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A atuação axiológico-normativa dos princípios no sistema de direito positivo brasileiro

A atuação axiológico-normativa dos princípios no sistema de direito positivo brasileiro

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O termo “princípio” é equívoco e pode induzir o jurista a erro, uma vez que muitas formulações doutrinárias a respeito do tema referem-se ao sentido jurídico.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I. 1 Conceito de “Princípio”: Considerações Preliminares. 2 Acepções Básicas do Vocábulo “Princípio”. 2.1 Os Princípios no Contexto da Ciência. 2.2 Os Princípios em Face do Direito. 3 Da Axiologia no Contexto Jurídico. CAPÍTULO II. 1 Epistemologia Jurídica. 1.1 Epistemologia e o Binômio Sujeito e Objeto. 1.2 Conceito e Características do Saber Científico. 1.3 Enunciado Filosófico. 1.4 Classificação das Ciências. 2 Ciência Jurídica e seu Objeto. 3 Métodos de Investigação. 4 O Problema da Conceituação. 5 Direito Positivo. CAPÍTULO III. 1 Os Princípios como Base do Sistema. 1.1 Repertório. 1.2 Estrutura. CAPÍTULO IV. 1 Princípios Jurídicos: Fases de Atuação e Classificação. 1.1 Fase Pré-jurídica ou Política. 1.2 Fase Jurídica. 1.2.1 Princípios Descritivos (ou Informativos). 1.2.2 Princípios Normativos Subsidiários. 1.2.3 Princípios Normativos Concorrentes. 2 Atuação dos Princípios no Plano das Normas Infra-constitucionais. 3 A Atuação dos Princípios no Plano das Normas Constitucionais. CONCLUSÃO. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O escopo fundamental deste trabalho é oferecer suporte à compreensão da Ordem Jurídica brasileira, enfocando para tanto, o fenômeno da interpretação e aplicação do Direito, dando ênfase aos Princípios como principal forma de existir do Direito.

Para introduzir o tema central desta monografia – Princípios Jurídicos – importa compreender a manifestação do Direito na vida social.

Compreende-se, na atualidade, o Direito, em especial o brasileiro, como um conjunto de normas escritas, postas pelo legislador e necessariamente válidas, isto é, há de ser editada pela autoridade competente e em estrita observância ao rito procedimental. As normas são válidas para uma determinada sociedade, num dado momento histórico e estão incumbidas da função de disciplinar condutas humanas, de estabelecer organização social e evitar a ocorrência de conflitos intersubjetivos e, quando verificados, resolvê-los através do manejo das técnicas de composição de litígios encartadas pelas referidas normas.

Em verdade, as normas sempre estiveram presentes na organização social, nem sempre de forma escrita, pois nos grupos mais arcaicos já havia regras comuns aos indivíduos, de caráter obrigatório com aptidão para sujeitar o infrator à sanção na hipótese de desobediências às ordenações estabelecidas.

Tais normas tiveram sua existência diretamente relacionada com as Leis do Direito Natural. Por isso, o Direito Natural é importantíssimo, se não essencial à compreensão da realidade jurídica contemporânea, na medida em que consiste na primeira forma de existir do Direito e, precedeu a institucionalização do Estado.

Eis que, na atualidade o Direito Natural, que pode ser compreendido como um conjunto de prerrogativas inerentes à condição humana, independentemente de regulamentação estatal cedeu espaço ao Direito Positivo, compreendido este como o complexo de normas postas como será analisado na seqüência. Entretanto, o Direito Natural não perdeu sua importância devido à constante busca universal da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana que encontra sua fons no Direito Natural.

O Direito Natural é uma realidade imanente à vida em sociedade e originou-se do mister de se estabelecer a ordem para a prevenção e solução dos conflitos, e essas normas eram concebidas a partir do respeito a direitos triviais do indivíduo e com base na necessidade de preservação do grupo como regra geral.

Já a realidade jurídica contemporânea se fulcra em um Ordenamento Jurídico, isto é: um conjunto de normas de um determinado Estado, ou um complexo de normas válidas e vigentes de um determinado Estado, num dado momento histórico.

No contexto da ordem jurídica contemporânea, muitas vezes os operadores do direito passam a compreendê-lo unicamente do ponto de vista meramente legalista, ignorando que as normas atuam em função dos princípios, os quais ensejaram sua existência e que lhe servem de sustentação e lhe asseguram os critérios de aplicação.

Assim, os princípios estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro e têm plena atuação na aplicação do direito. No entanto, não se pode olvidar que ordinariamente nos textos de lei às normas da espécie regras compete o ônus da aplicação do direito, remanescendo, destarte aos denominados princípios gerais de direito a função supletiva.

Disso resulta questionar se os princípios jurídicos enquanto instrumentos de interpretação e aplicação do direito ostentam força normativa. Esta é a pergunta problema deste trabalho monográfico.

Para responder a este questionamento a pesquisa a se desvelar baseia-se nos escólios doutrinários, analisando seus entendimentos sobre o tema, mostrando a divergência sobre certos aspectos, assim como em legislações, sites e artigos.

Importa mencionar que a análise será feita enfocando preponderantemente o aspecto jurídico do tema, lançando mão subsidiariamente de argumentos de cunho sociológico e filosófico, limitando a análise ao atual Ordenamento Jurídico brasileiro.

O trabalho foi desenvolvido em quatro capítulos, de maneira compilativa, tendo ao final algumas conclusões a respeito do tema.


I- PRINCÍPIOS E SUA CORRELAÇÃO COM A CIÊNCIA E COM O DIREITO POSITIVO

1 Conceito de “Princípio”: Considerações Preliminares

Deve ser destacado, desde já, que princípio é um termo plurissignificativo, i.e.: trata-se de um termo equívoco, por comportar diversas conotações, por vezes se apresenta no uso coloquial da linguagem, ou também nas diversas acepções técnico-jurídicas e até mesmo em termos técnicos de outras áreas do conhecimento.

Leciona o professor Roque Antônio Carrazza que em seu sentido etimológico, “princípio” deriva-se “(do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer.” (CARRAZZA, 2008, p. 36).

Posteriormente, o mesmo autor define “princípio” como:

Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. (CARRAZZA, 2008, p. 39)

Para o consagrado professor Maurício Godinho Delgado “a palavra princípio traduz, na linguagem corrente, a idéia de ‘começo, início’, e, nesta linha, ‘o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação ou processo’.[1]”

Prosseguindo em sua análise, o mesmo autor aponta que “princípio”: “[...] traz, também, consigo o sentido de ‘causa primeira, raiz, razão’ e, nesta medida, a idéia de aquilo ‘que serve de base a alguma coisa.”

Finalizando, afirma que “Por extensão, significa, ainda, ‘proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos’ e, nesta dimensão, ‘proposição lógica fundamental sobre a qual se apóia o raciocínio’.” (DELGADO, 2006, p. 184).

Assim como havia apontado o constitucionalista José Afonso da Silva “A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início. [...] exprime a noção de ‘mandamento nuclear de um sistema’”. (2005, p. 91).

Em uma conceituação prelibar, princípio é sinônimo de início, mas essa definição comporta um sentido muito restrito, pois, como é cediço, o termo possui muitos significados e, in casu, o que importa é a conotação jurídica do termo.

Na presente análise, os princípios serão considerados prioritariamente em face do Direito, contudo, os princípios também guardam relação com a autonomia científica, a qual só se verifica quando um determinado ramo do saber passa a se sustentar por princípios próprios, (como se verá adiante).

Fora isso, trata-se de um vetor ou postulado fundamental, idéias norteadoras de um sistema que o mantêm uniforme e integrado ao seu objeto, seja ele delimitado ou esteja o objeto em constante devir. Alguns como p. ex. Erik Wolf entendem ser o caso do Direito, (1973, p.50) [2].

Esta, portanto, é a visão lato sensu do termo sub examine. Entretanto, para Luiz Rodrigues Wambier, no aspecto jurídico, os princípios “São normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos, sistematizando-os” o mesmo autor continua a indicar que “são normas fundantes do sistema jurídico” de resto, diz que: “são os princípios que, a rigor, fazem com que exista um sistema”. (Wambier 2007, p. 66).

As hipóteses de aplicação dos princípios são demasiadamente amplas se comparadas às hipóteses de aplicação das leis, visto que as leis possuem um âmbito de atuação limitados ao que está contido em seu dispositivo, já os princípios, não são de aplicação direta ou objetiva, trata-se na verdade de um juízo de valor (Wambier 2007, p. 66), cuja aplicação se dá por meio de desdobramentos analíticos, muitas vezes, por meio de inferência do enunciado de diversos dispositivos, quando o operador do direito ou o hermeneuta se defrontarem com princípios implícitos.

Deve ser advertido, neste tópico, que o tema em pauta é demasiadamente importante para o jurista, todavia, deve ser apontado que muitos doutrinadores tecem poucos comentários ao tema “princípio”, até certo ponto não é motivo de crítica, posto que o tema é extenso e, nos manuais doutrinários não seria tratado com o devido esmero.

Não obstante, abeberando-se no tema, deve ser dito que, para alguns doutrinadores, as regras e os princípios constituem mera espécie das normas, ao passo que outros sustentam que, as normas contemplam em seu bojo, regras comandos, modelo de conduta, distinguindo-se deste modo, dos princípios, pois, estes possuem sentido mediato, posto que em muitos casos não figuram explícitos no ordenamento jurídico, encontrando, por conseguinte, sua aplicação atrelada à aplicação das normas, de modo que sua aplicação não se exterioriza de forma mediata, eis que contemplam em si profundas elucubrações.

O primeiro posicionamento mencionado parece mais ortodoxo do que o recorrente costume de invocar a expressão “normas e princípios” como coisas distintas. Contrariando esse entendimento largamente difundido no âmbito doutrinário, Mariana Pretel aduz que:

Pode se ponderar que hoje se encontra suplantada a dissociação dos conceitos de normas e princípios, o que levava muitos estudiosos a incorrerem no erro primário de igualar as regras às normas. As normas jurídicas devem ser tidas como um gênero, do qual princípios e regras são espécies distintas. Todavia, não há uniformidade entre os critérios adotados pelos doutrinadores brasileiros ou estrangeiros para uma perfeita distinção entre princípios e regras jurídicas. (PRETEL, 2008).

A despeito da melhor técnica na utilização da expressão norma como gênero e regras e princípios como espécies, por vezes, quando realizada reprodução de textos doutrinários poderá ser utilizada a expressão “normas e princípios”. Contudo, neste caso leia-se no sentido de “regras e princípios”, dado que em decorrência do fenômeno lingüístico conhecido por “semântica”, este é o sentido em que se apresenta a expressão normas e princípios na atualidade.

Em rigor, dificilmente se encontra definição mais precisa que a exposta por Celso Antônio Bandeira de Mello ao demonstrar que princípio:

é, por definição mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (MELLO, 2008, p. 942-943).

Expressivas também são as lições de Gomes Canotilho e Vital Moreira (citados por José Afonso da Silva), os quais afirmam serem os princípios “‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens [...]”, ou mesmo para o constitucionalista José Afonso da Silva, “os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas” (SILVA, 2005, p. 92).

Vale lembrar, outrossim, que os princípios são postulados que estão implícita ou explicitamente expostos no sistema jurídico, contendo um conjunto de regras. Já os denominados princípios gerais de Direito são, nos termos da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n.º 4.657/42, art. 4.º), do Código de Processo Civil, art. 126 e do Código Tributário Nacional, art. 108 e incisos a última salvaguarda do intérprete, pois este precisa se socorrer deles para integrar o fato ao sistema. Já de acordo com a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípios são vetores de interpretação, que, por sua generalidade e amplitude, informam as demais regras, constituindo a base de todo o ramo do Direito ao qual se aplica.

Finalmente, cumpre dizer que princípio é um enunciado, ou vetor norteador, no qual se baseia o cientista na busca do conhecimento, um postulado fundamental que inspira uma área do conhecimento humano, a base fundamental e indispensável de um sistema, o núcleo de um todo orgânico que por suas peculiares feições serve de critério para inferência do todo ou de interpretação de alguns de seus aspectos, são axiomas que se configuram em cânones.

2 Acepções Básicas do Vocábulo “Princípio”

Por conta da importância que envolve o tema, têm sido freqüentemente utilizadas diversas expressões na praxe jurídica para designar o vocábulo princípio. Evidentemente, em cada caso se tem um sentido específico que representa alguma vertente do prisma principiológico.

Tendo isso em vista, importa expor algumas variações básicas do termo princípios, mais especificamente serão analisados os princípios em relação às ciências e os princípios em relação ao Direito.

Lembrando, contudo, que o Direito possui uma divisão didática de seus ramos, muito embora, cientifica e juridicamente falando seja uno, devido à referida divisão cada um desses ramos possui princípios que lhe são afetos e, também os convencionalmente denominados “princípios gerais de direito”, aplicáveis a todos os ramos do saber jurídico.

2.1 Os Princípios no Contexto da Ciência

No que diz respeito à Ciência, os princípios são os enunciados depreendidos dos resultados da aplicação do método científico e, verificados de forma universal na reiteração da atuação metódico-científica.

Conforme Mariana Pretel “A expressão é utilizada nas ciências em geral, como na política, física, filosofia, entre outros sempre designando a estruturação de um sistema de idéias ou pensamentos por idéia mestra, tida como um verdadeiro alicerce.” (2008).

Nomeie-se ainda que uma determinada área do conhecimento humano somente adquirirá o status de disciplina científica na medida em que se sustentar em princípios próprios. Neste sentido se manifestou a professora Maria Helena Diniz, ao consignar que “a ciência requer uma atividade ordenada segundo princípios próprios e regras peculiares.” (2003, p. 18), prosseguindo ensina:

“A ciência é, portanto, uma ordem de constatações verdadeiras, logicamente relacionadas entre si, apresentando a coerência interna do pensamento consigo mesmo, com seu objeto e com as diversas operações implicadas na tarefa cognoscitiva.” (DINIZ, 2003, p. 19).

“Ciência é um complexo de enunciados verdadeiros, rigorosamente fundados e demonstrados, com um sentido limitado, dirigido a um determinado objeto.” (DINIZ, 2003, p. 26).

Isto posto, importa salientar que a Ciência do Direito possui princípios que lhe dão suporte e lhe confere os caracteres de cientificidade. O mesmo ocorre com outras ciências, como por exemplo na biologia encontra-se a teoria ou princípio da biogênese, o qual demonstra que “um ser deriva-se de outro pré-existente” (Pasteur). Outro exemplo seria o princípio da física segundo o qual “a energia não pode ser criada nem destruída, mas modificada” ou da química (Lavoisier): “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. A propósito Miguel Reale leciona:

Não há ciência sem princípios, que são verdades válidas para um determinado campo de saber, ou para um sistema de enunciados lógicos. Prive-se uma ciência de seus princípios, e tê-la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam significantes. (REALE, 1999, p. 62).

Para Maria Helena Diniz (2003, p. 18), “a ciência é um saber metodicamente fundado, demonstrado e sistematizado. A sistematicidade é o principal argumento para afirmar a cientificidade”.

Desta feita, preciosa é a lição do professor Miguel Reale, ao definir:

Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. (REALE, 1986, p. 60).

Por outro lado, na seara científica os princípios têm sido objeto de acerbados questionamentos, conforme demonstra Maurício Godinho Delgado, ao citar o filósofo Nicola Abbagnano (1982, p. 760), o qual segue transcrito, por oportuno à discussão, onde se diz que:

na filosofia moderna e contemporânea, a noção de princípio tende a perder sua importância. Ela inclui, com efeito, a noção de um ponto de partida privilegiado: e não relativamente privilegiado, isto é, com relação a certos escopos, mas absolutamente em si. Um ponto de partida deste gênero dificilmente poderia ser admitido no domínio das ciências.

Isto se explica conforme Maurício Godinho Delgado (2006, p. 185) devido à natureza específica do objeto de algumas áreas da ciência, tais quais as Ciências Físicas, Biológicas e Sociais, porquanto seus respectivos objetos fundamentalmente se firmam no contexto de fenômenos concretos e empíricos. Sintetizando, apóiam-se nos fatos e atos ocorridos ou que potencialmente venham a ocorrer. Assim, tais ciências cuidam do:

“estudo sistemático e objetivo dos fenômenos empíricos e o acervo de conhecimentos daí resultantes”, tais ciências examinam o concreto empírico, sobre ele refletindo, de modo a construir leis (ou leis tendenciais) e hipóteses explicativas a respeito desse concreto empírico (DELGADO, 2006, p. 185).

A crítica exposta ressalta o aspecto dinâmico da atuação e da construção do saber científico, com o qual os princípios não conseguem se compatibilizar. Devido à assunção de posições preestabelecidas acerca do objeto a ser desvelado (DELGADO, 2006, p. 185):

([...] inerente à idéia de princípios) limitaria o próprio potencial investigativo sobre a realidade, conformando o resultado a ser alcançado ao final do processo de investigação. Desse modo, a submissão a princípio (isto é, conceitos preestabelecidos), pelo cientista, no processo de exame da realidade, importaria em iniludível conduta acientífica: é que a resposta buscada, na realidade, pelo investigador, já estaria gravemente condicionada na orientação investigativa, em função do princípio utilizado.

Tal rigor se justifica, até certo ponto, nas ciências cujo objeto seja do domínio das áreas do conhecimento denominadas exatas e biológicas, entretanto, com relação ao Direito há de se observar à lição da douta professora Maria Helena Diniz:

Já, ao estudar os fenômenos humanos, se acresce à explicação o ato de compreender, isto é, o cientista tem por objetivo reproduzir, intuitivamente, o sentido dos fenômenos, valorando-os. (DINIZ, 2003, p. 19).

Sem embargo das críticas com relação à aplicação dos princípios na produção científica, não se pode generalizar, visto que, na atualidade, muito raramente o cientista iniciará um experimento sem nenhum referencial pré-estabelecido, como pretendem os Pragmatistas[3], isto equivale a esboroar as conquistas dos antepassados que tanto contribuem para a construção do conhecimento da humanidade.

Isso, contudo, não significa dizer que os princípios são verdades absolutas e intransponíveis, como um dogma, o que se tem por referência é uma regra geral, já demonstrada no caso das ciências naturais, e com relação ao direito valores que inspiram a atuação legislativa estatal e a interpretação e aplicação do direito decorrente dela e da praxe, de modo que o “referencial pré-estabelecido” é um cânone.

2.2 Os Princípios em Face do Direito

Se com relação às ciências aplicáveis os princípios representam um entrave a sua aplicação, não se pode afirmar o mesmo com relação à Ciência Jurídica, haja vista que o estudo do Direito está relacionado às condutas intersubjetivas disciplinadas por normas válidas, visando sempre à manutenção da ordem para a estruturação de “uma sociedade livre, justa e solidária”, conforme preconiza o inc. I, do art. 3.º da CF/88, que trata dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Por aí se vê a natureza do objeto da Ciência do Direito, enquanto as demais áreas do conhecimento ostentam-se de um objeto que diz respeito a “fatos e atos ocorridos ou potencialmente verificáveis” (DELGADO, 2006, p. 186) que nitidamente guardam relação com o “ser”, a Ciência do Direito, ao seu turno, se encarrega de estudar as condutas humanas, em normas tendentes à organização social, de modo que seu estudo não trata do “ser”, mas sim do “dever ser”. Não obstante o objeto da Ciência do Direito seja o dever-ser, o “ser” diz respeito à conduta em concreto, ao passo que o “dever ser” está relacionado à norma (KELSEN, 1998, p. 6).

Neste ponto importa salientar que a norma, como o sentido específico de um ato intencional dirigido à conduta de outrem, é qualquer coisa de diferente do ato de vontade cujo sentido ela constitui. Na verdade, a norma é um dever-ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser. Por isso, a situação fática perante a qual nos encontramos na hipótese de tal ato tem de ser descrita pelo enunciado seguinte: um indivíduo quer que o outro se conduza de determinada maneira. A primeira parte refere-se a um ser, o ser fático do ato de vontade; a segunda parte refere-se a um dever-ser, a uma norma como sentido do ato. (KELSEN, 1998, p. 6).

O mesmo Kelsen defende uma visão positivista do Direito, baseado na concepção de Augusto Conte, contudo, em sua essência o positivismo tem sido severamente criticado. A propósito veja a acertada observação de Newton Freitas (2008):

A tarefa de interpretar o Direito é muito mais ampla e mais complexa em comparação com a tarefa de apenas aplicar as disposições das leis escritas, tarefa sem dúvida importante, mas evidentemente insuficiente para dar conta de toda a experiência jurídica.

Não se pode olvidar que o objeto do Direito, conforme aponta Maurício Godinho Delgado (2006, p. 186):

consiste em realidades essencialmente conceituais, realidades ideais normativas, que se desdobram em proposições ou modelos de comportamento ou de organização. Seu dado central e basilar consiste no dever-ser (elemento nitidamente ideal, em suma) e não no ser (elemento nitidamente concreto-empírico).

Posto isto, de uma vez por todas, fique esclarecido que o alcance dos objetivos a que o Direito procura colimar, realizar-se-á mediante a correta implementação dos princípios, sem desprezar, contudo a importância das regras, as quais também são dignas de atenção por parte dos juristas, e vislumbrando essa necessidade Werner Nabiça Coelho (2003), diz:

o direito, além de social é racional, melhor dizendo: é eminentemente racional, é em verdade a racionalização da vida social possibilitadora da convivência baseada no consentimento e na boa-fé recíproca, esta é minha definição de ética [...]. (Grifo no original).

Esse grau de racionalidade ensejador da verdadeira definição de ética só será ultimado por intermédio da atuação jurídica consciente dos princípios que a informa. Neste mesmo contexto cita Mariana Pretel (2008):

Teresa Negreiros (1998), a seu turno, também ressalta a noção de que os princípios seriam guias, formas de orientação, normas providas de alto grau de generalidade e indeterminação, numa posição elevada de hierarquia, atuando como vetor para todo o sistema jurídico e dispõe que o próprio Superior Tribunal de Justiça já os considerou como “valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito”.

Mesmo Maurício Godinho Delgado (2006, p. 186-187) reconhece que “a premissa orientativa consubstanciada no princípio favorece à correta percepção do sentido do instituto e da norma no conjunto do sistema em que se integra.”

Não obstante, adverte:

A importância dos princípios na Ciência do Direito, entretanto, não tem obviamente o condão de transformá-los em axiomas absolutos e imutáveis. Ao contrário, sua validade se preserva apenas caso considerados em seus limites conceituais e históricos específicos, enquanto sínteses de orientações essenciais assimiladas por ordens jurídicas em determinado período históricos. Os princípios jurídicos despontam, assim, como sínteses conceituais de nítida inserção histórica, submetendo-se a uma inevitável dinâmica de superação e eclipsamento, como qualquer outro fenômeno cultural produzido. (sic). (DELGADO, 2006, p. 187)

Há de se observar, no entanto, que para alguns doutrinadores os princípios cumprem função mais ampla que a defendida pelo douto jurista aventado acima, a propósito, Mariana Pretel leciona que (2008):

J.J. Gomes Canotilho sugere alguns critérios de distinção entre regras e princípios. Os princípios possuem grau de abstração mais elevado que as regras; carecem de concretização judicial por serem vagos e indeterminados; os princípios possuem papel fundamental no ordenamento em decorrência de sua posição hierárquica superior e importância estruturante; por fim, detêm natureza normogenética, sendo fundamento das regras que estão na base, pois sua idoneidade irradiante lhes permite cimentar objetivamente todo o sistema constitucional. (Grifo acrescido).

Com relação à aplicação limitada a um contexto histórico - de que falou Maurício Godinho (DELGADO, 2006, p. 187) -, também é possível encontrar quem discorde, aliás, atente-se à lição de Maria Helena Diniz, ao falar sobre o Jusnaturalismo:

A lei natural é imutável em seus primeiros princípios. O direito natural imanente à natureza humana, independe do legislador humano. As demais normas, construídas pelos legisladores, são aplicações dos primeiros princípios naturais às contingências da vida, mas não são naturais, embora derivem do direito natural. (DINIZ, 2003, p. 37)

A vista do quanto alegado resta aceitar como mais adequada à realidade jurídica a adoção dos princípios como ferramenta em matéria de hermenêutica a ser utilizada pelo jurista, não apenas para produzir ciência, como também na praxe, através dos advogados, delegados, promotores, juízes e por tantos quantos lidam com o Direito, neste caso reconhecendo seu caráter normativo, ou do contrário incorreria-se em violação de uma série de direitos e garantias indissociáveis da existência e efetivação dos princípios que as consagram.

3. Da Axiologia no Contexto Jurídico

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativamente influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmentos. (sic). (CARVALHO, 2003, p. 143-144).

O tema ora examinado situa-se no âmbito da Filosofia, constituindo inexoravelmente um de seus grandes temas. Trata-se de um tema demasiadamente abstrato, por cuidar de um assunto subjetivo – os valores – os quais, podem variar verificadas interferências de certas notas culturais, históricas, econômicas, políticas e, sem dúvidas – jurídicas -, entre outras.

A propósito, Mário Ferreira dos Santos indaga: “Sempre que o homem perde alguma coisa ou está às vésperas de perdê-la, tem dela mais consciência? Quando os homens sentiram que perdiam a crença em Deus, puseram-se a discutir mais do que nunca sôbre êle” (sic), prosseguindo, ainda aduz:

A vida moderna, os regimes sociais totalitários que temos conhecido, a falta de respeito à dignidade humana, levaram o homem a pensar sôbre a dignidade do homem, e natural e conseqüentemente, teve de pensar no que valia o valor, em que consistia o valor. (sic) (SANTOS, s.a., p. 66).

Observe-se, por oportuno, a realidade do século XXI, onde muitos filósofos e estudiosos afirmam que a humanidade vem sofrendo um momento crítico no que diz respeito aos valores, isso porque, muitos dos valores outrora reputados como magnos, ora restaram obsoletos, isto devido a vários fatores, dentre eles: históricos, sociais, culturais, entre outros, os quais, causam profundas influências no Direito, verbi gratia, verifica-se a revogação da Lei n.º 3.071 de 1.º de janeiro de 1916, mais conhecido como “Código Civil de 1916” o qual, contemplava em seu bojo um modelo de organização familiar que deixou de corresponder ao modelo aceito na atualidade.

A vista do alegado importa escalpelar o conceito de Axiologia e para a correta compreensão deste, a definição mais precisa é exatamente a mais sucinta, disponibilizada lexicamente por FERREIRA (2002, p. 79), onde se diz que Axiologia designa o “Estudo ou teoria dos valores”.

Pelo que se vê, no dicionário aventado supra a conceituação partiu da etimologia da palavra. Eis que axia deriva-se do grego, assim como logos, designando, respectivamente, valor e estudo, transliterando para o português, estudo dos valores.

Ora, uma vez compreendida a natureza da axiologia, como um braço da Filosofia e seu significado, surge a questão: qual sua importância na seara jurídica?

Como cediço, o Direito, em uma acepção mais restrita, representa um complexo estrutural de regras e princípios. Já o estudo dos valores tem por objeto aquilatar a importância de algo, i.e., atribuir valores, ou exercer sobre algo uma apreciação valorativa.

É exatamente este o ponto de intercecção que se estabelece entre a Axiologia e o Direito, pois ao se estabelecer uma norma o legislador tutela bens jurídicos relevantes e só se logrará aquilatar, ou mensurar a relevância dos bens por intermédio da Filosofia, a qual, por sua vez, tem como um de seus campos de análise justamente os valores, dado ainda que a Teoria Tridimensional do Direito (REALE, 1973, p. 86) sugere ser o direito fato, valor e norma, relacionando-se, evidente e respectivamente com a sociologia, a filosofia e o direito positivo[4].

Fixadas as premissas, depreende-se que o processo de produção das normas parte-se inicialmente dos fatos, (do concreto), posto que, na busca do ideal de ordem social o legislador deve destacar quais condutas são reprováveis e deve descrever por meio de lei quais as implicações sancionatórias que incorrem o indigitado transgressor, bem como deve assegurar a produção dos efeitos desejados aos atos de vontade praticados em conformidade com o Direito.

Em seguida, para se erigir à categoria de norma, seja ela proibitiva, permissiva ou mandamental, o legislador deve avaliar quais são os bens relevantes e paralelamente deve considerar a perniciosidade da conduta do transgressor de acordo com o valor (abstrato) do bem objeto material do delito.

Já no aspecto estritamente jurídico, encontra-se a última fase do processo que diz respeito à produção das normas que, conforme observado, parte-se dos fatos, a uma abstração, para, por fim, restarem (positivadas), vale dizer: definidas em lei.

Assim, os valores e o Direito andam juntos e são eles que incutem na mente do jurista a inferência e consequente formulação dos princípios que, não obstante esteja implícito na concepção do Direito, possuem inquestionavelmente feições filosóficas, arrimadas na Teoria dos Valores da Axiologia.

É possivel extrair conclusões proveitosas à discussão dos valores, princípios e Direito ao trazer à baila as palavras do professor Giovanni Baldan, in verbis:

Os valores representam princípios orientadores na conduta dos homens e das sociedades. Valores são toda relação de importância, de preferência, ou de não-indiferença que se estabelece entre o ser humano e atitudes, fatos, situações, comportamentos. Quando dizemos a uma criança que sua atitude é feia ou bonita, boa ou má, certa ou errada, estamos valorando como boa ou ruim a atitude em questão. (BALDAN, 2004, p. 18).

Por outro vértice, em matéria de Filosofia encontram-se alguns autores que insinuam uma certa anarquia dos valores, a título de exemplo e por todos, observe o dizer do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche, ao falar em um mundo sem sentimento de moral, em sua obra “Vermischte Meinungen und Sprüche” de 1879, ou no vernáculo da língua portuguesa, “Miscelânia de Opiniões e sentenças”:

Se só executássemos as ações que não deixam a consciência pesada, o mundo dos humanos seria ainda muito feio e velhaco, mas seria menos doentio e deplorável do que é hoje. – houve desde sempre muitos homens maus sem consciência, mas houve também muitos homens bravos e bons, a quem faltava o sentimento de alegria que a boa consciência proporciona. (NIETZSCHE, s.a., p. 36).

Em outra obra, “Der Wille zur Macht” de 1901, transliterado como “Vontade de Potência”, no livro segundo: “Crítica dos Valores Superiores”, “I – A Religião como Expressão de Decadência”, discorrendo contra o senso de arrependimento o mesmo autor assevera:

94 Contra o Arrependimento. – Não gosto dessa espécie de covardia para com seu próprio ato; não nos devemos abandonar a nós mesmos sob o peso de uma vergonha ou de uma aflição inesperadas. Será melhor que as substituamos por uma altivez extrema. Para que servirá afinal de contas? Arrepender-se de uma ação não é anulá-la, e tampouco não se desvanece quando “perdoada” ou “expiada”. Seria necessário ser teólogo para acreditar numa potência que destruísse a culpa: nós, imoralistas, preferimos não acreditar em “culpa”. (NIETZSCHE, s.a., p. 139).

Ainda no campo da Filosofia, conforme demonstra Mário Ferreira dos Santos, no quadriênio de 1927 a 1930, houve cerca de mil e trezentas obras relacionadas a abordagem do valor (s.a., p. 64).

Outro ponto relevante é a subdivisão do tema axiologia em três correntes, as quais foram sucintamente apresentadas pelo mesmo autor, sendo:

  • a realista-platônica – [...] os valôres são entes ideais, que existiram em si, e que as coisas, por imitá-los, teriam mais ou menos valor. Assim há um valor do Bem, que é perfeito, e as coisas que o imitam mais ou menos são melhores ou não. (sic)

  • A tendência nominalista diz que os valores são apenas nomes que damos às nossas apreciações, que são apenas subjetivas. Damos valor, uns, a isto, e outros, não, que, por sua vez, ao que dão valor, podemos não dar. Dessa forma, o valor seria apenas o resultado de uma apreciação subjetiva.

  • A posição realista moderada declara que tanto uma como outra anteriores expressam algo de verdadeiro. Pois não seria razoável, por exemplo, que considerássemos os valores apenas subjetivos, porque nesse caso não se poderia discutir sôbre êles, e as opniões seriam apenas pessoas. Ora, na verdade, encontramos, nas coisas, uma base material, que nos mostra por que têm valor. Se digo que êste quadro tem valor, posso nêle mostrar o que lhe dá valor, o que há nêle de estético, de belo. Dessa forma, há uma base material dos valôres, embora seja o valor valorizado pela atividade subjetiva, que o pode valorizar ou não. Ambos teriam razão, só que, separadamente, não teriam tôda a razão. (sic)[5] (SANTOS, s.a., p. 65).

Aprofundando sua análise, o autor sub examine aponta que “Os valores apresentam diversas características importantes:”

  • são polares – a um valor correspondente outro valor contrário, que se lhe opões – Bem X Mal;

  • os valores apresentam gradatividade – um valor pode valer mais ou menos; (sic)

  • os valores apresentam hierarquia – um valor, de uma ordem, pode valer mais que o valor de outra ordem. (sic). (SANTOS, s.a., p. 66)[6].

Há de se ter em vista, no sentido jurídico do tema a observação de Antônio Cappi e Carlo Crispim Baiocchi Cappi:

O conjunto de valores, as axiologias tradicionais enfrentam inesperados desafios que acabam influenciando profundamente comportamentos individuais e condutas sociais. A normativa se defronta com novas aspirações sociais: legalidade-legitimidade, justiça-eqüidade, direito positivo-ética tornam-se dicotomias problematizadas. (CAPPI, 2004, ps. 21 e 22).

A despeito da correlação da Axiologia com a Jurisprudência[7] pode ocorrer em alguns casos conflito entre valores e normas, quando prestigiar-se o Direito Positivo, muitas vezes inadequado à hipótese, imoral ou obsoleto em detrimento de princípios que harmonizam o sistema jurídico.

O aparente consenso sobre os direitos fundamentais (afinal, a declaração dos direitos humanos é universal) transformou-se num confronto axiológico de conclusão imprevisível: constituições conflitantes e códigos de Direito Positivo excludentes parecem não chegar a consenso algum, nem mesmo a respito do princípio básico da inviolabilidade e dignidade da pessoa humana. (CAPPI, 2004, p. 31).

Ao abordar o tema axiologia, Miguel Reale destaca o problema nuclear dos valores no âmbito da Deontologia[8] jurídica.

No que se refere, por exemplo, à Filosofia do Direito, veremos que o seu problema nuclear é o do valor o justo, de que cuida a Deontologia jurídica; mas o estudo desta matéria envolve também a prévia determinação da consciência da realidade jurídica, suscitando questões relativas às estruturas dos juízos jurídico-normativos, assim como o processo histórico de objetivação das exigências axiológicas no plano da experiência humana. (REALE, 1999, p. 38).

Destarte, compreendida pois, em síntese a axiologia, infere-se que nos quadrantes da Ciência Jurídica, além do que já foi mencionado, as normas estão imantadas de carga axiológica, valorativa e esta realidade é que propicia com que os princípios jurídicos existam e tenham aplicabilidade na praxe, pois o direito tutela os valores sociais relevantes.

Nesse sentido, ao aludir-se à “atuação axiológico-normativa”, leia-se, em outros termos que a aplicação, a regência e a efetivação, isto é, a “atuação” das normas (regras e princípios) nada mais são do que a concretude de valores, de forças políticas aceitas pelo corpo social, ideologia, valores erigidos à categoria de princípios que, por sua vez devem condicionar a atuação do legislador, haja vista sua condição de mero mandatário, representante do povo, de quem verdadeiramente emana O Poder, ex vi legis do art. 1.º, inc. V, parágrafo único da Constituição da República, ou do contrário haverá uma flagrantre afronta à Lei Maior.


II- DOGMÁTICA JURÍDICA - O DIREITO ENQUANTO CIÊNCIA

1. Epistemologia Jurídica

Para adentrar no cerne da questão dos princípios em relação às ciências e dos princípios em relação ao Direito, convém agora estudar o Direito enquanto ciência, pois, somente assim será possível vislumbrar o enquadramento do Direito no âmbito das ciências e, por fim, restará compreender como os princípios atuam dentro dos limites jurídicos.

Em linhas gerais, deve ser dito que o Direito é ciência, na medida em que representa uma área do saber humano, devidamente sistematizada, com determinado objeto e possui princípios que o fundamenta e lhe confere estrutura sistemática científica. Entretanto, esta noção geral não está apta a elidir as producentes perquirições da epistemologia, que se encarrega do “estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultado das ciências já constituídas” (FERREIRA, 2002, p. 275), eis que a epistemologia representa verdadeira teoria da ciência, conforme o autor já mencionado (idem, ibidem).

Trata-se de algo de per si evidente o caráter científico do Direito, ao passo que constitui uma disciplina do conhecimento humano, devidamente sistematizada, com método[9] de perquirição e objetos próprios, por expor uma “verdade” na medida em que sua estrutura funcional está em condições de ser aplicada e aceita pelo homem[10].

Mas falar em ciência é falar em um método sistemático e rigoroso pelo qual o homem conhece e, nesse sentido convém desenvolver a temática para em seguida correlacioná-la ao Direito, balizando desse modo, o sentido do caráter epistemológico da Ciência Jurídica. Destacando, nessa oportunidade que a Ciência Jurídica também é conhecida como Dogmática Jurídica.

1.1 Epistemologia e o Binômio Sujeito e Objeto

De certo, a ciência desempenha um imprescindível papel na vida do homem, considerando que o conhecimento propiciou ao homem interação com o meio em que vive, além de lhe trazer uma série de benefícios de variadas ordens, seja na saúde, em termos tecnológicos, no modo de explorar os recursos naturais a seu favor, no campo da economia[11].

Assim entendido, depreende-se do exposto quão árido é o solo em que pisa o estudioso que vai se abeberar nos estudos da ciência. Esta magna tarefa é denominada Epistemologia que, nada mais é do que um criterioso estudo crítico dos princípios, das formulações hipotéticas e dos resultados da ciência. Trata-se, portanto, (como já anteriormente afirmado) de uma teoria da ciência[12].

Depreende-se daí que essa teoria, em ultima instância, estuda o método científico e, por meio dela é possível indicar o que é ciência, bem como, determinar o que pode ser considerado saber científico.

A idéia de ciência está intimamente ligada à idéia de conhecimento; não obstante, esta acepção, entenda-se por conhecimento o produto da experiência do observador em face do objeto que se põe perante si, posto que conhecimento é um termo mais amplo do que se pretende significar nesta análise.

Mas o saber científico ou epistemológico não é a única forma de se conhecer, inclusive, deve ser observada que a forma instintiva de se conhecer é a sensitiva, que parte dos sentidos e o resultado deste conhecimento não sistematizado, somado ao de outros indivíduos de um determinado grupo é chamado de senso comum, resultado da casual observação da realidade que contém em sua formulação, silenciosamente muitas crenças não questionadas.

Posto isto, infere-se que para que se possa falar em conhecimento científico necessariamente deve haver de um lado um sujeito cognoscente, aquele que conhece e de outro o objeto cognoscível, do latim, ob e jectum, aquilo que se põe diante de nós. Todavia, a simples coexistência de sujeito e objeto não é o bastante para que ocorra o resultado saber científico.

Em suas profundas lições, foi destacado por Tercio Sampaio Ferraz Jr. que:

Toda ciência tem um objeto. Contudo, sejam quais forem o objeto e a ciência, uma preocupação máxima a envolve, que se caracteriza como sua questão peculiar. Referimo-nos à alternativa verdadeiro ou falso. Uma investigação científica sempre faz frente ao problema da verdade. [...] Quanto ao conteúdo informativo, o enunciado pretende transmitir uma informação precisa sobre a realidade a que se refere significamente. (FERRAZ JR., 2008, p.63).

Ora, como visto, se se fala em sujeito cognoscente e objeto cognoscível tem-se implicitamente que além da coexistência de ambos é mister uma atuação mental do sujeito em face do objeto, ou seja, o sujeito pensa e por meio de seu pensar apreende notas do objeto que o determinam como tal, como corolário, só se fala em sujeito quando há objeto e vice-versa.

Aponta Maria Helena Diniz, ipsis litteris:

Esta tendência é a intencionalidade do conhecimento, que consiste em sair de si, para o objeto, a fim de captá-lo mediante um pensamento; o sujeito produz um pensamento do objeto. O ato cognoscitivo refere-se a algo heterogêneo a si ou diferente de si. Todo pensamento é apreensão de um objeto; pensar é dirigir a atenção para algo. O objeto, por sua vez, produzirá uma modificação no sujeito conhecedor que é o pensamento. (DINIZ, 2003, p. 14)

Deste percurso, de certo, haverá uma conclusão, que passa a ser traduzida pelo cérebro do sujeito que manifestamente só pode ser o homem. O cérebro registrará as imagens, as ordenará, interrelacionará informações ou até mesmo confrontará umas e outras e desta forma, as informações apreendidas pelos sentidos paulatinamente se transformam em conhecimento.

Em que pese a situação exposta, há de se registrar, por oportuno que, feito todo este processo, o espírito humano aquilatará seus resultados. Esta atitude mental tende a afirmar ou a negar uma hipótese, pois a dualidade de sujeito e objeto se inicia com uma observação; em seguida o sujeito formula uma hipótese para depois proceder à experiência que fatalmente repercutirá em um resultado e, o resultado é posto em confronto com a hipótese inicialmente formulada. Esta é a aplicação do método científico.

O produto do confronto entre resultado da experiência e da observação é denominado juízo, isto é, “ato mental pelo qual se afirma ou se nega uma idéia” (DINIZ, 2003, p. 16).

Quiçá, o método científico tem por escopo o conhecimento que pode ser concebido, conforme aponta Gofredo Telles Júnior, como “o renascimento do objeto conhecido, em novas condições de existência, dentro do sujeito conhecedor” ou ainda conhecimento é “a tradução cerebral de um objeto” (TELLES JR., 1962, p. 7 apud DINIZ, 2003, p. 15).

Nesta acepção, o que o sujeito é enquanto conhecedor do objeto, o é em relação ao objeto conhecido, a ponto de apreender em si propriedades do objeto, mas apesar disso o objeto considerado em si mesmo conserva-se homogêneo mas no sujeito representará a imagem por este captada e por estar sujeita às limitações dos sentidos não será perfeita como o objeto que é um fato[13], logo, o que se apreende do objeto não o muda em nada mas o sujeito cognoscente que saiu de si ao objeto para conhecê-lo, sentirá essa mudança.

Para Kant, citado por Maria Helena Diniz, na relação cognoscitiva, o objeto:

não é um “ser em si”, como uma realidade transcendente; despoja-se desse caráter de existente por si e em si e converte-se em um ser “para” ser conhecido, em um ser posto, logicamente, pelo sujeito pensante como objeto de conhecimento. Aquilo que o objeto a conhecer é, o é não “em si” mas em relação ao sujeito conhecedor. (DINIZ, 2003, p. 14-15).

Para Miguel Reale, a intersecção sujeito e objeto é propositada. “O caráter intencional da consciência e a correlação funcional subjetivo-objetiva são condições do conhecimento” (apud DINIZ, 2003, p. 14).

À guisa de conclusão deste rectio, frise-se que o juízo e suas correlações recíprocas é que propiciarão a combinação dos summa generas e, como corollarius, à formulação mental em que consiste o juízo segue-se a uma verbalização do mesmo, havendo, desde então, uma proposição e por intermédio desta é que se transmite o conhecimento. “Uma proposição basicamente descritiva, significamente denotativa (dá uma informação precisa), impõe-se parcialmente (estará sempre sujeita à verificação), embora seja aceita universalmente (é verdadeira).” (FERRAZ JR., 2008, p. 63). Nesse sentido, diverge Maria Helena Diniz, para quem “o conhecimento implica sempre uma coerência entre os juízos que se enunciam e, além disso, só se poderia transmitir conhecimentos mediante juízos” (DINIZ, 2003, p. 16), porquanto não faz alusão à proposição que se segue ao juízo.

1.2 Conceito e Características do Saber Científico

Foi narrado sobre ciência, todavia, ficou postergado o conceito de ciência, destarte, ciência[14] é um complexo de princípios lógicos, ordenados e coordenados tendentes a transmitir informações verídicas sobre o que existiu, existe ou o que ainda existirá. Portanto, estamos diante de um método construído por constatações descritivas, genéricas e comprovadamente sistematizadas, interrelacionadas e coerentes em si mesmas.[15] (DINIZ, 2003, p. 17).

Cumpre mencionar a lição de Goffredo Telles Jr., o qual destaca um ponto crítico de todo e qualquer sistema de conhecimento – sua relatividade inafastável – pois decorre de diversos fatores, sejam eles: genético, aprendizagem, experiências entre outros, e este sistema de referência não é do indivíduo apenas, mas de toda sua comunidade, visto que este é um patrimônio cultural comum daqueles que estão expostos às mesmas contingências, anseios e percalços. (TELLES JR., 284-293 apud DINIZ, 2003, p. 17).

Tal forma de conhecer comporta em si, aptidão suficiente para não apenas constatar o que existiu ou o que existe, contudo, vai além, e está predisposta a analisar o que existirá, dado seu caráter operacional, seu elevado sistema de probabilidades e a capacidade de reprodução e inferência dos fenômenos que descreve. (FERRAZ JR., 1977, p. 10 e 11 apud DINIZ, 2003, p. 17).

Dada sua peculiar condição, o saber científico não é dado pronto ao homem, trata-se, ao contrário, de um saber deliberada e conscientemente desenvolvido com vistas à construção de um conhecimento digno ao menos de ser considerado provisoriamente verdadeiro, na medida em que a ciência trabalha com verdade provisória, pois, pode vir a ser contraditada posteriormente.

Pelo visto, há grande distinção entre o conhecimento vulgar e o conhecimento científico, sendo que o primeiro é fruto do senso comum, ao passo que o segundo é pautado em método, consistente em uma “direção ordenada do pensamento na elaboração da ciência”.

Advirta-se desde já que não se pode confundir método com técnica, posto que o método científico é unívoco a todas as áreas do conhecimento, enquanto diversas são as técnicas de seu manejo conforme a área do conhecimento que se pretenda estudar.

O método das ciências humanas visa “reproduzir, intuitivamente, o sentido dos fenômenos, valorando-os (DINIZ, 2003, p. 19)”. Para Gunnar Myrdall, Hans Freyer, Miguel Reale, apontados por Maria H. Diniz, “o método compreensivo pode ser valorativo”, já para Max Weber e Hans Kelsen, o método deve ser despido de notas valorativas, isto é, deve apresentar “neutralidade axiológica” (idem, ibidem).

Comprometida estará determinada área do saber científico caso nele se encontre incompatibilidade lógica entre as idéias, os fundamentos do sistema assim como as mesmas idéias (DINIZ, 2003, p. 19). Não pode haver ciência onde não se tenha objeto, e, mais que isso, o objeto do conhecimento há de ser precisamente delimitado e submetido ao método científico e, tal escolha, ou melhor, a individualização do objeto será realizada pelo sujeito por meio de abstração, considerando que os objetos não estão dispostos na natureza isoladamente.

Por meio da perquirição científica não se inventa o objeto, antes o descobre em conformidade com aquilo que se põe diante do sujeito, sob um vértice, perspectiva ou enfoque escolhido pelo sujeito cognoscente. Em nota, a professora Diniz (2003, p. 20) cita J. L. Moreno (Los supuestos filosóficos, cit., p. 34) o qual “observa que um mesmo objeto da experiência pode ser considerado sob vários pontos de vista e cada um deles pode converter-se em tema de uma ciência distinta”.

Sabendo que cada área do conhecimento possui um objeto específico, sem embargo disso, a ciência possui um objeto próprio que é o conhecimento.

Ainda partindo da obra de M. H. Diniz, importa registrar nota citando A. Franco Montoro, onde se diz:

O objetivo de toda ciência é esclarecer, mas os objetivos finais são diferentes. A ciência teórica tem por finalidade o próprio conhecimento. A prática ou normativa é a que conhece para dirigir a ação, e (...) apresenta as três acepções de ciência: a latíssima, segundo a qual ciência é o conhecimento certo pelas causas, aplica-se nesse sentido a todos conhecimentos demonstrados, abrangendo tanto as ciências teóricas como as práticas; a estrita, que se refere apenas às ciências teóricas ou puras (naturais, culturais, formais, e metafísicas); e a estreitíssima, apenas as teóricas de tipo natural e matemático. (MONTORO, s.a., p. 76 apud DINIZ, 2003. p. 20)

Portanto, “ a ciência pode ser considerada como sendo a ‘síntese dialética do objeto e do fim’, porque o fim é o fim do conhecimento, o que faz do objeto um objeto do conhecimento e o determina sob um certo prisma; e a finalidade é o fim de conhecer esse objeto.” (DINIZ, 2003, p. 21).

Foi visto que a ciência tem objetivos e objetos bem definidos dos quais não poderá se desviar, sem que isso represente barreira intransponível, porquanto às vezes ocorre o fenômeno da interdisciplinariedade, mas devido a esse rigor a investigação científica se auto limita.

Assim, por exemplo, veja que as ciências naturais estudam a realidade tal como ela é, ou seja, “o ser”. Já as ciências humanas, dada suas características próprias, por vezes estudam o “dever ser”.

1.3 Enunciado Filosófico

A ciência enquanto método mais seguro e eficaz de se conhecer não se exime da possibilidade de erros, visto que seu método está condicionado aos limites do sujeito cognoscente. Nesse contexto, imprescindível será o estudo da Filosofia para que se possa atingir o máximo de perfeição na busca do conhecimento.

Eis que, da atuação do método científico em consonância com a atuação filosófica - que terá, em verdade caráter axiológico[16] - é que o estudioso logrará por alcançar resultados satisfatórios e com menor probabilidade de erros, visto que esta dá validade àquele.

Pelo que foi aventado alhures, o saber científico apresenta os seguintes caracteres:

  1. É um saber metódico;

  2. É um saber sistemático;

  3. É um saber verdadeiro;

  4. É um saber fundamentado e

  5. É um saber limitado a um certo objeto.

Ora, deve ser questionado nesse instante: Até que ponto esse método se apresenta viável? O homem possui aptidão para conhecer a verdade?

É disso que cuida a Filosofia, pois de nada valeria construir um conhecimento pautado em método se seu sentido intrínseco não fosse posto em análise visando maior perfeição e segurança de seus resultados. Não obstante, deve ser dito que distintas são as tarefas da ciência e da filosofia, como se verá na seqüência.

A ciência procura conhecer por meio da empíria, através da delimitação do objeto e da aplicação do método científico, enquanto a Filosofia questionará os limites e a extensão do método utilizado na busca do conhecimento, as possibilidades de conhecer de fato o objeto. Visando alcançar a resolução de problemas, surge a Filosofia da ciência, a epistemologia.

Já é conhecida por Mário Ferreira dos Santos a sintonia harmônica de ciência e Filosofia[17], a despeito disso, encontra-se na doutrina uma aparente antinomia nessa correlação, isso se for considerado o que dissertou a professora Diniz e o professor Reale que, numa leitura desatenta, pode induzir à conclusão de que há oxímoros na lição dos mestres, assim veja:

Para a primeira doutrinadora, o sistema seria comprometido caso ocorresse incompatibilidade lógica entre suas idéias, o segundo, ao seu turno, entende que os resultados da Filosofia apresentam soluções diversas e teorias opostas sem que isso comprometa seu sistema.

A pesquisa das razões últimas das coisas e dos primeiros princípios implica a possibilidade de soluções diversas e de teoria contrastantes, sem que isto signifique o desconhecimento de verdades universais que se imponham ao espírito com a força irrefragável da evidência. (REALE, 1999, p. 8).

O fato é que, o método científico deve reduzir o conhecimento a um sistema de informações harmônicas e coerentes, posto tratar-se de um método legítimo até onde se pode comprovar ou se aferir a verdade, ao passo que a Filosofia, por se ocupar com elucubração e abstração, certamente apresentará dicotomia ou dualidades.

A razão motriz de toda ciência encontrar correspondência com a Filosofia, em primeiro lugar, se deve ao fato de que a maioria delas tiveram sua origem na Filosofia, visto que a Filosofia foi se desenvolvendo a princípio com os físicos e matemáticos da antiga Grécia, passou a abranger o estudo de diversos temas científicos, quando por fim, acabaram cindido-se e se tornaram ciências autônomas; e a outra é que a Filosofia é condição de validade do método científico e todas as ciências estão pautadas em vetores, portanto, são axiomas de que cuidam a Filosofia.

A epistemologia responderá a questões relacionadas ao conhecimento, pois veja que, na atualidade uma ciência se desponta no âmbito da Filosofia, a saber, a Gnosiologia que, na verdade revela uma tendência antiga já questionada por Górgias de Leontini, que estudará as possibilidades, extensão e limites do conhecimento e, como se vê, esta tarefa não poderia caber à ciência que cuidará da análise do objeto.

1.4 Classificação das Ciências

Feitas as considerações acima expostas com relação à ciência, urge classificá-la. No entanto, não serão feitas divagações sobre elas. Assim, será exposto sinteticamente o conteúdo apresentado no gráfico apontado no quadro sinótico da egrégia jurista de escol, professora Maria Helena (DINIZ, 2003, p. 25).

A primeira classificação proposta é de Augusto Comte, para quem existem as ciências abstratas, i.e. as teóricas ou gerais e as ciências concretas, consideradas particulares ou especiais, sendo as abstratas: a matemática, a astronomia, a física, a química, a biologia e a sociologia. O referido autor optou por não classificar as ciências concretas, visto que no seu entender “não se prestavam a uma discriminação perfeita”. (DINIZ, 2003, p. 23).

A segunda é de Wilhelm Dilthey, que classifica as ciências como sendo da natureza e do espírito, sendo cindida em duas subespécies a do espírito, a saber: ciência do espírito subjetivo e ciência do espírito objetivo.

Finalmente, eis a classificação de Aristóteles que, inicialmente, separa a ciência em dois grandes grupos: as ciências teóricas e as ciências práticas, sendo que as primeiras se subdividem em: ciências físicas ou naturais, ciências matemáticas e ciências metafísicas, considerado ainda que as ciências físicas ou naturais comportam mais uma subdivisão, qual seja: ciências naturais propriamente ditas e ciências culturais.

As ciências práticas se dividem em ciências morais ou ativas e ciências artísticas, factivas ou produtivas, sendo que estas se subdividem em ciências artísticas, propriamente ditas e ciências técnicas.

Hodiernamente prevalece a classificação das ciências quanto a área de atuação, assim, tem-se ciências exatas, tais como a física, a matemática e engenharia, também conhecidas como ciências aplicáveis; as biológicas tais como a biologia, medicina, veterinária, também conhecidas como área de saúde e, por fim, as ciências humanas, tais quais a filosofia, a psicologia e a sociologia, da qual deriva-se a ciência do Direito.

2. Ciência Jurídica e seu Objeto

A ciência jurídica é o estudo que tem por objeto o Direito, possui seu próprio método de investigação, constitui um saber sistemático, porquanto há compatibilidade lógica entre suas premissas e o conjunto harmônico delas está alicerçado em princípios que as mantêm uniformes. Trata-se de um saber fundamentado e limitado a seu objeto, de modo que de seu rigoroso critério de perquirição, resulta a garantia de veracidade de seus enunciados, ainda que esta “verdade” seja provisória.

Para alguns, a Ciência do Direito não seria ciência propriamente dita, posto que o objeto da ciência jurídica se modifica, sofre modificações espaciais e temporais. Para outros o Direito é de fato uma ciência, entretanto, essa dicotomia constitui-se em uma aporia que entrava a solução quanto ao objeto e ao método da Jurisprudência[18].

Tercio Sampaio, ao seu turno, advoga o seguinte entendimento:

Na verdade, a ciência (dogmática) do direito, sendo uma sistematização do ordenamento e sua interpretação, suas “teorias” chamadas, no conjunto, de “doutrina”, são antes complexos argumentativos, e não teoria no sentido zetético, isto é, sistema de proposições descritivas que, de um lado, compõem um conjunto lógico de termos primitivos, não observáveis (como, por exemplo, nêutron, elétron) e, de outro, um conjunto de regras que permitem interpretar empiricamente, relacionando a fenômenos observáveis os termos não observáveis (cf. Suppes, 1976). (FERRAZ JR., 2008, p. 59). (Grifo acrescido).

Essas posições antagônicas podem ser traduzidas em sistemática aos que entendem que há cientificidade no método jurídico e cética científica jurídica aos que negam-lhe cientificidade. Lembrando que o Direito enquanto complexo de normas positivadas, constitui o objeto da Ciência Jurídica. Ele, em si, não tem cientificidade, mas racionalidade.

De certo, esta explanação é de caráter epistemológico, por isso, não se pretende por fim a essa discução, mas em síntese, os problemas da ciência do Direito gravitam em torno de seu objeto, da conceituação do próprio termo “ciência”, ou ainda outros pontos narrados por Maria Helena Diniz, como por ex.: a especifidade do método jurídico; reflexão quanto ao caráter teórico, prático e crítico da jurisprudência; distinção que traça entre direito e outras ciências que visam ao estudo do fenômeno jurídico; bem como questões atinentes à cientificidade ou da não cientificidade da jurisprudência e, por fim; do fundamento doutrinário da ciência.

Diante da contingência, passaram os estudiosos a conceituar o Direito sob diferentes perspectivas, conforme a escola jusfilosófica da qual eram signatários. Ainda nesse tópico, assevera Tércio Sampaio que:

vem prevalecendo a idéia de que o direito-ciência é constituído de teorias sobre os ordenamentos jurídicos vigentes e suas exigências práticas. Em conformidade com isso havia e há a idéia de que o direito-objeto deste conhecimento é basicamente um fenômeno de disciplina social sob a forma repressiva, punitiva. (FERRAZ JR., 2008, p. 58).

Por outro lado, o Direito, objeto da ciência jurídica é um sistema constituído por um complexo estrutural de regras e princípios que disciplinam as relações humanas, tendo por escopo a paz social, consubstanciada no primado da justiça e no rigoroso binômio: lei e ordem e como corolário, constitui-se na “ordenação normativa da conduta humana segundo uma conexão de sentido” (SILVA, 2007, p. 21), daí, resultando consistir o Direito em: “fato, valor e norma” (REALE, 1973, p. 86).

Contudo, para a fiel compreensão da Ciência do Direito há de se distinguir esta de seu objeto, o Direito Positivo, nesse sentido manifestou-se o professor Paulo de Barros Carvalho, para quem há:

Muita diferença existe entre a realidade do direito positivo e a da Ciência do Direito. São dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos de linguagem, dois discursos lingüísticos, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas. (CARVALHO, 2003, p. 1)

Este mesmo autor destaca a despreocupação de muitos autores no tocante a “sensíveis e profundas dissemelhanças entre as duas regiões do conhecimento jurídico” (idem, ibidem). Por via de conseqüência, não raro ocorrem definições “de ramos do Direito que começam por referências ao conjunto de regras jurídicas e terminam com alusões a princípios e composições que a Ciência desenvolveu a partir da análise do direito positivo.” (idem, ibidem).

De posse de tais informações, é possível afirmar que em parte, o problema de distinguir ciência do direito de seu objeto se deve a questões terminológicas. Por isso, o cientista do direito deve se ater ao discurso lingüístico de sua atividade cognitiva e os operadores do direito, ao discurso lingüístico prescritivo, trazido pelo Direito Positivo.

Destarte, a linguagem científica constitui uma “sobrelinguagem ou linguagem de sobrenível”, situando-se exatamente acima da linguagem prescritiva do Direito Positivo, “pois discorre sobre ela, transmitindo notícias de sua compostura como sistema empírico.” (CARVALHO, 2003, p. 3). Complementando o assunto leciona que:

Em função disso, as valências compatíveis com a linguagem das normas jurídicas são diversas das aplicáveis às proposições científicas. Das primeiras, dizemos que são válidas ou não-válidas; quanto aos enunciados da ciência, usamos os valores verdade e falsidade. (CARVALHO, 2003, p. 3-4).

3. Métodos de Investigação

Compreendido isso, e de posse da noção do enquadramento do Direito no âmbito das ciências humanas, especialmente das ciências sociais, importa considerar os métodos de investigação, por meio dos quais se logra estudar o Direito.

Em síntese, os métodos de estudo do Direito são: o Zetético[19] e o Dogmático[20], conforme a terminologia adotada por Viehweg, citado por Tércio Sampaio (FERRAZ JR., 2008, p. 17-18), sendo que o método zetético acentua o aspecto pergunta, enquanto o método dogmático acentua o aspecto resposta.

O enfoque dogmático revela o ato de opinar e ressalva algumas opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são finitas. (FERRAZ JR., 2008, p. 18).

Prosseguindo. “Parece-nos claro que no enfoque zetético predomina a função informativa da linguagem. Já no enfoque dogmático, a função informativa combina-se com a diretiva e esta cresce ali em importância.” (FERRAZ JR., 2008, p. 19).

Isto posto, insta salientar que o Direito, não obstante possa se apresentar cindido em ramos especializados, é uno enquanto objeto de abordagem da ciência. Mas devido à complexidade de regulamentação, a ciência do direito teve que aplicar o critério da divisão do trabalho, porquanto o direito pode ser determinado por ramos específicos, isto é, poderá ser decomposto analiticamente (DINIZ, 2003, p. 29).

Todavia, até que o Direito pudesse estar caracterizado com ramos didaticamente separados ou especializados, para fins de melhor estudo percorreu-se um largo caminho de tirocínio por parte dos estudiosos do Direito. Neste ínterim, veja:

podemos observar que, em sua transformação histórica, o saber jurídico foi tendo alterado seu estatuto teórico. De saber eminentemente ético, nos termos da prudência romana, foi atingindo as formas próximas do que se poderia chamar hoje de saber tecnológico. (FERRAZ JR., 2008, p. 59).

E referido desenvolvimento foi possível levando em consideração, para tanto, a ocorrência dos fenômenos fáticos, os quais podem ser idênticos, semelhantes ou distintos entre si, conforme as contingências sociais que os caracterizam, de modo que os fatos e fenômenos semelhantes ou idênticos ostentam do mesmo tratamento em decorrência do mister de regulamentação uniforme e igualitária dentro de cada grupo e distinta com relação aos demais grupos, dado a distinção ou semelhanças entre os elementos que os singulariza.

4. O Problema da Conceituação

É demasiadamente complexo definir o que é o Direito, e o que é ciência jurídica, primeiro por que há diversas formas de conceituar, tais como: a nominal, que descreve o significado da palavra; a definição real descritiva, que nada mais é que a definição a partir de notas exteriores que distinguem o objeto conceituado dos demais, prescindindo das essenciais; definição acidental, entendida como um elemento do conceituado e por ser acidental comporta muita contingência.

Tal classificação foi proposta por Lourival Vilanova (apud DINIZ, 2003, p. 28), para quem seria preciso classificar por meio da “definição real-essencial”, “que consiste em dizer o que a coisa é, desvendando as essências das próprias coisas que essa palavra designa”.

Conceituar a ciência do Direito, segundo Maria Helena, já tantas vezes citada, (ibidem) é uma tarefa que ultrapassa sua competência, seria, pois, um problema de ordem supracientífico ou jusfilosófico.

Não se pode olvidar que a definição de um termo pertence ao campo da lógica, pois, a estrutura de um conceito obedece determinadas regras que o tornam válido, com aptidão e rigor necessários para descrever e caracterizar o objeto, assim veja:

Definição é a explicitação, breve e completa, da compreensão de um conceito. [...]

Uma definição deve indicar todos os atributos essenciais de tal maneira que ela se aplique somente ao definido e possibilite a recíproca. “H2O é água”. H2O indica os componentes essenciais da água que podem ser atribuídos somente a ela. E a recíproca é verdadeira: “Água é H2O”. (CAPPI, 2004, ps. 113 e 114).

Lembrando que, para se conceituar é preciso não conceituar com a utilização do próprio termo conceituado e, nesse sentido importa considerar tudo o que estiver relacionado às essências permanentes e heterogêneas do objeto a ser conceituado.

Em matéria de conceituação deve ser destacado que a pluralidade de significados decorrentes do emprego de um termo, compromete uma definição precisa, bem como a utilização de termos equívocos rende ensejo a muita divagação, a propósito observe:

Assim, os conceitos mais importantes da dogmática, usados de modo não problemático (por exemplo, o conceito de vigência, vigor, eficácia), reúnem, simultaneamente, aspectos de conteúdos descritivos e de fórmulas de ação (exemplo: o conceito de “declaração de vontade” aponta para algo real, consistente, mas é também uma espécie de etiqueta para a argumentação, pois em seu nome pode-se reconhecer um ato como declaração de vontade, ou pode-se impugnar este caráter). (Grifos no original). (FERRAZ JR., 2008, p. 63).

Para o douto entendimento do professor Maurício Godinho Delgado, definir é uma atividade intelectual, uma declaração da estrutura essencial de um determinado fenômeno:

Definir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém interligados. Definição é, pois, a declaração da estrutura essencial de determinado fenômeno com seus integrantes, e o vínculo que os preserva unidos” (DELGADO, 2006, p. 49).

Mas, a despeito dos imensuráveis esforços dos juristas na tentativa de se conceituar a ciência do direito, ainda não foi possível fazê-lo, tendo em vista todas as notas determinantes de seu objeto – o Direito. Nesse jaez, assevera Goffredo Telles Jr. que “a palavra direito não é nem unívoca nem equívoca” (TELLES JR. 1962, p. 329-331 apud DINIZ, 2003, p. 29), a ponto de significar o conjunto normativo, ou os efeitos permissivos oriundos das mesmas normas, ou estar ligada à idéia do justo.

5. Direito Positivo

Uma vez compreendido o enquadramento do Direito no âmbito da Ciência em geral, importa considerar a existência das correntes doutrinárias desenvolvidas no campo da própria Jurisprudência, lembrando, contudo que o sistema jurídico brasileiro contemporâneo é um sistema de direito positivo.

Com efeito, partindo-se dos extremos, tem-se de um lado o Direito Positivo, constituído de normas escritas, cogentes, imperativas e mandamentais, editadas por uma autoridade competente, em obediência ao preceito estabelecido em Lei hierarquicamente superior e apta a disciplinar a conduta humana. De outro, há o Direito Natural, ou em sua versão contemporânea, o Jusnaturalismo que trata do fenômeno jurídico partindo dos direitos inerentes à humanidade, das condições mínimas de existência digna da pessoa humana, independentemente de qualquer reconhecimento estatal.

Não raro, a cisão entre Direito Positivo e Direito Natural vem sendo abordada no plano doutrinário, merecendo análise até mesmo do consagrado Tércio Sampaio, veja:

A influência dessa dicotomia, no direito contemporâneo, provém do século XVIII. O período do racionalismo jurídico[...] concebeu o saber jurídico como uma sistematização completa do direito a partir de bases racionais, isto é, fundamentado em princípios da razão. Em conseqüência, o direito natural aparecia como um conjunto de direitos e deveres que se aplicavam às relações entre os seres humanos de forma análoga à que ocorre com o direito posto, o direito positivado ou pelos costumes ou pela decisão expressa da autoridade institucionalizada. Nessa época, o direito natural até então uma disciplina moral, ganhou certa autonomia e transformou-se numa genuína disciplina jurídica. (FERRAZ JR., 2008, p. 140).

Obviamente, neste capítulo, o enfoque será à corrente doutrinária positivista, mas ao abordá-la, inexoravelmente, há de se ter em vista sua indissociável antítese, o Direito Natural. Frise-se, no entanto que, tais correntes são antagônicas no tocante à justificação adotada por cada escola quanto ao fundamento do direito.

Por outro lado, as demais correntes, a despeito do valor singular de cada uma delas, não serão lembradas nesta oportunidade, dado o objetivo específico do tema ora abordado.

Pois bem, o que se estuda neste trabalho é a atuação dos princípios no sistema de Direito Positivo. Daí surge o mister de encetar noções acerca da doutrina positivista.

Referida doutrina surgiu inicialmente, por volta de 1830, na França, objetivando de um lado a construção de uma análise e exaltação ao progresso das ciências experimentais, bem como, por outro lado logrou propor uma reforma social conservadora, visando à manutenção intacta do sistema político-econômico vigente. (BALDAN, 2004, p. 13).

A Teoria conteana sugere que a humanidade teria experimentado uma evolução, vivenciando, principalmente três estágios fundamentais, são eles: 1) o estado teológico, também denominado religioso[21]; 2) o estado metafísico[22], conhecido como racional e, 3) o estado positivo, ou científico.

Em verdade, é possível em muitos aspectos constatar a evolução humana, difícil porém é precisar com tamanho rigor cada estágio, além disso, deve ser reconhecido que contemporaneamente a humanidade presencia simultaneamente os assim denomidados “três estados”, com intensidades algumas vezes variadas.

Com relação ao conhecimento positivo, deve ser destacado seu princípio basilar: “conhecer para prever, a fim de prover.” Sendo certo que, para os signatários de referida corrente o único conhecimento válido é o que está calcado em fatos, cindindo-se, deste modo de qualquer tentativa de conhecimento absoluto ou pelas causas, isto é, derivado. Seu escopo é chegar às leis. (BALDAN, idem, ibidem).

Encerrando a discussão histórica, deve ser lembrada a concepção política da teoria positivista, para tanto, tome-se por base seu lema, “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”[23]. Para os positivistas só poderia “haver desenvolvimento social na medida em que o governo mantêm a ordem, reprimindo manifestações críticas, sufocando revoltas, enfim, garantindo a paz.” (BALDAN, 2004, p. 14).

“Não há direitos humanos (conceito metafísico, imoral e anárquico), apenas deveres para com todos.” (BALDAN, idem, ibidem). Esta postura radical e draconiana não reflete necessariamente a concepção positivista da atualidade.

Em uma conotação jurídica do termo, nas doutas palavras de Norberto Bobbio o:

[...] positivismo jurídico, que, no início deste trabalho, definimos provisoriamente como “aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo”; podemos agora precisar que esta corrente doutrinária entende o termo “direito positivo” de maneira bem específica, como direito posto pelo poder soberano do Estado, mediante normas gerais e abstratas, isto é, como “lei”. Logo, o positivismo jurídico nasce do impulso histórico para a legislação, se realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, de qualquer modo, absolutamente prevalente - do direito, e seu resultado último é representado pela codificação. (BOBBIO, 1995, p. 119)

Evidentemente, nem todas as escolas doutrinárias jurídicas são solidárias com referido entendimento (positivista), note que o mesmo autor aponta o entendimento de outros juristas consagrados, como Jhering e Savigny, a título de exemplo, veja o seguinte texto, baseado na lição de Jhering:

Na Alemanha do princípio do século passado, o direito científico constitui a verdadeira alternativa ao direito codificado. Para os pandectistas a codificação já havia ocorrido uma vez e se referiam ao Código de Justiano. De agora em diante o desenvolvimento do direito devia ser realizado não tanto pelo legislador quanto pelo jurista. Na polêmica contra codificação, a escola histórica não exalta certamente o direito judiciário, mas o direito científico. O direito judiciário não participava sequer do sistema das fontes tal qual era enunciado pela escola histórica [...]. (BOBBIO, 1995, p. 122).

No instante em o que jurista estuda o positivismo, de um lado encontra a doutrina filosófica positivista, de outro encontra o positivismo jurídico ou normativo, daí resulta pensar sobre a relação efetiva entre estas duas realidades. Para aclarar esta penumbra será analisada a formulação do próprio Auguste Comte, fornecida por Tércio Sampaio:

Comte afirma, que, numa ordem qualquer de fenômenos, a ação humana é sempre bastante limitada, isto é, a intensidade dos fenômenos pode ser perturbada, mas nunca a sua natureza[24]. O estreitamento na margem de mutabilidade da natureza humana, que Comte recolhe do modelo de biologia antievolucionista, dá condições de possibilidade de uma sociologia[25]. Supõe-se que o desenvolvimento humano é sempre o mesmo, apenas modificado na desigualdade da sua velocidade (vitesse de developpement)[26]. (FERRAZ JR., 1986, p. 31).

Em verdade, o positivismo encontrou seu apogeu nas lições de Hans Kelsen, o qual concebia o Direito como um conjunto de normas e visava estudá-las em seu aspecto meramente jurídico, assim, veja:

A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação. (KELSEN, 1998, p. 1).

Os esforços empreendidos no sentido de colimar uma “Teoria Pura do Direito” resultaram na compreensão do Direito na perspectiva positivista. Isto equivale a considerar como “direito” tão somente as normas válidas, prescindido-se, portanto, da análise jurídica questões que envolvam o objeto de outras ciências correlatas ao fenômeno jurídico. Todavia, hodiernamente a doutrina majoritária entende que a compreensão do Direito resulta da análise factual, valorativa e normativa, divergindo, por conseguinte da doutrina kelseniana, que assevera, in verbis:

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é seu princípio metodológico fundamental. (KELSEN, 1998, p. 1).

Com efeito, numa acepção jurídica, o positivismo constitui uma escola doutrinária que compreende o fenômeno jurídico por uma perspectiva normativa. Assim, de posse de referida informação é que esta monografia empregará a expressão “Sistema de Direito Positivo”, compreendendo este como o conjunto de normas válidas de um determinado Estado[27], editadas por uma autoridade legislativa com atribuições para tanto, em observância ao procedimento estabelecido em Lei Maior e que ostentem o atributo vigência, ou seja, esteja em condições de irradiar seus efeitos por estar em plena aplicabilidade, ou em outras palavras, a expressão exprime a idéia de “Ordenamento Jurídico”.


III- SISTEMA DE DIREITO POSITIVO

1. Os Princípios como Base do Sistema

Como cediço dos estudiosos e aplicadores do Direito, uma realidade é a Ciência Jurídica, ou Dogmática e outra é o Direito Positivo, sendo que cada qual, ao seu turno, em seu câmpo específico de atuação, constituem um sistema.

Talvez, o termo “sistema” seja um dos mais difíceis de ser conceituado, não obstante, cada estudioso guarda ínsito em sua mente o significado do termo. Pensando nisso, seguem algumas definições léxicas, extraídas de dicionários de língua portuguesa.

Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2002, p. 639), sistema é:

1. Conjunto de elementos entre os quais haja alguma relação. 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que foram estrutura organizada. 3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie. 4. Método, plano. 5. Modo, jeito. 6. Modo de governo, de administração, de organização social [...]

Importa mencionar ainda a conceituação do Dicionário Brasileiro Globo (FERNANDES, s.a., p. s.n.º), onde define sistema como:

Conjunto de partes coordenadas entre si; conjunto de partes similares; forma de governo ou constituição política ou social de um Estado: sistema constitucional; combinação de partes, de modo que concorram para certo resultado; plano: sistema financeiro; conjunção de princípios, verdadeiros ou não, que estabelecem um corpo de doutrina; conjunto de leis ou princípios que regulam certa ordem de fenômenos [...] (grifo acrescido).

Conforme estudado no capítulo anterior a ciência em síntese é um sistema de conhecimento, por outro lado assiste ao Direito Positivo a mesma característica, pois, este é um sistema estrutural constituído de normas, isto é, de regras e princípios.

A noção de sistema deve estar presente na mente do jurista, mesmo considerando a técnica da separação didática dos ramos do Direito, e além disso, do ponto de vista da ciência, o Direito é uno.

Ao falar em sistema, não se pode olvidar os princípios que o integram, nesse sentido se apresenta a lição do professor Miguel Reale (REALE, 1999, p. 60).[28]:

Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultante de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. (Grifos no original).

Em tempo, pergunta-se: o que é sistema jurídico? Antes, porém de responder a esta indagação importa considerar a pertinente observação do professor Paulo de Barros, onde se diz:

Sistema jurídico é expressão ambígua que, em alguns contextos, pode provocar a falácia do equívoco. Com esse nome encontramos designados tanto o sistema da Ciência do Direito quanto o do direito positivo, instaurando-se certa instabilidade semântica que prejudica a fluência do discurso, de tal modo que, mesmo nas circunstâncias de inocorrência de erro lógico, a compreensão do texto ficará comprometida, perdendo o melhor teor de sua consistência. (CARVALHO, 2003, p.130).

Um pressuposto fundamental do conceito de sistema é a compatibilidade lógica entre as idéias deste conjunto de elementos. Nesse sentido, leciona Maria Helena Diniz (2003, p. 19), in verbis: “Se houver alguma incompatibilidade lógica entre as idéias de um mesmo sistema científico, duvidosas se tornam as referidas idéias, os fundamentos do sistema e até mesmo o próprio sistema.”

Ao tratar de sistema, importa mencionar a seguinte definição (CARRAZZA, 2008, p.37):

Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios,[29]e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam.

A expressão “sistema” exprime a idéia de um “conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos. Elementos estes, reunídos em função de certos princípios, certas idéias fundamentais.”

Destarte, o conceito de sistema traz em seu bojo a expressão “princípios” como sendo idéias fundamentais, muito embora o sistema que se tenha em vista é o sistema jurídico, um conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos normativos que, tem como fundamento os princípios.

Complementando este raciocínio com peculiar maestria, Eduardo Couture (Vocabulário Jurídico, p. 489), citado por Roque Antônio Carrazza (2008, p. 39), em nota, afirma que:

princípio es un enunciado lógico extraido de la ordenación sistemática y coherente de diversas normas de procedimento, en forma de dar a la solución constante de éstas el caráter de una regla de validez general.

Vale lembrar, outrossim, o que foi dito por Rizzato Nunes, onde afirma que “Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a ser considerados [...]”, prosseguindo, afirma que a interpretação no universo ético-jurídico, com base nos princípios influencia o conteúdo e o alcance de todas as normas “E essa influência tem eficácia efetiva, real, concreta. Não faz parte apenas do plano abstrato do sistema” (NUNES, 2008, 182) aprofundando a análise assevera que:

Os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa inincidência no plano da realidade. É que, como as normas jurídicas incidem no real e como elas devem respeitar os princípios, acabam por levá-los à concretude. (idem, ibidem).

Hildebrando Accioly, ao falar sobre o Direito Internacional, ressalta um aspecto relevante de um sistema, ao lecionar que “Os sistemas internos tendem a ver-se como todos orgânicos e sistemáticos, quase como fins em si mesmos, voltados para si mesmos e com atitude muitas vezes claramente defensiva em relação ao exterior” (ACCIOLY, et al, 2008, p. 7).

Dilucidando esta idéia, sedimentando-a, sobretudo relacionada à integração dos princípios no âmbito de cada sistema, no caso, o sistema de direito, aduz CARRAZZA (2008, p. 40), que:

[...] Resulta do exposto que um princípio jurídico é inconcebível em estado de isolamento. Ele – até por exigência do Direito (que forma um todo pleno, unitário e harmônico) – se apresenta sempre relacionado com outros princípios e normas, que lhe dão equilíbrio e proporção e lhe reafirmam a importânica.

Ademais, assiste razão a Antônio Cappi e Carlo Crispim Baiocchi Cappi, em seu singular estudo da lógica no sistema jurídico ao lecionarem que: “O Direito, como qualquer cálculo lógico, seria um sistema científico axiomático formal, unitário, coerente e completo.” (CAPPI, 2004, p. 61).

Todavia, a idéia de sistema jurídico encerra dois subtópicos, imprescindíveis a sua comprensão. São eles: “repertório” e “estrutura”. Nesse contexto, pronunciou-se o professor Tércio Sampaio (FERRAZ JR., 2008, p. 214):

a estrutura contém regras que nos permitem identificar certos fenômenos sociais como fonte de normas. Ou seja, a noção de fonte pertence à estrutura, não ao repertório. Isso posto, seria conveniente distinguir entre a razão jurídica (doutrina, princípios gerais do direito, eqüidade, analogia) como conjunto de regras estruturais, e as fontes stricto sensu como elementos do repertório, isto é, normas-orígem do sistema (a lei, o costume, os atos negociais, a jurisprudência). (Grifos no original).

1.1 Repertório

Deste modo, importa conceituar a expressão repertório, que designa um conjunto de elementos que integram o sistema. Entretanto, ao dizer “elementos” deve ser entendido que no caso em tela o que se tem em vista são regras e princípios.

Por outro lado, ao longo do tempo existiu e existem uma gama infindável de normas, e devido às vicissitudes sociais, algumas delas perdem sua eficácia, ou seja, sofrem a incidência do fenômeno da revogação.

Portanto, os elementos que integram o sistema jurídico são por excelência normas válidas de um determinado Estado, lembrando sempre que válidas são as normas jurídicas editadas pela autoridade detentora da competência funcional de legislar que o faz em estrita observância ao rito procedimental estabelecido nas normas de estrutura e que necessariamente estejam vigentes, isto é, aptas a qualificar fatos e reger condutas.

1.2 Estrutura

Neste mesmo contexto, analisando a idéia de sistema, o sub tema estrutura corresponde às possíveis relações que os elementos do sistema mantêm entre si.

Ora, relações são vínculos e conexões que as normas jurídicas podem manter entre si e, quando isso ocorre deve ser assegurado o equilíbrio adequado dessas relações normativas recíprocas, ou do contrário haveria um comprometimento do próprio sistema jurídico.

Deveras, as normas, isto é, as regras e os princípios que integram o sistema travam entre si relações de subordinação e coordenação, sendo relação de subordinação a decorrente da existência de uma Lei Maior que vincula, “subordina” outra Lei hierarquicamente inferior, a qual haverá de se conformar com o “eixo de compatibilização vertical” (SILVA, 2005, p. 47). A relação de coordenação decorre da harmonia do Ordenamento Jurídico, no sentido de que as normas que o integram se complementam.

Daí a importancia de um meticuloso estudo acerca dos princípios, como se verá adiante, visto que é por meio deles que o sistema jurídico se sustenta, se constitui e se interrelaciona .


IV- A ATUAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NO ÂMBITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

1. Princípios Jurídicos: Fases de Atuação e Classificação

No presente capítulo será estudada a atuação dos princípios no sistema de Direito Positivo, demonstrando como se apresentam as normas da espécie princípios. Entretanto, antes de defrontar esse ponto, imperioso se afigura estudar a classificação proposta pelo professor Paulo de Barros Carvalho e a desenvolvida por Maurício Godinho Delgado ao tratar de “princípios”.

Eis que, na concepção do primeiro autor:

Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma. Assim, nessa breve reflexão semântica, já divisamos quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos “princípio” como “norma”; enquanto nos dois últimos, “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”. (CARVALHO, 2003, p. 144).

Para o mencionado autor, “os princípios cumprem funções diferenciadas” (DELGADO, 2006, p. 187), considerando-se a atuação exercida na fase de elaboração das normas (como ocorre com o Poder Constituinte Originário), no momento de construção das regras jurídicas, bem como, atuará com maior relevância no momento em que as regras já estiverem elaboradas.

Partindo deste pressuposto, classificou esses dois momentos da atuação dos princípios no ordenamento jurídico de “fase pré-jurídica” ou “política”, a que ocorre na fase de produção das normas e “fase jurídica”, a que se dá uma vez postas as regras de direito.

1.1 Fase Pré-jurídica ou Política

Nitidamente a fase pré-jurídica é eminentemente política, pois trata da fase de introdução de regras no ordenamento jurídico. Eis que esta atuação dos princípios revela seu caráter axiológico, dado que neste instante situam-se em um plano mais abstrato e genérico.

Para o professor Maurício Godinho, autor da presente classificação:

os princípios despontam como proposições fundamentais que propiciam direção coerente na construção do Direito. São veios iluminadores à elaboração de regras e institutos jurídicos. Os princípios gerais do Direito os específicos a determinado ramo normativo tendem a influir no processo de construção das regras jurídicas, orientando o legislador no desenvolvimento desse processo. (DELGADO, 2006, 187).

Em virtude da manifestação dos princípios na fase política ocasionar influxo na produção de regras, Maurício Godinho assevera que são “verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se postam como fatores que influenciam na produção da ordem jurídica.” (idem, ibidem).

Por fim, encerra dizendo:

Essa influência política dos princípios é, contudo, obviamente limitada. É que as principais fontes materiais do Direito situam-se fora do sistema jurídico, consubstanciando-se fundamentalmente nos movimentos sociopolíticos e correntes político-filosóficas e econômicas que provocam e condicionam a elaboração normativa. (DELGADO, 2006, p. 188).

Por aqui se vê o caráter cogente dos princípios que impõe ao legislador a confecção de regras condizentes com os vociferantes reclamos sociais, que vá ao encontro da realidade histórica, político-econômica e social do povo, levando-se em consideração os percalços, os anseios e as vicissitudes sociais.

1.2 Fase Jurídica

Nesta fase é possível destacar as funções diversas assumidas pelos princípios. Os “princípios desempenham funções diferenciadas e combinadas, classificando-se segundo a função específica assumida.” (DELGADO, 2006, p. 188). Para o referido autor, surgem, de um lado, os princípios descritivos (ou informativos), incumbidos da relevante função interpretativa do Direito. Ao seu lado, os princípios normativos subsidiários, encarregados do destacado papel no processo de integração das normas jurídicas (regras supletivas). Finalmente, os princípios normativos concorrentes, atuam como verdadeiras regras jurídicas, “independentemente da necessidade de ocorrência da integração jurídica.” (DELGADO, 2006, p. 188).

1.2.1 Princípios Descritivos (ou Informativos)

Para o autor da classificação, “os princípios atuam, em primeiro lugar, como proposições ideais que propiciam uma direção coerente na interpretação da regra de Direito. São veios iluminadores à compreensão da regra jurídica construída.” (idem, ibidem).

Esta função é, segundo Maurício Godinho Delgado, a mais “clássica e recorrente” (idem, ibidem), atuando como instrumento auxiliar de interpretação das regras jurídicas. Ademais:

Nesse papel, os princípios contribuem no processo de compreensão da regra e institutos jurídicos, balizando-os à essencia do conjunto do sistema de Direito. São chamados princípios descritivos ou informativos, na medida em que propiciam uma leitura reveladora das orientações essenciais da ordem jurídica analisada. (idem,ibidem).

Desta forma, no entendimento do professor Delgado, não atuam como fontes formais do Direito, mas como ferramenta de interpretação jurídica. Desta afirmação é possível concluir que se trata de critérios hermenêuticos ou princípios interpretativos.

Entendemos que não assiste razão ao autor da classificação negar força normativa aos “princípios normativos descritivos”. Decerto, referida categoria de princípio já se manifesta na fase pré-jurídica, porquanto atuam compondo o sentido dos demais princípios, como também atuam na fase jurídica, principalmente no Direito Constitucional. Contudo, apesar de possuírem - ao nosso ver - um campo de atuação que compreende as fases pré-jurídica e jurídica, sua inserção em um subtópico da fase jurídica ocorreu por conta da classificação proposta pelo autor, a qual adotamos com esta ressalva.

Importa tecer tais considerações no tocante aos “princípios informativos” pelo fato de que servirão de premissa à compreensão da atuação dos princípios no âmbito do Direito Constitucional.

Tem-se como exemplo desta modalidade de princípio o “princípio da justiça”, exatamente porque o Ordenamento Jurídico prima pelo ideal de justiça e, como corolário suas normas devem ser interpretadas com base neste princípio. Esta categoria de princípio integra o núcleo do sistema de direito positivo, muitas vezes de maneira implícita.

1.2.2 Princípios Normativos Subsidiários

A segunda função dos princípios constitui verdadeira fonte formal supletiva do Direito. Neste caso, o interprete e aplicador do Direito, ao se deparar com a ausência de regra aplicável a um dado caso concreto, utilizar-se-á dos princípios normativos subsidiários.

“A proposição ideal consubstanciada no princípio incide sobre o caso concreto, como se fosse regra jurídica específica.” (DELGADO, 2006, p. 189). A atuação dos princípios, por conseguinte, é equivalente à atuação de regras principais, em hipóteses não disciplinadas por fonte normativa principal.

Um dado digno de nota é a observação do professor Delgado (idem, ibidem), o qual aponta que o caráter de normas supletivas atribuído aos princípios é de verificação menos recorrente que a função interpretativa e, curiosamente, é a que se encontra prevista expressamente na legislação, como critério de aplicação do Direito, nitidamente voltado ao magistrado, bem como, servindo como recurso de integração da Ordem Jurídica. A título de exemplo, reproduzimos os seguintes dispositivos legais:

Art. 4.º da LICC – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 126 do CPC – O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Art. 8.º da CLT – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Art. 108 do CTN – Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada:

I – a analogia;

II – os princípios gerais de direito tributário;

III – os princípios gerais de direito público;

IV – a eqüidade.

1.2.3 Princípios Normativos Concorrentes

Ainda em conformidade com a lição do professor Maurício Godinho, a doutrina ocidental agrega uma terceira função às duas tradicionais expostas nos itens anteriores: trata-se da função normativa própria dos princípios.

“Esta mais recente compreensão sedimentou-se, em distintas vertentes, dimensões e abrangências, na segunda metade do século XX, na obra de célebres juristas, principalmente filósofos do Direito e constitucionalistas.” (idem, ibidem).

Tal função normativa específica aos princípios seria resultante de sua dimensão fundamentadora de toda ordem jurídica. Essa dimensão passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza de norma jurídica e não simples enunciados programáticos não vinculantes. (DELGADO, 2006, p. 189-190).

Logo, o caráter normativo específico atribuído às regras também alcança essa categoria de princípios e, em decorrência dessa nova nova doutrina, a expressão “norma” não se refere apenas às “regras”, mas também aos princípios.

“A expressão norma pode ser utilizada, pois, em sentido amplo (quando abrangeria as regras, os princípios – e, pensamos, também os institutos jurídicos); mas pode ser utilizada ainda em sentido estrito, quando corresponderia a regras jurídicas.” (ALEXY, 1997, p. 83 apud DELGADO, 2006, p. 190).

Estendendo o raciocínio e fazendo alusão a consagradros juristas, Maurício Godinho aponta:

Tal função maior percebida nos princípios – ao menos nos princípios gerais ou essenciais do Direito – permitiria qualificá-los como “normas-chaves de todo o sistema jurídico” (Paulo Bonavides), “fundamentos da ordem jurídica” (Frederico de Castro), “super-fonte” (Flórez-Valdez), verdadeiros “mandamentos de otimização” da ordem jurídica (Robert Alexy). (DELGADO, 2006, p. 190).

No entanto, para o professor Maurício “a prevalência dos princípios sobre as regras legais,”[...] “é relativa, sob pena de criar-se total insegurança na ordem jurídica e meio social regulado”, sendo mais correto sustentar que:

em vez da função normativa própria, específica, autônoma, verifica-se que os princípios atuam como comandos jurídicos instigadores, tendo, no fundo, um função normativa concorrente. Trata-se de papel normativo concorrente, mas não autônomo, apartado do conjunto jurídico geral e a ele contraposto. (DELGADO, 2006, p. 190).

Eis que, esta última forma de atuação dos princípios se dá “em concurso com a interpretativa da regra analisada”, ora estendendo o comando, ora restringindo e até mesmo esterilizando-o “a partir de uma absorção de seu sentido no âmbito mais abrangente cimentado pelos princípios correlatos.” (Idem, Ibidem).

Deveras, esta função atua encampando a função interpretativa e a normativa, adaptadas às regras jurídicas ao “sentido essencial de todo o ordenamento”. (Idem, Ibidem). Por isso, é possível se cogitar de uma “função simultaneamente interpretativa/normativa/normativa, resultado da associação das duas funções específicas (a descritiva e a normativa), que agem em conjunto, fusionadas, no processo de compreensão e aplicação do Direito.” (Idem, Ibidem).

2. Atuação dos Princípios no Plano das Normas Infra-constitucionais

Deve ser destacado neste momento a atuação dos princípios no contexto das normas infra-constitucionais no sistema de Direito Positivo brasileiro, cabendo observar em primeiro lugar sua atuação como “princípios normativos concorrentes”, conforme a classificação acima exposta, ressalvando, contudo, que referida função não se confunde com as regras, visa atribuir aos princípios “função simultaneamente interpretativa/normativa”.

De posse deste conceito é possível adentrar no plano normativo, identificar os princípios e analisar sua natureza específica. Assim, inicialmente, a análise se volverá ao Direito Civil, mais especificamente à Teoria Geral dos Contratos. Observe que o Direito Civil possui princípios que lhe são próprios e se manifestam em seus respectivos limites de disciplina. Logo, em matéria de contrato, um princípio motriz é o pacta sunt servanda.

Considerando isso, algumas idéias já aventadas devem ser retomadas. Veja que os princípios, conforme várias definições já mencionadas, podem constituir “um enunciado lógico” que propicia a correta aplicação do Direito, ou ainda, podem significar “o ponto de partida” do jurista ao aplicar o Direito à espécie. Pois bem, todas essas idéias estão correlacionadas aos princípios sob a perspectiva que se pretende destacá-lo no presente tópico. Entretanto, deve ser advertido, desde já, que a noção de “mandamento nuclear de um sistema” encerra um assunto mais afeto ao Direito Constitucional como um todo e não à Teoria Geral dos Contratos, mera subdivisão do Direito Civil, ramo especializado do saber jurídico.

Com efeito, tomando por base a noção de “enunciado lógico”, tem-se que, em relação à Teoria dos Contratos, o princípio do pacta sunt servanda constitui um enunciado lógico que norteia a matéria em questão. Tomando por base a noção de ponto de partida, depreende-se que, antes do hermeneuta se abeberar em interpretar e aplicar a regra jurídica haverá de ter em vista, inicialmente o princípio que constitui o cerne da matéria a ser estudada, no caso ora analisado o pacta sunt servanda se comporta como o cerne da teoria dos contratos.

Contudo, apesar da relevante importância e função dos princípios no Ordenamento Jurídico, seu carater genérico implica em restrição quanto às hipóteses de sua aplicação em alguns casos, com base em critérios legais propriamente dito e critérios legais de eqüidade.

  • a) Critério Legal Propriamente Dito – é a delimitação de princípios genéricos por regra expressa, v.g. – o princípio do pacta sunt servanda, isto é, da obrigatoriedade dos contratos – sofre restrição do alcance genérico de seu enunciado, perdendo, por conseguinte sua obrigatoridade quando o contrato contrariar o interesse público.

  • b) Critério Legal de Eqüidade – diz respeito às hipóteses em que o Judiciário, ao apreciar uma questão, deverá lançar mão de juízos de razoabilidade, excepcionando norma genérica. Em relação ao critério legal de eqüidade, os exemplos mais freqüentes situam-se no plano constitucional – v.g. o princípio da isonomia, ou igualdade, pode sofrer restrições em seu alcance com base no critério proposto, ou seja, confere-se aos iguais tratamentos igual e aos desiguais tratamento diferenciado na medidade de suas desigualdades. Assim, quando a lei concede atendimento prioritário aos idosos, à primeira vista parece violar o princípio da isonomia. No entanto, há de se ter em vista a peculiar condição mais frágil do idoso, em outras palavras, é preciso reconhecer que a isonomia só tem cabimento entre iguais. Contudo, muito embora haja distinção não há falar em injustiça, uma vez que eventual tratamento prioritário ao idoso visa a igualá-lo aos demais cidadãos, detentores de melhor condição física, em outras palavras, quando a lei, mediante juízo de eqüidade tutela o hipossuficiente assim o faz para assegurar a justiça material e não apenas um juízo formal decorrente da inferência de premissas, conforme o modelo clássico aristotélico, porquanto, silogismo não corresponde exatamente à justiça, primado fundamental do Direito.

Ora, foi dito que a abrangência genérica de um princípio pode ser delimitada em face de lei (compreendida, neste caso na acepção de regra jurídica) e de critérios legais de eqüidade. Logo, importa abrir um parênteses quanto ao aparente paradoxo da expressão “critérios legais de eqüidade” dado que na letra da lei a eqüidade é uma das formas de aplicação do direito na ausência de regra expressa (art. 8.º caput da CLT e art. 108, inc. IV do CTN).

Para explicar o significado da expressão, importa considerar que a cultura jurídica brasileira é positivista no sentido de que a gama de legislação existente é muito farta, além disso, a Constituição da República é rígida e dirigente, cuidando de disciplinar com riqueza de detalhes as mais variadas questões que o Legislador Constituinte julgou pertinente. Neste ínterim, foram positivadas diversas normas que encerram em seu bojo juízo de eqüidade, devido a isto é possível dizer “critério legal de eqüidade”, porquanto, hipótese de juízos de eqüidade se encontram expressas em normas constitucionais e o fato de estarem positivadas, não lhes furtam esse caráter, tal qual ocorre com os princípios, mesmo quando positivados não deixam de ser princípios.

Outrossim, a legislação, freqüentemente faz menção a “princípios gerais de direito” e, a um só tempo alude à eqüidade. Ocorre que os princípios gerais de direito são máximas, cânones compreensíveis a partir da Teoria Geral do Direito, são equiparáveis às regras jurídicas (princípios normativos subsidiários), enquanto que a eqüidade, embora a rigor não seja um princípio, anda bem próxima deste. Na seara jurídica quando se diz “eqüidade”, implicitamente se reconhece a utilização do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Logo, a eqüidade celebra a idéia de justiça, é um mecanismo a serviço do jurista e constitui uma justiça de índole natural[30], indica retidão e no sentido léxico, mais recorrente pode designar igualdade, para tanto, também se calca em princípios.

Entendido o sentido em que se fala de “critério legal de eqüidade”, retome-se novamente a idéia de “princípios normativos concorrentes”, onde estava sendo analisado o princípio do pacta sunt servanda. Pois bem, para a teoria dos contratos esse princípio equivale a uma regulamentação, verdadeira norma impositiva, muito embora não esteja expresso em lei, porta-se como tal na medida em que a celebração de um contrato implica inexoravelmete sua obrigatoridade e, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei” (inc. II do art. 5.º da CF/88).

Entretanto, tais quais as regras propriamente ditas, os princípios normativos concorrentes são passíveis de limitação circunstanciais com base nos já destacados critérios de “legalidade propriamente dita” e do “critério legal de eqüidade”.

Verificou-se ao longo da discussão a atuação dos “princípios normativos concorrentes”. Por outro lado, quando discutida a questão atinente a eqüidade, mencionou-se que os convencionalmente denominados “princípios gerais de direito”, são em verdade “princípios normativos subsidiários”, dado que sua aplicação resulta da ausência de regra expressa, de acordo com a ordem estabelecida na legislação.

Assim, em primeiro lugar, diante de um de um fato que demande a tutela do judiciário será a questão a ele submetida e, neste caso, terá o julgador que invocar uma regra expressa para compor o litígio e não a encontrando buscará um princípio geral de direito. A título de exemplo, cabe mencionar um fato ocorrido em uma determinada empresa do ramo de calçados, na qual havia se quebrado uma das três catracas que serve de cartão de ponto, sendo que as demais encontravam-se em perfeitas condições de atenderem sua finalidade. A empresa, ciente disso, anexa um aviso aos trabalhadores para que utilizassem as catracas que estivessem adequadas para registrar o dia trabalhado. Entretanto, alguns dos empregados inobservaram o aviso escrito e passaram na catraca quebrada, não tendo computado como dia de serviço este dia no qual efetivamente dispenderam sua força laborativa para referida empresa.

Diante deste fato verídico[31] e, considerando que a empresa iria proceder ao desconto daquele dia de serviço, pergunta-se: Uma vez submetida esta demanda ao judiciário qual norma o magistrado deverá aplicar?

Certamente, não há regra expressa para dirimir a questão sub judice, no entanto, o julgador não poderá se eximir de julgar. Ora, neste caso poderia empregar a jurisprudência, a analogia, a eqüidade e, não as encontrando, poderia valer-se dos princípios (art. 8.º da CLT), neste caso, devendo invocar o magno princípio jus-trabalhista da “Primazia da Realidade”, consistente na atribuição de maior relevância aos fatos do que a formalidades incompatíveis com os eventos ocorridos, sendo que em geral, tais formalidades tendem a “provar” um ato visando descaracterizar a ocorrência de um fato, mas nem por isso ostentam validade no Direito do Trabalho.

3. A Atuação dos Princípios no Plano das Normas Constitucionais

Certamente, falar em “princípios” é similar a se aventurar por todo o Ordenamento Jurídico, mas em nenhum outro ramo do Direito, os princípios ostentam tanto destaque quanto no Direito Constitucional. É bem verdade que nos diversos ramos especializados do Direito os princípios são importantes, porém, os princípios que arrimam referidos ramos encontram-se explícita ou implicitamente reconhecidos e assegurados em normas constitucionais.

Ressalta-se, contudo, que a atuação dos princípios no plano constitucional difere-se da atuação destes no plano infra-constitucional, visto que neste plano os princípios se apresentam ora como “princípios normativos subsidiários”, ora como “princípios normativos concorrentes”. No direito constitucional, por sua vez, os princípios atuam como “princípios descritivos ou informativos”, conforme a classificação proposta pelo professor Maurício Godinho Delgado. Neste caso é lícito cogitar na expressão “mandamento nuclear de um sistema” de que falou o professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Contudo, a atuação dos princípios no âmbito do Direito Constitucional pode figurar também como “princípios normativos concorrentes”, conforme será oportunamente analisado adiante.

Verdadeiramente, no plano constitucional os princípios estão imantados de alta carga axiológica, conforme observa o jurista lusitano José Carlos Vieira de Andrade ao afirmar que “não necessitam da mediação legislativa e não dependem, nem podem depender, por isso, das opiniões ou opções das leis ordinárias”. (ANDRADE, 1998, p. 139, apud CARRAZA, 2008, p. 49).

Também ponderando sobre os princípios e sua atuação no sistema do Direito, encontra-se na doutrina de Paulo de Barros Carvalho (2003, p.143 e 144), a seguinte lição:

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de multiplos segmentos. (sic) (grifo acrescido).

Assim, na qualidade de “princípios descritivos ou informativos”, atuam de modo a nortear todo o sistema de direito e como tal não estão condicionados ao formalismo legalista que reconhece o direito apenas nas regras vigentes e de sua mera subsunção formal ou aplicação silogística. Por meio dos “princípios informativos” busca-se o “valor” que sincroniza o dispositivo particular com toda a estrutura do ordenamento.

Ressalta-se, como visto anteriormente, que os “princípios informativos” constituem o núcleo do sistema, bem como correspondem aos critérios hermenêuticos do Direito Constitucional de onde se infere que sua compreensão é bastante abrangente. Além disso, conforme foi possível observar na classificação desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho, trazida a lume no início deste capítulo, ficou demonstrado que os princípios podem se apresentar com:

quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos “princípio” como “norma”; enquanto nos dois últimos, “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”. (CARVALHO, 2003, p. 144).

Com tais ponderações, tem-se que os “princípios descritivos ou informativos” assim são considerados tendo em vista seu campo de atuação que, como cediço, é o Direito Constitucional, onde atua de diversas formas. Contudo, entendemos que não assiste razão ao professor Delgado ao negar que os princípios descritivos ou informativos, quando atuam como “proposições ideais”, não possuem caráter normativo. Critica-se também a classificação reapresentada acima que divide duas modalidades de princípios, sendo elas, “valor” e “norma”, sendo que a crítica recai, neste caso, apenas à cisão de “valor” e “norma”, no mais, concordamos com a classificação exposta, porquanto há princípios que mais se afeiçoam a normas, (nesta acepção empregamos o vocábulo no sentido de regra expressa), como por exemplo o princípio da anterioridade tributária, como também há princípios que mais se parecem com axiomas, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana. A despeito das notas sigulares de cada uma das modalides apontadas, entendemos que ambas as modalidades são espécies do gênero norma.

Verdadeiramente, os princípios atuam seja como “norma jurídica privelegiada de valor expressivo”, seja como “proposições ideais”, ou até mesmo como “princípios de interpretação” na condição de norma, sempre que compreendido no sistema jurídico. Entretanto, os princípios jurídicos objetivam implementar o resultado fim do Direito – a paz social – e, para tanto, deve-se valer de instrumentos que assegurem justiça. Daí, resulta que o “princípio descritivo ou informativo” denominado “princípio da justiça” é o princípio dos princípios, pois, como aduz o professor Paulo de Barros Carvalho:

O princípio da justiça é uma diretriz suprema. Na sua implicitude, penetra de tal modo as unidades normativas do ordenamento jurídico que todos o proclamam, fazendo dele até um lugar comum, que se presta para justificar interesses antagônicos e até desconcertantes. Como valor que é, participa daquela subjetividade que mencionamos, ajustando-se diferentemente nas escalas hierárquicas das mais variadas ideologias. Os sistemas jurídicos dos povos civilizados projetam-no para figurar no subsolo de todos os preceitos, seja qual for a porção da conduta a ser disciplinada. (CARVALHO, 2003, p. 147).

Logo, os preceitos encampados no texto constitucional balizam-se com o princípio da justiça buscando sempre a aplicação do Direito Constitucional de forma a assegurar a “justiça material” a qual representa corolário do princípio da justiça que informa todo o Ordenamento Constitucional e comungado com o princípio da dignidade da pessoa humana, formam, por excelência o “núcleo do sistema”. É exatamente desta premissa que partiu o Legislador Constituinte Originário da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não obstante convencionalmente se diga no meio doutrinário ser este um “poder ilimitado”, não poderá deixar de observar as normas do Direito Natural, de onde procedem os princípios de maior carga axiológica, como o “princípio da dignidade da pessoa humana”.

A propósito, os princípios que integram o núcleo do sistema de direito positivo, mais precisamente, do Direito Constitucional, derivam-se do Direito Natural. Não decorrem meramente de uma decisão política estatal, pois, se assim fosse poderia ser considerado “justo” toda e qualquer lei editada por uma autoridade competente e em observância ao preceito legal, mesmo que referida lei ferisse frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Obviamente, a Ordem Constitucional brasileira colima, na medida do possível, o primado do Direito, muito embora notoriamente se verifiquem muitas imperfeições no meio de que se vale para atingir seu escopo, mas levando em consideração o conceito de justiça por um viés positivista, é possível afirmar que caso constasse na Constituição brasileira uma regra que admitisse a pena de morte em caso de críticas a pessoa do chefe de Estado, mesmo que fundada em fatos que comprovadamente não lhe ofenderam a honra, esta regra seria “justa”.Ora, que “justiça” é essa? Essa é a “justiça formal”, contrária ao Direito e que, portanto não pode prosperar.

A partir deste singelo exemplo é possível compreender que as normas não podem ser editadas gratuitamente, o legislador deverá observar critérios como razoabilidade e proporcionalidade (daí surge o princípio da razoabilidade e da proporcioanlidade); deverá ponderar a tutela de bens jurídicos dignos de disciplina, neste caso deverá empregar a axiologia; considerar como imprescindível ponto de partida o “princípio da dignidade da pessoa humana”, pois a justiça material, a qual o Direito verdadeiramente preconiza, está inexoravelmente condicionada à existência destes e de outros princípios importados do Direito Natural e que, felizmente encontraram amparo no sistema positivo brasileiro.

Desta forma, tem-se que os princípios no âmbito do Direito Constitucional, por se afeiçoarem à espécie “princípios descritivos informativos”, encontram sua atuação na própria razão de existir do Direito, - o ideal de justiça – seu fundamento, de modo que já se manifestam na fase pré-jurídica de elaboração das normas quando o legislador aquilata quais seriam as potenciais normas a serem editadas, bem como na fase jurídica, onde o Ordenamento Jurídico resta positivado.

Há de se ter em vista que este estudo tem por objeto a atuação dos princípios no sistema de Direito Positivo brasileiro, onde, na medida do possível, o Legislador Constituinte logrou assegurar os princípios basilares daquilo que técnica ou ideologicamente (como queira), podem ser acunhados de Direito, pois não há Direito sem justiça, mas justiça num sentido genérico, despida de notas subjetivas individuais, justiça esta que deverá ser orientada tão somente pela diuturna laboração legislativa concorde com os princípios fundamentais do Direito e, por via de conseqüência, levando à construção de um Ordenamento razoável, lógico e pacificador.

Evidentemente, definir “justiça”, “razoabilidade”, “lógica” e “paz” transcendem ao Direito, de onde encontra-se ensejo a incidência do elemento axiológico que possibilita uma reflexão profícua no tocante a tais questões problemáticas, os quais estão em sintonia como todas as normas do sistema jurídico, máxime dos princípios enunciativos.

Em decorrência destas premissas resta intuir que um sistema que desprestigia os princípios fundamentais do Direito não é em sua essência “Direito”, antes usurpa-se do mecanismo de exteriorização do Direito que é a norma posta, editada pelo legislador competente. Tais sistemas não passam de mera forma, são Direito no sentido formal, mero conjunto de regras abstratas. Este, felizmente não é o caso do sistema jurídico brasileiro, que entendemos estar de acordo com o desiderato maior do Direito.

Para sustentar que o sistema jurídico brasileiro está embasado em princípios descritivos, necessário se faz considerar a fase pré-jurídica onde o Legislador Constituinte produz normas a partir de certas premissas fundamentais: os princípios. Em seguida, uma vez positivado o direito, as normas editadas devem cumprir sua função disciplinar conjugada com as mencionadas premissas fundamentais.

No Ordenamento Jurídico pátrio encontram-se positivados alguns princípios que inicialmente seriam premissas ao Legislador Constituinte independentemente de texto de lei, como por exemplo, o “princípio da dignidade da pessoa humana”, previsto no inciso III, do art. 1º da Constituição da República brasileira, isto devido sua peculiar relevância.

Isto posto, importa advertir que devido a guisa legislativa brasileira, diversos ramos encontram-se disciplinados na própria Constituição, onde situam-se os princípios basilares de cada um destes ramos que, a despeito de merecidamente serem reputados “princípios normativos concorrentes”, guardam relação mais próxima de seu respectivo ramo de atuação do que com o escopo de justiça material, como por exemplo o “princípio da legalidade ou tipicidade tributária”, constante do art. 150, inc. I, da CF/88. Este princípio é fundamental ao Direito Tributário, contudo, passou a ter relevância constitucional mais por uma decisão política do Legislador Constituinte do que por decorrência de sua própria razão motriz de existir, assim como ocorre com outros princípios dos demais ramos disciplinados na Carta Magna.

Assim, no Direito Constitucional que é a base, a fonte da Ordem Jurídica brasileira, encontram-se os “princípios descritivos ou informativos” essenciais. Esses princípios são aqueles relacionados ao ideal de justiça, são importados do Direito Natural, condicionados, no entanto, pela lógica e pela axiologia, tais como, o já mencionado “princípio da dignidade da pessoa humana”, o “princípio da isonomia” etc. Bem como os “princípios normativos concorrentes” que são os princípios fundamentais que orientam e informam os demais ramos do Direito, tais como: “princípio da anterioridade tributária”, previsto no art. 150 e inciso III da CF/88. Ressalvo, neste caso que os princípios específicos de determinados ramos, por transcenderem os contornos limítrofes de seus referidos ramos, reclamam o status de “princípio descritivo ou informativo”, como por exemplo, o “princípio da legalidade” em matéria penal que na escala axiológica ocupa um lugar mais prestigiado que o mesmo princípio no plano dos tributos.

Portanto, a aplicação dos princípios no plano Constitucional assenta-se em critérios eminentemente axiológicos e não apenas terminológico. Assim, é possível aceitar a classificação apresentada neste último tópico, com todas as ressalvas, sem comprometer sua criteriodicidade.


CONCLUSÃO

Ao longo da presente monografia foi analisado o posicionamento dos princípios no âmbito do Direito Positivo e da Ciência Jurídica, sendo destacada, rigorosamente, a cisão entre uma realidade e outra, sendo que os princípios no plano normativo são pressupostos de interpretação e aplicação do Direito, enquanto que na Ciência Jurídica constituem enunciados que ensejam a condição de área autônoma do conhecimento.

Certamente este estudo encontra correspondência com a atividade cotidiana dos operadores do Direito, bem como com as formulações doutrinárias dos cultores deste ramo do saber. Entretanto, por mais que se argumente e se exponha exemplos a ilustrar tal asserção, muitas vezes parece que o tema está distante da realidade do jurista se comparados às regras. Isto ocorre devido à imprecisão terminológica que deixaram muitos flancos abertos e fatalmente propiciaram o uso inadequado deste instrumento normativo, de modo que ao invés de ser visto como norma, passa a constituir mero recurso retórico para sustentar as mais absurdas e possíveis formas de afronta e violação aos direitos (como costuma ocorrer nos Tribunais do Júri), quando na verdade, seu escopo é imprimir às regras maior substrato de justiça.

Por tudo o que foi analisado, é possível constatar que o tema não tem sido objeto de muitas construções doutrinárias autônomas. Por outro lado, doutrinas de vários ramos jurídicos usualmente dedicam um capítulo aos “princípios”, muito embora, esse tipo de abordagem tem sido parcial, segundo a visão correspondente ao ramo do direito estudado pelo jurisconsulto. Em virtude disso, as várias referências apontadas caracterizam basicamente a visão de cada doutrinador, as quais tendem a variar muito mais do que qualquer assunto menos abstrato, como por exemplo “relação obrigacional”. Além disso, devido à peculiar feição do tema, seu desenvolvimento demandou algumas inovações, como por exemplo a classificação de “critério legal propriamente dito” e “critério legal de equidade”. Também foram aproveitadas inovações de outros autores, como por exemplo, a classificação acerca dos princípios proposta pelo professor Maurício Godinho Delgado.

Em seguida, serão enumerados alguns dos principais pontos levantados no decorrer dos capítulos, de forma sucinta, dispostos de alguns breves comentários já aventados, seguido, após, de respostas e propostas à pergunta-problema.

No primeiro capítulo abordou-se o conceito de “princípios” e considerações gerais atinentes ao tema. O cerne da abordagem diz respeito às diversas concepções dos princípios na seara jurídica. Para tanto, foram analisadas formulações doutrinárias de diversos autores.

Adentrando na análise do capítulo I, constatou-se que a expressão “princípio” é equívoca e este vício persiste na conceituação dos mais renomados juristas, pois ora o tema pode ser compreendido como algo relacionado a uma espécie normativa, ora pode estar relacionado aos vetores que demandam delimitação de determinado fenômeno natural à condição de objeto de uma determinada área da ciência, pressupostos a partir da constatação da existência de princípios próprios que lhe arrimam, conferindo-lhe autonomia científica.

Já o segundo capítulo, dedicado à Ciência Jurídica, teve como idéia central o método científico e, neste contexto, estudou-se a Epistemologia Jurídica, pois, considerando que a Ciência Jurídica é a ciência que tem por objeto o estudo do Direito, imperioso se afigura seu estudo, na medida em que os resultados obtidos pela Ciência Jurídica exercem grande influência no Direito Positivo. Por conta disso, o jurista deve compreender o método da ciência que estuda o Direito.

Não obstante a relevância do estudo e da compreensão da Ciência Jurídica, sua abordagem só se fez pertinente nesta monografia, devido ao enfoque do tema, onde se procurou demonstrar a atuação axiológico-normativa dos princípios no Sistema de Direito Positivo e que a ciência responsável por desvelar o fenômeno jurídico também se caracteriza por um conjunto de princípios que, neste contexto, são cânones, verdadeiras leis ou diretrizes que orientam e informam a atividade cognoscitiva. Distinguem-se, deste modo, dos princípios próprios do Direito Positivo, que atuam, no mais das vezes como normas ou enunciados implícitos no sistema de normas.

Na teia da Epistemologia Jurídica foi estudada a correlação sujeito e objeto, o conceito e às características do saber científico. Além disso, foi demonstrado que o objeto da Ciência Jurídica é o Direito e, nesse ínterim, foram apresentados seus principais métodos de investigação, o Dogmático e o Zetético. Também foi digno de nota o problema da conceituação, muito freqüente na praxe jurídica, como também em legislações que a despeito de consistirem em vícios normativos, são toleráveis, pois não interferem no objeto do Direito Positivo. Tais inconsistências, no entanto, não podem ocorrer na esfera da Ciência do Direito, haja vista que a incompatibilidade lógica de um determinado sistema fatalmente o levará ao esboroamento de sua estrutura e comprometerá sua sistematicidade (mormente em matéria de ciência). Em seu último tópico, o foco da análise se volveu ao objeto da Ciência do Direito, isto é, o Direito Positivo.

O terceiro capítulo refere-se a uma das premissas postas no tema, qual seja, “sistema de Direito Positivo”. Neste ponto, não foi possível desenvolver o assunto sem uma breve alusão à ciência como sistema de conhecimento. Exatamente por isso, infere-se que “sistema” é um termo amplo que engloba, por conseguinte, muitos significados. Portanto, sua compreensão demandou uma análise semântica de sua expressão verbal, correlacionado com as características específicas do sistema a ser estudado, no presente caso, sejam eles “sistema de Direito Positivo” e “sistema de conhecimento”.

Deveras, verificou-se que o conjunto de normas válidas e vigentes de um determinado Estado, constitui um conjunto harmônico-unitário, onde cada parte que integra o conjunto possui função específica que não se confunde com a função do todo, muito embora esteja imanentemente conectada com o todo e atue em sintonia com ele. Logo, desta realidade intui-se a idéia de sistema, mais precisamente “sistema de Direito Positivo”.

Da mesma forma, quando se concebeu o estudo do Direito pela perspectiva de um sujeito cognoscente a desvelar o objeto de seu estudo, utilizando-se de critérios rigorosos, metódicos, empíricos e teóricos, aptos a transmitir informações verdadeiras, verificáveis ou demonstráveis, que visa a constatações ou até mesmo previsões de certos fenômenos, dado seu alto grau de racionalidade, cuja atividade se embasa em princípios que lhe servem de premissas à consecução dos seus fins, tem-se igualmente reconhecida à idéia de sistema, neste caso “sistema de conhecimento”.

Uma vez demonstrado que o Direito é um sistema, procurou-se em seguida adentrar em sua essência de onde se pode constatar que o sistema jurídico possui, basicamente dois modos de expressão, sendo que o primeiro delas é o “repertório”, isto é, o conjunto de elementos que integram o sistema e o segundo é denominado “estrutura”, que diz respeito às possíveis inter-relações dos elementos que integram o sistema, sendo possível que exista relações de subordinação e relações de coordenação.

No quarto e último capítulo estudou-se a atuação dos princípios no âmbito normativo brasileiro, onde se finalizou a discussão com a abordagem dos princípios na esfera do Direito Constitucional, o qual certamente representa o campo mais propício à atuação axiológica e normativa de normas abstratas da categoria dos princípios.

Entretanto, tendo-se em vista a melhor compreensão da realidade do Ordenamento Jurídico pátrio, foi preciso empregar a classificação proposta por Maurício Godinho Delgado.

Eis que a classificação proposta pelo autor mencionado se apresenta da seguinte maneira: “fase pré-jurídica ou política”, como sendo o momento que antecede a positivação da norma, e “fase jurídica”, quando a norma já se encontra positivada. Na fase jurídica o tema se subdivide em “princípios descritivos ou informativos”, os que representam o fundamento central, o núcleo do sistema, (mas cuja aplicação poderia se dar já na fase pré-jurídica, como entendemos, os “princípios normativos subsidiários”, forma supletiva de aplicação do direito, cujo cabimento se dá na hipótese de ausência de regra expressa e, por fim, os “princípios normativos concorrentes”, ou seja, os princípios de direito que concorrem em pé de igualdade com as regras jurídicas.

De posse desta classificação, realizou-se o estudo da atuação dos princípios no plano das normas infra-constitucionais, onde os princípios atuam tanto como “princípios normativos subsidiários” e como “princípios normativos concorrentes”. Em seguida, e arrematando o quarto e último capítulo, foi tratado da atuação dos princípios no plano das normas constitucionais, que representam o cerne desta monografia. Neste tópico, demonstrou-se que os princípios atuam principalmente como “princípios descritivos ou informativos”, mas também podem figurar como “princípios normativos concorrentes”.

Concluindo, ressalto que os princípios constituem elementos recorrentemente invocados pelos operadores do Direito. As próprias doutrinas, ao formularem certas definições, começam por afirmar que “este ramo do Direito constitui-se de um complexo de normas e princípios que disciplinam [...]”. Entretanto, o emprego do vocábulo nos manuais doutrinários designa a um só tempo formulações condizentes com a dinâmica do Ordenamento Jurídico e com a Ciência do Direito. Notadamente, isto resulta em atecnia e prejudica àqueles que lidam com essa categoria de norma ou aos que estudam o Direito do ponto-de-vista epistemológico, pois, dada à imprecisão conceitual da expressão (princípio), poderia incorrer em um erro primário de desenvolver pesquisa científica calcada em um pressuposto alcunhado de “princípio”, mas que não passa de um princípio da categoria de norma concorrente, pois estes não se confundem com os enunciados que norteiam a pesquisa científica jurídica.

Frise-se ainda que a doutrina frequentemente incorre no flagrante equívoco ao empregar a locução “normas e princípios” como se fossem coisas distintas. Ora, norma é gênero, regras e princípios são espécies. Portanto, entenda-se que no âmbito do sistema de direito positivo os princípios atuam como normas, já com relação à ciência jurídica sua atuação se dá como um vetor a orientar a pesquisa. Ou será o princípio uma realidade meta-jurídica, transcendental? Ou será na verdade algo estranho ao direito, infra ou extra-jurídico? Certamente que não.

Como já tantas vezes demonstrado os princípios inserem-se em uma realidade muito mais abrangente que são as normas de direito e como tal pertencem ao mundo jurídico como elemento do sistema normativo. Eis que sua atuação também está compreendida na estrutura do sistema.

Deveras, o tratamento a ser atribuído aos princípios no sistema de direito positivo é o de norma e, como tal, dotado de força imperativa, cogente e mandamental apta a disciplinar, sejam as relações intersubjetivas, seja o modo pelo qual o Estado atuará na busca da consecução de seus fins institucionais.


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Notas

[1] Cf. nota do próprio autor: HOUAISS, Antônio, et alli. “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2299.

[2] Citado por Maria Helena Diniz.

[3] Teoria filosófica norte-americana, desenvolvida por William James que apregoa o princípio da utilidade, condicionando até mesmo a verdade à idéia de “utilidade”. Além disso, de acordo com o princípio da mudança, também adotado por referida teoria, não há valores eternos, já que tudo no mundo se encontra em perpétua mutação.

[4] Vide Hans Kelsen – Teoria Pura do Direito e Norberto Bóbbio – O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia de Direito.

[5] Logo no preâmbulo de sua obra o autor justifica a ortografia por ele utilizada afirmando que “nós a conservamos apenas quando contribuírem para apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do termo empregado, e apenas quando julgamos conveniente chamar a atenção do leitor para eles. Fazemos esta observação sòmente para evitar a estranheza que possa causar a conservação de tal grafia. (sic).

[6] O autor aponta que com a exceção da hierarquia os filósofos estão de acordo quanto aos demais.

[7] Nesse sentido leia-se: Ciência do Direito, sempre que a inicial estiver maiúscula no corpo do texto.

[8] Deontologia, designa o estudo do dever-ser, deriva-se de ontologia que designa o estudo do ser.

[9] Etimologicamente, método deriva-se do grego: meta, ao longe de e hodós é o mesmo que via, ou caminho.

[10] No século XIX a ciência humana ia se desvencilhando aos poucos da filosofia, no entanto, muitos negavam-lhe cientificidade, isto era denominado veto positivista conforme Miguel Reale in Filosofia do Direito.

[11] Consta-se que a economia foi à primeira ciência humana a se desenvolver fora da filosofia e, isso ocorreu por volta do século XVIII, com as teorias de Adam Smith (1.723-1.790) e seus precursores.

[12] Teoria, termo grego derivado de Theos, que designa Deus. Era entendida como: “O ser que vê nos dá a theoria” que em grego é sinônimo de visão. Convite à Filosofia e a História da Filosofia, ob. Já citada, pag.49.

[13] Tudo aquilo que existe no espaço e no tempo, do latim factum, que significa feito, ato, coisa, ou ação feita, acontecimento. Para Márcio Ferreira dos Santos, fato não se define, intui-se (Convite à Filosofia, 6.ª ed., s.a.).

[14] Ciência deriva-se do latim: scientia, derivada do radical scire, isto é: saber.

[15] Vide Alves da Silva e Tércio Sampaio Ferraz Jr., citados por Maria Helena Diniz, ibidem.

[16] Deriva-se de Axiologia, do grego que significa estudo dos valores.

[17] Obra, Convite à Filosofia e a História da Filosofia, ob. Cit. Pag. 17, 6.ª edição: onde se diz “O sábio investigador dos fatos naturais, que não tem base filosófica, termina apenas num colecionador de acontecimentos, como o filósofo, que prescinde da ciência, está sujeito a cair num pensamento abstrato vicioso”.

Para Karl Jaspers, citado por Miguel Reale em “Filosofia do Direito”, Ed. Saraiva, 19.ª edição, pag. 8, “Toda filosofia define-se a si mesma por sua realização. O que ela seja, não se pode saber senão pela experiência; vê-se, então, que ela é, ao mesmo tempo, a atualização do pensamento vivo e a reflexão sobre esse pensamento, ou a ação e o comentário da ação”.

[18] Nesta acepção, Jurisprudência com inicial maiúscula, leia-se: Ciência do Direito, ou Ciência Jurídica.

[19] Deriva-se de Zetein, que significa perquirir. (FERRAZ JR., 2008, p. 17).

[20] Deriva-se de Dokei, que significa ensinar, doutrinar. (FERRAZ JR., 2008, p. 17).

[21] Religião, etimologicamente deriva-se do latim, religare, designa religação.

[22] Metafísica, etimologicamente deriva-se do grego, que designa, além da física.

[23] Lema constante da flâmula da República Federativa do Brasil, a qual, diga-se de passagem, é a única a conter uma frase estampada. Isso mostra, de certa forma a influencia do Positivismo no Brasil.

[24] Até aqui o autor se reporta à sua teoria doutrinária.

[25] Desta afirmação é possível estender o raciocínio ao Direito, considerando ser ele, eminentemente uma ciência humana de cunho sociológico, na medida em que a tônica de sua expressão é a regulamentação social.

[26] Da nota apresentada, portanto, é possível depreender a correlação da doutrina positivista com as “condições de possibilidade de uma sociologia”, onde se encontra implícito o papel do direito de agente regulamentador da sociedade.

[27] divergindo nesse sentido de Kelsen que não limita o Direito a um Estado, conforme a primeira citação supra do doutrinador mencionado.

[28] Esta nota já foi aludida no tópico relativo às considerações gerais, no entanto, por oportuno à discussão demandou-se no mister de reutilização do mesmo trecho.

[29] Nota trazida pelo próprio autor: “Portanto, para que se possa sustentar a validade de uma argumentação, o princípio deve ser verdadeiro ou, pelo menos, pressuposto verdadeiro".

[30] Nesse sentido não há exagero algum em se reportar ao Jusnaturalismo.

[31] Pergunta formulada por Andréa Renata Bonfim, ex-funcionária de uma fábrica de calçados no dia 15 de fevereiro de 2008.


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