Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/66701
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A personalidade jurídica dos serviços notariais e de registros e o seu tratamento tributário

A personalidade jurídica dos serviços notariais e de registros e o seu tratamento tributário

||

Publicado em . Elaborado em .

Apresenta-se um estudo sobre o tratamento tributário dispensado ao serviço notarial e de registro, com base na análise de sua personalidade jurídica.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema o tratamento tributário dispensado ao serviço notarial e de registro com base em sua personalidade jurídica. O estudo se propõe a analisar a discussão em torno da personalidade jurídica do serviço notarial e de registro e, consequentemente, se o regime tributário cabível deve ser de Pessoa Jurídica ou Pessoa Física.

Explana-se acerca das diferentes linhas de entendimento sobre a personalidade jurídica do serviço notarial e de registro, com o objetivo de confrontá-las com os divergentes tratamentos tributários dispensados ao serviço notarial e de registro pelos entes tributantes, trazendo esclarecimento sobre a questão.

Para tanto, utiliza-se o método de abordagem dedutivo, pois parte-se de uma análise geral para que se alcance análise de fenômenos particulares.

A técnica de pesquisa utilizada é a revisão bibliográfica e documental, por meio de pesquisa doutrinária, da legislação e de artigos científicos atinentes ao assunto.

Nos pontos iniciais aborda-se as definições de Serviço Notarial e Registro e de Personalidade Jurídica, apresentando não só conceitos como também espécies e legislação acerca dos temas. Destaca-se que o Serviço Notarial e de Registro é de grande importância para a administração da sociedade, tem papel fundamental para a prática de atos e para a organização da vida civil, dando publicidade e, dessa forma, criando obstáculos para condutas ilegais.

Além disso, frisa-se que a personalidade jurídica é a capacidade de adquirir direitos e deveres. Toda pessoa física (natural) que nasce com vida é dotada de personalidade jurídica, já as pessoas jurídicas dotadas de personalidade estão listadas do artigo 40 ao artigo 44 do Código Civil/2002. Essa divisão tem importância na forma de se tributar, pois o regime tributário aplicável às pessoas físicas é diferente do aplicável às pessoas jurídicas.

Seguindo o estudo, apresenta-se o conceito de tributação e os regimes tributários de pessoa física e pessoa jurídica. Mostra-se como se aplica cada regime e sua legislação, que direciona essas formas de tributação. Na sequência, faz-se uma conexão das informações apresentadas para confrontar e clarear as ideias acerca da forma de tributação compatível com o serviço notarial e de registro, que é o foco do presente trabalho.


2 CONCEITO DE PERSONALIDADE JURÍDICA

A Personalidade Jurídica é a capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações, “é a aptidão para ser sujeito de relações jurídicas” (LOUREIRO, 2014); é una, indivisível e irredutível. Existe a personalidade da Pessoa Natural (ou física), que é chamada de personalidade civil, pertencente a todo ser humano e que o torna dotado de direitos e deveres. Ela tem início com o nascimento com vida da pessoa, ou seja, com a primeira respiração e se finda com a morte da pessoa, geneticamente falando se dá quando cessam as atividades cerebrais. Segundo Gonçalves (2013, p. 94), “todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade”. Entende-se juridicamente que “nasce com vida” aquele que nasce e respira pelo menos uma vez. “A morte real é apontada no art. 6º do Código Civil como responsável pelo término da existência da pessoa natural. A sua prova faz-se pelo atestado de óbito” (GONÇALVES, 2013, p. 143). Vale lembrar que a lei guarda desde a concepção os direitos do nascituro, conforme os artigos 1 e 2 do Código Civil “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002).

Há também a Personalidade Jurídica das Pessoas Jurídicas de Direito Público e Privado. Considera-se Pessoa Jurídica o ente criado por lei, o qual o mesmo se atribui personalidade, tornando-se capaz de direitos e obrigações. Deve ser registrada nos moldes da lei, de acordo com o tipo de sociedade, e não pode ter atividade ilícita ou diversa da prevista em seu ato constitutivo.

A personalidade das Pessoas Jurídicas de Direito Público são iniciadas e findadas somente mediante lei que as institua e as extinga. Já a personalidade das Pessoas Jurídicas de Direito Privado se inicia com o registro do ato constitutivo, ou seja, depende da vontade humana, levando-se em consideração os princípios da livre manifestação de vontade e da liberdade de associar e contratar. A personalidade se extingue com a extinção da pessoa Jurídica que ocorre por vontade dos sócios, com baixa no registro ou por sentença judicial.

Destaca-se que o Código Civil/2002, no seu artigo 44, lista as Pessoas Jurídicas de Direito Privado, que são: as associações, fundações, sociedades, organizações religiosas, os partidos políticos e a empresa individual de responsabilidade limitada - EIRELI. As Pessoas Jurídicas de Direito Público são tratadas pelos artigos 41 a 43 do Código, são elas: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, que constituem a administração direta; e as autarquias, as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei, que constituem a administração indireta.       


3 CONCEITO DO SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO

O serviço notarial e de registro é de extrema importância para a vida em sociedade, para a preservação da ordem social, tem papel importante em atos da vida civil, seja no nascimento, no casamento, na emancipação, na compra de um imóvel, no reconhecimento de firma. Serve como uma forma de organizar os atos civis praticados individualmente, publicizando-os, e, dessa forma, dificulta práticas ilegais como a poligamia. É tido como forma de serviço público, pois atende ao interesse público na medida em que substitui o Estado por delegação para exercício de atividades necessárias, por exemplo, à garantia da cidadania. Esse serviço público visa garantir a segurança, a autenticidade e a eficácia dos atos jurídicos.

A definição de serviço público é variada e o conceito não é pacífico na doutrina, mas adota-se nesse artigo a definição de Meirelles (1998, p. 285):

serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.

É possível reconhecer que os serviços notariais e de registros se enquadram no conceito de serviço público trazido por Meirelles, e estão intimamente ligados a necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado. Nessa perspectiva, proporcionam a prática de garantias constitucionais como o exercício da cidadania, o direito de propriedade, a observação da dignidade humana.

Os serviços notariais e registrais são formados pelas serventias extrajudiciais (locais físicos popularmente conhecidos como “cartórios”). A execução desses serviços é prevista pela Constituição Federal em seu artigo 236, que dispõe sobre o caráter privado e a delegação do poder público; em seus parágrafos observa que o ingresso para ser responsável por uma Serventia Extrajudicial será por meio de concurso público e trata de especificar o que deverá ser complementado: lei que discipline a responsabilidade civil e criminal, que regulamente a fiscalização pelo Poder Judiciário, lei federal que estabeleça normas gerais para a fixação dos emolumentos. Em obediência ao comando constitucional, a lei 8.935 de 1994 (Lei dos Notários e Registradores) regula o artigo 236 da Carta Magna e a lei 6.015 de 1973 (Lei dos Registros Públicos) trata do registro civil de pessoas naturais, registro de títulos e documentos, registro de imóveis e suas normas gerais.

O ingresso em serviços notariais e de registros por meio de concurso público deve ser feito por pessoa física, que após nomeação ficará responsável por uma serventia extrajudicial, tornando-se Tabelião ou Notário, Oficial de Registro ou registrador público, dependendo da matéria que caiba à sua serventia. O responsável pela serventia extrajudicial é profissional do direito, dotado de fé pública, delegado do Poder Público.

3.1 Personalidade jurídica do serviço notarial e de registro 

     Os notários e registradores são tidos como verdadeiros colaboradores do Poder Público, uma vez que a delegação é dada direta e pessoalmente a eles para exercerem atividade tipicamente pública. A função do Estado nas funções notariais e registrais é apenas de fiscalização e regulamentação.

O titular cumpre sua função em caráter privado, não perde sua qualidade de particular (BRASIL, 1988). Em nosso ordenamento jurídico não há lei que estabeleça a necessidade de instituição de pessoa jurídica para que o titular exerça a atividade. Portanto, a personalidade não é da Serventia, mas sim do Oficial; a personalização do serviço notarial e de registro se dá a partir do seu titular.

O serviço notarial e de registro “não tem personalidade jurídica e o oficial responde pessoalmente pelos resultados colhidos e pelos prejuízos sofridos” (CENEVIVA, 2010, p. 379); o serviço é ente despersonalizado desprovido de patrimônio próprio, não possui personalidade jurídica e, por isso, não pode ser demandado em juízo. Tomemos como exemplo a ementa a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. CARTÓRIO. ENTE DESPERSONALIZADO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. RESOLUÇÃO SEM MÉRITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. I - Consoante o caput, do art. 557, do Código de Processo Civil, o Relator está autorizado, por meio de decisão monocrática, a negar seguimento ao recurso, na hipótese de manifesta improcedência ou confronto com a jurisprudência dominante da respectiva Corte ou Tribunal Superior. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. II- Na condição de ente despersonalizado e desprovido de patrimônio próprio, a serventia extrajudicial não possui personalidade jurídica nem judiciária que lhe permita figurar no polo ativo ou passivo de uma demanda judicial. Precedentes do Egrégio STJ e da Sexta Turma desta Corte. III- Extinto o processo, sem resolução do mérito, é cabível a condenação do Autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente atualizado na forma da Resolução n. 561/07, do Conselho da Justiça Federal, consoante entendimento adotado pela Sexta Turma, deste Egrégio Tribunal. IV- Agravo da União Federal provido; agravo do Autor improvido. (TRF-3 - APELREE: 63639 SP 1999.03.99.063639-7, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL REGINA COSTA, Data de Julgamento: 17/02/2011, SEXTA TURMA).

Nesse mesmo sentido também já se proclamou o Tribunal de Justiça de São Paulo:

O cartório e a função titulada não são pessoas físicas ou jurídicas; não são entes jurídicos no ordenamento brasileiro, não podendo e nem devendo figurar no polo ativo ou passivo processual. Em realidade não têm personalidade própria e nem são entes patrimoniais, capazes de contrair direitos e obrigações. Entes jurídicos são somente aqueles previstos em lei [...]. Em suma, é mera evocação designativa de um serviço público prestado por particulares, profissionais do direito, e, como tal, insuscetível de figurar ad causam ou ad processum, em qualquer relação de direito, ativa ou passivamente. (Ap. 0078975500 - Palmital - 7ª Câm. Cív., Ac. 3954, DOJSP 25.08.1995).

O titular, por sua vez, é pessoa física e os emolumentos auferidos estão dentro da receita do titular, que recolhe o Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF.


4 TRIBUTAÇÃO 

O Estado precisa para provimento do bem comum e para procurar sanar as necessidades coletivas, captar recursos para manter sua estrutura. Age, em regra, de forma impositiva, ou seja, através de leis que compelem os cidadãos a entregar valores mesmo que contra sua vontade, a fim de atingir seus objetivos para com a sociedade. Essa forma de captar valores é a chamada tributação.

A cobrança de tributos “se mostra como a principal fonte das receitas públicas, voltadas ao atingimento dos objetivos fundamentais, insertos no art. 3º da Constituição Federal” (SABBAG, 2015, p. 35). A Constituição Federal traz em seu texto situações fáticas ou expressões econômicas que, se vierem a ocorrer, criarão o poder e dever legal de tributar e ser tributado.

É necessário dizer que o ato de tributar constitui uma relação jurídica, que contém as seguintes partes: polo ativo (credor) e polo passivo (devedor). O polo ativo consiste nos entes tributantes ou pessoas jurídicas de direito público interno conhecidos por Fiscos – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. No polo passivo está o contribuinte ou o responsável pela contribuição, representado pelas pessoas físicas ou jurídicas (SABBAG, 2015).

4.1 Tributação sobre pessoa física

Os rendimentos recebidos por profissionais autônomos de outras pessoas físicas deverão ser mensalmente tributados a título de imposto de renda, aplicando sobre os rendimentos conseguidos no mês o cálculo do imposto de renda na fonte. O decreto-lei 3.000 de 1999 – Regulamento do Imposto de Renda determina que seja utilizada para esse cálculo a tabela de imposto de renda na fonte.

Ocorre também a tributação pelo imposto de renda nos casos de pagamentos feitos por pessoas jurídicas aos profissionais autônomos. Nesse caso, haverá a retenção do imposto na fonte, sendo aplicada para o cálculo do imposto devido, também, a tabela do imposto de renda na fonte (BRASIL, 1999).

4.2 Tributação sobre pessoa jurídica

As pessoas jurídicas têm por opção ou por determinação legal os seguintes tipos de tributação: Simples, Lucro Presumido, Lucro Real e Lucro Arbitrado (PORTAL TRIBUTÁRIO, 2015).

O Simples é uma forma simplificada de recolhimento de tributos instituído pela Lei Complementar 123/2006. O Simples Nacional pode ser opção para ser utilizado como forma de tributação apenas pelas pessoas jurídicas das microempresas e empresas de pequeno porte. O valor do Simples pode substituir: o imposto de renda de pessoas jurídicas, parcialmente; a contribuição social sobre lucro líquido – CSLL; a contribuição para os programas de integração social e de formação do patrimônio do servidor público – PIS/PASEP; a contribuição para financiamento da seguridade social – COFINS; o imposto sobre produtos industrializados – IPI; as contribuições para seguridade social, dentre outros.

O ICMS e o ISS poderão ser incluídos no Simples, desde que a Unidade Federativa ou o Município em que esteja estabelecida a empresa tenha a ele aderido via convênio (PORTAL TRIBUTÁRIO, 2015).

O Lucro Presumido é a forma simplificada de recolhimento do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e Contribuição Social sobre o Lucro (PORTAL TRIBUTÁRIO, 2015). O artigo 13 da Lei 9.718 de 1998, que trata da legislação tributária federal, diz o seguinte: “A pessoa jurídica cuja receita bruta total no ano-calendário anterior tenha sido igual ou inferior a R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou a R$ 6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos mil reais) multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido”.

Já a tributação Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) - Lucro Real, se dá mediante a apuração contábil dos resultados, com os ajustes determinados pela legislação fiscal (PORTAL TRIBUTÁRIO, 2015). São obrigadas a adotar o Regime do Lucro Real as Pessoas Jurídicas listadas no artigo 14 da Lei 9.718 de 1998, que são as pessoas jurídicas:

I - cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses; II - cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta; III - que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior; IV - que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto; V - que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2° da Lei n° 9.430, de 1996; VI - que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring). VII - que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio (BRASIL, 1998).

O Lucro Arbitrado a receita federal diz que é aquele aplicável pela autoridade tributária quando a pessoa jurídica deixa de cumprir obrigações acessórias relativas à determinação do lucro real ou presumido. Conhecida a receita bruta, desde que ocorrida as hipóteses de arbitramento, o contribuinte poderá efetuar o pagamento do imposto de renda da pessoa jurídica correspondente com base nas regras do lucro arbitrado (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2015). 


5 O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DISPENSADO AO SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO

     As serventias extrajudiciais, como já exposto, não são pessoas jurídicas, nem empresas. A Legislação Federal considera o tabelião e o oficial de registro como pessoas físicas, e que a Unidade pela qual respondem não tem personalidade jurídica (FILHO, 2012). Vale considerar o parágrafo único do art. 966 do Código Civil/2002 que versa nesse mesmo sentido:

Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (BRASIL, 2002).

O artigo 236 da CRFB/1988 diz que os Serviços Notariais e de Registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. E, segundo Filho (2012, p. 40), “não há delegação (...) que envolva pessoa que não seja uma pessoa natural, aquela que como pessoa física responderá pelos atos nos termos do artigo 22 da Lei nº 8.935, de 1994 - Lei dos Notários e Registradores – LNR”.

Além disso, o artigo 236 da CFRB/1988, em seu §3°, ainda institui que o ingresso na atividade notarial será feito mediante concurso público de provas e títulos. “De concursos públicos de provas e títulos para ingresso ou remoção nos serviços notariais e de registro apenas participam as pessoas naturais, aquelas que, se aprovadas, responderão pelos seus atos na condição de pessoa física” (FILHO, 2012, p. 41).

Notários e registradores, portanto, não estão sujeitos às normas tributárias e civis que se aplicam a pessoas jurídicas. O artigo 106 do Decreto n° 3000 de 1999, em seu inciso I, deixa claro que a remuneração dos notários e dos registradores será tributada pelo carnê-leão, que é aplicável às pessoas físicas. Aliás, é importante destacar que os emolumentos, que geram a remuneração dos titulares, são tabelados pelo Estado, estabelecidos e fixados em publicação anual, não podendo o titular interferir nesses valores, conforme previsto no artigo 31 da Lei Federal nº. 8.935 de 1994.

Falcão (2009) fala sobre os diversos entendimentos acerca do serviço notarial e de registro:

A situação jurídica dos cartórios não é muito clara desde os tempos do Império. De um lado são serviços auxiliares do Poder Judiciário, e por este fiscalizados.

De outro, como já decidiu o Supremo, são exercidos em caráter privado, como se fossem uma empresa delegatária de serviço público.

De um lado contratam funcionários em nome do próprio titular, respondem a ações com o próprio patrimônio e pagam imposto de renda como pessoa física.

De outro, pagam o ISS como se fossem pessoas jurídicas. Para complicar, existem cartórios ainda estatizados, cartórios já privatizados mas sob o controle temporário de algum interino a mando do tribunal, e privatizados já sob o comando de alguém que prestou concurso público.

Como se diz no meio: são um ornitorrinco jurídico.

Há uma confusão no entendimento da natureza jurídica dos serviços prestados pelos notários e registradores, e do tratamento tributário aplicável aos serviços notariais e de registro pelo fato de esses terem que se inscrever no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e por causa da possibilidade de cobrança de ISS sobre eles, cobrança essa aplicada por muitos municípios.

Porém, segundo Zampieri e Santos (2015), a própria Secretaria da Receita Federal dispôs sobre o tema de forma que não considera os serventuários como pessoa jurídica na Solução de Consulta n° 194, de 24 de maio de 2004:

TABELIÕES, NOTÁRIOS E OFICIAIS PÚBLICOS - DISPENSA DE RETENÇÃO. Não estão obrigadas a efetuar a retenção a que se refere o art. 30 da Lei n.º 10.833, de 29.12.2003 os serventuários da justiça, como tabeliões, notários e oficiais públicos, que embora tenham inscrição no CNPJ, não são equiparados a empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda.

O artigo 20 da Lei dos Notários e Registradores/1994 dispõe sobre a contratação dos empregados, e o CNPJ serve somente para regular essa contratação de acordo com o regime da legislação de trabalho, conforme pede o artigo.

Com efeito, cabe salientar que há um entendimento dominante de que o serviço notarial e de registro não é pessoa jurídica por não estar citado no artigo 44 do Código Civil e não se enquadrar em nenhum dos tipos citados no referido artigo. Fundamentando o que foi dito, segue a posição de Filho (2012, p. 41): “O artigo 106 do RIR/99 estabelece que ‘...está sujeito ao pagamento mensal do imposto a pessoa física que receber de outra pessoa física ou de fontes situadas no exterior, rendimentos que não tenham sido tributados na fonte no país, tais como: Inciso I - os emolumentos e custas dos serventuários da justiça como tabeliães, notários e oficiais públicos’”.

A receita federal faz exigência para que os tabeliões e notários se registrem no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, mesmo não sendo um ente dotado de personalidade jurídica. Dessa forma, o tabelião e notário tem inscrição de CPF, de CNPJ e, ainda é obrigado a obter um número no CEI (Cadastro Específico do INSS) para fins de recolhimento de contribuições tributárias referentes aos empregados.

A inscrição da pessoa física, CPF, deve ser utilizada para qualificação do tabelião e notário em contratos, e para que seja identificado como sujeito passivo de obrigações tributárias ou de obrigações acessórias. Já o CNPJ é utilizado para apresentação de DOI – Declaração sobre Operações Imobiliárias, que é uma obrigação tributária acessória utilizada para apoiar a fiscalização e arrecadação do recolhimento do imposto de renda sobre ganhos capitais, em especial na alienação de bens imóveis (FILHO, 2012). Outro momento em que é utilizada a inscrição do CNPJ é com relação a cumprimento de obrigações principais e acessórias que se relacionem com ISSQN.

O relacionamento do Notário e do Registrador com o direito tributário é muito intenso, eles são importantes contribuintes, substitutos e responsáveis tributários.  Nota-se que eles são contribuintes de uma alta carga tributária com o IRPS e o ISSQN e Contribuições Previdenciárias. Podem ser substitutos por decorrência de lei pelo recolhimento de tributos que tenham sido descontados ou retidos pelo contribuinte a quem paga rendimentos, e, por fim, são responsáveis, quando que para prática de atos de ofício e necessário a apresentação de comprovante de pagamento de tributos devidos por seu usuário, como exemplo o ITCD e o ITBI.

A ADI nº 3.089-DF do Supremo Tribunal Federal pacificou a tese da tributação dos notários e dos registradores. Entretanto, com base em todas as informações expostas, este estudo comunga do entendimento de Filho no sentido de lamentar o fato de muitos dos municípios brasileiros não conseguirem fazer uma leitura adequada dos fundamentos que foram expostos, “tributando o ISSQN como se ‘cartórios’ fossem entes dotados de personalidade jurídica ou como que notários e registradores não fossem pessoas físicas” (FILHO, 2012, p. 43). Filho (2012, p. 43) ainda argumenta que

há uma regra legal pontual, própria para as pessoas físicas, na legislação do ISSQN, que tem como destinatários os contribuintes que prestam serviços com pessoalidade, como fazem os notários e os registradores brasileiros. Texto normativo ignorado por muitos municípios e, pasmem, pelo Poder Judiciário, inclusive pela Superior Corte de Justiça.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo apresentado neste artigo teve o intuito de debater e esclarecer acerca do regime tributário aplicável ao serviço notarial e registral. Foi possível observar que o Serviço Notarial e de Registro é delegado pela união às pessoas físicas por expressa previsão constitucional. Além disso, possui leis próprias que regulam o seu funcionamento.

Foram estudados conceitos de personalidade, de tributos, espécies de regimes tributários para que se pudesse chegar a um esclarecimento de como funciona a tributação no serviço notarial e de registro.

Através dessa exposição de informações, percebeu-se que o serviço notarial e de registro não possui personalidade jurídica, e, apesar de ser detentor de CNPJ, não é considerado pessoa jurídica, pois a utilização do CNPJ é apenas para facilitar a fiscalização do cumprimento de obrigações tributárias e trabalhistas deste ente.

Foi visto ainda que, além do CNPJ, o notário e registrador ainda utiliza da sua inscrição no cadastro de pessoa física – CPF para atos de seu trabalho, e que ainda deve se inscrever no CEI – Cadastro Específico do INSS para fins de contribuições previdenciárias.

Diante de toda a pesquisa e estudo realizados, concluiu-se que há uma dualidade de regimes tributários sendo aplicada ao serviço notarial e de registro e surge como interessante a ideia de uma regulamentação que venha dirimir todas as dúvidas com relação a este tema.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. APELREE: 63639 SP 1999.03.99.063639-7. Desembargadora Federal Regina Costa. São Paulo, 17/02/2011. JusBrasil. Disponível em: <http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18310931/apelacao-reexame-necessario-apelree-63639-sp-19990399063639-7-trf3>. Acesso em 23 maio 2015. 

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ap. 0078975500. Palmital, 25/08/1995. JusBrasil. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/11035739/pg-179-capital-1-grau-diario-de-justica-do-estado-do-rio-grande-do-sul-djrs-de-26-08-2010>. Acesso 24 maio 2015. 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 24 maio 2015.

BRASIL. Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Lei n° 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (lei dos cartórios). Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8935.htm>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Lei n° 9.718, de 27 de novembro de 1998. Altera a Legislação Tributária Federal. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9718.htm>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Decreto n° 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3000.htm>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>. Acesso em 25 maio 2015.

CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada: lei n. 8.935/94. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

FALCÃO, Joaquim. Quanto ganha um cartório? ARPEN SP, 03 de novembro de 2009. Disponível em <http://www.arpensp.org.br/?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MTA0MTg=>. Acesso em 28 maio 2015.

FILHO, Antônio Herance. Regime tributário aplicável ao tabelião e ao oficial de registro: pessoa física ou pessoa jurídica? Revista Direito notarial e de registro, n° 25, julho de 2012, p. 40.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 5 ed. São Paulo: Método, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23 ed. São Paulo: RT, 1998.

PORTAL TRIBUTÁRIO. Imposto de renda – pessoa jurídica. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/tributos/irpj.html>. Acesso em 26 maio 2015.

PORTAL TRIBUTÁRIO. IRPJ – lucro real. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/guia/lucro_real.html>. Acesso em 26 maio 2015.

PORTAL TRIBUTÁRIO. Simples nacional – aspectos gerais. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/guia/simples.html>. Acesso em 26 maio 2015.

PORTAL TRIBUTÁRIO. Tributação pelo lucro presumido. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/guia/lucro_presumido.html>. Acesso em 26 maio 2015.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Lucro arbitrado. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/DIPJ/2005/PergResp2005/pr556a585.htm>. Acesso em 26 maio 2015.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

ZAMPIERI, Marcelo Carlos; SANTOS, Lilian Ana Martins dos. Tributação de notários e tabeliões. Recivil. Disponível em <http://www.recivil.com.br/preciviladm/modulos/artigos/documentos/Artigo%20-%20Tributa%C3%A7%C3%A3o%20de%20not%C3%A1rios%20e%20tabeli%C3%B5es.%20A%20possibilidade%20da%20tributa%C3%A7%C3%A3o%20do%20ISS%20sobre%20valor%20fixo%20na%20forma%20do%201%C2%BA,%20do%20artigo%209%C2%BA.pdf>. Acesso em 26 maio 2015.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, João Pedro Ribeiro; LEITE, Maria Vitória Oliveira Dias Ribeiro et al. A personalidade jurídica dos serviços notariais e de registros e o seu tratamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5496, 19 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66701. Acesso em: 26 abr. 2024.