Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/64473
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A aplicação da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais

O adimplemento substancial e a ação renovatória de locação comercial

A aplicação da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais: O adimplemento substancial e a ação renovatória de locação comercial

Publicado em . Elaborado em .

A boa-fé objetiva conduziu a uma nova concepção de adimplemento, uma concepção substancial, com limites elásticos de uma tolerabilidade considerada normal.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A BOA-FÉ OBJETIVA: NOÇÕES BÁSICAS A DOUTRINA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL; 3.1 UM NOVO OLHAR SOBRE O CONCEITO DE ADIMPLEMENTO; 3.2 O “INADIMPLEMENTO MÍNIMO” E A EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO; 3.3 O INADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NA JURISPRUDÊNCIA; 3.4 A CONFIGURAÇÃO DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NO CASO CONCRETO; 4 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMLEMENTO SUBSTANCIAL À AÇÃO RENOTÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS.

RESUMO: O texto analisa a aplicação da teoria do adimplemento substancial, corolário da boa-fé objetiva, aos contratos de locação comercial. Sustenta-se ser ilícita a negativa do direito do locatário a renovação do contrato diante de um inadimplemento insignificante. Para tanto, propõe-se a reconstrução do conceito de adimplemento a partir dos padrões de conduta estabelecidos pelo princípio da boa-fé objetiva cuja finalidade é recriar o Direito Civil sob o standard da eticidade, confiança e proteção das legítimas expectativas.  

PALAVRAS-CHAVES: Boa-fé. Objetiva. Eticidade. Confiança. Abuso de direito. Adimplemento. Substancial. Fundo de comércio. Locação. Comercial.


INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito, agente de transformação social, gerou efeitos devastadores no Direito Civil com a sua despatrimonialização e repersonalização. O direito privado das coisas se transformou no direito das pessoas; o sujeito de direitos deixou de ser apenas o titular dos bens passando a abarcar aqueles que almejam vir a ter e vir a ser[1]. Com isso, o Direito Civil foi reconstruído a luz de princípios como o da boa-fé objetiva, da função social do contrato e sobretudo da dignidade da pessoa humana.

Um novo olhar foi lançado sobre o Direito das Obrigações tornando ilegítimo o exercício de direitos em desconformidade com padrões mínimos de conduta regidos pela eticidade e probidade a violar a legítima expectativa das partes. Nesse contexto de aplicação da boa-fé objetiva às relações obrigacionais, o presente artigo se propõe a analisar os impactos da aplicação da teoria do inadimplemento mínimo, como modelo de conduta baseado na confiança e eticidade, aos contratos de renovação de locação comercial.

Sob a ótica dos novos valores que integram o Direito Civil, não cabe mais a invocação abusiva da exceção do contrato não cumprido para obstar o direito da parte de ter renovado o seu contrato de locação comercial quando houver o adimplemento substancial das obrigações imputadas ao locatário. Todavia, é preciso reconstruir o conceito de adimplemento e saber em que hipóteses ele se caracteriza como substancial, desafio a ser enfrentado sob o paradigma teórico da boa-fé objetiva e da vedação ao abuso de direito. Eis o que se propõe nessa breve reflexão.


A BOA-FÉ OBJETIVA: NOÇÕES BÁSICAS

A boa-fé objetiva representa a mais imediata tradução da confiança no domínio das relações intersubjetivas. Traduz modelo de conduta baseado em standard valorativo de um agir pautado por certos valores socialmente significativos que, assim, adquirem entidade jurídica[2]. A expressão boa-fé objetiva não traduz um estado de fato – o estar de boa-fé –, mas um modelo jurídico indicativo de uma estrutura normativa dotada de prescritividade. Representa ainda cânone hermenêutico[3] e instrumento de integração do Direito[4].

A prescritividade decorre da imposição pela boa-fé objetiva de deveres anexos não expressos nos contratos como o dever de lealdade, probidade, eticidade, auxílio no cumprimento da obrigação, além dos deveres principais expressos no contrato. Como cânone interpretativo, dentro das interpretações possíveis, deve se buscar aquela de acordo com a eticidade e confiança. Por ser instrumento de integração, serve ainda para dar solução ética ao caso com base nos standards estabelecidos pela boa-fé quando há lacuna no sistema normativo[5].

A idéia naturalista de boa-fé, a boa-fé subjetiva, distingue-se da boa-fé objetiva. A primeira refere-se a tutela do estado psicológico, coíbe a má-fé, a consciência de se estar a lesar direitos ou interesses alheios, se manifestando também pela crença justificada de certa situação ou realidade jurídica. A boa-fé objetiva, distintamente, expressa o standard de correção, probidade, lealdade, honestidade, sendo fonte de deveres de conduta no terreno obrigacional. Veda o comportamento contraditório e desleal, garantindo a proteção das legítimas expectativas[6].

Com o Código Civil de 2002, a boa-fé objetiva adquiriu status de princípio e cláusula geral no Direito brasileiro, transformando o direito privado clássico e inserindo nele seus padrões objetivos de conduta leal e proba. Promoveu ainda uma viragem no Direito das Obrigações[7], fazendo com que a relação obrigacional transcenda os limites predeterminados pela autonomia privada[8].

A boa-fé objetiva, contudo, não serve para solucionar todos os males da realidade, mas para integrar a lei – não substituí-la[9]. Apesar de ser expressão semanticamente vaga ou aberta, carecedora de concretização em cada contexto, isso não significa tratar-se de elástico cheque em branco a ser preenchido de acordo com o impressionismo jurídico. Afinal, há um conteúdo mínimo que está conotado com as exigências de probidade, correção e comportamento leal aptos a viabilizar um adequado tráfego negocial[10].

A boa-fé objetiva é fonte de diversos modelos jurídicos criados pela doutrina e jurisprudência, como o abuso de direito, adimplemento substancial, a supressio, surrectio, verine contra factum proprium, tu quoque e duty to mitigate the own loss. Eles evitam o exercício desarrazoado de situações jurídicas e leva a hermenêutica dos negócios jurídicos ao contexto cultural e econômico que circunda as partes, estabilizando expectativas de comportamento. Sobre o modelo jurídico do adimplemento substancial, é preciso analisar o padrão de comportamento a ser exigido das partes e seu impacto sobre as ações renovatórias de locação comercial. É o que se fará a seguir.


A DOUTRINA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

3.1 UM NOVO OLHAR SOBRE O CONCEITO DE ADIMPLEMENTO

A boa-fé objetiva conduz a uma nova concepção de adimplemento, uma concepção substancial, caracterizada por critério mais elástico na apreciação dos limites de uma tolerabilidade considerada normal a vista a funcionalidade da prestação[11]. Essa tolerabilidade fundamenta a doutrina do “adimplemento substancial” – inadimplemento mínimo ou substancial performance –, considerado tão próximo do resultado final que exclui da contraparte o direito de resolução do contrato, subsistindo, contudo, o direito a indenização[12].

Na perspectiva tradicional, o adimplemento era definido como “o efetivo cumprimento da prestação”[13], ou o ato pelo qual “recebe o credor o que lhe é devido”[14]. A contrario sensu, o inadimplemento era usualmente conceituado como a inexecução da prestação debitória, a significar pura e simplesmente que a prestação não tinha sido realizada tal como era devida. Sob essas lentes, a noção de adimplemento estava vinculada a satisfação da prestação, ponto a ponto, nos exatos termos em que ela foi constituída.

 Essa concepção ganhou nova roupagem. Rejeitou-se a visão meramente estrutural das obrigações, vinculando-as, direta ou indiretamente, ao princípio da boa-fé objetiva. O que caracteriza o adimplemento deixou de ser tanto a satisfação do interesse unilateral do credor, passando a ser o atendimento à causa do contrato que se “constitui, efetivamente, do encontro do concreto interesse das partes com os efeitos essenciais abstratamente previstos no tipo” [15]. Agora, o próprio cumprimento ou descumprimento da prestação ajustada deve ser analisado à luz do propósito efetivamente perseguido pelas partes com a constituição da específica relação obrigacional[16].

Se o comportamento do devedor alcança aqueles efeitos essenciais que, pretendidos concretamente pelas partes com a celebração do negócio, mostram-se merecedores de tutela jurídica, tem-se o adimplemento da obrigação, independentemente da satisfação psicológica do credor. A inadequação formal do comportamento do devedor ao débito não ensejará o inadimplemento se atendido o escopo das partes com o vínculo obrigacional. É o atendimento da função concreta do negócio – e não mais o cumprimento meramente estrutural da prestação principal – que define o adimplemento (substancial) da obrigação.  

3.2 O “INADIMPLEMENTO MÍNIMO” E A EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO

A desconstituição do negócio jurídico pela resolução contratual oriunda do inadimplemento sempre foi um direito potestativo do credor – um direito absoluto que lhe dava poder de sujeitar a outra parte da relação à sua deliberação unilateral. A doutrina clássica, nesse ponto, não discutia a possibilidade de impor limites ao exercício desse direito, por ter como premissa o fato de que ele foi justamente concedido pelo ordenamento jurídico para a satisfação de interesses particulares. O princípio da correspondência – também chamado da identidade ou pontualidade – fundamentava o direito unilateral a rescisão do contrato, impondo ao contratado o dever de efetuar a prestação, ponto por ponto, conforme acordada.

Como reação a essa forma de ver a Dogmática Jurídica, foi necessário reconhecer que um direito só pode ser protegido pelo ordenamento quando tiver função social. É que, o exercício desse direito, muitas vezes, satisfaz o interesse privado do seu titular, mas, simultaneamente, ofende as expectativas sociais pelas quais o próprio ordenamento lhe instituiu. Desponta, assim, a idéia de abuso de direito, quando o exercício de uma prerrogativa é manifestado sem motivação legítima. Se um ato é conforme a determinado direito e, nada obstante, ilícito, por se mostrar contrário à boa-fé e àquelas regras que dominam todo o direito – a “superlegalidade” – ele pode se apresentar contrário ao direito no sentido amplo do corpo de regras sociais obrigatórias[17].

Atento a essa nova realidade, o legislador tratou o abuso de direito como um ato ilícito objetivo no Código Civil de 2002. Para constatar sua ocorrência, não é necessário aferir, no caso concreto, a existência de culpa na violação da norma; basta que a conduta seja antijurídica e viole materialmente os fins do ordenamento jurídico. É o que prevê o art. 187 do Código Civil quando estabelece que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes[18].

O abuso de direito atua como forma de controle do exercício de direitos subjetivos e potestativos, se caracterizando como uma das dimensões do princípio da boa-fé sobre as relações obrigacionais. Sob o aspecto objetivo, a boa-fé é também uma norma impositiva de limites ao exercício de direitos subjetivos e potestativos; não apenas uma norma de conduta que objetiva impor um agir pautado pela lealdade. Nesse contexto, desponta o estreito vínculo entre a Teoria do Abuso de Direito, a boa-fé objetiva, ambas previstas no Código Civil de 2002, e o adimplemento substancial.

A boa fé objetiva e a teoria do abuso de direito coíbem que uma das partes de um contrato invoque a exceção do contrato não cumprido em face do adimplemento substancial da obrigação.  A teoria do adimplemento substancial (ou do inadimplemento mínimo) atua como uma das formas de controle do exercício de direitos subjetivos pela boa-fé. Desfaz o mito de que o cumprimento da obrigação deve coincidir, ponto a ponto, com a prestação a que o devedor está obrigado, possibilitando que o vínculo obrigacional não seja resolvido quando a desconformidade entre a conduta do devedor e a prestação estabelecida não for significativa.

Buscando fundamento na substancial performance do direito anglo-saxônico, a teoria objetiva que se avalie a gravidade do inadimplemento antes de se deflagrar a conseqüência drástica consubstanciada na resolução da relação obrigacional. Realiza-se uma ponderação de interesses jurídicos: de um lado, o interesse do credor de ver cumprida a obrigação exatamente como pactuada; e, de outro, o interesse do devedor em evitar o drástico remédio resolutivo, prevalecendo o segundo[19]. Admite-se que a regra da “exceção do contrato não cumprido” seja afastada quando o inadimplemento pelo devedor for mínimo, irrisório, incapaz de comprometer a essência do contrato[20] [21].

O Código Civil de 2002, de um modo geral, não prevê o princípio do inadimplemento substancial como modo de extinguir o contrato[22]. Em que pese o silêncio do legislador, o seu acolhimento pela doutrina e jurisprudência decorre da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, esculpido nos artigos 187 e 422 do Código Civil Brasileiro, que veda o exercício abusivo de posições jurídicas[23]. Não há dúvida de que a teoria do adimplemento substancial, fulcrado na boa-fé objetiva, impõe limites claros à regra da “exceção do contrato não cumprido” e a tantos outros direitos que decorrem, a primeira vista, do inadimplemento, conforme já vêm reconhecendo os tribunais brasileiros.

3.3 O INADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NA JURISPRUDÊNCIA

A teoria do adimplemento substancial tem sido aplicada para afastar a regra da exceção do contrato não cumprido – e outros direitos do credor – quando o inadimplemento da obrigação pela parte devedora é insignificante. Para tanto, ao julgadores invocam a aplicação da boa-fé objetiva no contexto das relações obrigacionais. Ainda não é possível, contudo, identificar nas decisões um padrão para enquadrar o inadimplemento como mínimo.

  O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já entendeu no bojo de contrato de alienação fiduciária que o cumprimento substancial da obrigação pelo devedor afasta o direito do credor de reintegrar a posse de bem imóvel alienado fiduciariamente. Para caracterizar o inadimplemento como mínimo considerou o pagamento de vinte e uma prestações – do total de vinte e quatro – obstativo do direito do credor de resolver o contrato e reintegrar a posse do imóvel. Com base na função de controle da boa-fé objetiva, julgaram abusivo o exercício do direito subjetivo do credor de resolver o contrato, considerando ainda para a conclusão o fato de o veículo ser utilizado como instrumento de trabalho do devedor[24] No mesmo sentido, também já se posicionou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[25].

A teoria do adimplemento substancial tem recebido destaque também em importantes julgados do Superior Tribunal de Justiça, que, com fulcro no princípio da boa-fé objetiva (arts. 187 e 422 do Código Civil), tem avaliado, diante de cada caso concreto, se a gravidade do inadimplemento justifica as conseqüências drásticas que dele pode advir. É interessante conhecer os critérios adotados pelo tribunal que atualmente tem posicionamento mais rigoroso sobre o tema.

Em caso relativo à dissolução de sociedade de fato, o STJ aplicou a teoria do adimplemento substancial à hipótese em que uma das partes cumpriu em parte sua obrigação de doar imóvel para filha com usufruto para a mãe, não reconhecendo o tribunal o direito da mãe de rescindir o contrato da sociedade de fato [26]. Nos contratos de seguro, também já foi aplicada a teoria do inadimplemento mínimo para afastar a extinção do contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, sob o argumento de que a seguradora sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeitasse a prestação quando ocorrido o sinistro[27].

Na mesma linha do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, já foi reconhecida pelo STJ a aplicação da teoria, em contrato de alienação fiduciária, quando o valor do inadimplemento é pequeno em relação ao valor do bem e o automóvel é essencial a atividade da devedora[28]. Ocorre que no início de 2017, a segunda Seção do Tribunal pacificou entendimento em sentido contrário, entendendo que a tese do adimplemento substancial não pode ser aplicada nos casos de alienação fiduciária. Sustentou-se que a incidência subsidiária do Código Civil, sobretudo as normas gerais, em relação à propriedade fiduciária sobre bens que não sejam móveis infungíveis, regulada por leis especiais, é excepcional, somente possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solução da "lei geral" não se contrapuser às especificidades do instituto regulado pela lei especial[29].

Argumentou-se ainda que a utilização da teoria do inadimplemento mínimo, para obstar a utilização da ação de busca e apreensão, poderia figurar como um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, com o nítido propósito de desestimular o credor a buscar outras vias judiciais menos eficazes, ante as conhecidas dificuldades dos meios de execução. Adotar entendimento diverso, aduzem, enfraqueceria da boa-fé contratual propugnada e a segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional.

O julgado tem uma importante função: trazer à baila a problemática definição do que seria inadimplemento mínimo. Isto para fins de afastar o direito do credor de atribuir ao inadimplemento todas as conseqüências legais – aplicação da exceção do contrato não cumprido, negativa de renovação da locação comercial, dentre outros –, bem como refletir o inadimplemento insignificante não apenas sob o aspecto quantitativo como também qualitativo. A definição de inadimplemento insignificante é o desafio que se busca enfrentar no ponto a seguir.     

A CONFIGURAÇÃO DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NO CASO CONCRETO.

O grande desafio da idéia de cumprimento relevante está em fixar parâmetros que permitam ao julgador identificar no caso concreto se o adimplemento se afigura ou não significativo, substancial. O bom senso e os critérios de normalidade social, acolhidos pelo art. 113 do Código Civil, orientados pelos ditames da boa-fé, podem contribuir para a identificação em cada caso de qual falta é totalmente desproporcional a recusa da prestação.

Para alcançar a definição concreta da ocorrência do adimplemento substancial, no caso concreto, é possível estabelecer três requisitos: i) a insignificância do inadimplemento[30]; ii) a satisfação do interesse do credor; e iii) a diligência por parte do devedor[31].

A “insignificância do inadimplemento” resta patente quando as obrigações inadimplidas não compõem o cerne do contrato, caracterizando obrigações laterais, anexas.

Um exemplo pode esclarecer a explicação.

Imagine-se um contrato de locação de imóvel para fins comerciais – nosso tema –, no qual além do pagamento de prestações mensais se acordou também que o locatário ficaria responsável pelo pagamento de IPTU e realização de seguro para o imóvel. O contrato se protraiu no tempo por mais de cinco anos ininterruptamente com o pagamento pontual das prestações mensais. A locatária pagou todos os aluguéis pontualmente, as taxas condominiais e os tributos. Houve a contratação de seguro de incêndio, mas não contra desabamento.

Em ação de renovação do contrato de locação comercial, o locador opõe a exceção do contrato não cumprido para afastar o direito compulsório do locatário a renovação. O locatário adimpliu regularmente todas as prestações mensais, mas não comprovou o pagamento de algumas contas de luz e não realizou especificamente o seguro contra desabamento, não obstante tenha contratado seguro contra incêndio. A falta de comprovação do pagamento de algumas contas de luz (que podem ter sido pagas, já que a energia elétrica continuou sendo fornecida ao imóvel aonde o locatário exercia suas atividades) e a inexistência de seguro específico contra desabamento mostra-se insignificante diante da amplitude do contrato de locação cujos valores são significativamente superiores ao dessas obrigações laterais e sempre foram quitados pontualmente.  A obrigação principal, os ônus tributários e encargos condominiais foram quitados cumprindo o locatário cabalmente as demais obrigações contempladas pelo contrato de locação. A substância do contrato foi perfeitamente adimplida.

 O interesse do credor resta atendido quando a obrigação principal é integralmente adimplida e o inadimplemento de deveres laterais não lhe causa qualquer prejuízo[32].  No exemplo acima, o interesse do credor de receber o pagamento dos aluguéis restou atendido e a não comprovação do pagamento de luz não lhe causou qualquer prejuízo, pois a luz nunca deixou de ser fornecida e a não realização de seguro específico contra desabamento tampouco lhe gerou qualquer dano, pois o imóvel não desabou. A falta de comprovação do pagamento de algumas contas de luz (o que se admite a título meramente argumentativo) e a inexistência de seguro contra desabamento não comprometeram – sequer minimamente – o atendimento da função concreta do contrato de locação celebrado entre as partes. O escopo especificamente perseguido pelas partes com a constituição do vínculo obrigacional não deixou de ser alcançado por causa de tais inadimplementos, não restando dúvidas de que houve um adimplemento substancial da obrigação.

A diligência por parte do devedor evidencia-se na adoção de todas as providências necessárias ao atendimento do interesse do credor, não sendo doloso o descumprimento de parte insignificante do contrato. No exemplo sob exame, a realização do seguro contra incêndio pelo locatário demonstra que ele foi diligente e adotou providências para resguardar o patrimônio do devedor. A diligência é comprovada também pelo pagamento de todas as prestações mensais de aluguel, dos tributos e dos encargos condominiais, se desincumbindo do cumprimento da obrigação principal. A falta de comprovação do pagamento de luz foi pontual e não gerou o corte no fornecimento de luz decorrendo da falta de organização não intencional. Logo, não ficou comprovada a intenção do locatário de não cumprir integralmente com todos os termos do contrato.  

A teoria do adimplemento substancial encontra inspiração no caso chamado “Boone versus Eyre”, julgado pelas Cortes de Equity da Inglaterra, de 1977, relatado pelo lorde Mansfield, no qual também podem ser visualizados os três requisitos. O objeto do litígio foi um contrato no qual o autor (Boone) passaria uma fazenda e seus escravos para Eyre que pagaria 500 libras pelo bem, além das prestações anuais de 160 libras, em caráter perpetuo. A controvérsia surgiu porque Boone alienou a propriedade, mas não tinha direito de transferir os escravos, razão porque Eyre suspendeu o pagamento das prestações anuais alegando inadimplemento. Diante desse caso, a Corte inglesa entendeu que o comprador não poderia deixar de pagar as prestações, pois a obrigação de dar os escravos não seria uma condição precedente em face da obrigação de pagar as prestações anuais perpétuas. A entrega dos escravos seria uma obrigação secundária, não podendo gerar a resolução do contrato, mas apenas indenização por perdas e danos[33].  

Demonstrado os requisitos para a configuração do adimplemento substancial da obrigação, resta analisar a aplicação da teoria à renovação do contrato de locação comercial por aplicação das disposições do art. 187 e 422 do Código Civil.  


DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMLEMENTO SUBSTANCIAL À AÇÃO RENOTÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL

O direito à renovação do contrato de locação de imóvel destinado ao comércio e indústria foi instituído para a proteção do fundo de comércio que pode ser definido como o conjunto de bens materiais e imateriais destinados pelo empresário à realização de sua atividade negocial. Para fazer jus a tal direito, contudo, faz-se necessário que o locatário atenda aos requisitos estabelecidos nos arts. 51 e 71 da Lei n. 8.245/91 (Lei de Locações), dentre os quais se encontra à prova do cumprimento do contrato em curso, isto é, do adimplemento contratual.

Como demonstrado no ponto anterior, a noção de adimplemento não está mais vinculada a idéia de que o cumprimento da obrigação tem de coincidir, ponto a ponto, com a prestação a que o devedor está obrigado, devendo o julgador perquirir, em cada caso, se a desconformidade entre a conduta do devedor e a prestação estabelecida é de pouca relevância, hipótese na qual se configurará o adimplemento substancial da obrigação.

Trazendo tais ensinamentos para o estudo da ação renovatória, tem-se que: se, por um lado, o inadimplemento do contrato de locação autoriza a negativa do direito à sua renovação, nos termos do art. 71 da Lei n. 8.245/91, por outro, tal negativa mostra-se abusiva quando o inadimplemento é mínimo, irrisório, não comprometendo a satisfação dos interesses do credor. Daí porque é imperativa, sob pena de violação aos arts. 187 e 422 do Código Civil, a invocação da teoria do adimplemento substancial para afastar a negativa do direito a renovação quando há descumprimento apenas de parte mínima das obrigações contratuais.

A importância da teoria do adimplemento substancial, no caso da ação renovatória, está em impedir o exercício de um direito potestativo do credor – de obstar a renovação contratual –, com base em um cumprimento que apenas formalmente pode ser tido como imperfeito. Trata-se, em verdade, de um controle judicial das conseqüências do inadimplemento, controle este realizado por meio da ponderação entre, de um lado, os efeitos (para o locatário) da perda de seu fundo de comércio e, de outro, os efeitos (para o locador) da renovação contratual, quando o contrato não vem sendo formalmente adimplido pelo devedor.

Tratando do tema, Sílvio de Salvo Venosa, amparado em importante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, reflete que o cumprimento do contrato de locação deve ser analisado à luz de suas finalidades e que uma infração de natureza leve não tem o condão de obstar o direito do locatário a renovação contratual[34]. Na mesma linha, Maria Helena Diniz sustenta que, no caso de pequenas infrações contratuais, consideradas faltas leves, sem a caracterização da má-fé, a ação renovatória deve ser julgada procedente[35].

São exemplos de infrações consideradas leves, não constituindo causa impeditiva da renovação do contrato, a impontualidade no pagamento de tributos e encargos, quando o locador não tiver comunicado ao locatário, em tempo oportuno, e de forma hábil, os valores a serem reembolsados; a pequena demora no pagamento de impostos, taxas e encargos, desde que não tenha resultado prejuízo para o locador; a cobrança de aluguel, nas sublocações em nível superior ao da própria locação; pequenas alterações na estrutura do imóvel; utilização para residência de pequena área do imóvel, sem redução da área ocupada pelo fundo de comércio[36].

Os tribunais de justiça do Estado de São Paulo e Minas Gerais já se posicionaram no sentido de que o atraso no pagamento dos aluguéis recebidos pelo locador, ou dos tributos, é considerado falta leve e não afasta o direito do locatário a renovação do contrato de locação[37].

Ao colacionar no art. 71 da Lei n. 8.245/91 o cumprimento do contrato como requisito para o direito de renovar, o legislador tinha em vista um inadimplemento significativo, relevante, que repercutisse sobre os interesses do locador. Afinal, a ação renovatória foi instituída para a tutela de um bem jurídico de grande relevância, não sendo razoável que, em razão de um inadimplemento mínimo, tal finalidade seja sacrificada.  

Em suma, colocam-se em conflito dois valores: de um lado, a preservação do fundo de comércio do locatário e, de outro, o direito do locador de se opor à renovação contratual quando o contrato de aluguel não vem sendo formal e integralmente cumprido. Nesse conflito, a preservação ao fundo de comércio, tutelada através do direito a renovação da locação comercial, não deve sucumbir em face de uma infração contratual de natureza leve, que não pode ter o condão de fazer com que o locatário perca tudo aquilo que foi agregado ao seu fundo de comércio nesse período. O inadimplemento mínimo, portanto, não constitui causa impeditiva da renovação do contrato de locação comercial.   


CONCLUSÃO

A boa-fé objetiva é a tradução da confiança nas relações intersubjetivas, impondo modelo de conduta baseado em standard valorativo, cânone hermenêutico e instrumento de integração do Direito. A boa-fé objetiva não se confunde com a subjetiva cujo objetivo é a tutela do estado psicológico e a repressão a má-fé, a consciência de se estar a lesar direitos ou interesses alheios. A boa-fé objetiva independe do elemento subjetivo e expressa o standard de correção, probidade, lealdade, honestidade, fonte de deveres de conduta no terreno obrigacional.

A boa-fé objetiva conduziu a uma nova concepção de adimplemento, uma concepção substancial, com limites elásticos de uma tolerabilidade considerada normal. A funcionalidade da prestação passa a ser fonte da teoria do adimplemento substancial. A noção de adimplemento deixou de estar vinculada a satisfação da prestação, ponto a ponto, sob uma visão meramente estrutural para se vincular ao atendimento do escopo das partes com o vínculo obrigacional.

A desconstituição do negócio jurídico pela resolução contratual oriunda do inadimplemento sempre foi um direito potestativo do credor. A teoria do abuso de direito, contudo, coíbe que uma das partes de um contrato invoque a exceção do contrato não cumprido em face do adimplemento substancial da obrigação. Como um direito só pode ser protegido pelo ordenamento quando tiver função social, comete ato ilícito o titular de um direito que excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Concluiu-se, então, que uma eventual resolução do contrato pressupõe a relevância do inadimplemento, por aplicação da teoria do adimplemento substancial, corolário dos ditames da boa-fé.

 O grande desafio posto, contudo, foi a fixação de parâmetros que permitissem ao julgador identificar, no caso concreto, se o adimplemento se afigura ou não significativo, substancial. Para alcançar essa definição foram estabelecidos três requisitos: i) a insignificância do inadimplemento; ii) a satisfação do interesse do credor; e iii) a diligência por parte do devedor.

Fixadas as premissas, concluiu-se que no caso da ação renovatória de contrato de locação, a teoria do adimplemento substancial impede o exercício de um direito potestativo do credor – de obstar a renovação contratual –, com base em um cumprimento que apenas formalmente pode ser tido como imperfeito. O direito à renovação do contrato de locação de imóvel destinado ao comércio e indústria foi instituído para a proteção do fundo de comércio. Por isso, no conflito de interesses em jogo, o cumprimento do contrato de locação deve ser analisado à luz de suas finalidades de modo a impedir que uma infração de natureza leve obste o direito do locatário a renovação contratual. O inadimplemento mínimo, portanto, não constitui causa impeditiva da renovação do contrato de locação comercial.


6. REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. O Instituto do Adimplemento Substancial e suas repercussões na Teoria Clássica. Coord. FARIAS, Cristiano Chaves de. Leituras Complementares de Direito Civil. Bahia: Jus Podium, 2007.

ALVES, Jones Figueredo. A Teoria do Adimplemento Substancial (Substancial performance) do negócio jurídico. Coord. FARIAS, Cristiano Chaves de. Leituras Complementares de Direito Civil. Bahia: Jus Podium, 2007.

BODIN DE MORAES, Maria Celina. A causa do contrato. Disponível em: http:\\ civilistica.com/wp-content/.../02/Bodin-de-Moraes-civilistica.com-a.2.n.1.2013.pdf Acesso em: 22.fev.2018.

CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil. São Paulo: RT, 1982, v. 2, t.1.

COUTO E SILVA. O princípio da boa-fé no Direito Brasileiro e Português. In: FRADERA, Vera Maria Jacob de (org.). O Direito Privado Brasileiro na Visão de Clovis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 33-38.

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil. Contratos.  Teoria Geral e contratos em espécie. Salvador: Jus Podivm, 2018.

GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 88.

JOSSERAND, Louis. Relatividad y abuso de los derechos. Bogotá: Temis, 1982. p. 26.

LUNARDI, Fabrício Castagna. A teoria do abuso de Direito no Direito Civil Constitucional: Novos Paradigmas para os contratos. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/84036. Acesso em: 20.fev.2018.

MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015.

_____. A boa-fé objetiva e o adimplemento das obrigações. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, p. 229-278, 2003. p. 231-233.

_____. Os avatares do Abuso do Direito e o Rumo Indicado pela Boa-fé. In: Gustavo Teppedino (org.). Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 80-81.

ROSENVALD, Nelson. A boa-fé objetiva: CC X CPC-15. Disponível em: https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2015/08/10/A-boafé-objetiva-CC-X-CPC15. Acesso em: 20.fev.2018.

SCHREIBER, Anderson. A boa-fé e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda Maria. Fernandes Novaes. TARTUCE, Flávio.(coord.) Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo: Ed. Método. p. 138.

TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: Método, 2004.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Parte geral. São Paulo: Atlas, 2003


Notas

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil. Contratos.  Teoria Geral e contratos em espécie. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 37.

[2] Art. 187 do CC.

[3] Art. 113, CC.

[4] Art. 422, CC.

[5] LUNARDI, Fabrício Castagna. A teoria do abuso de Direito no Direito Civil Constitucional: Novos Paradigmas para os contratos. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/84036. Acesso em: 20.fev.2018.

[6] MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do Abuso do Direito e o Rumo Indicado pela Boa-fé. In: Gustavo Teppedino (org.). Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 80-81.

[7] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé objetiva e o adimplemento das obrigações. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, p. 229-278, 2003. p. 231-233.

[8] ROSENVALD, Nelson. A boa-fé objetiva: CC X CPC-15. Disponível em: https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2015/08/10/A-boafé-objetiva-CC-X-CPC15. Acesso em: 20.fev.2018.

[9] MARTINS-COSTA, Judith. 2003. Op. Cit. p. 230.

[10] MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 40-41.

[11] MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit., 2003, p. 277.

[12] COUTO E SILVA. O princípio da boa-fé no Direito Brasileiro e Português. In: FRADERA, Vera Maria Jacob de (org.). O Direito Privado Brasileiro na Visão de Clovis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 33-38. p. 45.

[13] GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 88.

[14] CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil. São Paulo: RT, 1982, v. 2, t.1. p. 157.

[15] BODIN DE MORAES, Maria Celina. A causa do contrato. Disponível em: http\\ civilistica.com/wp-content/.../02/Bodin-de-Moraes-civilistica.com-a.2.n.1.2013.pdf Acesso em: 22.fev.2018.

[16] SCHREIBER, Anderson. A boa-fé e o adimplemento substancial. Coord. HIRONAKA, Giselda Maria. Fernandes Novaes. TARTUCE, Flávio. Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo: Ed. Método. p. 138.

[17] JOSSERAND, Louis. Relatividad y abuso de los derechos. Bogotá: Temis, 1982. p. 26.

[18] Há controvérsia na doutrina acerca da natureza jurídica do ato de abuso do direito, se seria lícito ou ilícito. De um lado, entende-se que, no abuso de direito, sob a máscara de ato legítimo, tem-se uma ato ilícito; a aparência é lícita mas a substância não (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Parte geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 604). De outro, o abuso de direito seria lícito pelo conteúdo, mas ilícito pelas conseqüências, tendo natureza mista (TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: Método, 2004. p. 186).

[19] MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit., 2003. p. 265.

[20] “Em uma leitura mais contemporânea, contudo, impõe-se reservar ao adimplemento substancial um papel mais abrangente, qual seja o de impedir que a resolução – e outros efeitos igualmente drásticos que poderiam ser deflagrados pelo inadimplemento– não venham a tona sem uma ponderação judicial entre (i) a utilidade da extinção da relação obrigacional para o credor e (ii) o prejuízo que adviria para o devedor e para terceiros a partir da resolução.” (SCHREIBER, Anderson. Op. Cit., p. 141).

[21] “O adimplemento substancial insere-se dentre os princípios gerais dos contratos, como princípio inerente ao sistema normativo-contratual aberto, oferecido pelo novo código civil, de modo a fazer ponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, estabelecidos pelos arts. 421 e 422 do diploma codificado. (...) Impende considerar, para uma eventual resolução do contrato, a relevância de significado do inadimplemento, cuja valoração seja determinante para a extinção do negócio jurídico, sob pena de não se resguardar a relevância social do contrato.” (ALVES, Jones Figueredo. A Teoria do Adimplemento Substancial (Substancial performance) do negócio jurídico. Coord. FARIAS, Cristiano Chaves de. Leituras Complementares de Direito Civil. Bahia: Jus Podium, 2007. p. 231).

[22] MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit., 2003. p. 261.

[23] “A teoria do adimplemento substancial encontra previsão expressa em numerosas codificações. (...) No Brasil, o silêncio do legislador de 2002 não tem impedido o acolhimento da noção, com base, mais uma vez, na boa-fé objetiva. De fato, afirma-se que no âmbito da segunda função da boa-fé objetiva, consistente na vedação ao exercício abusivo de posição jurídica, o exemplo mais significativo é o da proibição do exercício do direito de resolver o contrato por inadimplemento, ou de suscitar a exceção do contrato não cumprido, quando o incumprimento é insignificante em relação ao contrato total.” (SCHREIBER, Anderson. Op. Cit. p. 139).

[24]“AÇÃO DE COBRANÇA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - EXCEPTIO NOM ADIMPLETI CONTRACTUS - INADIMPLEMENTO MÍNIMO- INÍCIO DE IMPLEMENTO DE CONTRAPRESTAÇÃO - COBRANÇA DEVIDA - JUROS LEGAIS - CITAÇÃO FEITA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DO NOVO DIPLOMA LEGAL. - Nos contratos sinalagmáticos, no qual ambos os contratantes têm o dever de cumprir - recíproca e concomitantemente - as prestações e obrigações por eles assumidas, apenas quem cumpre a parte que lhe compete na avença pode exigir o implemento da parte do outro.-     A despeito de ser lícito a uma das partes, no exercício do direito potestativo, invocar a resolução contratual com base no inadimplemento obrigacional, tal prerrogativa não é absoluta, mormente em situações caracterizadas pelo cumprimento substancial do contrato pela outra parte, em que se verifica tão-somente o inadimplemento de pequena parte na obrigação. - Aplicam-se os juros legais de 0,5% ao mês, instituídos pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916, até o advento da entrada em vigor do Novo Código Civil (11.01.2003), momento a partir do qual os juros serão de 1% ao mês.” (TJMG, apelação cível n° 1.0024.99.131877-5/001 - comarca de Belo Horizonte - apelante(s): Telemont Engenharia Telecomunicacoes S/A, WS Eletricidade Telecomunicações Ltda - Relator: Exmo. Sr. Des. Fabio Maia Viani).

[25] Também adotando a teoria do inadimplemento substancial, cita-se a seguinte ementa de julgado: “CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL CARACTERIZADO. Inviabilidade da resolução, devendo a parte autora, através das vias próprias, buscar a satisfação do avençado e de eventuais prejuízos advindos pelo inadimplemento. Dano moral que não restou demonstrado. Litigância de má-fé não-reconhecida. Apelo desprovido.” (TJRS, Apelação Cível Nº 70012052981, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 12/07/2005).

[26] RECURSO ESPECIAL - OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO - INEXISTÊNCIA - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO - MÉRITO RECURSAL - AÇÃO RESCISÓRIA - AFRONTA AO ART. 485, III, DO CPC - DOLO DA PARTE VENCEDORA - CARACTERIZAÇÃO - ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA AVENÇA PELO RÉU - AFASTAMENTO DA TEORIA DA EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS - INDUÇÃO DO RÉU À REVELIA NA AÇÃO ORIGINÁRIA - EMBARAÇO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO - CONFIGURAÇÃO - EFETIVA VULNERAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL - DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA - REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO - RETOMADA DO JULGAMENTO PELA INSTÂNCIA SINGULAR. [...] 3 - O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios consignou que as partes celebraram acordo extrajudicial após a propositura da ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, tendo a autora se obrigado a desistir de sua pretensão desde que o réu doasse imóvel à filha comum do casal, com usufruto pela mãe, sendo que o demandado cumpriu substancialmente com a avença, embora não em sua integralidade; a autora, por seu turno, quedou-se inadimplente. Desta forma, não incide a Teoria da Exceptio Non Adimpleti Contractus. [...]” (REsp 656.103/DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, quarta turma, julgado em 12/12/2006, DJ 26/02/2007).

[27] REsp 76.362/MT, Rel. Ministro  RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/1995, DJ 01/04/1996 p. 9917

[28] “ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Deferimento liminar.ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. Não viola a lei a decisão que indefere o pedido liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora. Recurso não conhecido.” (REsp 469.577/SC, Rel. Ministro  RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 05/05/2003 p. 310).

[29] RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO, COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA REGIDO PELO DECRETO-LEI 911/69. INCONTROVERSO INADIMPLEMENTO DAS QUATRO ÚLTIMAS PARCELAS (DE UM TOTAL DE 48). EXTINÇÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO (OU DETERMINAÇÃO PARA ADITAMENTO DA INICIAL, PARA TRANSMUDÁ-LA EM AÇÃO EXECUTIVA OU DE COBRANÇA), A PRETEXTO DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. DESCABIMENTO. 1. ABSOLUTA INCOMPATIBILIDADE DA CITADA TEORIA COM OS TERMOS DA LEI ESPECIAL DE REGÊNCIA. RECONHECIMENTO. 2. REMANCIPAÇÃO DO BEM AO DEVEDOR CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA, ASSIM COMPREENDIDA COMO OS DÉBITOS VENCIDOS, VINCENDOS E ENCARGOS APRESENTADOS PELO CREDOR, CONFORME ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DA SEGUNDA SEÇÃO, SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS (REsp n. 1.418.593/MS). 3. INTERESSE DE AGIR EVIDENCIADO, COM A UTILIZAÇÃO DA VIA JUDICIAL ELEITA PELA LEI DE REGÊNCIA COMO SENDO A MAIS IDÔNEA E EFICAZ PARA O PROPÓSITO DE COMPELIR O DEVEDOR A CUMPRIR COM A SUA OBRIGAÇÃO (AGORA, POR ELE REPUTADA ÍNFIMA), SOB PENA DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NAS MÃOS DO CREDOR FIDUCIÁRIO. 4. DESVIRTUAMENTO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL, CONSIDERADA A SUA FINALIDADE E A BOA-FÉ DOS CONTRATANTES, A ENSEJAR O ENFRAQUECIMENTO DO INSTITUTO DA GARANTIA FIDUCIÁRIA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO (...). (REsp 1622555/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 16/03/2017).

[30]  "(...) para que haja efetivamente um desequilíbrio, algo que pese na reciprocidade das prestações, é necessário que tal inadimplemento seja significativo a ponto de privar substancialmente o credor da prestação a que teria direito. No caso de adimplemento substancial, há um adimplemento bom o suficiente para satisfazer o interesse do credor, pelo que, não há comprometimento com a comutatividade. Haverá, isto sim, com a resolução. (...) Não há falar-se, portanto, em resolução, tampouco em exceção de contrato não cumprido, eis que, nestas circunstâncias, carecem de fundamento"[30].

[31] “Fica evidenciado que a aplicação do adimplemento substancial requer do julgador a apreciação do caso concreto levando em consideração alguns parâmetros tidos por imprescindíveis, são eles: a insignificância do inadimplemento, a satisfação do interesse do credor e a diligência por parte do devedor. Quer dizer, a verificação do inadimplemento deve ser observado em consonância com os princípios da boa-fé objetiva e da equivalência material.” (ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. O Instituto do Adimplemento Substancial e suas repercussões na Teoria Clássica. Coord. FARIAS, Cristiano Chaves de. Leituras Complementares de Direito Civil. Bahia: Jus Podium, 2007. p. 237).

[32] “No adimplemento substancial o essencial da obrigação foi cumprido, sendo substancialmente satisfeito o interesse do credor que, ao pedir a resolução em virtude de incumprimento que não interfere no proveito que tira da prestação não exerce interesse considerado digno de tutela jurídica para o drástico efeito resolutório.” (COSTA, Judith Martins. Op. Cit., 2003, p. 112).

[33] Voto do Ministro Antônio Carlos Ferreira, no Recurso Especial nº 1.581.505 – SC. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/adimplemento-substancial-stj.pdf. Acesso em: 22.fev.2018.

[34] “Examina-se o cumprimento do contrato à luz de sua finalidade e suas cláusulas. Como já enfatizamos nesta obra tal aspecto, tratando-se de infração contratual de natureza leve que não causa prejuízo ao locador , não há impedimento a renovação do contrato de locação (2º TACSP, Ap. c/ Ver. 227.814 – 4ª Câmara, Rel. Juiz Aldo Magalhães, 13-12-88). A gravidade da infração contratual dependerá do caso concreto, do exame à luz das finalidades da ação renovatória e da proteção que ela busca.”(VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. São Paulo: Atlas, 2003. p. 357).

[35] DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 298.

[36] FRANCO, J. Nascimento. GONDO, Nisske. Ação Renovatória e Ação Revisional de Aluguel. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 136.

[37] LOCAÇÃO - AÇÃO RENOVATÓRIA - IMPONTUALIDADE DO LOCATÁRIO - ALUGUÉIS E TRIBUTOS PAGOS COM ATRASO - IRRELEVÂNCIA. Os aluguéis pagos com atraso, mas recebidos pelo locador, não é relevante para o acolhimento de pedido de renovatória do contrato de locação. Não basta a simples leitura da letra fria da lei. O juiz, antes de mais nada, é quem deve interpretar as disposições contidas nos diplomas legais e através do exercício da hermenêutica aplicar o direito de forma sistemática e harmônica, contribuindo para a efetivação da prestação jurisdicional. A infração contratual para gerar o impedimento da renovação tem que ser de natureza grave, assim entendida aquela que significar ao locador um risco pela manutenção do vínculo locatício. Essa é a finalidade da lei, e desse modo deve ser interpretada, sob pena de serem preteridos os princípios gerais de direito que norteiam a atividade judicante. (TJMG, AC. Proc. N. 2.0000.00.363230-4/000, Rel. Des. ALVIMAR DE ÁVILA, 21/08/2002.); "LOCAÇÃO COMERCIAL. RENOVATÓRIA. INFRAÇÃO CONTRATUAL. IMPONTUALIDADE NO PAGAMENTO DO ALUGUEL. IRRELEVÂNCIA. PURGAÇÃO DA MORA ADMITIDA. DESCARACTERIZAÇÃO. Inocorre descumprimento do contrato se o locatário se utiliza da faculdade legal de purgar a mora decorrente de diferenças de alugueres apurados em ação revisional, mormente quando há dúvida quanto aos valores devidos" (TJSP, Ap. c/ Ver. 511.611-00/6, 1ª Câm. do 2º TACivSP, juiz rel. Magno Araújo, j. 29.6.2000.); "LOCAÇÃO COMERCIAL. RENOVATÓRIA. INFRAÇÃO CONTRATUAL. IMPONTUALIDADE NO PAGAMENTO DO ALUGUEL. PROBLEMAS FINANCEIROS TRANSITÓRIOS. DESCARACTERIZAÇÃO. Eventuais atrasos nos pagamentos dos alugueres não descaracterizam o exato cumprimento do contrato de locação comercial, mormente quando tolerados pelo locador em razão de transitórios problemas financeiros do locatário" (TJSP, AI 564.143, 1ª Câm. do 2º TACivSP, juiz rel. Magno Araújo, j. 26.1.1999.).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gabriela Macedo. A aplicação da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais: O adimplemento substancial e a ação renovatória de locação comercial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5356, 1 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64473. Acesso em: 24 abr. 2024.