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Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial

Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial

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O Decreto nº 5483/2005 criou a sindicância patrimonial para investigar supostos atos de improbidade administrativa do agente público. Embora o objeto da investigação seja grave, é legítimo o uso deste procedimento?

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O inciso VII, do artigo 9º, da Lei nº 8.429/92, estabelece como ato de ato de improbidade administrativa a aquisição pelo agente público, para si ou para outrem, no exercício do vínculo público, de bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do seu patrimônio ou da sua renda.

A título de investigar possível variação patrimonial desproporcional à renda do agente público, a Administração Pública se utiliza do Decreto nº 5.483/2005, que instituiu a investigação preliminar e a sindicância patrimonial. Ambas são procedimento apuratórios, que visam coletar informações para identificar possíveis indícios de autoria e de materialidade de eventual enriquecimento ilícito.

Concluído o procedimento de sindicância patrimonial nos termos do Decreto nº 5483/2005, a Comissão responsável pela condução das apurações fará relatório sobre os fatos levantados, opinando pelo seu arquivamento ou, se for o caso, pela instauração de processo disciplinar visando apuração da prática de ato de improbidade administrativa.

Não se pode deixar de observar que, tratando-se de incompatibilidade entre a renda e o patrimônio adquirido, a mesma não pode ser oriunda de mera desorganização fiscal do agente público, ou de outra circunstância que elida a desonestidade própria dos atos de improbidade administrativa, capaz de configurar atipicidade material da conduta.

O incremento patrimonial significativo e incompatível do agente público com as fontes de renda auferidas na função pública deve ser demonstrado de forma cabal e irrefutável, porquanto o elemento objetivo da norma (inc. VII) é a aquisição, para si ou para terceiro, de bens cujo valor seja incompatível com a renda auferida, no exercício ou em decorrência do vínculo funcional.

Não se julga por presunção, e muito menos se “intui” o dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa descrito no tipo do art. 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92.

É dever do órgão de investigação demonstrar, de maneira irrefutável, a existência do locupletamento ilícito do agente público, capaz de ensejar-lhe enriquecimento ilícito ou qualquer prova de evolução patrimonial incompatível com o cargo ocupado,[1] proveniente da utilização do cargo ou da função pública.

Se de um lado não se pode presumir como ímproba a variação patrimonial incompatível do agente público, de outro deve haver a demonstração da prática do ato funcional (conduta ímproba) que tenha gerado o possível enriquecimento ilícito em questão, capaz de gerar a desproporcionalidade da renda percebida e declarada ao Fisco.

O poder público tem presumido o enriquecimento ilícito do agente público, e a partir dessa presunção determina que o acusado faça prova negativa de tal fato. Um verdadeiro absurdo, pois devassa a vida fiscal/tributária do agente público no afã de encontrar algum equívoco em sua declaração de ajuste do imposto de renda, capaz de “justificar” a tipificação no artigo 9º, inciso VII, da Lei n.º 8.429/92, sem descrever ou destacar, contudo, a prática de ato funcional devasso ou imoral no exercício da função pública.

Na verdade, a sindicância patrimonioal é usada para afastar os sigilos de dados do agente público para  incrementar a instauração do processo administrativo patrimonial, aquele em que se busca demonstrar o enriquecimento ilícito do agente público sem que se demonstre a prática de ato funcional devasso ou imoral.

O presente estudo visa analisar a natureza jurídica da sindicância e a sua compatibilidade com o texto Fundamental.


II. INCONSTITUCIONALIDADE DA SINDICÂNCIA PATRIMONIAL – AUSÊNCIA DE LEI – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – ART. 5º, II, E 6º, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A doutrina e a jurisprudência ainda não se debruçaram sobre a inconstitucionalidade da sindicância patrimonial, instituída pelo Decreto nº 5483, de 30.06.2005, que teve como finalidade regulamentar o que vem estatuído no artigo 13, da Lei nº 8.429/92, que diz respeito à apresentação de declaração dos bens e valores provados que compõem o patrimônio do agente público.

Pergunta-se: poderia o Decreto nº 5483/2005 criar uma via de investigação patrimonial do agente público? Poderia o Poder Executivo dispor sobre poder investigatório, criando um novo tipo de sindicância por Decreto, ou estaria obrigado a encaminhar proposta de lei ao Poder Legislativo?

O artigo 5º, II, da CF estabelece o princípio da legalidade como forma de combater o poder arbitrário do Estado, destacando que somente por meios das espécies normativas (art. 59, CF), devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, é que se poderiam criar obrigações para a coletividade, verdadeira expressão da vontade geral, e não do poder centralizado pelo Executivo.

Eis a dicção do art. 5º, II, da CF:

“Art. 5º (omissis)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

O art. 9:3. da Constituição da Espanha segue o mesmo plasmado:

“Art. 9:3. La Constitución garantiza el principio de legalidad, la jerarquía normativa, la publicidad de las normas, la irretroactividad de las disposiciones sancionadoras no favorables o restrictivas de derechos individuales, la seguridad jurídica, la responsabilidad y la interdicción de la arbitrariedad de los poderes públicos.

Também é digno de registrar que o artigo 266, item 2, da Constituição de Portugal prestigia o princípio da legalidade como um princípio cardeal do Estado de Direito, não somente como “reserva de lei”, mas também pelo princípio de que todos os atos públicos devem estar vinculados à aplicação da lei ou à sua fiel execução:

“Art. 266

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”

O princípio da legalidade sustenta a pirâmide administrativa, evitando a prática de atos abusivos e desvinculados dos princípios estabelecidos pela norma jurídica.

O princípio da legalidade é de abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal, pois o primeiro submete a coletividade à lei ou a atuação em conformidade com o que foi determinado pelo legislador. Já a segunda situação, a reserva legal, consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se por lei formal.

José Afonso da Silva salienta: [2]

“Tem-se, pois, reserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou atos equiparado, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, a disciplina de outras fontes, aquela subordinada.”

Alexandre de Moraes[3] esclarece que a Constituição estabelece a reserva de lei, de modo absoluto ou relativo:

“A Constituição Federal estabelece a reserva de leo, de modo absoluto ou relativo.

Assim, temos a reserva legal absoluta quanto a norma constitucional exige para a sua integral regulamentação a edição de lei formal, entendida como ato normativo emanado do Congresso Nacional elaborado de acordo com o devido processo legislativo constitucional.

Por outro lado, temos a reserva de lei legal relativa quando a Constituição Federal, apesar de exigir edição de lei formal, permite que esta fixe tão-somente parâmetros de atuação para órgão administrativo que poderá complementá-la por ato infra-legal, sempre, porém, respeitando os limites ou requisitos estabelecidos pela legislação.”

Canotilho sintetizou:[4]

“...quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio de actuação das disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção de outros actos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize e estabeleça, previamente, os princípios e objecto de regulamentação das matérias (reserva relativa).”

As hipóteses de reserva legal relativas são estabelecidas diretamente pela Constituição, que permite, excepcionalmente, a complementação da legislação por atos normativos infra constitucionais, pois em caso contrário, como adverte Canotilho, “a lei deve estabelecer ela mesmo o respectivo regime jurídico, não podendo declinar a sua competência normativa a favor de outras fontes (proibição da incompetência negativa do legislador).”[5]

Na presente situação, a reserva de lei é absoluta, tendo em vista que a matéria aqui discutida é inerente ao regime jurídico dos servidores públicos, pois criou-se uma nova forma de investigação interna para os referido servidores, ou seja, a sindicância patrimonial, que não poderia ter sido concebida por Decreto, e sim, obrigatoriamente, por texto normativo proposto por iniciativa do Presidente.

E o presente tema deve se submeter ao postulado constitucional da reserva de lei, por tratar de questão que versa sobre o regime jurídico do agente público, notadamente quando se trata de imposições restritivas, na medida em que se instaura o poder persecutório estatal para apurar possível enriquecimento ilícito do agente público.

O princípio da reserva de lei, que submete ao domínio normativo desse ato estatal primário a disciplinação da matéria pertinente à investigação patrimonial, deriva de cláusula constitucional que discrimina determinadas categorias temáticas, como a que ora se trata, exigindo, para efeito de ser válido o regramento normativo, a utilização de atos emanados do Poder Legislativo.

Sem lei vigorante, que autorize o tratamento normativo pertinente à sindicância patrimonial, que possui como objetivo pesquisar dados sigilosos protegidos pela norma constitucional, não há como disciplinar essa matéria mediante simples decreto editado pelo Chefe do Poder Executivo.

Decretos governamentais, considerados a fonte jurídica de sua emanação, não se qualificam como equivalentes constitucionais a lei, não podendo, por isso mesmo, sob pena de frontal transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes, à título de regulamentar o art. 13, da Lei nº 8.429/92, estabelecer restrições e impor uma investigação de caráter patrimonial, invadindo a esfera da proteção de dados do agente público, com a finalidade de investigar pseudo enriquecimento ilícito.

A título de regulamentação de texto normativo (art. 13, da Lei nº 8.429/92), o ato estatal em causa incidiu em domínio constitucionalmente reservado à atuação institucional do Poder Legislativo, circunstância essa que torna inviável, juridicamente, a possibilidade de o Executivo interferir, mediante prescrições normativas autônomas, (a) na disciplinação do tema pertinente à investigação patrimonial do agente público, (b) no compartilhamento de dados sigilosos, e (c) no regime sancionatório.

A disciplina concernente ao poder investigatório do agente público é algo diretamente ligado ao seu regime jurídico com o Estado, achando-se submetido ao postulado da reserva de lei, cabendo assinalar – ante a inegável importância de que se reveste o tema – que existe um articulado sistema jurídico de proteção constitucional ao direito à intimidade, cujo regramento, em seus diversos aspectos, tem na lei (e nela apenas) a sua matriz.

Por essa razão, a matéria pertinente à investigação patrimonial, por meio de sindicância patrimonial, não prevista em lei – considerando-se o que dispõe a CF – repele a possibilidade jurídica de qualquer ingerência normativa, em caráter inovador, por parte do Poder Executivo, via Decreto.

Consoante magistério de Canotilho,[6] “existe reserva de lei quando a Constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulada por lei e só por lei, com exclusão de outras fontes normativas.”

E essa é, precisamente, a natureza do tema em questão, onde a matéria discutida reclama, para sua válida disciplinação jurídico-constitucional, a edição de ato formalmente legislativo.

Em abono ao que foi dito, Jorge Miranda,[7] se posiciona que “quaisquer intervenções – que tenham conteúdo normativo – de órgãos administrativos ou jurisdicionais só podem dar-se a título secundário, derivado ou executivo, nunca com critérios próprios ou autônomos de decisão”.

Não cabe, pois, ao Poder Executivo, na matéria em questão, atuar na anômala condição de legislador para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios de formulação normativa, quando a Constituição define a competência do Poder Legislativo.

Na verdade, o Poder Executivo usurpou a competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional de separação de poderes, para se transformar em “legislador positivo”

Tal raciocínio deflui do que vem inserido no art. 61, § 1º, II, c, da CF, que elenca como de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que alterem ou criem direitos dos servidores públicos da União e territórios, quanto ao seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade a aposentadorias:

“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;”

Assim, a iniciativa reservada de leis que versem sobre o regime jurídico dos servidores públicos, enquanto prerrogativa política, conferida pela Constituição ao Chefe do Poder Executivo, não pode ser submetida a outra norma infralegal que não seja o comando normativo da lei, de sua iniciativa.

É uma prerrogativa política do Presidente da República, como decidido pelo STF:[8]

“Nem pode o Judiciário, dada uma situação de omissão legislativa total ou parcial, compelir o Chefe do Executivo, para supri-la, ao exercício de seu poder privativo de iniciativa do processo de elaboração da lei necessária. A iniciativa legislativa é prerrogativa política, cuja omissão não encontra solução satisfativa na ordem jurídica. É o que vem de concluir o Supremo Tribunal em caso notório: o Mandado de Segurança Coletivo impetrado para que se ordenasse ao Presidente da República a proposta de reajuste de vencimentos no pretendido data-base dos servidores públicos (MS 22.439, Maurício Corrêa, 14.05.96).”

Vale destacar que a locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos” corresponde a todos os aspectos legais das relações estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus Agentes.

Em sendo assim, a cláusula de reserva diz respeito ao poder de instauração do processo legislativo de competência exclusiva do Presidente da República, conforme dispositivo constitucional (art. 61, § 1º, II, “c”). A sua inobservância acarretará em inconstitucionalidade por ausência ou falta de reserva legal, capaz de invalidar os atos infralegais estabelecidos em flagrante inconstitucionalidade.

Nesse compasso, o Decreto nº 5483/2005 fere o plasmado da reserva de lei de iniciativa do Presidente da República.

Para não ter dúvidas quanto a abrangência da locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos”, e a cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo, abra-se parênteses para registrar a seguinte interpretação do STF:[9]

“ADIN - LEI COMPLEMENTAR 9.643/92, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PUBLICOS - ABRANGENCIA CONCEITUAL - JORNADA EXTRAORDINÁRIA DE TRABALHO E ADICIONAL DO TRABALHO NOTURNO - USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA RESERVADA CONFERIDO AO CHEFE DO EXECUTIVO - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A locução constitucional "regime jurídico dos servidores públicos" corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. - A cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros. Incide em vício de inconstitucionalidade formal a norma legal estadual que, oriunda de iniciativa parlamentar, versa matéria sujeita a iniciativa constitucionalmente reservada ao Chefe do Poder Executivo.”

Em seu voto condutor, o eminente Ministro Celso de Mello, na ADI nº 766/RS, destaca a cláusula referente à iniciativa reservada das leis e a inconstitucionalidade formal de ato legislativo ou ato do Poder Executivo eventualmente editado:

“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, mediante usurpação do poder sujeito a cláusula de reserva, traduz vicio jurídico de gravidade inquestionável, cuja hipótese de inconstitucionalidade ocorrência reflete típica formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.

Nesse contexto - que faz ressaltar a imperatividade da vontade subordinante do poder constituinte -, nem mesmo a aquiescência do Chefe do Executivo, mediante sanção do projeto de lei, quando dele é a prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical.

Por isso mesmo, a tese da convalidação das leis resultantes do procedimento inconstitucional da usurpação ainda, que admitida por esta Corte sob a égide da constituição de 1946 (súmula n2 5) -, não mais prevalece, repudiada que foi, quer pelo magistério da doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988     vol. 2/111, 1992, Saraiva; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira, vol. 3/262-263, 1992, Saraiva; FRANCISCO CAMPOS, Parecer, in RDA 73/380; CAIO TÁCITO, Parecer, in RDA 68/341), quer pela jurisprudência dos Tribunais, inclusive desta Corte (RTJ 69/625 - RTJ 103/36 - RDA 72/226).”

Especificamente sobre a locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos”, como fator que exterioriza o conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações estatutárias ou contratuais, mantidas pelos entes de direito público, o Min. Celso de Mello destaca:

“Não se pode perder de perspectiva, neste ponto - e especialmente no que concerne ao sentido da locução constitucional regime jurídico dos servidores públicos -, que esta expressão exterioriza o conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes.

Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão de sua abrangência conceituaI, compreende todas as regras pertinentes (a) às formas de provimento; (b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à posse; (e) ao exerc1cio, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; (i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho e ao ponto, inclusive os regimes especiais de trabalho; (k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; (l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação; (o) ao processo administrativo.”

Como visto, as regras que criam penalidades e a sua aplicação, ou estabelecem normas processuais administrativas, aí incluída a sindicância patrimonial que inicia uma série de providências administrativas investigatórias, se inserem no contexto do regime jurídico dos servidores públicos e, como tal, somente poderiam ser instituídas sob o império da reserva de lei.

Em outro determinante precedente, em tema concernente à disciplina  jurídica da remuneração de servidor público, que se submete ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, o Supremo Tribunal Federal – STF[10] teve a oportunidade de invalidar Decreto usurpador da competência do Poder Legislativo:

 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - REMUNERAÇÃO, SUBSÍDIOS, PENSÕES E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS, ATIVOS E INATIVOS, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - FIXAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO MEDIANTE ATO DO PODER EXECUTIVO LOCAL (DECRETO ESTADUAL Nº 25.168/99) - INADMISSIBILIDADE - POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - ESTIPULAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO QUE TAMBÉM IMPORTOU EM DECESSO PECUNIÁRIO - OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL (CF, ART. 37, XV) - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS E POSTULADO DA RESERVA LEGAL. - O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em consequência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. 

Esclarecida tal questão, é de se observar que a matéria relativa a sindicância para o servidor público federal veio normatizada na Lei nº 8.112/90, onde o art. 143, dispõe:

“Art. 143.  A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.”

Sendo que, da sindicância poderá resultar: arquivamento da investigação; aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias, instauração de processo administrativo disciplinar.[11]

Mesmo sendo inquisitorial e voltada para a coleta de provas, ou mesmo quando se reveste de caráter punitivo (punição para pequenos atos ilícitos de baixo potencial), deve ser respeitado o direito de defesa do investigado, sendo  matéria submetida ao crivo da lei.

A Sindicância foi criada pela Lei nº 8.112/90, que manteve hígida a sua criação e normatização pela Lei nº 1.711/52. Ambas as leis foram de iniciativas do Presidente da República, na forma da Constituição Federal.

Apesar de ser cristalina tal orientação constitucional, o Decreto nº 5483/2005, a pretexto de regulamentar o art. 13, da Lei nº 8.429/92, instituiu a sindicância patrimonial que, na verdade, se correlaciona com o artigo 9º, inc. VII, da Lei nº 8.429/92, que versa sobre o tipo infracional do enriquecimento ilícito.

Ou seja, apesar de ter sido criada com a finalidade de regulamentar a posse e o exercício de agente público no que se refere a apresentação de declaração dos bens que compõem o patrimônio privado do agente público,[12] a sindicância patrimonial criou um novo tipo de investigação, sem critérios objetivos e sem reserva de lei, aduzindo sobre situações descritas em outro tipo legal, totalmente diverso do comando legal para o qual foi estatuída.

Assim, o Decreto nº 5483/2005 invade a competência legislativa do Congresso Nacional para acrescentar ao “regime jurídico dos servidores públicos” uma nova investigação  vinculada à evolução patrimonial incompatível do agente com os seus recursos e disponibilidades, para fins de verificação de enriquecimento ilícito”.

Ou seja, a sindicância patrimonial apesar de ser concebida com a finalidade de regulamentar o tipo descrito no ar. 13, da Lei nº 8.429/92, na verdade invade a competência normativa da lei (reserva legal) para gerar um novo ciclo de investigação patrimonial.

Logo, o artigo 8º, do Decreto nº 5.483/2005 revela que a sindicância patrimonial se destina a criar normas relativas a investigação do pseudo enriquecimento ilícito do agente público, desviando-se de sua finalidade instauradora, verbis:

“Art. 8º - Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9o da Lei no8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.

Parágrafo único.  A sindicância patrimonial de que trata este artigo será instaurada, mediante portaria, pela autoridade competente ou pela Controladoria-Geral da União.”

Em suma, foi criado um novo tipo de investigação ao agente público, sem que fosse por lei de iniciativa do Presidente da República, e sem a definição de critérios objetivos, a título de regulamentar o art. 13, da Lei nº 8.429/92, que não disciplina a figura jurídica do enriquecimento ilícito.

Contudo, para que haja a instauração de investigação ao agente público, necessária se faz a presença de indícios de enriquecimento ilícito. Na prática, atualmente, são veiculadas diversas notícias anônimas, que deságuam em investigações patrimoniais sem que os agentes públicos investigados saibam quais critérios motivam a abertura da sindicância patrimonial, desvinculada da prática de ato funcional.

Em seguida, o artigo 9º do Decreto nº 5483/2005 elenca que a sindicância patrimonial não possui caráter punitivo, se constituindo em procedimento sigiloso e meramente investigatório, conduzido por Comissão composta por dois ou mais servidores:

“ Art. 9o  A sindicância patrimonial constituir-se-á em procedimento sigiloso e meramente investigatório, não tendo caráter punitivo.

§ 1o  O procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores ou empregados efetivos de órgãos ou entidades da administração federal.

§ 2o  O prazo para conclusão do procedimento de sindicância patrimonial será de trinta dias, contados da data da publicação do ato que constituir a comissão, podendo ser prorrogado, por igual período ou por período inferior, pela autoridade competente pela instauração, desde que justificada a necessidade.

§ 3o  Concluídos os trabalhos da sindicância patrimonial, a comissão responsável por sua condução fará relatório sobre os fatos apurados, opinando pelo seu arquivamento ou, se for o caso, por sua conversão em processo administrativo disciplinar.”

A criação de novo meio investigatório contra o agente público conecta-se com o seu “regime jurídico”, sem qualquer dúvida, e, como tal, o Decreto nº 5485/2005 do Poder Executivo viola o postulado constitucional da reserva de lei[13], sendo o mesmo inconstitucional.

Não há como se considerar válido o Decreto nº 5483/2005, que instituiu ao cenário jurídico do agente público a sindicância patrimonial, sem que a mesma fosse criada por lei, de iniciativa do Presidente da República, invadindo o seu direito de privacidade.

A iniciativa funciona como fase do processo legislativo, pois a formação da lei é um ato complexo, constituído de momentos autônomos, cuja sucessão coordenada compõe o procedimento legislativo, a indicar a dinâmica do nascimento da norma jurídica.

Constitui-se a primeira fase, ou momento inicial da lei, a iniciativa legislativa que, no presente caso, a Constituição outorgou ao Presidente da República; a segunda fase é aquela inerente aos trâmites de discussão, aprovação e sanção da lei; e a última etapa do processo legislativo é a sua promulgação e publicação.

Cada uma dessas fases ou etapas do processo legislativo encontra no plano da norma constitucional o seu próprio fundamento de validade, de modo que a validade intrínseca da norma jurídica está vinculada à observância dessas atribuições específicas.

Pontes de Miranda[14] advertiu com propriedade, que o direito de iniciativa legislativa é rigidamente vinculado, como regra de competência constitucional. É condição ou pressuposto de validade intrínseca da lei.

Havendo violação da regra de reserva ou exclusividade do direito de iniciativa, o ato legislativo fica maculado, tornando-se nulo de pleno direito, como averbado por Caio Tácito:[15]

“A violação da regra de reserva ou exclusividade do direito de iniciativa vicia irremediavelmente o ato legislativo pela mácula congênita que o torna nulo de pleno direito.”

Em insuperável e brilhante parecer sobre a matéria, Caio Tácito, analisando a redação do art. 67, § 2º, da Constituição de 1934,[16] assim ementou a sua conclusão:[17]

“LEI – INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO – SANÇÃO – CRIAÇÃO DE CARGOS E AUMENTO DE VENCIMENTOS.

- A Legislação, na atualidade, é função da Administração.

- A técnica dos modernos regimes de governo reside, irrevogavelmente, no fortalecimento do Poder Executivo, especialmente na área da criação da norma jurídica.

- A violação da regra de reserva ou exclusividade do direito de iniciativa vicia irremediavelmente o ato legislativo.

- a sanção do Chefe do Poder Executivo não supre a falta de sua iniciativa exclusiva.

- Interpretação do art. 67, § 2º, da Constituição.”

In casu, não houve a reserva de lei para dispor sobre ao criação da sindicância patrimonial (regime jurídico dos agentes públicos), não sendo suprimida a falta de iniciativa do Presidente da República para o início do processo legislativo pela edição do Decreto nº 5.483/2005, de autoria do próprio Presidente.

Isto porque, a inconstitucionalidade em questão é oriunda da reserva de lei de iniciativa do Presidente da República. Ou seja, a ofensa ao princípio da simetria pelo Chefe do Executivo ao editar o Decreto nº 5485/2005 inquina o ato normativo de nulidade, por vício de inconstitucionalidade formal, em razão da indevida ingerência na esfera de competência exclusiva da lei de iniciativa do Poder Executivo.

Para ter eficácia perante o ordenamento jurídico, seria necessária a submissão ao processo legislativo elencado pela Constituição Federal como pressuposto de sua própria validade.

E o processo legislativo é formal, e exige que se cumpra a liturgia constitucional para se tornar válido perante o ordenamento jurídico.

À guisa de ilustração, é inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre o regime jurídico e a remuneração de servidores do Poder Executivo, como decidido pelo STF[18]:

“Processo legislativo estadual: observância compulsória das regras de reserva de iniciativa da Constituição Federal: separação dos Poderes. As normas de reserva da iniciativa legislativa compõem as linhas básicas do modelo positivo da separação dos poderes da Constituição Federal e, como tal, integram princípio de observância compulsória pelos Estados-membros: precedentes. É inconstitucional lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre o regime jurídico e a remuneração de servidores do Poder Executivo.”

Da mesma forma, é inconstitucional, por ofender o postulado constitucional da reserva de lei formal (art. 61, § 1º, II, c, da CF), qualquer alteração do regime jurídico dos servidores públicos sem que haja o devido processo egislativo, com as formalidades estabelecidas pela Constituição como pressuposto para a sua própria validade perante o ordenamento jurídico[19].

Por essa razão, o Decreto nº 5.483/2005 é inconstitucional, e, por derivação, todos os processos administrativos disciplinares que lhes forem correlatos são nulos de pleno direito, por utilizarem das provas produzidas ilicitamente na sindicância patrimonial.

Recorde-se a lição doutrinária:[20]

“Inconstitucionalidade formal. Os vícios afetam o ato normativo singularmente considerado, sem atingir seu conteúdo, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formação da lei.

Os vícios formais traduzem defeito de formação do ato normativo, pela inobservância de princípio de ordem técnica ou procedimental ou pela violação de regras de competência. Nesses casos, viciado é o ato nos seus pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua forma final. (...).”

Em um Estado Democrático de Direito não se pode admitir, sob pretexto algum, que se instaure investigações ou que se punam agentes públicos sem que haja o cumprimento das formalidades constitucionais e legais.

Por mais graves que sejam as acusações, e por mais graves que sejam os atos investigados, o Poder Público não pode usurpar a Constituição Federal com a finalidade de tornar-se mero “justiceiro”, punindo o agente público a qualquer custo e de qualquer forma, violando, de forma expressa, a Constituição, e perpetrando ato de abuso de poder.

O Estado Democrático de Direito não se compadece com a utilização de provas ilícitas, ainda que por derivação, de acordo com a nossa ordem constitucional. Os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios. É um preço módico imposto pela democracia e o Estado de Direito.


III. DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS QUEBRAS DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL DO AGENTE PÚBLICO NA SINDICÂNCIA PATRIMONIAL

Como visto, no tópico anterior, a sindicância patrimonial é inconstitucional, por ferir de forma frontal o princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF), tendo em vista que foi gerada pelo Decreto nº 5483/2005, que não respeitou a necessidade de reserva de lei de iniciativa do Presidente da República para a sua validade formal e jurídica (art. 61, § 1º, II, c, da CF).

Não bastasse o vício de inconstitucionalidade, o Decreto nº 5483/2005 autoriza que a Receita Federal faça convênio com a Controladoria Geral da União, para que forneça, por meio eletrônico, cópia da declaração anual do agente público que houver optado pelo cumprimento da obrigação, na forma prevista no § 2º do artigo 3º, do aludido Decreto.

Aliás, essa é a dicção do art. 11, do Decreto nº 5483/2005.

“Art. 11.  Nos termos e condições a serem definidos em convênio, a Secretaria da Receita Federal poderá fornecer à Controladoria-Geral da União, em meio eletrônico, cópia da declaração anual do agente público que houver optado pelo cumprimento da obrigação, na forma prevista no § 2o do art. 3o deste Decreto.

§ 1o  Compete à Controladoria-Geral da União informar à Secretaria da Receita Federal o rol dos optantes, nos termos do § 2o do art. 3o deste Decreto, com o respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas e o exercício ao qual correspondem as mencionadas declarações.

§ 2o  Caberá à Controladoria-Geral da União adotar medidas que garantam a preservação do sigilo das informações recebidas, relativas à situação econômica ou financeira do agente público ou de terceiros e à natureza e ao estado de seus negócios ou atividades.”

Visando a regulamentar o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, de que trata o Decreto nº 5.480/2005, a CGU baixou a Portaria nº 335, de 30.05.2006.

Para fins da aludida Portaria nº 335/2006, o seu artigo 4º estabelece as seguintes definições dos instrumentos correicionais por ela regulamentadas:

“I - investigação preliminar: procedimento sigiloso, instaurado pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar;

II - sindicância investigativa ou preparatória: procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao processo administrativo disciplinar, sendo prescindível de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa;

III - sindicância acusatória ou punitiva: procedimento preliminar sumário, instaurada com fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço público, com caráter eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a oportunidade de defesa e a estrita observância do devido processo legal;

IV - processo administrativo disciplinar: instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor público federal por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido;

V - sindicância patrimonial: procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não-punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, à vista da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e disponibilidades;

VI - inspeção: procedimento administrativo destinado a obter diretamente informações e documentos, bem como verificar o cumprimento de recomendações ou determinações de instauração de sindicância, inclusive patrimonial, e processos administrativos disciplinares, a fim de aferir a regularidade, a eficiência e a eficácia dos trabalhos.”

A investigação preliminar, criada pela aludida Portaria CGU nº 335/2006, apesar de não ser objeto do nosso estudo, também carece de reserva de lei para a sua concepção, pois cria uma fase investigatória sigilosa, realizada de ofício ou com base em denúncia ou representação recebida, que antecede a instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar, e poderá ser iniciada pelas Corregedorias ou outras autoridades, nominadas no art. 6º da citada Portaria.

Para não dar maior dimensão ao presente tema, deixamos de abordar alguns aspectos de ordem legal que invalidam a investigação preliminar nesta oportunidade, para não desfocar do tema central inerente à sindicância patrimonial.

O artigo 16, da Portaria CGU nº 335/2006, descreve a sindicância patrimonial como procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não punitivo, destinada a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte do agente público federal, “a partir da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e disponibilidades”, como se verifica:

“Art. 16. A sindicância patrimonial constitui procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, a partir da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e disponibilidades, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da Transparência, do Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos;

§ 1º A sindicância patrimonial será realizada de ofício ou com base em denúncia ou representação recebida.

§ 2º A autoridade instauradora da sindicância patrimonial, deverá ser de cargo ou função de nível hierárquico equivalente ou superior ao do servidor ou empregado sob julgamento. § 3º Aplica-se à denúncia ou representação o disposto nos § 1º, § 2º e

§ 3º do art. 6º desta Portaria.”

Como visto, o próprio artigo 16 da Portaria CGU 335/2006 parte de uma flagrante inconstitucionalidade, que é a verificação de incompatibilidade patrimonial do agente público federal com seus recursos e disponibilidades, sem que haja uma quebra de sigilos fiscais e bancários deferidos pela via judicial.

Isto porque, para verificar se há ou não indícios de enriquecimento ilícito por parte do agente público a partir da constatação de incompatibilidade patrimonial, em tese, a esfera correicional, obrigatoriamente, é instada a invadir o sigilo de dados do agente, verificando a priori a disponibilidade financeira e fiscal, para fins de uma busca de indícios de um pretenso enriquecimento ilícito do mesmo.

Não há como apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público a partir da verificação de incompatibilidade patrimonial com a renda arguida pelo mesmo, sem que haja a devida pesquisa na vida financeira/fiscal/bancária do investigado.

O patrimônio do contribuinte, aí incluído o agente público, pode sofrer diminuição (decréscimo patrimonial) ou aumento (acréscimo patrimonial).

Para fins tributários, o acréscimo patrimonial somente poderá ser justificado com base no total dos rendimentos e receitas líquidas, sejam eles tributáveis, não tributáveis ou sujeitos à tributação exclusiva na fonte, acrescido de outras receitas, tais como venda de bens integrantes do patrimônio do próprio contribuinte.

Nessas circunstâncias, a soma dos rendimentos líquidos deverá, sempre, ser superior ao acréscimo patrimonial no respectivo período, caso contrário, se o aumento for superior ao total de rendimentos declarados, caracteriza-se, em tese, “acréscimo patrimonial a descoberto”, tributável pelo imposto de renda, na forma do art. 55, XIII, do RIR/99.

Cabe ressaltar que nem todo acréscimo patrimonial a descoberto resulta de sonegação fiscal ou em prática de ato ilícito, pois pode ter origem em erro de preenchimento da declaração de bens, ou de recursos recebidos de forma lícita, que por equívoco ou esquecimento não foi lançado na declaração anual de rendas do agente público.

O acréscimo patrimonial pode ser coberto pela renda líquida do contribuinte ou a descoberto, onde há o aumento do patrimônio sem uma renda declarada.

Sucede que, para se verificar se há ou não omissão de receita ou patrimônio a descoberto, a sindicância patrimonial terá que fazer consultas, requisições de informações fiscais e bancárias que, necessariamente, se não houver espontaneidade do agente público no atendimento fornecido dos documentos fiscais e bancários necessários, caracterizarão a quebra de seu sigilo pela Comissão de Sindicância[21], em total violação ao art. 5º, incs. X e XII da CF.

Aliás, sobre o afastamento de sigilo e realizações de perícias, quando dirigidas à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, o § 1º do art. 18, da Portaria CGU nº 335/2205, é explícita em “permitir”quebra do sigilo fiscal, fazendo apenas ressalva quanto ao afastamento do sigilo bancário, que deverá ser requerida pela Advocacia-Geral da União (§ 2º, do art. 18, da Portaria CGU nº 335/2005).

Assim, se o agente renunciar aos sigilos fiscal e bancário (§ 3º, do art. 18, da Portaria CGU nº 335/2005), o artigo 18 da citada Portaria permite o seu afastamento interno para a instrução do procedimento relativo à sindicância patrimonial:

“Art. 18. Para a instrução do procedimento, a comissão efetuará as diligências necessárias à elucidação do fato, ouvirá o sindicado e as eventuais testemunhas, carreará para os autos a prova documental existente e solicitará, se necessário, o afastamento de sigilos e a realização de perícias. § 1º As consultas, requisições de informações e documentos necessários à instrução da sindicância, quando dirigidas à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, deverão ser feitas por intermédio dos Corregedores-Gerais Adjuntos, observado o dever da comissão de, após a transferência, assegurar a preservação do sigilo fiscal. § 2º A solicitação de afastamento de sigilo bancário deve ser encaminhada à Advocacia-Geral da União, com as informações e documentos necessários para o exame de seu cabimento. § 3º A comissão deverá solicitar do sindicado, sempre que possível, a renúncia expressa aos sigilos fiscal e bancário, com a apresentação das informações e documentos necessários para a instrução do procedimento.”

Não havendo renúncia expressa do agente público aos sigilos fiscal e bancário, como visto, será providenciado pela Comissão de Sindicância Patrimonial a quebra do sigilo fiscal, em flagrante violação à privacidade do investigado.

Na trilha da inconstitucionalidade, o art. 25, da Portaria CGU nº 335/2006, disciplina que a quebra do sigilo fiscal do agente investigado deverá seguir os seguintes termos:

“Art. 25. No fornecimento, a órgãos, entidades e autoridades requisitantes ou solicitantes, de informações protegidas por sigilo fiscal, deverão ser observados os seguintes procedimentos, sem prejuízo dos demais previstos na legislação pertinente: I - constará, em destaque, na parte superior direita de todas as páginas da correspondência que formalizar a remessa das informações, bem assim dos documentos que a acompanharem, a expressão "INFORMAÇÃO PROTEGIDA PELO SIGILO FISCAL", impressa ou aposta por carimbo; II - as informações serão enviadas em dois envelopes lacrados: a) um externo, que conterá apenas o nome ou a função do destinatário e seu endereço, sem qualquer anotação que indique o grau de sigilo do conteúdo; b) um interno, no qual serão inscritos o nome e a função do destinatário, seu endereço, o número do documento de requisição ou solicitação, o número da correspondência que formaliza a remessa e a expressão "INFORMAÇÃO PROTEGIDA PELO SIGILO FISCAL"; III - envelope interno será lacrado e sua expedição será acompanhada de recibo; IV - o recibo destinado ao controle da custódia da informação: a) conterá, necessariamente, indicações sobre o remetente, o destinatário, o número do documento de requisição ou solicitação e o número da correspondência que formaliza a remessa; b) será arquivado na unidade remetente, após comprovação da entrega do envelope interno ao destinatário ou responsável pelo recebimento.”

Relativamente ao sigilo bancário do sindicado investigado patrimonialmente, o art. 26, da Portaria CGU nº 335/2006, estabelece que o mesmo deverá ser autorizado judicialmente:

“Art. 26. Relativamente ao sigilo bancário, quando o afastamento for autorizado judicialmente, o fornecimento de informações e documentos pelo Órgão Central ou unidades setoriais deverá ser previamente autorizado pelo Poder Judiciário.”

Contudo, a Administração Pública, mais uma vez, em total usurpação de competência legal, baixou a Ordem de Serviço nº 265/2006 do Secretário Executivo da CGU, no exercício de suas atribuições instituídas no art. 24 do Anexo ao Decreto nº 5.683/2005, onde a título de disciplinar os procedimentos de investigação patrimonial preliminar e sindicância patrimonial, “concedeu” à Comissão de Sindicância a faculdade, com base no art. 198, § 1º, inciso II, da Lei nº 5.172/66 (CTN), com a redação dada pelo artigo 1º, da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, o “direito” de solicitar informações de natureza fiscal do investigado:

“Art. 5º A Corregedoria-Geral da União, com fundamento nas informações encaminhadas pela SPCI, decidirá pela instauração de sindicância patrimonial, PAD ou pelo arquivamento.

Parágrafo Único. O procedimento de sindicância patrimonial ou PAD observará o disposto na Portaria CGU nº. 335, de 30 de maio de 2006.

Art. 6º A comissão decidirá, com fundamento no art. 198 , § 1º, inciso II, da Lei  nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), com a redação dada pelo artigo 1º da Lei Complementar n.º 104, de 10 de janeiro 2001, quanto à necessidade de solicitação de informações de natureza fiscal relativas ao investigado.

Parágrafo Único. As solicitações de informações fiscais direcionadas à Secretaria da Receita Federal e demais órgãos de Administração Tributária serão expedidas pelo Secretário-Executivo, ou autoridade por ele indicada.

Art. 7º O presidente da comissão de sindicância patrimonial ou PAD providenciará o encaminhamento das informações fiscais à SPCI para que, por intermédio da DIE, seja efetuada a análise patrimonial.

§ 1º – A DIE elaborará documento denominado “Informação de Análise Patrimonial” sobre a evolução patrimonial do investigado, que conterá, inclusive, a análise do fluxo de caixa.

Art. 8º A Comissão notificará o investigado para apresentar esclarecimentos sobre as conclusões da análise patrimonial, pessoalmente ou por procurador.

Art. 9º Da sindicância patrimonial poderá resultar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, quando houver indícios de enriquecimento ilícito do agente público, ou o arquivamento dos autos.

Art. 10 Aplica-se o disposto nos artigos 6º e 7º desta Ordem de Serviço às sindicâncias e aos processos administrativos disciplinares - PAD em curso, que necessitam de análise patrimonial.”

As ilegalidades e os abusos do direito de investigar são tantos, que a sindicância patrimonial, definida no art. 9º do Decreto nº 5483/2005 como “procedimento sigiloso meramente investigatório”  que poderá ser arquivada quanto concluída, ou, se for o caso, ser convertido “em processo administrativo disciplinar” (§ 3º, do art. 9º, do Decreto nº 5483/2005), invade a competência do próprio processo administrativo, quando lhe é outorgada a condição de se valer do artigo 198, § 1º, inc. II, do CTN.

Isso mesmo, a Sindicância Patrimonial usurpa a competência do processo administrativo, por ser um procedimento investigatório preliminar, que antecede o processo disciplinar, visto que o CTN somente confere poderes investigatórios quando instaurado o regular processo administrativo.

Para chegar-se a tal conclusão, basta verificar o disposto no art. 198, II, do CTN:

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.   

§ 1º. Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.     

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.”  

Assim sendo, como legitimar-se a solicitação de autoridade administrativa (em fase preliminar ou em sindicância patrimonial), no interesse da “Administração Pública” de obter informações fiscais e/ou bancárias se não há a “instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa” (inc. II, art. 198 do CTN)?

O intercâmbio de informação sigilosa do agente público não pode ser utilizado em sindicância patrimonial, e nem em investigação preliminar que antecede a mesma, em face da ausência de instauração de regular processo administrativo, preconizado pelo CTN como condição mínima de procedibilidade.

Tal recomendação (de instauração de regular processo administrativo) não é nova no cenário tributário/fiscal, tornando-se conveniente anotar que a Lei nº 4.595/64, que dispõe sobre a política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, criando o Conselho Monetário Nacional e dando outras providências, concedeu aos agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda a prerrogativa de exame de documentos, livros e registro de contas de depósito, quando houver processo instaurado:

“Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

(...)

§ 5º. Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exame de documentos, livros e registros de contas de depósitos quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§ 6º. O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados se não reservadamente.

§ 7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.”

Na aplicação do direito material pela autoridade administrativa tributária, alguns atos devem ser praticados de forma ordenada, e com observância dos direitos do contribuinte. Por isso deve existir um processo administrativo tributário capaz de legitimar a atuação fiscalizatória do Estado.

Da mesma forma, a exigência de processo administrativo disciplinar garante a regra do due process of law para o agente público, permitindo ao poder público a iniciativa de atos que somente poderão ser praticados com a sua instauração.

Inverter tal ônus, através da criação de uma investigação patrimonial com intercâmbio de informações sigilosas movimentada por sindicância patrimonial, que antecede ao processo disciplinar, é algo que não possui lastro em nosso sistema jurídico sancionador, ainda mais quando se invade a privacidade fiscal do contribuinte que exerce função pública.

Não pode haver dois sistemas de investigação patrimonial, um para agentes públicos e outro para os contribuintes que não possuem vínculo com o poder público, pois o princípio da isonomia tributária vedaria tal discriminação.

No desempenho da fiscalização, a Receita Federal realiza os seguintes procedimentos fiscais: fiscalização e diligência.

Fiscalização são as ações que objetivam a verificação do cumprimento das obrigações tributárias relativas aos tributos e contribuições administradas pela Secretaria da Receita Federal.

As diligências são as ações destinadas a coletar informações ou outros elementos de interesse da administração tributária, inclusive para atender exigência de instrução processual.

Ou seja, para exercer diligência fiscal nos contribuintes, a exemplo da ação fiscal, deve a autoridade tributária estar munida de Mandado de Procedimento Fiscal, contido nas regras instituídas pelo Decreto n ° 70235/1972, regulado pelo parágrafo único, do artigo 2°, da Portaria nº 6.087/2005 da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

O artigo 2°, da Portaria nº 6.087/2005 estipula:

"Art 2°. Os procedimentos fiscais relativos a tributos e contrições administrados pela SRF  serão executados, em nome desta, pelos Auditores Fiscais da Receita Federal (AFRF) e instaurados mediante Mandado de Procedimento Fiscal

Parágrafo Único – Para o procedimento de fiscalização será emitido Mandado de Procedimento Fiscal – Diligência (MPF-D).” (g.n.)

No artigo 8º da Lei 8.021/90, que dispõe sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais, também fora prevista a solicitação de informações bancárias pela autoridade fiscal, para fins fiscalizatórios, desde que iniciado o procedimento fiscal:

"Art. 8°. Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Parágrafo único. As informações, que obedecerão às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no § 1 ° do art. 7°."

Da mesma forma, o art. 6º, da Lei Complementar nº 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, estabeleceu a necessidade da instauração de processo administrativo para as autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como condição de examinarem documentos, livros e registros de instituições financeiras, contas de depósito, e etc., litteris:

“Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.”

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ[22], fazendo uma retrospectiva da legislação tributária, tem como válida a investigação patrimonial do contribuinte, desde que instaurado o processo administrativo tributário:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO.  QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.

1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.

2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.

3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.

4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.

5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).

6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).

7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária."

12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).

13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.

14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.

15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.

16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001." (...) (g.n.)

Por sua vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento do RE nº 601.314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, submetido à sistemática da Repercussão Geral, considerou que o art. 6º da LC nº 105/2001, que permite ao fisco, desde que instaurado processo administrativo (um dos requisitos legais), requisitar diretamente às instituições financeiras informações bancárias, sem que com isto se considerem violados os sigilos bancários e fiscais.

Sem a instauração de processo tributário compatível não há como se requisitar informações sigilosas às instituições financeiras, e muito menos violar-se sigilo do contribuinte. Essa garantia do processo administrativo como condição de procedibilidade do fisco não pode ser relativizada, pois o contribuinte possui direitos indelegáveis, e um deles é o de não ser fiscalizado clandestinamente, sem que se respeite a regra do devido processo legal.

Utilizar-se de tais regras tributárias para compartilhar dados sigilosos na sindicância patrimonial fere o plasmado do princípio da legalidade, dentre outros, pois a sindicância em questão, nem em tese, se equipara ao processo administrativo.

Vivemos tempos difíceis sob o prisma jurídico, porquanto o presente abuso do direito de investigação é “suficiente” para devassar e afastar integralmente os sigilos de dados (fiscal e bancário) do agente público, no afã de possibilitar a sua tipificação em um pseudo enriquecimento ilícito, mesmo ausente a infração funcional.

Ou seja, o Poder Executivo, ao legislar indevidamente, criando um novo tipo persecutório, ligado à investigação patrimonial do agente público, deixou de observar que a legislação tributária somente permite a transferência de dados sigilosos para a Receita Federal quando a mesma está munida de mandado de procedimento fiscal, respaldado pelo processo de fiscalização correspondente.

A Administração tributária não pode pinçar ou quebrar o sigilo de dados do contribuinte ao seu bel prazer, visto que o princípio da isonomia tributária não permite a escolha aleatória de contribuintes que serão escolhidos para ingressarem na malha fina da fiscalização.

Existem critérios objetivos para iniciar-se a persecução tributária, sendo que um deles é a necessidade do contribuinte estar sendo submetido a um regular e competente processo de fiscalização.

 Na hipótese da sindicância patrimonial, que não é equiparado, nem em tese, ao processo administrativo disciplinar, a Administração Pública parte de uma ficção, através de devassa fiscal/bancária, sem autorização normativa ou judicial, desatrelada de irregularidade funcional, para inserir uma pseudo responsabilidade disciplinar, a ser apurada pelo processo administrativo disciplinar, em face de suposta variação patrimonial incompatível do agente.

Ou seja, a Administração Pública não toma como ponto de partida a irregularidade funcional do agente verificada através de seus atos (comissivo ou omissivo). Pelo contrário, a Administração Pública supõe a pseudo variação patrimonial incompatível, para depois processar o agente pelo fato criado pela “clandestina investigação”, levada a efeito pela sindicância patrimonial, em total inversão do postulado na cláusula do due process of law.

E para demonstrar todo o exagero persecutório, a Administração Pública se baseia em uma investigação criada por Decreto, sem a reserva de ato legislativo, e, a título de normatizar a inconstitucionalidade, cria atos normativos para tentar “legalizar” o abuso do direito de investigar, onde o agente é devassado fiscal e bancariamente no afã de encontrar um pseudo enriquecimento ilícito, tudo sem que haja a mínima autorização legal para tal.

Como visto, com base na sindicância patrimonial e na sua normatização administrativa (Ordem de Serviço CGU nº 265/2006), a Administração Pública vem requisitando da Receita Federal os dados bancários e fiscais de agentes públicos, ao argumento que os mesmos estão sendo investigados sobre um pretenso enriquecimento ilícito.

Este ato é ilegal, e fere o direito fundamental da proteção do sigilo de dados (art. 5º, X e XII, da CF) do agente público investigado.

Inobstante a inconstitucionalidade da instituição e criação da sindicância patrimonial, que não foi concebida por lei de iniciativa do Presidente da República, e sim por Decreto do Chefe do Poder Executivo, em total afronta ao princípio da “reserva de lei” (princípio da legalidade), a sindicância em questão não se equipara a um processo administrativo, por ser procedimento inquisitorial não punitivo, que contraria o CTN. Isto porque o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, deverá ser realizado mediante processo regularmente instaurado (§ 1º, do art. 198, do CTN), e as solicitações de autoridade administrativa no interesse da própria Administração, destacando a norma que “desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo no órgão ou na entidade respectiva, com objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refer a informação por prática de infração administrativa.” (inc. II, do art. 198 do CTN).

Assim as provas obtidas pelo intercâmbio de informações sigilosas são fornecidas ilicitamente e, portanto, inadmissíveis, segundo a redação do  inc. LVI, do art. 5º, da Constituição Federal:

“LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Os dados protegidos em virtude do direito de intimidade, aí incluem-se o sigilo bancário e o sigilo fiscal, não podem ser transferidos da forma como estão sendo pela Administração Tributária, a guardiã natural da compilação de todas as informações bancárias e econômicas dos contribuintes, para fins de instrução de procedimento de investigação patrimonial, que é a sindicância patrimonial.

Sequer há a instauração de processo administrativo, veículo legal necessário para capacitar as autoridades administrativas de requisitar o intercâmbio de informações legais.

Como a sindicância patrimonial é um mero procedimento inquisitorial, que busca colher provas para a instauração ou não de processo administrativo disciplinar, não resta dúvida que a coleta de provas sigilosas não possui lastro legal para ser fornecida, violando o direito do agente público investigado de não ter o seu sigilo fiscal compartilhado com a esfera correicional, somente quando existente o devido processo administrativo.

Portanto, o compartilhamento do sigilo somente poderá se dar quando instaurado o processo administrativo, condição sine qua non, como realçado pelo Min. Ricardo Lewandowski[23] quando do seu voto no RE 3601314/SP:

“Então eu penso que o sigilo não pode ser oponível ao contribuinte, ou seja, no mesmo em que se abre o processo administrativo, que é condição sine qua non para o compartilhamento do sigilo, é preciso que se tomem esses cuidados que estão previstos na própria Lei Federal, a qual fez alusão ao eminente Ministro Toffoli.”

No mesmo sentido votou o Min. Luis Roberto Barroso, concordando com o Min. Ricardo Lewandowski quando do debate travado no julgamento do RE nº 601314/SP, diz:

“O SENHOR MINISTRO LUIS BOBERTO BARROSO – Mas, veja, Vossa Excelência: se a Lei Complementar nº 105, no art. 6º, exige a instauração de processo administrativo, eu concordo plenamente com Vossa Excelência de que estas regras da lei do processo administrativo hão de se aplicar. Eu não teria dificuldade.”

O art. 6º, da Lei Complementar nº 105, diz o seguinte:

“Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”

Muito bem, então o sigilo só pode ser quebrado se houver um processo administrativo em curso, inclusive o bancário e com a autorização do Poder Judiciário. A Lei Complementar citada diz isso no art. 6º transcrito.

Da maneira como está sendo precedida a investigação patrimonial do agente público, pelo Decreto nº 5.483/2005, pela Portaria CGU nº 335/2006 e pela Ordem de Serviço nº 265/2006, do Secretário Executivo da CGU, a Administração Pública está tentando fazer “justiça pelas próprias mãos”, atropelando a Constituição, as Leis e o ordenamento jurídico vigente, para perpetrar verdadeira devassa fiscal contra o agente público, sob o pálido e inconsistente argumento de que fiscaliza enriquecimento ilícito do mesmo.

Destarte, por mais relevantes que sejam os argumentos do poder público, o procedimento estatal da Administração Pública que contrarie os postulados consagrados pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional revela-se inaceitável, não podendo ser corroborada em um Estado Democrático de Direito.

Os limites traçados pelas balizas jurídicas são inultrapassáveis, e restringem os poderes do Estado em suas relações com seus administrados, aí incluídos os agentes públicos, tal como advertiu o Supremo Tribunal Federal – STF[24] em expressivo julgamento, que a seguir se transcreve:

 “ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS. - Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. - A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.”

E em 15.12.2010, o Supremo Tribunal Federal – STF declarou a inconstitucionalidade do afastamento do sigilo de dados relativo ao contribuinte, tendo em vista que a quebra do sigilo bancário é matéria sob reserva de jurisdição.

A esse respeito, transcreve-se a ementa do RE nº 389.808, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, Pleno, DJ de 10.05.2011[25]:

“SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.”

Como visto, o STF condiciona o afastamento do sigilo de dados do indivíduo ao crivo de órgão equidistante, qual seja, o Poder Judiciário, e assim mesmo para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Do mesmo modo, entende o Supremo Tribunal Federal – STF[26] que o sigilo bancário se encontra submetido ao disposto no art. 5º, à luz da sua natureza de direito da personalidade:

“Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Banco Central do Brasil. Operações financeiras. Sigilo. 1. A Lei Complementar nº 105, de 10/1/01, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito (§§ 1º e 2º do art. 4º). 2. Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da Constituição Federal, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário. 3. Ordem concedida para afastar as determinações do acórdão nº 72/96 - TCU - 2ª Câmara (fl. 31), bem como as penalidades impostas ao impetrante no Acórdão nº 54/97 - TCU - Plenário.”

A quebra de sigilo de dados do agente público, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional, necessita se apoiar em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte normativo, sob pena de abuso de poder investigatório do ato estatal que a decrete.

Há um outro precedente muito interessante, da lavra do Min. Celso de Mello, no MS nº 23851/DF[27], e que esteve ligado à quebra do sigilo bancário por Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, onde foi decidido que a autorização para o afastamento da inviolabilidade do sigilo de dados não pode ser concebida como a retratar uma verdadeira devassa:

“[...] - A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa - quando ausente a hipótese configuradora de causa provável - revela-se incompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. Não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado - não obstante a ausência de quaisquer indícios concretos - o poder de vasculhar registros sigilosos alheios, em ordem a viabilizar, mediante a ilícita utilização do procedimento de devassa indiscriminada (que nem mesmo o Judiciário pode ordenar), o acesso a dado supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório, em função dos elementos informativos que viessem a ser eventualmente descobertos. A FUNDAMENTAÇÃO DA QUEBRA DE SIGILO HÁ DE SER CONTEMPORÂNEA À PRÓPRIA DELIBERAÇÃO LEGISLATIVA QUE A DECRETA.

- A exigência de motivação - que há de ser contemporânea ao ato da Comissão Parlamentar de Inquérito que ordena a quebra de sigilo - qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da própria deliberação emanada desse órgão de investigação legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento ulterior, quando da prestação de informações em sede mandamental. [...]”.  

Tanto a quebra do sigilo fiscal como o bancário devem vir devidamente fundamentadas para que o Poder Judiciário possa relativizar o disposto no art. 5º, inc. XII, da CF.

A Receita Federal, como órgão fiscalizador e arrecadador de tributos, não possui prerrogativa superior à do Poder Judiciário, assegurada pela Constituição.

Por essa razão, a sindicância patrimonial e Portarias da CGU, para fins de investigação patrimonial do agente público, não podem subverter a boa ordem constitucional para instituírem devassa tributária na vida do servidor público, a título de verificar se há ou não enriquecimento ilícito.

A 1ª Turma do STF, julgando o RE nº 461.3662/DF[28], Relator Min. Marco Aurélio, apontou que não poderia haver acesso a dados bancários sem que o Banco Central antes tivesse ordem judicial:

“SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal.”

Assim dispõe a Constituição Federal sobre a inviolabilidade da intimidade e a manutenção do segredo de dados:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;  

(...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”  

Além desses, também merece especial atenção a disposição do art. 145, § 1º, da Constituição Federal, a seguir reproduzido:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Assim, a Constituição permitiu a relativização da guarda do sigilo de dados do contribuinte com a única finalidade de fiscalização tributária para fins de verificação da capacidade econômica do contribuinte e o pagamento de imposto.

Não há previsão constitucional que permita a transferência de dados tributários do contribuinte agente público, para a esfera correicional do seu órgão público de lotação, para verificar se há enriquecimento ilícito.

Somente a investigação criminal, com a devida autorização judicial, é que estaria fora das hipóteses da fiscalização tributária, apta a requerer ao Poder Judiciário a devida autorização para fins de quebra do respectivo segredo de dados.

De modo geral se pode dizer que a orientação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, até hoje, apresenta duas diretrizes: 1) reconhece, na Constituição, um direito fundamental ao sigilo de dados, relativo ao direito à privacidade; 2) condiciona, de uma maneira geral, o acesso às informações financeiras do contribuinte à autorização do Poder Judiciário ou das Comissões Parlamentares de Inquérito, conforme a hipótese jurídica verificada.

A intimidade é direito fundamental do indivíduo, que pode ser relativizada se presente uma justa causa e, em todas as hipóteses, sob o crivo do Poder Judiciário.

A esse respeito, o RE nº 215301,[29] Rel. Min. Carlos Velloso, é digno de destaque:

“CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. C.F., art. 129, VIII. I. - A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C.F. consagra, art. 5º, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa. II. - R.E. não conhecido.”

A reserva de jurisdição é tida como fundamental para se evitarem abusos ou devassas do poder persecutório estatal.

Essa preocupação é permanente na Suprema Corte, visto que a Autoridade Fazendária pode ter acesso aos dados relativos às operações bancárias e fiscais dos contribuintes para promover cruzamentos, averiguações e conferências, com o objetivo de subsidiar processos de fiscalização tributária com a finalidade de exigir tributos que eventualmente tenham sido pagos a menor, se for o caso.

É fazer valer o dever legal de pagar impostos e de graduar essas exações conforme a capacidade contributiva do sujeito passivo. É esse, inclusive, o propósito dos instrumentos que a Lei Complementar nº 105/2001 e demais atos normativos conferem à Administração Tributária.

Tal hipótese legal é bem diferente da que se discute aqui, posto que a Administração Pública criou arcabouço de medidas ilegais e inconstitucionais (Decretos, Portarias, Orientações, etc.) que partem de presunções para motivar a transferência de dados sigilosos do agente público contribuinte, para promover devassa patrimonial na esfera correicional interna dos órgãos públicos federais, sem processo administrativo competente regularmente instaurado.

O procedimento estatal da Administração Tributária que compartilha os dados sigilosos colocados  na guarda dos agentes públicos para os órgãos correcionais contraria os postulados consagrados na Constituição, revelando-se inaceitável.

Mesmo não sendo absoluta a garantia constitucional da intimidade (e da privacidade), isso não significa, contudo, que o estatuto constitucional das liberdades públicas possam ser arbitrariamente desrespeitadas por qualquer órgão do Poder Público.

Por isso mesmo, a tramitação arbitrária da transferência de dados sigilosos do agente para o domínio correicional, sem comando normativo que autorize tal postura, não possui interesse público como fundamento, apesar de o mesmo ser invocado como “pano de fundo” para a tentativa de suporte. Esse ato do poder público tem significado de grave transgressão ao postulado constitucional que protege o direito à intimidade e à privacidade (Cf. Ms 23.663/DF, Rel. Min. Celso de Mello).

O eminente Professor Arnaldo Wald[30], em precisa abordagem sobre o tema, destaca:

"Se podia haver dúvidas no passado, quando as Constituições brasileiras não se referiam especificamente à proteção da intimidade, da vida privada e do sigilo referente aos dados pessoais, é evidente que, diante do texto constitucional de 1988, tais dúvidas não mais existem quanto à proteção do sigilo bancário como decorrência das normas da lei magna.

Efetivamente, as Constituições Brasileiras anteriores à de 1988, não só não asseguravam o direito à privacidade como também, quando tratavam do sigilo, Iimitavam-se a garanti-lo em relação à correspondência e às comunicações telegráficas e telefônicas, não se referindo ao sigilo em relação aos papéis de que tratam a Emenda n° IV à Constituição Americana, a Constituição Argentina e leis fundamentais de outros países. Ora, foi em virtude da referência aos papéis que tanto o direito norte-americano quanto o argentino concluíram que os documentos bancários tinham proteção constitucional.

Com a revolução tecnológica, os ‘papéis’ se transforaram em 'dados' geralmente armazenados em computadores ou fluindo através de impulsos eletrônicos, ensejando enormes conjuntos de informações a respeito das pessoas, numa época em que todos reconhecem que a informação é poder. A computadorização da sociedade exigiu uma maior proteção à privacidade, sob pena de colocar o indivíduo sob contínua fiscalização do Governo, inclusive nos assuntos que são do exclusivo interesse da pessoa. Em diversos países, leis especiais de proteção contra o uso indevido de dados foram promulgadas e, no Brasil, a inviolabilidade dos dados individuais, qualquer que seja sua origem, forma e finalidade, passou a merecer a proteção constitucional em virtude da referência expressa que a eles passou a fazer o inciso XII, do art. 5º, modificando, assim, a posição anterior da nossa legislação, na qual a indevassibilidade em relação a tais informações devia ser construída com base nos princípios gerais que asseguravam a liberdade individual, podendo até ensejar interpretações divergentes ou contraditórias.

Assim, agora em virtude dos textos expressos da Constituição e especialmente da interpretação sistemática dos incisos X e XOO do art. 5º, da CF, ficou evidente que a proteção ao sigilo bancário adquiriu nível constitucional, impondo-se ao legislador, o que no passado, podia ser menos evidente.” (grifos no original).

Como visto, para haver a quebra de sigilo bancário/fiscal na atualidade, deverá haver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, sendo certo que tais exames deverão ser considerados imperiosos e fundamentais pela autoridade administrativa competente. Esta autorização legal não serve como um poder ilimitado para a Administração Pública, uma vez que se torna necessária a presença da justa causa e a devida razoabilidade da medida. O que temos presenciado é justamente o contrário, onde o Poder Público primeiro acusa, depois tenta reunir provas para formalizar o procedimento administrativo, solicitando autorização judicial para respaldar a já efetuada quebra de sigilos[31].

A pretexto de possibilitar uma pseudo investigação do contribuinte/agente público, o Poder Público tem vilipendiado os respectivos direitos ao sigilo de dados, da intimidade, da privacidade, através da quebra do sigilo bancário/fiscal, sob o fundamento que está verificando se houve a prática de enriquecimento ilícito presumido, sem, contudo, demonstrar um nexo de causalidade com a função pública, invertendo a presunção de inocência do agente público acusado, com a quebra de seu sigilo de dados sem ao menos demonstrar uma violação a preceito administrativo, ou a prática de um ilícito por parte do mesmo. Deveria ser demonstrado, em primeiro lugar, a prática de um ilícito, vinculada à função pública exercida pelo agente público investigado, para, após, ser apurado se houve o tão alardeado enriquecimento ilícito presumido. A inversão destes papéis é extremamente perigosa, pois a Administração Pública parte do princípio de que se houver uma movimentação bancária incompatível com os vencimentos do agente público ou variação patrimonial desproporcional, resta caracterizado o enriquecimento ilícito presumido.

A fundamentação para a transferência e a quebra do sigilo de dados do agente público investigado pela ilegal sindicância patrimonial tem consistido, pura e simplesmente, no pueril argumento de que o mesmo está sendo investigado em uma possível prática de enriquecimento ilícito, argumento insubsistente sob o prisma do plasmado constitucional.

É nula de pleno direito a quebra do sigilo fiscal e bancário quando ausente a indispensável fundamentação[32], estabelecida a partir de fatos tidos, em tese, como ilícitos ou ilegais.

A quebra dos sigilos fiscal e bancário é medida excepcional, necessitando que hajam indícios suficientes da prática de um grave delito, sendo insuficientes meras matérias jornalísticas[33], tendo em conta que a acusação deverá ter plausibilidade e verossimilhança, sob pena de se produzir prova ilícita (art. 5º, LVI, da CF).

Portanto, é inconstitucional a transferência e a quebra do sigilo de dados do agente público investigado em sindicância patrimonial, quer pela ausência de norma constitucional que lhe ampare, quer pela ausência de forma normativa hábil, e ainda, pela ausência de crime ou autorização do Poder Judiciário.


IV – NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS NA SINDICÂNCIA PATRIMONIAL – PROVAS ILÍCITAS – CONTAMINAÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR

O poder persecutório estatal não é absoluto, estando submetido a uma plêiade de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes, aos agentes públicos e aos indivíduos em geral.

Construiu o Supremo Tribunal Federal – STF uma firme jurisprudência quanto a necessidade da Administração Tributária, inclusive a fiscalização, repeitar os direitos e as garantias individuais dos contribuintes e dos terceiros.

Essa orientação do STF de proteger o plasmado das garantias fundamentais do cidadão na atualidade ganha contornos de efetividade, pois não são absolutos os poderes que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária.

Nesse contexto, a 2ª T do STF, Rel. Min. Celso de Mello, no HHC nº 93.050-6/RJ[34], teve a oportunidade de explicitar as garantias constitucionais do cidadão em face da atuação arbitrária da fiscalização tributária:

“(...) ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.

- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. (...)”

Tal lição do STF se projeta para as situações jurídicas acarretadas pela sindicância patrimonial, concebida por Decreto do Poder Executivo (Decreto nº 5.483/2005), em violação ao princípio da “reserva de lei” de iniciativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, II, c), onde se afasta o sigilo de dados do agente público sem as cautelas exigidas pela Carta Fundamental (art. 5º, incs. X e XII), quando é compartilhada informação fiscal e bancária do investigado sem autorização judicial.

Esse conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações estatutárias ou contratuais mantidas pelos entes de direito público com os seus agentes, fazem parte da locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos”, que só podem ser gerados, alterados ou criados por ato normativo do Poder Legislativo, como já visto nos tópicos anteriores.

Assim, a documentação que passa a embasar a instauração do processo administrativo que apure o enriquecimento ilícito do agente público, caracteriza prova ilícita, por ter sido produzida pelo compartilhamento de dados sigilosos obtidos por convênio entre a CGU e a Receita Federal, no procedimento da sindicância patrimonial.

Ou seja, a documentação é obtida (ou derivada) da irregular sindicância patrimonial, que mesmo não sendo processo administrativo, faz suas vestes para obter informações que a própria legislação tributária condiciona, para possibilitar a transferência de informações sigilosas, sem que haja a regular a instauração do processo administrativo.

Os fundamentos que dão suporte à investigação patrimonial do agente público, no processo administrativo disciplinar, começam a ser desenvolvidos sob a égide da ilicitude da produção de prova, decorrente da transgressão à garantia constitucional da “reserva de lei” (Princípio da legalidade), da proteção à intimidade do cidadão a manutenção de seu sigilo de dados, salvo se relativizado pelo Poder Judiciário (art. 5º, inc. C e XII, da CF) e, por fim, da subversão da legislação tributária que exige, para fins de procedibilidade administrativa, o compartilhamento de informações após a instauração de processo administrativo, que não se confunde com a sindicância.

Cabe destacar, por relevante, que a 2ª T. do Supremo Tribunal Federal, no HC nº 82.788/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, já se posiciona sobre a impossibilidade da Administração Tributária agir de forma autoritária e “com poderes absolutos”:

“FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) - SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE "CASA" - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.

- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.

(...)

ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal.

- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes.

- A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular.

- Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros.”

Em outro expressivo precedente do Supremo Tribunal Federal – STF (MS nº 23.452-1/RJ), onde a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI havia determinado a quebra de sigilos bancários, telefônicos e fiscal sem fundamentação, houve o efetivo controle dos excessos estatais, com a efetiva anulação dos atos praticados pelo poder investigatório[35]:

“(...) - A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.

- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.

O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO.

- O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória.

OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS.

- Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).

As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República.

É essencial reconhecer que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos - sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer. Doutrina. Precedentes.

(...)

A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO.

- O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV).

- As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal.

- O caráter privilegiado das relações Advogado-cliente: a questão do sigilo profissional do Advogado, enquanto depositário de informações confidenciais resultantes de suas relações com o cliente. (...)”

Dessa forma, a transgressão pelo Poder Público (esfera correicional), ainda que em sede de procedimento (sindicância patrimonial) que investiga suposto enriquecimento ilícito do agente público, das restrições e das garantias constitucionalmente estabelecidas em favor dos contribuintes (agentes públicos/e de terceiros) culmina por gerar ilicitude da prova eventualmente obtida no curso das diligências estatais, o que provoca, como direta consequência desse gesto de violação a Constituição, a própria inadmissibilidade processual dos elementos probatórios produzidos.

Em outras palavras, a prova produzida pela sindicância patrimonial é ilícita (art. 5º, inc. LVI, da CF), tornando-se inadmissíveis no processo administrativo disciplinar.

Isto porque, a prova obtida por meios ilícitos é repudiada pela mesma Lei Fundamental, não servindo como meio ou fonte da acusação, por mais expressivo que sejam os objetivos da investigação.

A cláusula constitucional do devido processo legal (due process of law) tem como dogma não admitir a produção ou obtenção de provas ilícitas, na medida em que o réu ou o acusado (no caso do PAD) possui o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em meios instrutórios produzidos de forma incompatível com os limites impostos pelo ordenamento jurídico ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.

A inviabilidade da prova ilícita retira a eficácia dos fatos e eventos que se pretende provar. A prova ilícita é prova inidônea, não se prestando para qualquer fim, por ser repelida pelo ordenamento constitucional, sendo destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.

Assim está grafado o art. 5º, inc. LVI, da CF:

“LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”

E Antônio Magalhães Gomes Filho,[36] de forma acertada faz a seguinte advertência:

Após dez anos de vigência do texto constitucional persistem as resistências doutrinárias e dos tribunais à proibição categórica e absoluta do ingresso, no processo, das provas obtidas com violação do direito material.

Isso decorre, a nosso ver, em primeiro lugar, de uma equivocada compreensão do princípio de livre convencimento do JUIZ, que não pode significar liberdade absoluta na condução do procedimento probatório nem julgamento desvinculado de regras legais. Tal princípio tem seu âmbito de operatividade restrito ao momento da valoração das provas, que deve incidir sobre material constituído por elementos admissíveis e regularmente incorporados ao processo.

De outro lado, a preocupação em fornecer respostas prontas e eficazes às formas mais graves de criminalidade tem igualmente levado à admissão de provas maculadas pela ilicitude, sob a justificativa da proporcionalidade ou razoabilidade. Conquanto não se possa descartar a necessidade de ponderação de interesse nos casos concretos, tal critério não pode ser erigido à condição de regra capaz de tornar letra morta a disposição constitucional. Ademais, certamente não será com o incentivo às práticas ilegais que se poderá alcançar resultado positivo na repressão da criminalidade.”

Da mesma forma, Alexandre de Moraes[37] completa:

“A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para a obtenção de qualquer prova.”

Por ser prova ilícita e juridicamente inidônea, a sindicância patrimonial contamina todos os demais elementos de informação que dela resultaram, e que servem de suporte para manter hígido o processo administrativo disciplinar, instaurado em decorrência da ilicitude praticada pelo poder correicional.

A ilicitude originária da prova, nesse contexto, se transmite, por repercussão, a todos os dados probatórios produzidos pela sindicância patrimonial e transportados para o processo administrativo disciplinar que se apoia nos fundamentos causais das provas produzidas ilicitamente na sindicância patrimonial, e continua a manter eficaz a ilicitude das provas por derivação, contaminando todo o apuratório, que se torna imprestável e desprovido de conteúdo jurídico

Ada Pellegrine Grinover[38] analisa a questão da ilicitude da prova, mesmo da ilicitude por derivação, nos seguintes termos:

"A Constituição brasileira toma posição firme, aparentemente absoluta, no sentido da proibição de admissibilidade das provas ilícitas. Mas, nesse ponto, é necessário levantar alguns aspectos: quase todos os ordenamentos afastam a admissibilidade processual das provas ilícitas. Mas ainda existem dois pontos de grande divergência: o primeiro deles é o de se saber se inadmissível no processo é somente a prova, obtida por meios ilícitos, ou se é também inadmissível a prova, licitamente colhida, mas cujo conhecimento se chegou por intermédio da prova ilícita.

Imagine-se uma confissão extorquida sob tortura, na qual o acusado ou indiciado indica o nome do comparsa ou da testemunha que, ouvidos sem nenhuma coação, venham a corroborar aquele depoimento.

Imaginem uma interceptação telefônica clandestina, portanto ilícita, 'pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. Essas provas são 'ilícitas 'por derivação', 'porque, em si mesmas lícitas, são oriundas e obtidas por intermédio da ilícita. A jurisprudência norte-americana utilizou a imagem dos frutos da árvore envenenada, que comunica o seu veneno a todos os frutos. (...)."

Atento à inadmissibilidade da prova ilícita, o Supremo Tribunal Federal – STF construiu jurisprudência sólida contra a sua utilização pelo poder estatal, invalidando a sua eficácia, como decidido em vários precedentes, sendo um deles o da Ação Penal nº 307-3/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão:[39]

“É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste a necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, em prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse da sociedade em uma eficaz repressão e delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se justifica a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, enfim, Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência Criminal, transcrita pela defesa. A Constituição Brasileira, no art. 5º, inc. CVI, com efeito, dispõe a todas as letras, que são admissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Da mesma forma, o Ministro Sepúlveda Pertence, em alentado voto de Relator no HC nº 69.912/RS,[40] deixou registrado:

“Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do 'fruit of the poisonous tree' é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita.

De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria “degravação: das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitaemente, para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e, não, reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.

......................................................................................................

Na espécie, é inegável que só as informações extraídas da escuta telefônica indevidamente autorizada é que viabilizaram o flagrante e a apreensão da droga, elementos também decisivos, de sua vez, na construção lógica da imputação formulada na denúncia, assim como na fundamentação nas decisões condenatórias.

Dada essa patente relação genética entre os resultados da interceptação telefônica e as provas subsequentemente colhidas, não é possível apegar-se essas últimas - frutos da operação ilícita inicial - sem, de fato, emprestar relevância probatória à escuta vedada.”

Contaminada na origem, a prova produzida na sindicância patrimonial que serviu para a Comissão de Sindicância opinar pela abertura do processo disciplinar de verificação de enriquecimento ilícito também foi imperiosa para o juízo de admissibilidade proferido pela a autoridade julgadora que determina a instauração do PAD, e se utiliza do acervo probatório produzido como fonte de apuração e de desenvolvimento.

Irrecusável, por isso mesmo, a absoluta ineficácia probatória dos elementos de convicção, cuja apuração decorre, em sua própria origem, de comportamento ilícito dos membros da Comissão de Sindicância, que se utilizaram de prova revestida de proteção constitucional como inviolável, respeitadas as exceções constitucionais previstas. A não observação pelo citado rito torna imprestável para o desenvolvimento do processo administrativo disciplinar.

Esse entendimento é um reflexo direto da expressão utilizada pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, qual seja, a teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisoned tree”).

Assim, por derivação, a ilicitude inicial da prova se projeta sobre os atos posteriores praticados também pela comissão disciplinar que toma como base o suporte fático/probatório da transferência de informações sigilosas do agente, obtidos na sindicância patrimonial e, por sua vez, totalmente manipulados pela produção da prova ilícita.

Quanto a ilicitude da prova produzida pela Administração tributária, merece relevo citar posição do Supremo Tribunal Federal, no citado HC nº 93.050-6/RJ,[41] como se verifica em parte da emenda do v. acórdão:

“ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. - A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular. - Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros.

A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)."

Da mesma forma, segue outro precedente do Supremo Tribunal Federal[42]:

“INQUÉRITO. DENÚNCIA CONTRA DEPUTADO FEDERAL. CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA (ART. 332 DO CP). OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA POR JUIZ INCOMPETENTE, DE ACORDO COM O ART. 102, INC. I, AL. b DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO ART. 1° DA LEI N. 9.296/1996. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA EXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO CLARA E OBJETIVA EM RELATÓRIO DA POLÍCIA FEDERAL DE POSSÍVEL PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS E, POSTERIORMENTE, DE MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ILICITUDE DAS PROVAS DERIVADAS DA INTERCEPTAÇÃO ILICITAMENTE REALIZADA POR AUTORIDADE JUDICIAL INCOMPETENTE. CONFIGURAÇÃO DA HIPÓTESE DO ART. 395, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. 1. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, individualiza a conduta do denunciado no contexto fático, expõe de forma pormenorizada todos os elementos indispensáveis à demonstração de existência, em tese, do crime de tráfico de influência, sem apresentar a contradição apontada pela defesa. 2. A prova encontrada, fortuitamente, durante a investigação criminal é válida, salvo se comprovado vício ensejador de sua nulidade. 3. Nulidade da interceptação telefônica determinada por autoridade judicial incompetente, nos termos do art. 102, inc. I, al. b, da Constituição da República e do art. 1.º da Lei n. 9.296/1996. 4. Ausência de remessa dos autos da investigação para o Supremo Tribunal Federal, depois de apresentados elementos mínimos caracterizadores da participação, em tese, de Ministro do Tribunal de Contas da União e de membro do Congresso Nacional na prática de ilícito objeto de investigação. 5. Contaminação das provas produzidas, por derivação, por não configuradas as exceções previstas no § 1° e no § 2° do art. 157 do Código de Processo Penal. 6. Denúncia rejeitada, por não estar comprovada, de forma lícita, a existência de justa causa para o exercício da ação penal, caracterizando a hipótese prevista no art. 395, inc. III, daquela lei processual.”

Doutrinariamente, Fernando  da Costa Tourinho[43] averba:

“Não só as provas obtidas ilicitamente são proibidas (busca domiciliar sem mandado judicial. escuta teletônica sem autorização da autoridade judiciária competente, obtenção de confissões mediante toda sorte de violência etc.), como também as denominadas 'provas ilícitas por derivação'.

Na verdade, ao lado das provas ilícitas, há a doutrina do 'fruit of the poisonous tree , ou simplesmente 'fruit doctrine' 'fruto da árvore envenenada' adotada nos Estados Unidos desde 1914 para os Tribunais Federais, e, nos Estados, por imperativo constitucional, desde 1961, e que teve sua maior repercussão no caso 'Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920)', quando a Corte decidiu que o Estado não podia intimar uma pessoa a entregar documentos cuja existência fora descoberta pela polícia por meio de uma prisão ilegal. Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecimento, que, a seguir, é apreendida com todas as formalidades legais... Assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal. Não consiste a doutrina do 'fruto da árvore envenenada'. Os Tribunais norte-americanos têm se valido dessa doutrina 'com a finalidade de reafirmar os fundamentos éticos e dissuasivos da ilegalidade estatal em que se baseia aquela regra'. Aliás, a Suprema Corte tem sufragado a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou da doutrina denominada 'fruits of the poisonous tree'. No HC 69.912-RS, o Ministro Sepúlveda Pertence, como Relator, observou: ‘Vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade Ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas... E finalizando: ou se leva às últimas consequências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida (Informativo STF, n. 36, de 21.06.1996). No HC nº 73.351/SP, o SRF concedendo o writ, observou que a prova ilícita contaminou as provas obtidas a partir dela. A apreensão dos 80 quilos de cocaína só foi possível em virtude de interceptação telefônica... (Informativo STF nº 30, de 15.05.1996).

E a sanção processual para as provas inadmissíveis é a sua imprestabilidade ou, na linguagem do novo  Codice de Procedura Penale, art. 191, sua ‘non utilizzabilitá’, (art. 191, 1, ‘LE prove acquisite in violazione deo divieti stabiliti dalla legge non possono essere utilizzate. 2. L’inutilizzabilitá è rilevabile anche di ufficio in ogni stato e grado del procedimento’).

Ninguém pode ser acusado ou julgado com base em provas ilícitas. Ressalte-se que a exigência do due process of law destina-se a garantir a pessoa contra a ação arbitrária do Estado e a colocá-la sob a imediata proteção das leis.

Aliás, o pretório Excelso já decidiu que, ... os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou a ação penal...’ (RTJ, 122/47).

E se, por acaso, em decorrência de prova obtida ilicitamente, por exemplo, um depoimento conseguindo mediante tortura, a Polícia se dirige ao verdadeiro culpado, e este, sem a menor resistência , confessa o crime? E se durante busca domiciliar realizada sem mandato judicial, uma empregada da casa, sem qualquer atitude agressiva da Polícia, delata o criminoso ou procurado? E, uma vez procurado o criminoso, este, sem qualquer coação, reconhece a sua culpa ou, no outro exemplo, indo a Polícia ao local onde o objeto procurado deveria estar, é encontrado e apreendido? Quid inde? Será que a ilegalidade inicial (tortura da testemunha, busca domiciliar ao arrepio da lei ) , se projeta sobre outras provas obtidas a partir daquela ilegalidade ou em decorrência dela? Dir-se-á que a confissão do criminoso e o depoimento da testemunha foram prestados com inteira liberdade, e, por isso mesmo, constituíram fontes independentes. Mas, se houver outras provas consideradas autôn0JD4s, isto é, colhidas sem necessidade dos elementos informativos revelado. pela prova ilícita, não haverá invalidade do processo. Disse-o o STF no HC 76.231-RJ ('Informativo STF n.  115).”

Destarte, a instauração de processo administrativo disciplinar que tenha como suporte probatório a transferência de informações fiscais e bancárias do agente público continua a germinar a ilicitude da prova e, via de consequência, não possui solidez jurídica para criar ou gerar juízo condenatório, em face da sua imprestabilidade perante o cenário jurídico-constitucional.

No contexto do sistema Constitucional vigente, no qual não se admite a produção de provas ilícitas, as provas transportadas da sindicância patrimonial para o processo administrativo disciplinar, por serem nulas, contaminam o PAD e todas as provas produzidas a posteriori, que acolham por derivação, tornando-se também imprestáveis para os fins almejados pela Administração Pública.

Não se revelará aceitável, para efeito de juízo de admissibilidade do processo administrativo disciplinar, que sejam utilizadas provas ilícitas, visto que as mesmas não se prestam para determinar o valor probante de possível enriquecimento ilícito do agente.

Sempre que a obtenção das provas resultarem em transgressão pelo poder público do ordenamento positivo, os atos posteriores são ilícitos por derivação, não se revelando aceitável para efeito de juízo condenatório do agente público. 

O enriquecimento ilícito do agente público deve ser provado validamente perante o ordenamento jurídico, sem transgressões  ou usurpações, para que o plasmado do direito justo seja respeitado pelo poder público, servindo de exemplo para toda a sociedade.

A Carta Fundamental não legitima o poder absoluto das autoridades públicas, condicionando os atos estatais à sua formatação, visando à segurança jurídica e à estabilidade das relações jurídicas, em prol de uma sociedade livre e justa.


III – CONCLUSÃO

Ex positis, concluímos pela inconstitucionalidade do Decreto nº 5483/2005, que criou a sindicância patrimonial sem observar o plasmado constitucional da “reserva de lei”, domínio normativo exigido para conferir legitimidade à investigação patrimonial do agente público, implementado com a finalidade de verificar um possível enriquecimento ilícito.

Por mais relevantes que sejam os fatos investigados, o direito sancionador estatal só pode ser instaurado quando presentes seus pressupostos de validade perante o ordenamento constitucional, para que as provas produzidas não sejam declaradas ilícitas e inválidas para os fins a que se destinam.

Por essa razão, as provas produzidas pela sindicância patrimonial são ilícitas, contaminando os atos administrativos subsequentes, em decorrência da quebra de sigilo de dados do agente público sem a autorização judicial e sem a instauração de processo administrativo, em violação direta ao que vem estatuído no art. 198, § 2º, do CTN e no art. 5º, incs. X e XII, da CF.


Notas

[1] “Decerto, não foge à razoabilidade supor que o réu, ao executar as condutas em apreço, auferisse alguma vantagem financeira ilegítima. No entanto, embora o parquet tenha sustentado em sua petição inicial a existência do locupletamento ilícito do ex-servidor, não trouxe aos autos qualquer prova de evolução patrimonial incompatível com o cargo então ocupado, limitando-se a citar dispositivos legais da Lei 8.429/92 referentes a enriquecimento ilícito. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “em matéria de enriquecimento ilícito, cabe à Administração comprovar o incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de renda do servidor. Por outro lado, é do servidor acusado o ônus da prova no sentido de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito” (STJ, 1ª Seção, MS 19.782, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06.04.2016; STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 548901, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 23.02.2016). Daí que, à míngua de prova nos autos em tal sentido, afigura-se correta a linha decisória adotada pela sentença quanto à não verificação de locupletamento ilícito do réu. No que concerne aos danos morais, discorreu o MPF que os prejuízos acarretados à Previdência Social por força dos atos do réu transcendem a mera esfera patrimonial, uma vez que atingiram a credibilidade do INSS e a moralidade de seus servidores. Ressaltou que, ao lesar os cofres da autarquia previdenciária, que custeia um dos pilares da Seguridade Social, o réu acabou por atingir toda a coletividade, causando prejuízo moral de natureza difusa. A sentença impugnada, em contrapartida, entendeu por não demonstrado que a conduta do réu tenha afetado o conceito/imagem da autarquia perante o público.” (TRF – 2a Reg. Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, Remessa ex officio no 2010.51.01. 009840-1, 5a Turma Especializada, julgado em 1.06.2016).

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. Ed.,  São Paulo: Malheiros, 1993, p. 368.

[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2004, p. 72.

[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2. ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 635.

[5] CANOTILHO, J.J. Gomes.  op. cit. ant., p. 635.

[6] CANOTILHO. JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 633.

[7] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo V/220, item nº 62, 2. ed, Coimbra: Coimbra Editora.

[8] STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Suspensão de Segurança nº 1016-6/PB, Pleno, DJ de 20.06.96, p. 22.057.

[9]  STF, Rel. Min. Celso de Mello, ADI-Mc nº 766/RS, Plano, DJ de 27.05.94, p. 13.186.

[10] STF, Rel. Min. Celso de Mello, ADI-MC nº 2075, Pleno, julgado em 07.02.2001.

[11] Art. 145, da Lei no 8.112/90.

[12] Arft. 13 da Lei nº 8.429/92: “A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declarações dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ficar arquivado no serviço de pessoal competente.”

[13] “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DECRETO ESTADUAL 38.127/1999. TETO REMUNERATÓRIO. ESTIPULAÇÃO POR DECRETO DO PODER EXECUTIVO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI. AGRAVO IMPROVIDO. I – A estipulação de teto remuneratório por meio de decreto do Poder Executivo viola o postulado constitucional da reserva de lei. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (STF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, REAgR nº 426491, 1ª T., julgado em 8.02.2011) E ainda: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ALAGOAS. DECRETO ESTADUAL 38.127/99. REGULAMENTAÇÃO DO TETO REMUNETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA RESERVA LEGAL. Conforme jurisprudência pacificada, a regulamentação do teto remuneratório é matéria sujeita à reserva de lei. Inviável, portanto, a edição de Decreto para tal fim (cf. ADI 2.075-MC, rel. min. Celso de Mello, DJ 27.06.2003). Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, RE nº 446452, 2ª T., julgado em 31.08.2010).

[14] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 306.

[15] TÁCITO, Caio. Lei de Iniciativa do Poder Executivo. Sanção. Criação de Cartos e Aumento de Vencimentos. In Revista de Direito Administrativo, vol. 68. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Abr-Jun/1962, p. 349.

[16] “Art. 67 (...)

§ 2º. Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados, do Senado e dos Tribunais Federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa das leis que criem empregos em serviços existentes, aumentem vencimentos ou modifiquem, no decurso de cada legislativa, a lei de fixação das forças armadas.”

[17] TÁCITO, Caio. op. cit. ant., p. 341.

[18] STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, ADI nº 766/RS, Pleno. DJ de 11.12.1998.

[19] “Direito Constitucional e Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 165, de 25.09.91, do Distrito Federal. 1. A Lei impugnada trata de servidores públicos do Distrito Federal, de seu Regime Jurídico, inclusive contagem de tempo de serviço para todos os efeitos e de provimento de cargos, definindo critérios para a progressão funcional, matérias todas compreendidas na alínea "c" do 1. do artigo 61, que atribuem privativamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa do processo legislativo, princípio a ser observado, não só nos Estados (art. 25), mas, também, no Distrito Federal (art. 32). 2. Não tendo havido, no caso, iniciativa do Governador do D.F., ocorre a inconstitucionalidade formal. 3. Ação direta julgada procedente, com a declaração de inconstitucionalidade da Lei. Votação unânime.” (STF, Rel. Min. Sidney Sanches, ADI nº 665, Pleno, julgado em 15.03.95.

[20] MENDES, Gilmar Ferreira;  COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., Rio de Janeiro: Saraiva, 2008, ps. 1011-1012.

[21] Art. 17, da Portaria CGU nº 335, de 30 de maio de 2006: “Art. 17. O procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão constituída por dois ou mais servidores efetivos ou empregados públicos de órgão ou entidade da Administração Pública Federal.”

[22] STJ, Rel. Min. Luiz Fux, REsp nº 1134665/SP, 1ª S., DJde 18.12.2009.

[23] STF, Rel. Min. Edson FAchin, RE nº 601.314/SP, Pleno, julgado em 24.02.2016.

[24] STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 93050/RJ, 2ª T., DJde 1.08.2008.

[25] SRF, Rel. Min. Marco Aurélio, RE nº 389.808/PR, Pleno, DJde 10.05.2011.

[26] STF, Rel, Min,. Menezes Direito, MS nº 22801, Pleno, DJ de 14.03.2009.

[27] STF, Rel. Nin. Celso de Mello, Ms nº 23851/DF, Plano, DJ de 21.06.2002.

[28] SRF, Rel. Min. Marco Aurélio, RE nº 461.366/DF, 1ª T., DJ de 05.10.2007.

[29] STF, Rel. Min. Carlos Velloso, RE nº 215301, 1ª T., DJ de 28.05.1999.

[30] WALLD, Arnoldo. Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, vol. 1/206,  São Paulo: RT,  1992.

[31] Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins, com a precisão de sempre, já advertiam quanto ao que acabamos de aduzir: “Em outras palavras, se nos processos investigatórios o sigilo já estaria quebrado, por que solicitar ao Poder Judiciário autorização para obter informações que a própria Receita já estaria de posse...” (REALE, Miguel e MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Inconstitucionalidade do Decreto no 4.489, de 28/11/2002 por macular o Processo Legislativo Plasmado na Lei Suprema e Infringir Direitos Fundamentais do Cidadão – Opinião Legal.” In: Revista Ibero-Americana de Direito Público, Rio de Janeiro, ano 4, vol. 9, 1o trim. de 2003, p. 283.

[32] “Quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico, por Comissão Parlamentar de Inquérito. Nulidade do ato por falta da indispensável fundamentação” (STF, Rel. Min. Octávio Gallotti, MS no 23668/DF, Pleno, DJ de 24 nov. 2000. p. 88).

[33] “Agravo Regimental em Petição. Contrato de Prestação de Serviços Advocatícios. Quebra de Sigilo Bancário, Fiscal e Telefônico. Matérias Jornalísticas. Duplicidade da Notícia-Crime. 1. O contrato de prestação de serviços advocatícios foi objeto de exame da decisão agravada. É equivocada a alegação do agravante de que a decisão agravada não apreciou a existência do contrato e seu conteúdo. Os honorários e a forma de pagamento contratados não podem ser apontados como ilegais, a ponto de permitirem que se instaure uma ação penal. O pagamento das parcelas avençadas no referido contrato, nada mais é do que uma obrigação da parte contratante. 2. Para autorizar-se a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, medida excepcional, é necessário que hajam indícios suficientes da prática de um delito. A pretensão do agravante se ampara em meras matérias jornalísticas, não suficientes para caracterizar-se como indícios. O que ele pretende é a devassa da vida do Senhor Deputado Federal para fins políticos. É necessário que a acusação tenha plausibilidade e verossimilhança para ensejar a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. 3. Declaração constante de matéria jornalística não pode ser acolhida como fundamento para a instauração de um procedimento criminal. 4. A matéria jornalística publicada foi encaminhada ao Ministério Público. A apresentação da mesma neste Tribunal tem a finalidade de causar repercussão na campanha eleitoral, o que não é admissível. Agravo provido e pedido não conhecido” (STF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pet. no 2805 AgR/DF, Pleno, DJ de 27 fev. 2004. p. 20).

[34] STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 93.050/RJ, 2ª T., DJ de 1.08.2008.

[35] STF, Rel. Min. Celso de Mello, MS nº 23.452-1/RJ, Pleno, julgado em 16.09.1999).

[36] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1988, in  Os 10 Anos da Constituição Federal. Coordenado por MORAES, Alexandre de. São Paulo: Atlas, 1999, ps. 249/266.

[37]MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 374.

[38] GRINOVER, Ada Pelegrine. A Eficácia dos Atos Processuais à luz da Constituição Federal. Vol. 37/46-47, 1992, in RPGESP)

[39] STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, AP nº 307-3/DF, Pleno, DJ de 13.10.95.

[40] STF, RTJ nº 155/508, p. 515.

[41] STJ, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 93.050-6/RJ, Pleno, DJ de 01.08.2008.

[42] STF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Inf. Nº 3732/DF, 2ª T., DJ de 22.03.2016.

[43] TOURINHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 9. Ed., São Paulo: Saraiva, 2005, os; 474/476.


Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5557, 18 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68470. Acesso em: 24 abr. 2024.