto a Cartório de Registro de Imóveis. 2. A inserção de imóvel em loteamento irregular ou clandestino é irrelevante, in casu, uma vez que dentre os requisitos da usucapião, não se verifica a obrigatoriedade de regularização do registro urbanístico onde situado o imóvel usucapiendo. 3. Recurso conhecido e desprovido.

  1.  Em área inferior ao módulo mínimo urbano

SÚMULA TJ/RJ Nº 317

É JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO URBANO DEFINIDO PELAS POSTURAS MUNICIPAIS.

REFERÊNCIA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº. 0013149 64.2005.8.19.0202 JULGAMENTO EM 14/04/2014 - RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS QUARESMA FERRAZ. VOTAÇÃO UNÂNIME.

ÓRGÃO ESPECIAL

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 0013149- 64.2005.8.19.0202

SUSCITANTE: 2ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INTERESSADO 1: ANA MARIA BAPTISTA DOS SANTOS

INTERESSADO 2: JOÃO THOMAS SOBRINHO

RELATOR: DES. MARCUS QUARESMA FERRAZ

Incidente de Uniformização de Jurisprudência.

Divergência jurisprudencial a respeito da possibilidade jurídica do pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.

A extinção do processo pela impossibilidade jurídica do pedido se baseia nas limitações mínimas espaciais para legalização de terreno constante nas leis municipais que regulam o parcelamento do solo urbano.

Ocorre que tal argumento vai de encontro ao próprio fundamento do instituto da usucapião, bem como a alguns preceitos processuais e até mesmo constitucionais.

A sentença que declara a usucapião é que será registrada, constando do mandado judicial todos os requisitos da matrícula, conforme assinala a Lei nº 6.015/73 - Lei de Registros Públicos, em seus artigos 167, inciso I, e 226, não havendo previsão legal para submissão de seus dados à aprovação do Município.

Deve-se atentar para o fato de que a competência municipal se resume a promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, restringindo-se à União e aos Estados a competência para legislar sobre as diretrizes em direito urbanístico, neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal.

Destarte, a competência do Município encontra limites nas legislações federal e estadual sobre direito urbanístico, cabendo apenas complementá-las e esclarecê-las e não as restringir como ocorreria no caso de se aceitar a constituição de limite espacial como requisito da usucapião - “os mencionados Decretos Municipais (Plano Diretor), não tem a virtude de criar requisito não previsto no ordenamento jurídico”. (0005411-20.2008.8.19.0202 – Apelação – Des. Valéria Dacheux – 13ª Câmara Cível, julgado em 28/05/2013).

Aplicar as normas municipais que limitam e regulam o parcelamento do solo urbano ao instituto da usucapião seria um equívoco, diante, com a devida vênia dos que entendem ao contrário, da gritante inconstitucionalidade formal que subsistiria ao reconhecer competência ao Município para legislar sobre matéria que lhe não compete: “Com efeito, a restrição municipal de parcelamento do solo urbano não pode impedir a aquisição de terreno por usucapião, já que a norma invocada não regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária” (0136494- 64.2000.8.19.0001 – Apelação – Des. Elton M. C. Leme – 17ª Câmara Cível, julgado em 21/08/2013).

Frise-se que um dos deveres do Município inerente a esta competência constitucional seria exatamente a de fiscalizar o ordenamento do solo urbano, o que, caso fosse feito de forma eficaz e permanente, evitaria que fossem implantadas verdadeiras favelas nos grandes centros, não sendo justo “deixar o problema sem solução, principalmente quando esse problema é causado pela omissão do poder público municipal que não exerce o papel que é dado pela configuração jurídica pátria.” (0168541- 91.20000.8.19.0001 – Apelação – Des. Fábio Dutra – 1ª Câmara Cível, julgado em 26/03/2012).

O que se verifica nesses casos específicos de usucapião é que a posse mansa e pacífica é alcançada pela inércia tanto do proprietário quanto do Poder Público, razão pela qual o direito de ambos acaba por ser suplantado pelo nascimento do direito do possuidor.

Por fim, o argumento apontado em todos os acórdãos, sentenças, pareceres e afins que defendem a possibilidade jurídica do pedido de usucapião cujo terreno não atenda as exigências definidas na legislação municipal e que não poderia deixar de ser aqui evocado é o direito social à moradia, consectário lógico do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.

Frise-se que entender de outro modo acabaria por esvaziar a usucapião especial urbana prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 183, posto que, ao limitar o imóvel a ser usucapido à área mínima de duzentos e cinquenta metros quadrados com base em regulamentações municipais, esbarraria no óbice constitucional que restringe a área a ser usucapida em até iguais duzentos e cinquenta metros quadrados.

Pelo exposto, impõe-se o acolhimento do presente Incidente de Uniformização, propondo, nos termos do artigo 121 do Regimento Interno e do artigo 479 do Código de Processo Civil, a edição do seguinte enunciado: “É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais”.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0013149-64.2005.8.19.0202, em que é suscitante a Egrégia 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sendo interessados Ana Maria Baptista dos Santos e João Thomas Sobrinho, ACORDAM os Desembargadores que integram o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer o incidente de uniformização de jurisprudência e acolher a proposta de uniformização para fixar o entendimento do Tribunal nos termos da Súmula cujo enunciado se segue: “É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais”.


Notas

[2] A Lei nº 11.441/07 alterou alguns dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa.

[3] Resolução que disciplinou a aplicação da Lei  nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.

[4] Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

[5] SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis, 7ª ed. Rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pag.49.

[6] Art. 1.200.  É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

[7] Brandelli, Leonardo Usucapião administrativa :  De acordo com o novo código de processo civil / Leonardo Brandelli. – São Paulo : Saraiva, 2016.

[8] Art. 1203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.

[9] Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

[10] Sugere-se a leitura dos seguintes acórdãos: Resp. 647-558/RS, Resp. 964223- RN, RE 86.234-MG, Resp. 113255-MT, RE 86.234-MG, RE 75.459-SP.

[11] Os bens dominicais são aqueles que, apesar de constituírem o patrimônio público, não possuem uma destinação pública determinada ou um fim administrativo específico.

[12] Ver Enunciado nº 178, expressão econômica da posse - FPPC – Forum Permanente de Processualistas Civis.

[13] Diferença entre a A.R.T e R.R.T: A ART é uma Anotação de responsabilidade técnica que todo engenheiro registra seus serviços junto ao CREA, já R.R.T é um Registro de Responsabilidade Técnica que é direcionado aos Arquitetos que registra junto a CAU. Este conselho (CAU) é recente, já que os arquitetos se separam do CREA em dez/2011, e cada documento desses tem suas especificações descritas nele, tanto na A.R.T. como no R.R.T. e tem o mesmo valor quando seus conteúdo descritos forem iguais.

[14] O conteúdo da portaria pode ser acessado por este link: http://iregistradores.org.br/portaria-conjunta-entre-agu-e-spu-facilita-procedimento-para-usucapiao-extrajudicial/


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