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Direitos da personalidade.

O direito à intimidade sexual

Direitos da personalidade. O direito à intimidade sexual

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"Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto, que não se deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de fazer ler, mas de fazer pensar"

(Montesquieu)


SUMÁRIO: 1. Breves considerações sobre os direitos da personalidade — 2. O direito à intimidade — 3. Direito à intimidade sexual — 4. Homossexualidade omosseHoimos — 5. Transexualismo, intersexualismo e homossexualismo — 6. A evolução da família — 6.1. Direito Romano — 6.2. Direito Canônico — 6.3. No Brasil — 6.4. Família e entidade familiar — 7. Os posicionamentos na doutrina brasileira — 8. A jurisprudência pátria — 9. Direitos atribuídos às pessoas que vivem em união homoafetiva — 10. A união homossexual no direito brasileiro.


1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Antes de fazer quaisquer considerações acerca do direito à intimidade sexual, cumpre analisar, prima facie, os direitos da personalidade porque estes estão ligados ao íntimo do ser humano, de modo inseparável, de tal modo que a pessoa não existiria sem eles.

O direito da personalidade está ligado ao corpo vivo ou morto, sendo indisponível; podendo, porém, ocorrer a disponibilidade desse direito desde que, a par da manifestação expressa da vontade de seu titular, sejam resguardadas as limitações impostas pelas normas de ordem pública.

A idéia de personalidade está intimamente ligada à pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direito e contrair obrigações.

Deste modo, a personalidade é, então, um atributo da pessoa humana, o qual está a ela indissoluvelmente ligada. Esse atributo é imposto pelo ordenamento jurídico e compreende "o complexo valorativo intrínseco (intelectual e moral) e extrínseco (físico) do ente, alcançando a pessoa em si, ou integrada à sociedade, mas em termos de consideração, de conceituação, ou de apreciação". (1)

Com a construção jurídica do conceito de personalidade e da evolução da palavra persona não foram sistematizados, inicialmente, os direitos da personalidade.

Assim é que, em Roma, a personalidade era restrita apenas àqueles que reunissem status (2), pois ela era considerada um privilégio. Exemplificando: o escravo, por não ser livre, não era considerado homem, era tido como um simples ser e, não sendo sujeito de direito, era equiparado à coisa ("res") e, da mesma maneira, eram tratados os homens que apresentassem alguma deformidade física, como também as mulheres.

Somente no final do século XIX é que os juristas alemães sistematizaram os direitos da personalidade.

Após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência do menosprezo à dignidade humana e à personalidade levado a cabo pelo Estado Nazista, a jurisprudência passou a reconhecer, com base na Constituição, o chamado Direito Geral da Personalidade, um direito à não lesão da pessoa em todas as suas manifestações imediatas dignas de proteção.

A própria denominação de direitos da personalidade é causadora de polêmica, pois às vezes é confundida com os direitos subjetivos públicos, ou, ainda, com os direitos fundamentais, ora direitos humanos. Os direitos da personalidade também, por muito tempo, foram tratados pelo Direito Público.

Todos os direitos que se destinam a dar conteúdo à personalidade poderiam chamar-se direitos da personalidade. No entanto, na linguagem jurídica moderna, esta designação é reservada aos direitos subjetivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível para o seu conteúdo. Isto significa que, sem determinados direitos, a personalidade se quedaria vazia, inane, irrealizada, privada de todo o valor concreto, ou seja, direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo, o que equivaleria dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São os chamados direitos essenciais com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade.

É plenamente justificada a denominação de direitos da personalidade reservada aos direitos essenciais por se constituírem na medula, no cerne da personalidade.

Cabe trazer à colação o magistério de Orlando Gomes (3) quando ensina:

Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade.

Na lição de Carlos Alberto Bittar (4):

Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos do homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos."

É de Maria Helena Diniz (5) o ensinamento de que os direitos da personalidade são:

os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).

Assim, a personalidade é parte do indivíduo, a parte que lhe é intrínseca, pois é através dela que a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens.

Vários são os nomes usados na doutrina para nomear os direitos da personalidade, como, por exemplo, direitos humanos, direitos essenciais da pessoa, direitos personalíssimos, direitos subjetivos essenciais, direitos privados da personalidade, direitos subjetivos de caráter privado e não patrimonial, direitos individuais, direitos inatos, direitos do homem, direitos fundamentais da pessoa, direitos da personalidade, de modo que cada autor apresenta uma denominação diferente e isto ocorre porque examinam a questão sob diferentes aspectos doutrinários.

Para fins didáticos poder-se-ia nomeá-los em dois grupos: direitos fundamentais e direitos da personalidade, de modo que ambos, sendo os mesmos direitos, pudessem ser analisados sob ângulos de diferentes relações, a saber:

a) Os direitos fundamentais teriam como objeto as relações de direito público, protegendo o indivíduo do Estado e constituiriam os direitos físicos do homem, enumerando-se aqui os direitos à vida, à liberdade, à integridade física, às partes do corpo, o direito de ação.

b) Nos direitos da personalidade estariam os direitos que tratam as relações entre particulares, da defesa do homem contra outros, abrangendo os aspectos intelectual e moral da pessoa, estando aqui incluídos os direitos à honra, ao nome, à própria imagem, à liberdade de consciência e de religião, à liberdade de expressão, à privacidade, dentre outros.

Em nossa doutrina não existe uma classificação pacífica (6) dos direitos da personalidade. Apesar das reconhecidas dificuldades para a elaboração da classificação, alguns doutrinadores o fizeram e "certamente, por conta desta multiplicidade de classificações, encontram-se algumas divergências." (7).

Para o mestre Pontes de Miranda (8) são assim classificados:

o direito à vida; o direito à integridade física; o direito à integridade psíquica; o direito à liberdade; o direito à verdade; o direito à igualdade formal; o direito à igualdade material que enseja na Constituição; o direito de ter o nome e o direito ao nome, aquele inato e esse nato; o direito à honra; o direito autoral de personalidade.

Para o estudo dos direitos da personalidade é também necessário que se estabeleça o seu conceito.

Ocorre que, embora de grande valia para o estudo de qualquer tema, a tarefa para se conceituar os direitos da personalidade tem sido árdua.

A busca pelo conceito exato prima-se pela necessidade de clareza para se estabelecer o ponto de partida do estudo. Com isso, até os mais renomados autores tem convivido com a diversidade acerca da conceituação (9), que decorre de divergências doutrinárias quanto à sua extensão, ao caráter novo de sua construção teórica e, sobretudo, em razão da ausência de sua conceituação abrangente e definitiva.

Afirma Zulmar Antonio Fachin (10), que os doutrinadores Rubens Limongi França e Orlando Gomes chegam a denominar os direitos da personalidade como "direitos privados da personalidade", enquanto Miguel Maria de Serpa Lopes os denomina de "substanciais direitos privados da personalidade", asseverando, ainda, que "outros conceitos, no entanto, revelam uma conotação pública dos direitos da personalidade. Tais direitos devem ser protegidos, não apenas contra os ataques dos indivíduos, mas, também, e sobretudo, contra o arbítrio do Estado".

Cumpre assinalar, por fim, que os direitos da personalidade apresentam outras características como o fato de serem originários, intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, vitalícios e oponíveis erga omnes, porque "trata-se de direitos inerentes à pessoa e dotados de certas particularidades que limitam a própria ação do titular (como, v.g., a irrenunciabilidade, a imprescritibilidade, a intransmissiblidade e a impenhorabilidade); efetivamente, ele não pode eliminá-los através do ato de vontade sendo-lhe facultado, contudo, deles dispor, privativamente, em dadas ocasiões (a título de ilustração, mencione-se o direito à imagem, cuja disponibilidade, aliás, deve respeitar os limites impostos pela vontade do titular)." (11)

Essas características estão acima da própria vontade do titular do direito, uma vez que seus poderes não podem ser renunciados. Isto decorre do fato de que o objeto desses direitos é o homem individualizado, a pessoa com características próprias e únicas, sendo tais direitos ínsitos, inerentes, dessa pessoa.

Poder-se-ia indagar: E quanto ao consentimento dado por uma pessoa para que se faça uso da sua própria imagem?

Simples. É que esse consentimento não desvirtua aquelas características já citadas, pois que se trata simplesmente do exercício de faculdade inerente ao titular e, por depender da expressa manifestação de vontade, condena-se o uso da imagem feito por terceiros desautorizados ou qualquer outra forma que viole esta questão particular.

De outro lado, por serem os direitos da personalidade oponíveis erga omnes, a majoritária doutrina os relaciona como absolutos, ao lado dos direitos reais. Ou seja, todos estão obrigados, inclusive o Estado.

Assim, por serem direitos absolutos, os direitos da personalidade diferenciam-se dos demais direitos, porque toda pessoa está obrigada a conservar e respeitar seus próprios direitos humanos, para que ninguém possa atentar contra sua vida, seu corpo, sua saúde, sua honra, etc.


2. O DIREITO À INTIMIDADE

O Direito Constitucional anterior, em nada tratou especificamente sobre a privacidade, em especial, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 e as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967.

Todavia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), em seu artigo II, inciso XII, assegura que:

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 arrola o que ela denomina de direitos e deveres individuais e coletivos. Não menciona aí as garantias dos direitos individuais, mas elas estão lá. Esse dispositivo começa a enunciar o direito à igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Embora seja uma declaração formal, não deixa de ter sentido especial essa primazia ao direito de igualdade. Em seguida, o dispositivo assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

E já noutro dispositivo, a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem pessoal. Assim, é que, em seu inciso X do artigo 5º, a Constituição Federal pontifica:

são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Portanto, erigiu, expressamente, esses valores humanos à condição de direito individual, mas não os fez constar do caput do artigo. Isto leva à conclusão de que esses valores (a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem) constituem um direito conexo ao direito à vida, este preconizado no caput do art. 5º da CF/88.

O direito à intimidade é quase sempre considerado como sinônimo do direito à privacidade. Esta é a terminologia do direito anglo-americano. A nossa recente Carta Constitucional distinguiu a mesma situação com dois nomes distintos, quando se sabe que a intimidade do cidadão é sua vida privada, no recesso do lar. A tutela constitucional, assim, visa proteger as pessoas de dois atentados particulares, ou seja, ao segredo da vida privada (direito à intimidade) e à liberdade da vida privada (direito à vida privada).

Intimidade é o status ou situação daquilo que é intimo, isolado, só.

Há um direito ou liberdade pública de se estar só, de não ser importunado, devassado, visto por olhos estranhos. A noção de intimidade ou de vida privada é vinculada à noção relativa e subjetiva de espaço e tempo, o que explica a dificuldade do tema.

Segundo René Ariel Dotti (12) "a intimidade se caracteriza com a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais".

Para Adriano de Cupis (13) "a intimidade como o modo de ser da pessoa, consiste na execução do conhecimento de outrem do quanto se refira à pessoa mesma".

Intimidade revela, assim, a esfera secreta da pessoa física, sua reserva de vida, mantendo forte ligação com a inviolabilidade de domicílio, com o sigilo de correspondência e com o segredo profissional.

Convém assentar, afinal, que, embora em algumas situações os direitos à intimidade, à honra e à imagem possam aparecer entrelaçados, estes não podem ser confundidos. Tanto é que, com o direito à intimidade, o legislador visa proteger o indivíduo da intromissão alheia na sua vida particular; com o direito à honra busca-se preservar a personalidade de ofensas que a depreciem ou ataquem sua reputação e com o direito à imagem procura-se coibir a exposição indevida da imagem da pessoa.


3. DIREITO À INTIMIDADE SEXUAL

A segurança da inviolabilidade da intimidade e da vida privada é a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual, como direito personalíssimo, atributo inerentes e inegável da pessoa humana.

A espécie humana foi a única em que já ocorreu a separação psíquica e física entre o ato sexual prazeroso e a função procriativa.

Dessa separação, e na própria medida em que ela ocorreu, nasceu a liberdade de orientação sexual, que se tornou inerente à espécie humana.

Indivíduos de ambos os sexos passaram a ter a opção de tecer e suster uma relação sexual além da simples necessidade de reprodução, inclusive com pessoa do mesmo sexo, o que não afronta os conceitos das sociedades historicamente desenvolvidas.

Todos dispõem da liberdade de optar, desimportando o sexo da pessoa eleita, se igual ou diferente do seu.

Se um indivíduo nada sofre ao se vincular a uma pessoa do sexo oposto, mas recebe o repúdio social por dirigir seu desejo a alguém do mesmo sexo, está sendo discriminado em função de sua orientação sexual.

Como orientação sexual só é passível de distinção diante do sexo da pessoa escolhida, é direito que goza de proteção constitucional ante a vedação de discriminação por motivo de sexo.

O gênero da pessoa eleita não pode gerar tratamento desigualitário com relação a quem escolhe, sob pena de estar diferenciando alguém pelo sexo que possui: se igual ou diferente do sexo da pessoa escolhida.

Dito impedimento discriminatório não tem exclusivamente assento constitucional. Está posto na Convenção Internacional Americana de Direitos Humanos e no Pacto de San José, dos quais o Brasil é signatário. Como preceitua o § 2º do art. 5º da CF (14), são recepcionados por nosso ordenamento jurídico os tratados e convenções internacionais, A ONU tem entendido como ilegítima qualquer interferência na vida privada de homossexuais adultos, seja com base no princípio de respeito à dignidade humana, seja pelo princípio da igualdade.

A orientação que alguém imprime na esfera de sua vida privada não admite restrições a quaisquer direitos.

Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está incluída a opção sexual que se tenha.

Havendo identidade, ainda que meramente biológica, de sexos do par e comprovando-se uma convivência duradoura, pública e contínua, cumprindo os parceiros com os deveres de lealdade, fidelidade e assistência recíproca numa verdadeira comunhão de vida, há que se reconhecer formarem eles uma união estável homoafetiva, não se pode desconhecer esse fatos com as barreiras do preconceito e da hipocrisia.


4) HOMOSSEXUALIDADE

Na Idade Média, em face da influência das concepções religiosas, a Medicina considerou a homossexualidade uma doença, uma enfermidade que acarretava a diminuição das faculdades mentais, uma mal contagioso decorrente de um defeito genético.

Talvez por isso, nas culturas ocidentais contemporâneas, a homossexualidade tem sido até então a marca de um estigma.

Durante anos a Medicina pesquisou o sistema nervoso central, os hormônios, o funcionamento do aparelho genital e nada encontrou de diferente entre homo e heterossexuais.

Tentou mudar o comportamento humano tido como desviante usando os mais diversos métodos, mas todos os resultados foram nulos.

Abandonada a idéia de ver a homossexualidade como doença, passou a ser encarada como uma forma de ser diferente da maioria, que se diferencia apenas no relacionamento amoroso e sexual.

A Classificação Internacional das Doenças – CID que existe há pouco mais de um século, identificava o homossexualismo como um "DESVIO OU TRANSTORNO SEXUAL".

Em 1993, a OMS (Organização Mundial de Saúde) inseriu-o no Capítulo "Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais".

Na 10ª revisão do CID-10, em 1995, foi nominado de "TRANSTORNOS DA PREFERÊNCIA SEXUAL"

O sufixo ismo (que designa doença) foi substituído pelo sufixo dade (que significa modo de ser).Depois de quase 20 anos, o homossexualismo deixa de ser doença.

O fato é que a ciência tem pouco a explicar e ainda trata a homossexualidade como um enigma. As conclusões científicas têm sido sempre cientificamente refutadas. Parece que a explicação reside alhures, entre o inato e o adquirido.


5. TRANSEXUALISMO, INTERSEXUALISMO E HOMOSSEXUALISMO

Nessa linha invoca-se em 1º lugar o art. 1º, inc. III, da CFR que elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos princípios constitucionais fundamentais que orientam a construção e a interpretação do sistema jurídico brasileiro. Lembrando as angústias do transexual, que convive com problemas na escola, no trabalho, na vida social, no lazer e em suas relações amorosas, tudo decorrente da falta de identificação, da impossibilidade de aceitar a pp. condição, entre seu sexo real e o sexo desejado, o que implica em verdadeiro martírio, é de se questionar: Este modo aflitivo e conflituoso de vida é aquele que proclama o princípio da dignidade da pessoa humana? Ora, esse modo de vida angustiante só gera indignidade, que só poderá ser resolvida por intermédio da cirurgia de redesignação de sexo.

Outro alicerce constitucional é aquele primado no art. 3º, inciso IV, da CF, que estabelece que o objetivo fundamento do estado brasileiro é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ora, buscar o bem comum, ou seja, o bem de todos, é ir de encontro à felicidade e não se pode falar de felicidade em geral, mas da felicidade de cada ser humano.

Pode-se acrescentar, ainda, que o art. 5º, inc. X, estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, e se se exigir que a pessoa se comporte de forma que sua intimidade seja aviltada, configuraria uma agressão à própria carta constitucional.

Exemplificando a idéia: Pode-se exigir que um transexual masculino, o qual, repita-se, efetivamente se considera uma mulher, use o banheiro público destinado aos homens? Ou que ao ser internado para tratamento de saúde fosse instalado em enfermaria coletiva masculina? Ou então qdo. preso, que fosse encarcerado em estabelecimento prisional destinado a homens? Isso não viola sua intimidade?

Além disso a Constituição Federal estabeleceu, no seu artigo 199, § 4º, que a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos ou substâncias humanas para fins de transplantes, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

O diploma legal a regulamentar tal dispositivo constitucional foi a Lei nº 9.434, de 4/2/1997, que NADA estabeleceu acerca do transgenitalismo. Como a lei não proibiu expressamente tal prática cirúrgica, se ela for considerada como "tratamento" estaria legitimada pela norma constitucional, que é mais ampla.

De outra parte, para contornar a incidência do art. 129, § 2º, II e IV, do CP, parcela significativa da doutrina tem entendido que esta modalidade de intervenção cirúrgica não constitui crime, porque o estado de necessidade, acrescido ao consentimento do paciente, à ausência de dolo do médico e ausência de tipo, completam os pressupostos necessários para excluir a operação de mudança de sexo dos delitos de lesões corporais.

Nessa linha, já decidiu o E.TACRIM.SP.: LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE – Perda ou inutilização de membro, sentido ou função – Cirurgia realizada gratuitamente pelo acusado na vítima – transexualismo – abalação de órgãos genitais masculinos e abertura, no períneo, mediante incisão, de fenda, à imitação de vulva postiça – correção cirúrgica recomendada por renomados psiquiatras, endocrinólogos, psicólogos e geneticistas e tida como viável, sob o ponto-de-vista legal, por eminente jurista – ausência, pois de dolo – absolvição decretada – declaração de voto vencido – inteligência do art. 129, § 2º, III, do CP (RACRIM-RT 545/355).

Tem-se, por fim, que o Conselho Federal de Medicina, através a Resolução nº 1.482, de 10 de setembro de 1997, autorizou,a título experimental a realização de cirurgias de mudança de sexo em todo o Brasil, limitando porém a prática a hospitais universitários que desenvolvam atividades de pesquisa e a hospitais públicos adequados à pesquisa.

Tal Resolução, contudo, exige, em linhas gerais, a presença dos seguintes pressupostos para que a cirurgia de redesignação de sexo seja realizada:

a) Caracterização do paciente como transexual, de acordo com os seguintes critérios: existência de desconforto com o sexo anatômico natural; desejo expresso de reversão sexual, com eliminação das genitálias, perda das características primárias e secundárias do próprio sexo e obtenção das do sexo oposto;

b) permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos e ausência de outros transtornos mentais;

c) realização de avaliação nos pacientes, candidatos à intervenção cirúrgica de transgenitalismo, por equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, por cirurgião, por psicólogo e por assistente social, após dois anos de acompanhamento conjunto;

d) ser o paciente portador de diagnóstico médico que o identifique como transexual;

e) ser o candidato à intervenção cirúrgica maior de 21 anos;

f) ocorrer a ausência de características físicas inapropriadas para autorizar a cirurgia,

h) haver consentimento livre e esclarecido do paciente para se submeter à operação cirúrgica de mudança de sexo.

Convém, ressaltar, porém, que tal Resolução, apontada como um avanço nesta matéria, não vincula o Poder Judiciário, consistindo em norma aplicável apenas no âmbito do Conselho que a instituiu, para resolver questões ligadas à ética médica.

Com base em tudo quanto foi aqui exposto é que renomados juristas vêm defendendo que o ordenamento jurídico brasileiro já permite a cirurgia de mudança de sexo, de forma que não haveria ilicitude em sua prática.


6. A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

6.1. DIREITO ROMANO

Pater famílias – direito de vida ou de morte formando a família uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional.

A idéia romana do casamento é diferente da dominante em nossos dias.

Para os romanos a affectio era um elemento necessário para o casamento que não deveria existir apenas no momento da celebração do casamento, mas enquanto este perdurasse. O consentimento das partes não devia apenas ser inicial mas continuado.

Assim, a ausência de convivência, o desaparecimento da afeição eram, por si só, causas necessárias para a dissolução do casamento.

Justiniano tentou restringir as causas de divórcio, só o permitindo em casos especiais, mas pouco depois voltava a ser admitido pelo direito romano o divórcio por consenso mútuo. A mesma vontade que fizera o casamento, pensavam os romanos, podia desfazê-lo.

6.2. DIREITO CANÔNICO

Os canonistas opuseram-se ao divórcio, considerando-o um instituto contrário à própria índole da família e ao interesse dos filhos cuja formação prejudica.

Sendo o matrimônio não apenas um contrato, um acordo de vontades, mas também um sacramento, não podiam os homens dissolver a união realizada por Deus: quod Deus conjunxit homo non separet.

Tanto no Velho como no Novo Testamento encontramos a idéia de que o marido e a mulher constituem uma só carne (Gênesis, 2,24 e Evangelho de São Mateus 19,6).

Durante a Idade Média as relações de família se regiam exclusivamente pelo direito canônico, sendo que, do século X ao século XV, o casamento religioso era o único conhecido.

Na doutrina canônica, o matrimônio é concebido como sacramento, reconhecendo-se a indissolubilidade do vínculo e só se discutindo o problema do divórcio em relação aos infiéis, cujo casamento não se revestia do caráter sagrado do casamento católico.

O divórcio não era concedido mesmo no caso de adultério, de ausência ou de cativeiro.

Coube ao direito canônico destacar a importância das relações sexuais no casamento. Assim, o casamento se realizava pelo consenso, declarando as partes a sua vontade, normalmente em público e na presença de sacerdote, tornando-se perfeito com a cópula carnal.

O direito canônico constituiu o quadro dos impedimentos para a realização do casamento abrangendo causas baseadas numa incapacidade (idade, diferença de religião, impotência, casamento anterior), num vício de consentimento (dolo para obter o consentimento matrimonial, coação ou erro quanto à pessoa do outro cônjuge) ou numa relação anteior (parentesco, afinidade).

Promulgado pelo Papa João Paulo II, em 25/1/1983, entrou em vigor em 27/11/1983, o novo Código de Direito Canônico, trouxe alterações em matéria de matrimônio: a não concessão do divórcio mesmo em caso de adultério, evoluiu para a elaboração da teoria das nulidades ou da regulamentação de separação de corpos e de patrimônios (divortium quoad thorum et mensam), que extingue a sociedade conjugal, sem todavia dissolver o vínculo.

A diferença entre a separação do DIREITO CANÔNICO e o divórcio do DIREITO ROMANO OU JUDAICO reside no fato de que a separação, para o DIREITO CANÔNICO, não importa na dissolução do vínculo e por ser um ato judiciário da autoridade religiosa, enquanto que, em ROMA e para os HEBREUS, constituía um ato privado contra o qual a parte prejudica podia recorrer à autoridade judiciária.

O grande problema, que surge no fim da Idade Média, é o conflito entre os tribunais civis e religiosos, inicialmente quanto a certos aspectos patrimoniais do direito de família e, em seguida, em relação aos seus efeitos pessoais.

Para os protestantes, a competência em matéria de direito de família devia pertencer ao Estado, não se justificando a atribuição de caráter sagrado ao casamento. Tratando-se de um simples ato da vida civil, de um contrato natural, nada impedia que a vontade dos cônjuges dissolvesse o vínculo matrimonial, no entender da religião reformada.

Como reação dos meios católicos, instituiu-se o Concílio de Trento (1542-1563) que reformou solenemente o caráter sacramental do casamento, reconhecendo a competência exclusiva da Igreja e das autoridades eclesiásticas em tudo que se relacionasse com o casamento, a sua celebração e a declaração de sua nulidade. Caracterizou-se ainda o casamento como ato solene, devendo ser precedido de publicidade e só se permitindo a coabitação dos nubentes após terem recebido a benção nupcial. O sacerdote é considerado como testemunha necessária e não como ministro do sacramento, tendo a obrigação de manter um registro de casamento pelo qual se prova o matrimônio.

Entretanto, fortalecendo-se a autoridade do rei e voltando a dominar o mundo, pela 2ª vez, o DIREITO ROMANO, na época do renascimento, o Estado reivindicou a competência para julgar as questões referentes ao direito de família.

Os países reformados tiverem que elaborar uma legislação própria para o direito de família e exerceram assim importante influência sobre os países católicos, alguns dos quais, como a

França, não tendo recebido o Concílio de Trento, se viram na contingência de criar novas normas para a matéria.

O acordo entre a Igreja e o Estado se realiza, então, na luta comum contra os casamento clandestinos, na exigência de uma publicidade prévia e da presença de testemunhas no ato, conquistas que se incorporaram definitivamente ao DIREITO MODERNO.

O problema das minorias não católicas leva o Estado a admitir, ao lado do casamento religioso, o casamento civil, instituído na França em 1767.

Em sua técnica, o direito leigo de família conservou, todavia, os conceitos básicos elaborados pela doutrina canônica, que ainda hoje encontramos no próprio direito brasileiro.

6.3. NO BRASIL

Até meados do século XIX observou-se as disposições do Sagrado Concílio Tridentino, autorizadas em Portugal pelo alvará de 12.9.1564.

Ainda em Portugal, em 1595 foi determinada a Compilação das Ordenações Filipinas que a Lei de 11/1/1603 mandou observar.

No Brasil, a Lei de 20/10/1823 manteve em vigor a legislação portuguesa, consubstanciada nas Ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos e resoluções, inclusive o Concílio Tridentino, enquanto não se organizasse um novo código e não fossem tais disposições especialmente revogadas ou alteradas.

Em meados do século XIX surgiu entre nós uma legislação especial referente ao casamento dos acatólicos: Lei 1.1434, de 11/9/1861, que deu efeitos civis aos casamentos religiosos realizados pelos não católicos desde que estivessem devidamente registrados.

O Dec. 3.069, de 17/4/1983, regulamentando a Lei de 1861, estabeleceu dentre outras normas básicas que a única prova do matrimônio admitida pelo decreto citado era a certidão passada pelos respectivos ministros ou pastores, esclarecendo o texto que: "Nenhuma outra prova será admissível ainda que se apresente escritura pública ou particular de contrato de casamento e tenha os contraentes vivido no estado de casado"

Essa legislação imperial conservou, pois, na regulamentação do casamentos dos acatólicos, a técnica jurídica do direito canônico inspirada nas decisões do Concílio de Trento.

Na mesma época, as idéias liberais se impõem e surgem as reivindicações referentes à separação do Estado e da Igreja e ao casamento civil.

A proclamação da República teve como corolário a desvinculação da Igreja em relação ao Estado. 1ª constituição republicana, no seu art. 72, § 4º, esclareceu que só reconhecia o casamento civil cuja celebração será gratuita.

A regulamentação do casamento civil foi feita pelo Dec. 181, de 24/1/1890, de autoria de Ruy Barbosa, em virtude do qual ficou abolida a jurisdição eclesiástica, considerando-se como único casamento válido o realizado perante as autoridades civis. O decreto permitiu a separação de corpos com justa causa havendo mútuo consenso, mantendo todavia a indissolubilidade do vínculo e utilizando a técnica canônica dos impedimentos.

Em 1916 inaugura-se o Código Civil Brasileiro que, segundo PONTES DE MIRANDA, Fontes e evolução do direito civil brasileiro, p. 489, revela um direito ‘mais preocupado com o círculo social da família do que com os círculos sociais da Nação", ao manter, num Estado leigo, uma técnica canonista e, numa sociedade evoluída do século XX, o privativismo doméstico e o patriarcalismo conservador do direito das Ordenações.

Enfim, família era aquela formada e constituída única e exclusivamente em decorrência do matrimônio.

6.4. FAMÍLIA E ENTIDADE FAMILIAR

Com a promulgação da CF/88 o Direito de Família recebeu o influxo do Direito Constitucional uma vez que em face do princípio da igualdade, foram banidas as discriminações existentes no âmbito familiar (derrogando-se toda a legislação que hierarquizava homens e mulheres, bem como a que estabelecia diferenciações entre os filhos pelo vínculo existentes entre os pais) para albergar outras espécies de família que não aquelas originadas do matrimônio.

Assim é que às famílias derivadas do matrimônio acrescentaram-se às famílias não-matrimoniais, derivadas da união estável e da monoparentalidade.

Nessa nova paisagem, não mais se distingue a família pela existência do matrimônio, solenidade que deixou de ser seu único diferencial.

Assim, a união estável recebe a proteção do Estado, desde que formada por um homem e uma mulher. Essa diferenciação de sexos do casal ignora a existência de entidades familiares formadas por pe4ssoa do mesmo sexo.

Daí porque discriminatória a norma constitucional, que veda diferenciar pessoa em razão do seu sexo, contrariando o princípio da igualdade que dela mesmo emana.

Invoca-se aqui a célebre lição de CARL SCHMITT (15) (doutrinador espanhol) que distingue constituição e lei constitucional, podendo esta integral ou não aquela.

Constituição é princípio que exprime decisão política intangível.

As leis constitucionais devem seguir esses princípios, mas não são intocáveis e, em certos casos, mesmo quando inseridas no texto da Constituição, podem até ser mudadas pelo processo legislativo ordinário.

Já OTTO BACHOF (16) (doutrinador português) permite julgar inconstitucionais as normas constitucionais que, embora presentes no seu texto, ferem algum princípio da Constituição.

A verdade é que o princípio constitucional que deve prevalecer é o da igualdade cumulado com o da liberdade individual, ambos resultando no preceito maior da isonomia.

Perante esses máximos princípios da Constituição Brasileira, a regra do § 3º do seu artigo 226, na parte em que condiciona à distinção de sexos o reconhecimento da união estável:

- ou é mera lei constitucional, que pode ser reformada até por lei ordinária, segundo Carl Schmitt,

- ou é norma constitucional inconstitucional, conforme sustenta Otto Bachof, que deve ser banida do ordenamento jurídico-constitucional.


7. OS POSICIONAMENTOS NA DOUTRINA BRASILEIRA

1º) Art. 226, § 3º, CF – caráter restritivo - rol taxativo – não há inconstitucionalidade nesse artigo – não admite a união homoafetiva como entidade familiar (não tendo direitos sucessórios, a alimentos, nem guarda/tutela/adoção; entretanto prevê direito à partilha – não à meação). Somente uma Emenda Constitucional para inserir outro tipo de entidade familiar (união homoafetiva).

A Constituição Federal não elenca as uniões homoafetivas como entidade familiar, asseverando que o rol do art. 226, § 3º, CF/88 é taxativo e, por isso, nenhuma lei infraconstitucional poderá atribuir direitos sucessórios aos parceiros homossexuais. Nem sequer podem ser-lhes atribuídos direitos e deveres inerentes ao Direito de Família, não podendo, pelas mesmas razões, exercerem guarda, tutela conjunta ou levarem a efeito adoção conjunta de menores.

2º) O art. 226, § 3º, CF é, paradoxalmente, inconstitucional, porque afronta princípios fundamentais assegurados pela própria Constituição que são os princípios da dignidade humana e da isonomia e, por isso, às uniões homoafetivas deve ser dado o mesmo tratamentoassegurado às uniões estáveis, cujos partícipes deveriam ter direito à sucessão, alimentos, guarda/tutela/adoção e, inclusive, meação.

A restrição do art. 226, § 3º, CF, só reconhecendo como entidade familiar, merecedora da proteção do Estado, a união estável entre um homem e uma mulher, configura verdadeira afronta tanto ao cânone do respeito à dignidade humana como ao princípio da igualdade, que são os vetores do perfil democrático do Estado. Diante desse aparente confronto entre a norma constitucional e os princípios que a norteiam, até por uma questão de coerência interna, a conclusão só pode ser uma: desde que uma norma constitucional se mostre contrária a um princípio constitucional, há de prevalecer o princípio.

A Constituição assegura o princípio da isonomia entre todas as pessoas – homens e mulheres – e garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Contempla ainda o princípio da dignidade humana, sendo obrigação do Estado promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esses princípios são normas superiores que não podem ser contrariados por outras normas constitucionais. Deste modo, o art. 226, § 3º/CF é uma norma constitucional, paradoxalmente, inconstitucional, no ponto em que impõe a diversidade de sexo para a união estável. Os conviventes na união estável homoafetiva tem os mesmos direitos e deveres dos conviventes heterossexuais, podendo aqueles, inclusive, adotarem em conjunto.

3º) O art. 226, § 3º, CF não contém inconstitucionalidade. Porém, o rol é exemplificativo. Só haveria necessidade de lei infraconstitucional para regulamentar a união homoafetiva.

O art. 226, § 3º, CF não é inconstitucional; porém, o rol das espécies de família pela Constituição contemplada é exemplificativo. Outras espécies de família existem. Assim, dentro da família monoparental está aquela constituída só por irmãos, pelo tutor e pupilo, pelo guardião e guardador e também a biparental constituída pelas uniões homoafetivas e como essas uniões tem como traço marcante a afetividade de seus membros, assemelhando-se às uniões heterossexuais, deve ser atribuído aos membros dessa união, por analogia, os mesmos direitos e deveres, que são conferidos aos conviventes heterossexuais, colmatando (=encher várias lacunas ou brechas), assim, a lacuna legal.


8) A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

A) STJ – Reconheceu a sociedade de fato decorrente da relação homoafetiva. Efeitos da súmula 380 do STF (17).

B) Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Paraná:

Reconheceram, além do direito à partilha, o de dependente perante a seguridade social.

Tribunal de Justuiça do Rio Grande do Sul:

Julgado da 8ª Câmara Cível de 1/3/2000 julgou juridicamente possível o pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais.

"Ante princípios fundamentais insculpidos na Constitutição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual [......) Uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso País, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceit5os e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos...."

C) Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Atribuiu a guarda da criança, filha da convivente falecida, para a companheira supérstite.

D) T.S.E., recentemente, reconheceu o impedimento de uma mulher concorrer à eleições municipais de 2004, porque ela convivia com outra mulher que era Prefeita, estendendo, dessa maneira, a mesma proibição eleitoral que existe para os cônjuges e aqueles que vivem em união estável.


9) DIREITOS ATRIBUÍDOS A PESSOAS QUE VIVEM EM UNIÃO HOMOAFETIVA

Visão panorâmica das uniões homoafetivas nos sistemas jurídicos internacionais:

PAÍSES EUROPEUS:

1) DINAMARCA, NORUEGA e SUÉCIA

Admitem a parceria ou convivência registrada dos homossexuais, impondo entre eles o dever de mútua assistência (moral e material).

2) HOLANDA

Atribui às uniões hétero e homossexuais os mesmos efeitos do casamento civil. Inexiste, entretanto, qualquer vinculação jurídica com o filho de um dos parceiros em relação ao outro.

3) CATALUÑA (Província da Espanha)

Existe uma lei única para regulamentar as uniões entre homossexuais e as heterossexuais contendo, basicamente, duas diferenças entre estas e aquelas:

a) O parceiro homossexual sobrevivente poderá ser excluído, por tetamento, da sucessão do seu companheiro; o hétero não;

b) Os conviventes homossexuais não podem adotar em conjunto.

A RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU DE 8/FEVEREIRO/1994 recomenda que os Estados-membros assegurem aos homossexuais o seguinte:-

a) Igualdade no setor trabalhista, sendo proibida qualquer discriminação, inclusive nas funções públicas,

b) Discriminalizar essa conduta;

c) Impedir qualquer limitação dos homossexuais terem filhos, naturais ou civis;

d) Possibilitar o casamento ou a convivência dos homossexuais amparados por instituto análogo ao casamento.


10) A UNIÃO HOMOSSEXUAL NO DIREITO BRASILEIRO

a) Ausência de legislação específica regulando a matéria;

b) Projeto de Lei nº 1.151/95: Permite a denominada parceria civil registrada e confere os seguintes direitos:

1) dependência previdenciária;

1.a) a pensão por morte já é concedida pelo INSS em virtude de decisão judicial- vide Instrução Normativa nº 25 de 7/6/2000-anexa)

2) dependência para fins tributários;

3) direitos sucessórios restritos ao usufruto;

4) composição de rendas para aquisição de casa própria;

5) constituição do bem de família sobre o imóvel residencial;

6) possibilidade de regulamentar os efeitos pessoais (fidelidade, coabitação, obrigação alimentar);

7) atribui prioridade para o parceiro sadio exercer a curatela em caso da incapacidade do outro;

8) proíbe o exercício da guarda, da tutela conjunta, bem como a adoção conjunta de criança ou adolescente.


BIBLIOGRAFIA:

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

BITTAR, Carlos Alberto e BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FACHIN, Carlos Alberto. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999.

DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo sobre o transexualismo: aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

VIANA, Rui Geraldo Camargo e NERY, Rosa Maria de Andrade-organizadores. Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. Vol. 4, 11ª ed. rev. e atual. com a colaboração do Des. Luiz Murillo Fábregas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.


NOTAS

1 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 30.

2 Status "é a qualidade em virtude da qual o cidadão romano tem direitos: é a condição civil de capacidade" "in" CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 84, porque "No direito romano. .... previam-se direitos à pessoa correspondentes a: a) ‘status libertatis’ (condição de liberdade da pessoa, em contraposição à situação de escravo, que, como ‘res’, sofria da chamada ‘capitis deminutio maxima’); b) ‘status civitatis’ (situação de nascimento na cidade, de que gozavam os cidadãos romanos, ou ‘cives’, ou ‘quirites’, cuja ausência significava a ‘capitis deminutio media’, própria do estrangeiro); c) ‘status familiae’ (posição do cidadão enquanto chefe de família, cuja falta importava em subordinação a ascendente masculino, na denominada ‘capitis diminutio mínima’)." "in" BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 28.

3 GOMES, Orlando. Introdução ao Código Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

4 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 1.

5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 16ª ed. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 102.

6 Eis algumas delas: 1ª classificação: Considerados os direitos da personalidade sob três aspectos: direitos à integridade física (direito à vida e aos alimentos; direito sobre o próprio corpo, vivo; direito sobre o próprio corpo, morto; direito sobre o corpo alheio, vivo; direito sobre o corpo alheio, morto; direito sobre partes separadas do corpo, vivo e direito sobre partes separadas do corpo, morto), direitos à integridade intelectual (direito à liberdade de pensamento; direito pessoal de autor científico; direito pessoa do autor artístico e direito pessoal do inventor) e direitos à integridade moral (direito à liberdade civil, política e religiosa; direito à honra; direito à honorificiência; direito ao recato; direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional; direito à imagem; direito à identidade pessoal, familiar e social) cf. FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 1971, p. 329/330; 2ª classificação: dois aspectos a saber direitos à integridade física (direito à vida; direito sobre o próprio corpo [direito sobre o corpo inteiro e direito sobre partes separadas do corpo] aqui incluído, também, o direito de decisão individual sobre tratamento médico e cirúrgico, exame médico e perícia médica) e direitos à integridade moral (direito à honra; direito à liberdade; direito ao recato; direito à imagem; direito ao nome; direito moral do autor) cf. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 153/154; 3ª classificação: três aspectos a saber direitos físicos (corpo; órgãos; membros; imagem), direitos psíquicos (liberdade; intimidade; sigilo) e direitos morais (identidade; honra; manifestações do intelecto) cf. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 17; 4ª classificação: cinco aspectos a saber direitos à vida e à integridade física (direito à vida; direito à integridade física; direito sobre as partes separadas do corpo), direito à liberdade, direitos à honra e ao resguardo pessoal (direito à honra; direito à intimidade; direito ao segredo), direitos à identidade pessoal (direito ao nome; direito ao título; direito ao signo figurativo) e direito moral do autor e do inventor cf. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. Milano: Giuffrè, s.d., p. 101 apud FACHIN, Zulmar Antonio. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 35.

7 FACHIN, Zulmar Fachin. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 34.

8 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

9 Diversos são os conceitos já elaborados, destacando-se os seguintes:

"Direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos" cf. FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, V. 1, p. 321, apud FACHIN, Zulmar Antonio. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso de Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 28;

"Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se os direitos personalísticos e os direitos sobre o próprio corpo. São direitos considerados essenciais aos desenvolvimento da pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, no corpo do Código Civil, como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos" cf. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 131/132, apud FACHIN, Zulmar Antonio, ob. cit.,

"Os direitos da personalidade ou personalíssimos são direitos absolutos, aos quais correspondem deveres jurídicos de todos os membros da coletividade, cujo objeto está na própria pessoa do titular, distinguindo-se assim dos direitos reais que recaem sobre coisas ou bens exteriores ao sujeito da relaçãsim dos direitos reais que recaem sobre coisas ou bens exteriores ao sujeito da relaçrte dos outros indios da personalidade em o jurídica" cf. WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: introdução e parte geral, 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 121, apud FACHIN, Zulmar Antonio, ob. cit.

10 Ob.cit., p.28.

11 BITTAR, Carlos Alberto e BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

12 DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação, p. 90

13 DE CUPIS, ADRIANO. Os Direitos da Personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961, p. 115.

14 § 2º do art. 5º da CF: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

15 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Madrid: Alianza Universidad Texto, 1996, p. 47.

16 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p. 32

17 Súmula 380 do STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos é cabível sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEGRÃO, Sônia Regina. Direitos da personalidade. O direito à intimidade sexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 704, 9 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6829. Acesso em: 18 abr. 2024.