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Sigilo fiscal/bancário: o papel da receita federal do brasil no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção

Sigilo fiscal/bancário: o papel da receita federal do brasil no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção

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O presente trabalho tem por finalidade apontar e analisar os principais aspectos do sigilo fiscal, notadamente os ligados a dados bancários.

Resumo

O presente trabalho tem por finalidade apontar e analisar os principais aspectos do sigilo fiscal, notadamente os ligados a dados bancários, bem como esmiuçar sua forma e amplitude tanto no direito brasileiro quanto no comparado, com destaque para sua conexão com crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. O assunto é deveras polêmico e gerou ao longo do tempo diversos questionamentos acerca de sua amplitude, características, exercício e alcance. Por conta disso, o judiciário foi instado, por vezes, a se manifestar sobre o assunto, inclusive após o advento da Lei Complementar n. 105 de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Com o presente estudo não se pretende, por óbvio,  o esgotamento do assunto, considerando sua complexidade e abrangência. Foi realizado através de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial, legislativa bem como do direito comparado. Tendo o Brasil convergido ao entendimento das principais democracias do mundo, quando o assunto é sigilo fiscal.

Palavras-chave: Sigilo fiscal. Movimentações financeiras. Lavagem de dinheiro. Corrupção.

Abstract

The objective of this study is to identify and analyze the main aspects of fiscal secrecy, especially those related to banking data, as well as to analyze its form and extent in both Brazilian and comparative law, especially its connection with money laundering crimes and corruption. The subject is very controversial and generated over time several questions about its breadth, characteristics, exercise and scope. As a result, the judiciary was sometimes called upon to express its views on the matter, even after the advent of Complementary Law n. 105 of 2001, which deals with the secrecy of the operations of financial institutions. The present study does not intend, of course, exhaustion of the subject, considering its complexity and comprehensiveness. It was done through bibliographical research, jurisprudential, legislative as well as comparative law. Brazil having converged to the understanding of the main democracies of the world, when the subject is fiscal secrecy.

Keywords: Fiscal Secrecy. Financial transactions. Laundering Crimes. Corruption.

  1. INTRODUÇÃO

A Carta Maior brasileira é muito clara ao estabelecer limites à atuação do Estado perante a sociedade. Dentre os direitos resguardados diretamente pela Constituição temos o à intimidade, à vida privada, honra e imagem, no termos do artigo 5 e seus incisos. O sigilo fiscal se insere nesse contexto, uma vez que tem o condão de trazer à luz as mais íntimas atividades do cidadão. Tamanha sua importância que o tema foi tratado pelo próprio Supremo Tribunal Federal ao dispor acerca da constitucionalidade da Lei Complementar 105 de 2001.

A conexão existente entre os ilícitos fiscais e os mais variados crimes em nosso país faz com que a relevância da atividade fiscal se torne cada vez mais acentuada. É necessário a convergência das ações desencadeadas no país com as desenvolvidas nas principais economias do mundo. Nesse sentido, buscamos entender como o tema é tratado pelos principais organismos internacionais bem como países desenvolvidos, no intuito de entender a dimensão do assunto e sua real importância. Mais ainda, entender como as administrações tributárias atuam com relação aos sigilo fiscal, lavagem de dinheiro e o combate à corrupção.

  1. A CONSTITUCIONALIDADE DO ACESSO AOS DADOS BANCÁRIOS

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 145, nos garante que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, no caso da União, a Receita Federal do Brasil e os seus Auditores-Fiscais, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

            Não é outro o entendimento o Supremo Tribunal Federal, onde na ADI 2390/DF, no excelente e esclarecedor voto do seu relator Ministro Dias Toffoli, cita:

“O Fisco, é certo, detém ampla informação relativa “ao patrimônio, aos rendimentos e às atividades econômicas do contribuinte” (art. 145, § 1º, da CF/88), e tem, em contrapartida, o dever de sobre ela silenciar (no sentido de não proceder à divulgação); permanecendo-lhe legítimo utilizar os dados para o fim de exercer os comandos constitucionais que lhe impõem a tributação. E, enquanto a atividade do Fisco se desenvolver sob esses limites (sigilo e utilização devida), está respaldada pela previsão constitucional inserta no art. 145, § 1º, da CF/88”

“Percebe-se, pois, a impropriedade do argumento dos autores destas ações de que a Lei Complementar 105/2001, e seus decretos regulamentadores, promoveriam uma “devassa” na vida financeira dos contribuintes. Ao contrário, foram respeitados os direitos e as garantias individuais dos contribuintes, exatamente como determina o art. 145, § 1º, da Constituição Federal, atendendo, destarte, ao princípio da razoabilidade.

(…)

Tenho, por tudo quanto foi exposto, que os arts. 5º e 6º da LC nº 105/01, além de não violarem qualquer garantia constitucional, representam o próprio cumprimento dos comandos constitucionais direcionados ao Fisco, bem como dos comandos dirigidos aos cidadãos, na relação tributária que os une.

(…)

Nesse cenário, importa destacar que o instrumento fiscalizatório instituído nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 se mostra de extrema significância ao efetivo combate à sonegação fiscal no país.” (Grifo Nosso)

           A Ministra Cármen Lúcia, no julgamento do RE nº 389.808, também assinalou a necessidade do compartilhamento de dados bancários com o Fisco para que o Estado cumpra seu papel de agente fiscalizador, inclusive na seara penal:

“Também acho que não há como se dar cobro às finalidades do Estado, especialmente da Administração Fazendária, e até ao Direito Penal, nos casos em que precisa haver investigação e penalização, se não houver acesso a esses dados, que, de toda sorte, já são de conhecimento das instituições financeiras que nem Estado são.”

           No mesmo sentido, o Constitucionalista e Ministro do STF Gilmar Mendes, escreve:

“Em 24 de fevereiro de 2016, todavia, o Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento em relação à matéria, ao apreciar o mérito das ADI 2.390/DF, ADI 2.386/DF, ADI 2.397/DF e ADI 2.859/DF. O Tribunal declarou a constitucionalidade dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n. 105/2001, que, regulamentados pelos Decretos n. 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e n. 4.489, de 28 de novembro de 2009, preveem a possibilidade de a Administração Tributária requisitar, de instituições financeiras, informações sigilosas dos contribuintes quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. A decisão da Corte reconheceu que, desde que devidamente regulamentado o procedimento previsto na Lei Complementar n. 105/2001 não se traduz em quebra do sigilo bancário, mas sim em mera transferência de dados sigilosos de determinado portador para outro”

2.  NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E ILÍCITOS FISCAIS

           Continuando, foi editada ainda em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei Complementar 105, que já teve sua constitucionalidade apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, onde prevaleceu o entendimento firmado pelo voto do relator, Ministro Dias Tofolli, já anteriormente citado. No STF, o placar se consolidou em 9 votos favoráveis e 2 contrários. A  Lei Complementar 105/2001 prevê:

Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços:

(...)

§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos. (Grifo nosso)

           Ou seja, em outras palavras, sempre que houver indícios de falhas ou omissões ou ainda indícios de cometimento de ilícito fiscal, a Autoridade Tributária deve então realizar a competente fiscalização ou auditoria, independentemente de foro privilegiado, em respeito ao princípio da impessoalidade. Para esclarecer, a doutrina aponta que Ilícitos fiscais, ou Crimes Fiscais/Tributários são os crimes previstos na Lei 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária), além dos crimes de Contrabando/Descaminho, os crimes contra a seguridade social previstos no Código Penal, como Sonegação de Contribuição Previdenciária e Apropriação Indébita Previdenciária e também a lavagem de dinheiro e crimes conexos.

    É uma confusão comum restringir os crimes fiscais ou ilícitos fiscais aos crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90) e que a atuação da Receita Federal estaria limitada a estes. Na verdade, não só as normas, mas como também a jurisprudência e os principais organismos e acordos internacionais levam em consideração essa conexão entre os diversos tipos de crimes fiscais e sua íntima relação com a lavagem de dinheiro e a corrupção, colocando esses crimes também no escopo das autoridades fiscais.
  

3. O BRASIL NO CONTEXTO INTERNACIONAL DA LAVAGEM DE DINHEIRO E O COMBATE À CORRUPÇÃO E DAS PPE’s

Não raramente um dos elos entre a lavagem de dinheiro e a corrupção são as pessoas politicamente expostas (PPE’s). E isso se dá pelo fato de essas figuras públicas serem gestores de alto escalão do governo em seus países, tendo acesso tanto a informações sensíveis quanto a gestão direta de vultosos recursos públicos.

Tendo em vista a importância do assunto, diversos organismos internacionais, com destaque para ONU, OECD, União Europeia, UNCAC, entre outros tem direcionado tempo e esforço para esclarecer o assunto e mais que isso conscientizar acerca do malefício da conexão entre esses atores e a lavagem de dinheiro e a corrupção.

Cabe ressaltar que o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais para prevenção desses tipos de ilícitos. Como decorrência desses acordos, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) é uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e nos diz o seguinte :

Novas ameaças e novas prioridades: o GAFI está tratando ameaças novas e agravadas e respondendo às prioridades definidas pela comunidade internacional, como o G20. Os principais problemas tratados são:

Corrupção e Pessoas Politicamente Expostas – as Recomendações GAFI aumentam as exigências sobre pessoas politicamente expostas – que podem representar um risco maior de corrupção devido às posições que ocupam. A exigência de aplicar diligência devida melhorada a pessoas politicamente expostas estrangeiras foi expandida com as exigências aplicadas a pessoas politicamente expostas nacionais e organizações internacionais, além da família e associados próximos de todas as pessoas politicamente expostas – refletindo os métodos usados por oficiais corruptos e cleptocratas para lavar os frutos da corrupção.

Crimes Fiscais a lista de crimes acessórios da lavagem de dinheiro foi expandida para incluir os crimes fiscais. Isso fará com que os frutos de crimes fiscais estejam dentro do escopo dos poderes e autoridades usados para combater a lavagem de dinheiro, o que contribuirá para uma melhor coordenação entre PLD e autoridades fiscais, além de remover potenciais obstáculos à cooperação internacional em se tratando de crimes fiscais. (grifo nosso)

           Além disso, a Receita Federal participa também do ENCCLA. A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), criada em 2003, é a principal rede de articulação para o arranjo e discussões em conjunto com uma diversidade de órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das esferas federal e estadual e, em alguns casos, municipais, bem como do Ministério Público de diferentes esferas, e para a formulação de políticas públicas voltadas ao combate àqueles crimes.         Para que o trabalho fosse efetivo, a ENCCLA também criou a Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (Rede-Lab), que permite a análise especializada de grande quantidade de informações que possam contribuir com as investigações. Atualmente, os Laboratórios fazem parte da tecnologia da Polícia Federal, da Receita Federal, dos Ministérios Públicos estaduais e também em Polícias Civis estaduais.

           Nesse mesmo sentido, o Brasil e outros países como Canadá, França, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, assim como a própria União Européia, são signatários da CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO, internalizado pelo Decreto 5.687/2006:

Art. 6

Órgão ou órgãos de prevenção à corrupção

1. Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, garantirá a existência de um ou mais órgãos, segundo procede, encarregados de prevenir a corrupção com medidas tais como:

a) A aplicação das políticas as quais se faz alusão no Artigo 5 da presente Convenção e, quando proceder, a supervisão e coordenação da prática dessas políticas

b) O aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da corrupção.

2. Cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados no parágrafo 1 do presente Artigo a independência necessária, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida. Devem proporcionar-lhes os recursos materiais e o pessoal especializado que sejam necessários, assim como a capacitação que tal pessoal possa requerer para o desempenho de suas funções. (Grifo nosso)

           Neste contexto, OCDE, GAFI e OMA (Organização Mundial das Aduanas), dentre outras organizações e especialistas que tratam do tema, consideram que as autoridades tributárias e aduaneiras têm papel primordial na identificação dos meios mais comuns de movimentação financeira para lavagem de dinheiro, principalmente em função de possuírem ampla gama de atribuições e de instrumentos operacionais em seus campos de atuação.

           Desta feita, é possível verificar uma tendência internacional de ampliação do elenco de infrações fiscais ou penais que podem anteceder os crimes de lavagem de dinheiro .  No Brasil isto fica claro ao analisarmos a Lei 9.613/1998, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na Lei. Com a edição da Lei 12.683/2012, qualquer infração passou a ser considerada como potencialmente conexa com a lavagem de dinheiro, que na definição legal da Lei Brasileira, traz: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, como se observa intimamente ligada como os ilícitos tributários e as fraudes fiscais. A lei ainda determina, reforçando a atuação fim da Receita Federal do Brasil que:

Art. 1º § 1o  Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:    

I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

§ 2o  Incorre, ainda, na mesma pena quem:    

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;                  

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

            Dessa forma, podemos afirma que o Brasil se situa agora entre os países que, atendendo às recomendações do GAFI,  consideram os crimes fiscais (tax crimes) como infrações antecedentes ou possivelmente conexas com a lavagem de dinheiro. Só para exemplificar, entre as 40 recomendações do GAFI, temos, em síntese:

3. Crime de lavagem de dinheiro*

Os países deveriam criminalizar a lavagem de dinheiro com base na Convenção de Viena e na Convenção de Palermo. Os países deveriam aplicar o crime de lavagem de dinheiro a todos os crimes graves, de maneira a incluir a maior quantidade possível de crimes antecedentes.

(...)

9. Leis de sigilo de instituições financeiras

Os países deveriam assegurar que as leis de sigilo das instituições financeiras não inibam a implementação das Recomendações do GAFI.

            Esta visão impõe destacada responsabilidade à Receita Federal do Brasil (RFB), um dos órgãos brasileiros de fiscalização e controle que compõem o sistema nacional de PCLD, principalmente no que se refere à criação de mecanismos preventivos, ao gerenciamento de riscos e de dados estatísticos e ao aperfeiçoamento de instrumentos de comunicação de indícios dos ilícitos em questão a outras autoridades do sistema.

           Não por outro motivo, a Portaria MF nº 430, de 9 de outubro de 2017, já nos diz:

Art. 1º A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), órgão específico singular, diretamente subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, tem por finalidade:

(...)

XX - planejar, coordenar e executar as atividades de repressão ao contrabando, ao descaminho, à contrafação e pirataria, ao tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins, ao tráfico internacional de arma de fogo e à lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, observada a competência específica de outros órgãos;

(...)

Art. 42. (...) compete prestar assessoramento estratégico e gerenciar as atividades de:

I - inteligência fiscal, especialmente no combate a crimes, fraudes e ilícitos tributários e aduaneiros, à lavagem e ocultação de bens, direitos e valores, ao terrorismo e seu financiamento, ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e a qualquer outro ilícito praticado contra a Administração Pública Federal, ou em detrimento da Fazenda Nacional, inclusive aqueles que concorram para sua consumação; (Grifo nosso)

           Nesse mesmo sentido, o   DECRETO Nº 9.527, DE 15 DE OUTUBRO DE 2018 criou a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil:

Art. 1º  Fica criada a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil com as competências de analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições.

Art. 2º  A Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil será composto por um representante, titular e suplente, dos seguintes órgãos:

(...)

VII - Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda;

4. DIREITO COMPARADO

           Nos mesmos moldes, corroborando para a competência legal e institucional da Receita Federal do Brasil, no combate às diversas formas de crime, temos a Portaria RFB 1.750/2018 que dispõe sobre representação fiscal para fins penais referente a crimes contra a ordem tributária, contra a Previdência Social, e de contrabando ou descaminho, sobre representação para fins penais referente a crimes contra a Administração Pública Federal, em detrimento da Fazenda Nacional ou contra administração pública estrangeira, de falsidade de títulos, papéis e documentos públicos e de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, e sobre representação referente a atos de improbidade administrativa.

           Por fim, a título de exemplo de como  o assunto é tratado no âmbito internacional, citamos, por exemplo, o IRS (Internal Revenue Service, a Receita Federal dos Estados Unidos da América), reconhecido internacionalmente por, entre outras coisas, ter conseguido prender o famoso Al Capone. O IRS possui uma intensa área de investigação criminal (Criminal Investigation), que segundo o próprio site do IRS:

"The Criminal Investigation strategic plan is comprised of three interdependent programs: Legal Source Tax Crimes; Illegal Source Financial Crimes; and Narcotics Related and Counterterrorism Financial Crimes. These three programs are mutually supportive and encourage utilization of all statutes within CI’s jurisdiction, the grand jury process and enforcement techniques to combat tax, money laundering and currency crime violations. CI must investigate and assist in the prosecution of those significant financial investigations that will generate the maximum deterrent effect, enhance voluntary compliance and promote public confidence in the tax system" (tradução nossa)

           

           No mesmo modo, outro Órgão de excelência internacional reconhecida, a Her Majesty's Revenue and Customs (HMRC), responsável pela administração tributária e aduaneira do Reino Unido, afirma em relação às investigações criminais e a lavagem de dinheiro:

“HMRC reserves complete discretion to conduct a criminal investigation in any case and to carry out these investigations across a range of offences and in all the areas for which the Commissioners of HMRC have responsibility.  Examples of the kind of circumstances in which HMRC will generally consider starting a criminal, rather than civil investigation are:

(...)

- attacking the tax system or systematic frauds where losses represent a serious threat to the tax base, including conspiracy

(...)

where deliberate concealment, deception, conspiracy or corruption is suspected in cases involving money laundering with particular focus on advisors, accountants, solicitors and others acting in a ‘professional’ capacity who provide the means to put tainted money out of reach of law enforcement” (tradução nossa)

           Como vimos, essa é a tendência mundial e que o Brasil está inserido, como destaque para a atuação da Receita Federal do Brasil e de seus Auditores-Fiscais. Em Portugal, a Lei 10/2002 e a Lei 11/2004 incluíram no Código Penal português o artigo 368º-A, que o Código chama de “branqueamento”. O crime de branqueamento, ou lavagem de dinheiro, é capitulado como a obtenção de vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos fatos ilícitos, entre eles extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, fraude fiscal, tráfico de influência e corrupção. Pune quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal. Além disso, incorrer no mesmo crime quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.

            Na Alemanha também não é diferente. A tipificação do crime de lavagem de dinheiro, chamado de geldwäsche encontra-se no § 261, do Código Penal Alemão (Strafgesetzbuch – StGB). O Código Penal Alemão também relaciona o crime de lavagem de dinheiro com a evasão fiscal, também refletindo a tendência internacional. A Espanha também dá especial atenção às fraudes fiscais e a lavagem de dinheiro. Nos termos do CAPÍTULO XIV, artigos de 298 a  304 do Código Penal Espanhol, o direito espanhol chama de blanqueamento, quem (tradução livre), com fins lucrativos e com conhecimento da prática de um crime contra patrimônio ou ordem socioeconômica, em que não interveio ou como autor ou como cúmplice, ajude os responsáveis a tirar proveito dos efeitos do mesmo, ou receba, adquira ou oculte tais efeitos. Quem também adquire, possui, use, converta ou transmita bens, sabendo que eles têm sua origem em uma atividade criminosa, cometida por ele ou por qualquer pessoa, ou realizar qualquer outro ato para ocultar ou esconder sua origem ilícita, ou para ajudar a pessoa que participou na infração a evitar as consequências jurídicas de seus atos. A título de curiosidade, o capítulo seguinte do código penal espanhol trata dos crimes contra a fazenda pública e contra a seguridade social, com penalidades mais gravosas do que no direito brasileiro.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

           Resta claro, portanto, que é função e obrigação da Receita Federal do Brasil por intermédio de seus Auditores, sem foro privilegiado, com trabalho técnico, impessoal e silente, apurar e atuar no combate a crimes, fraudes e ilícitos tributários e aduaneiros, à lavagem e ocultação de bens, direitos e valores, ao terrorismo e seu financiamento, ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e a qualquer outro ilícito praticado contra a Administração Pública Federal, ou em detrimento da Fazenda Nacional, inclusive aqueles que concorram para sua consumação. Desse modo, o acesso a dados bancários, fiscais e o uso de inteligência fiscal, torna-se indispensável. Não por outro motivo, o ordenamento jurídico brasileiro, os tratados internacionais de que Brasil é signatário e as reiteradas decisões de nossa Corte Constitucional demonstram o grau de responsabilidade da Receita Federal do Brasil e de  seus auditores no combate aos diversos crimes, ilícitos e fraudes.

REFERÊNCIAS

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ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sigilo e Fiscalização Bancária. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo814.htm>. Acessado em: 25 Fev. 2019.

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