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A corrupção policial e o instituto da colaboração premiada

A corrupção policial e o instituto da colaboração premiada

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Entenda como funcionam os mecanismos de controle e a aplicação da técnica especial de investigação da colaboração premiada, como forma de combate à corrupção policial.

Resumo: A falta de conhecimento, controle e, antes de tudo, vontade política para enfrentar a corrupção, têm permitido que ela se incorpore a todos os atos cotidianos da polícia, tornando-se cada vez mais sistêmica e produzindo consequências cada vez mais graves além de dificultarem o estabelecimento de freios e limites à ação delituosa dos agentes públicos. Este trabalho tem como objeto de estudo a corrupção na polícia, mecanismos de controle e a aplicação da técnica especial de investigação da colaboração premiada como forma de combate à corrupção policial.

Palavras-Chave: Corrupção; Polícia; Delação Premiada.


INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é discutir a corrupção na polícia, buscando subsídios para compreender como e porque ela ocorre, quais as maiores vulnerabilidades e quais os caminhos mais seguros a serem seguidos no seu combate, através de mecanismos de controles internos e da técnica especial de investigação da colaboração premiada.

Procuramos definir, inicialmente, a corrupção para descrever, em seguida, de que forma ela começou a se disseminar na polícia e ao final, demonstramos que além dos mecanismos internos de controle, a utilização da colaboração premiada pode ser um eficiente instrumento ao seu combate.

Utilizamos, para tanto, da pesquisa bibliográfica bem como da pesquisa documental, em arquivos coletados na Corregedoria de Polícia Civil do Tocantins, para chegar aos resultados pretendidos no decurso deste artigo.

Ao final concluímos, por meio destes dados e sua correlação com apanhado teórico levantado, que, a cada dia se torna mais necessária a compressão do fenômeno da corrupção junto à Administração Pública, com especial relevância para as instituições policiais como forma de criar mecanismos de combate à sua expansão, entendimento acerca de suas origens, mecanismos de controle e outros, e no escopo deste trabalho a correlação da ferramenta da delação premiada com o efetivo combate ao fenômeno da corrupção.


2. CONCEITUANDO A CORRUPÇÃO

Antes de adentrar propriamente no debate acerca da corrupção policial, necessária a conceituação do termo corrupção como base e pressuposto de toda a análise que se estenderá ao largo deste artigo.

A definição semântica da palavra corrupção, segundo o dicionário Priberan (2013, online), é “decomposição, alteração, desnaturação, depravação, perversão, degeneração. Induzir ao mal; sedução”.

Essas definições apontam a corrupção como um evento que promove a degeneração ou a depravação de algo que possivelmente funcionava de maneiracorreta antes de ser corrompido, ou seja, o desvio do funcionamento natural de um determinado sistema ou coisa. Saindo do âmbito abstrato para discutir a natureza humana, é viável dizer que a corrupção é algo que desvia o ser humano do seu curso normal, ou de seu comportamento previsto nas normas de um determinado grupo social, sejam elas ética, morais ou mesmo legais.

A definição da palavra em si denota, efetivamente, uma elevada carga moral, ao prever um estado natural que foi alterado, corrompido graças à um determinado evento, causando a sua degeneração ou fuga da normalidade.

Ainda temos em conta que outro significado atribuído é a noção de indução ao mal ou sedução. Mais uma vez, indica-se que algo – seja o estado ou a natureza humana – que funcionava corretamente foi seduzido para o mal.

Neste sentido, o que se demonstra é a larga amplitude do termo corrupção e suas várias nuanças de aplicação, abarcando tanto práticas que fogem à uma normalidade moral, ética quanto, em última análise, a práticas previstas em leis.

A corrupção é então um conceito moral que, em alguns casos, torna-se um relevante jurídico, sendo assim mais previsto por condutas objetivamente identificada, ao contrário do aspecto mais subjetivo e amplo derivado de sua conceituação moral.

Outra particularidade do termo é que se fala de uma prática que muitas vezes se dá de forma institucionalizada. Em outras palavras, apesar de ilegal, é uma prática que funciona como óleo que lubrifica as engrenagens do Estado, fazendo com que elas funcionem melhor, na concepção dada por Francesco (2017, online):

que são aquelas que ajudam o sistema a se movimentar – pense, por exemplo, em obras públicas que são feitas por mero interesse político. Assim, todo aquele político que ‘rouba, mas faz’, é adepto dela.

Uma teoria, como se vê, pragmática que visa os fins atingidos pela corrupção, consoante ao clássico mote político deturpado, do “rouba mas faz”.

No âmbito da economia, a conceituação da corrupção remete à definição mercantil de compra e venda, de troca de influência política em troca de benefício financeiro, como se verifica nas atuais operações decorrentes da operação alcunhada Lava-Jato.

Em decorrência da multiplicidade de áreas de conhecimento que podem envolver aspectos da corrupção, entende-se, para o efeito deste trabalho, que a corrupção não deve ser entendida tão somente na terminologia legal e penal do termo, buscando-se, para a compreensão do fenômeno um escopo transdisciplinar da mesma.

O que se sabe é que o tema da corrupção, pelo menos no que tange ao senso comum, vem sempre associado a valores e juízos morais, e à percepção de que os países mais pobres, ou suas elites, são mais corruptos do que os países mais desenvolvidos.

A constatação de que a corrupção não é exclusiva dos países mais pobres ajuda a reduzir a arrogância moral de muitos dos participantes desta discussão, trazer a questão da corrupção para o terreno mais neutro das análises sociológicas, políticas e econômicas (SCHWARTZMAN, 2008, p. 5).

Os escândalos financeiros e outros tipos de corrupção envolvendo diversos agentes em países desenvolvidos levaram a uma mudança nessa concepção, voltando os olhares de economistas e cientistas sociais para essas localidades.

A corrupção ocorre nas entranhas dos setores público e privado, quando uma autoridade pública possui poder discricionário sobre a distribuição de um benefício ou de um custo para o setor privado, podendo negociá-lo, o que cria incentivos para que haja o suborno e afeta significativamente a eficiência, a Justiça e a legitimidade das atividades do Estado.

Trazendo essa concepção para o nosso contexto, podemos verificar que a corrupção policial afeta a eficiência da Justiça, na medida em que se utiliza de mecanismos informais e ilegais para distribuição privilegiada da informação e favorecimento indevido de criminosos.

Além disso, cada vez que vem à tona algum caso de corrupção envolvendo policiais, questiona-se o papel da Polícia, a sua legitimidade ao agir e, consequentemente, a legitimidade do Estado, que não consegue controlar o seu braço armado.Isso gera o que comumente se chama de “sensação de insegurança”, já que não se pode confiar na polícia e nem na Justiça.

Misse (2005), que entende a corrupção como uma mercadoria política:

Chamo de “mercadorias políticas” o conjunto de diferentes bens ou serviços compostos por recursos “políticos” (não necessariamente bens ou serviços políticos ou de base estatal) que podem ser constituídos como objeto privado de apropriação para troca (livre ou compulsória, legal ou ilegal, criminal ou não) por outras mercadorias, utilidades ou dinheiro. O que tradicionalmente se chama de “corrupção” é um dos tipos principais de 'mercadoria política' ilícita ou criminal (p. 5).

O autor usa como exemplo a corrupção policial, mas admite que esse tipo de mercadoria pode vir de diversas formas, e tem como característica fundamental a apropriação de recursos políticos ou públicos para benefício próprio:

O que há de específico na corrupção como mercadoria política é o fato de que o recurso político usado para produzir ou a oferecer é expropriado do Estado e privatizado pelo agente de sua oferta. Essa privatização de um recurso público para fins individuais pode assumir diferentes formas, desde o tráfico de influência até a expropriação de recursos de violência, cujo emprego legítimo dependia da monopolização de seu uso legal pelo Estado. A corrupção policial, que negocia a “liberdade” de criminosos comuns, contraventores e traficantes, é um exemplo de mercadoria política produzida por expropriação de um poder estatal (no caso, o “poder de polícia”), fazendo uso de recursos políticos (a autoridade investida no agente pelo Estado) para a realização de fins privados (Idem).

O que é possível apurar dos estudos de corrupção é que ela se constitui um conjunto de práticas muito variável, implicando trocas entre quem tem poder decisório, seja na política ou na administração, e aqueles que possuem recursos necessários para adquirir vantagens “indevidas”– em outras palavras, vantagens que não estão previstas na lei, portanto ilegais ou ilícitas.

No caso da corrupção policial, a definição que pretendemos utilizar foi retirada, em parte, do próprio discurso existente no meio policial, que considera que só há o corrupto porque existe o corruptor.

A definição é ampla porque amplas são as possibilidades de corrupção na polícia e amplas são também as tipificações legais que se relacionam à corrupção.

O fato é que, percebemos a partir da década de 1980 uma transformação na América Latina, com a transição para sistemas democráticos em substituição às ditaduras militares.

Porém, apesar de a ampliação da participação social no processo decisório, isso não significou o abandono de práticas arbitrárias e muitas vezes ilegais do poder.

Apesar das novas garantias de direito advindas da reformulação constitucional, em diversos países latino-americanos - entre os quais o Brasil - muitas violações legais ainda eram realizadas, especialmente contra as camadas mais pobres, contrariando os princípios democráticos e mantendo vínculos com as estratégias de domínio político que existiam antes da democracia.

O Estado ainda exerce um poder arbitrário sobre determinados grupos sociais, e reforça o autoritarismo e a aplicação diferenciada da lei para certos segmentos da sociedade.

A corrupção é uma das formas que determinados segmentos possuem para driblar a lei em seu favor, garantindo que privilégios sejam mantidos e que sua influência de poder não mude, especialmente no âmbito político.

Percebemos que corrupção não é um fenômeno recente na América Latina. O formalismo, o clientelismo e a persistência de políticas personalistas fomentam a corrupção.

Na discussão internacional, há uma ênfase em definir o que é corrupção e quais aspectos possibilitam seu crescimento ou maior desenvolvimento em determinados locais.

Porém, no Brasil, o foco da discussão, ao menos no que se refere à polícia, está mais voltado para definir de quem é a responsabilidade, ou, para usar um termo mais carregado de moralidade, aqui se questiona de quem é “culpa” da corrupção.

Considerando tal fato, é possível perceber que a discussão sobre corrupção aparece tripartida nos seguintes aspectos: cultural, estrutural e moral.

Os aspectos culturais e estruturais mostram-se mais entrelaçados. Já os aspectos morais do tema apresentam-se como um fenômeno individual que diz respeito ao caráter do sujeito.

Esse discurso moral está fortemente presente naqueles encarregados de combater ou punir a corrupção nas instituições policiais. A relação da corrupção com aspectos culturais ou estruturais é certamente mais freqüente no discurso dos policiais que estiveram, em alguma medida, envolvidos com um algum caso de corrupção.

São poucos os atores que conseguem conectar todos esses aspectos para dar conta de explicar por que existe corrupção policial. Cabe ressaltar que, para alguns policiais, assim como para alguns estudiosos do tema, a corrupção é algo inerente à natureza humana.

Há ainda uma grande dificuldade em qualificar o termo em si e em distinguir de qual forma se está tratando, pois, dependendo da instituição ou do agente envolvido, a corrupção pode assumir formas distintas.

É difícil encontrar um uso da palavra “corrupção” que não seja vazio – ou por dar conta de uma infinidade de práticas, ou, ainda, por limitar demais tais práticas, criando uma categoria inútil do ponto de vista sociológico. Isso porque, em alguns momentos, explica “tudo” e, em outros, não é capaz de abranger as distintas práticas e, então, não explica nada.

Porém, apesar de admitirmos que a corrupção está enraizada há décadas na polícia, há mecanismos de controle que vem sendo utilizados e que podem contribuir de maneira significativa para prevenir essa prática nefasta.

Do mesmo modo, uma vez que se constate a prática de crimes ligados à corrupção, um instrumento que pode ser vital para a elucidação desses ilícitos é a colaboração premiada.


3. ORIGENS DA CORRUPÇÃO NA POLÍCIA

As instituições policiais receberam durante o período de ditadura militar uma blindagem já que possuíam poderes completamente desprovidos de controles, o que contribuiu para mantê-las, mesmo atualmente, distante dos olhares e, mais ainda, de qualquer forma de controle social.

Aqueles que, logo após a ditadura, insistiram em lançar luzes sobre a organização policial encontraram portas cerradas, escassos dados ou informações, pouca ou nenhuma confiabilidade sobre os dados existentes e excessiva informalidade dos atos cotidianos dos policiais.

Embora seja verdade que a mudança de comportamento observada na década de 80 em relação aos dias atuais é bem significativa, inclusive com diversas parcerias entre secretarias de segurança e universidades, ainda hoje é possível encontrar coletas de dados bastante deficitárias e excessiva informalidade em todos os setores da atividade policial.

Mas não é só isso. Embora seja consensual que a polícia precisa de tecnologia para capturar criminosos ou prevenir crimes, assim como é imprescindível para qualquer espécie de administração, parece não existir o mesmo consenso quando se trata de modernizar a administração policial.

Isso, por um lado, implica a dificuldade para auditar os fluxos, processos e atividades e descobrir com muito mais facilidade casos de corrupção e, por outro, cria dificuldades também para distinguir se algo deixou de ocorrer por corrupção ou por mera incompetência ou ineficiência.

A burocracia é outro importante aliado da corrupção. Embora tenha surgido justamente para agregar maior eficiência, segurança e profissionalismo ao aparato estatal, ela pode ter um efeito diverso quando usada em excesso.

E, acredita-se que a impunidade seja um dos fatores mais relevantes de incentivo à prática de corrupção, pois, segundo a teoria econômica do crime, o evento crime é visto como uma decisão onde são ponderados os benefícios e os custos, e também como uma troca intertemporal, entre o benefício imediato e um custo provável no futuro. (VIAPIANA, 2006, p. 15).

Nesse sentido, o agente público consideraria as vantagens financeiras advindas da corrupção e as possíveis desvantagens caso venha a ser descoberto.

Quando se observa a baixa quantidade de agentes públicos punidos por corrupção, é possível que o agente público fique mais inclinado a correr riscos.

Será ainda maior a impunidade se os colegas responsáveis pelo controle ou punição não tiverem condições adequadas de trabalho, insuficientes meios humanos e materiais e sofrerem ingerência de terceiros em suas atividades.

A concentração de poderes nas mãos de poucos funcionários, a ausência de avaliação e a impunidade são ingredientes importantes para a consolidação e sistematização da corrupção no serviço público.

Como mecanismos de controle internos a transparência, fiscalização e punição são medidas primordiais, mas não suficientes. É necessário que todas as instituições públicas tenham seus fluxos acompanhados por softwares de gerenciamento, capazes de monitorar desde o desperdício em uma unidade administrativa até o atraso ou sumiço de um documento.

Ou seja, isso evitará que a corrupção se esconda no amontoado de papéis que a administração pública é pródiga em produzir e difícil de examinar, principalmente quando se tratam de organizações policiais imensas.

Os resultados periódicos deverão ser analisados para rever o funcionamento do sistema e chamar a atenção dos que não se ajustam ao novo sistema, bem como divulgados periodicamente, de forma a permitir a crítica e o controle externos.

Só aí temos três mecanismos fundamentais para o controle da corrupção: informação, avaliação e transparência.E, ao se constatar ao menos indícios da prática de corrupção, outro importante instrumento que pode ser utilizado no seu combate é a colaboração premiada.


4. A COLABORAÇÃO PREMIADA

O instituto da Colaboração Premiada como ferramenta de combate a corrupção policial, com os avanços trazidos pela Lei 12.850, de 06 de agosto de 2013.

Capez (2005), o instituto da Colaboração Premiada consistena:

Na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia. Além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa.

As investigações de corrupção que abrangem policiais como supostos autores, os órgão de investigação sempre tem uma dificuldade a mais na tentativa de obtenção de provas contundentes da comprovação da prática delituosa.

Os obstáculos são os mais variados possíveis, receio da vitima com relação ao autor, falta de estrutura do órgão investigador, suposto corporativismo da instituição e etc.

É aparente que colaboração premiada já encontrava - se como meio de obtenção de prova em nossa legislação, bem antes da entrada em vigor da Lei 12.850/2013. A qual foi um divisor de águas no que tange ao referido instituto, pois trouxe garantias e mais segurança aos investigados propensos a serem colaboradores, pois dirimiu asdúvidas através de regras especificas a serem seguidas desde a elaboração do acordo, passando pela sua homologação, chegando até os possíveis benefícios.

A Lei 12.850/2013 fortaleceu o instituto da colaboração premiada e conseqüentemente atraiu olhares daqueles investigados que possivelmente nunca confessariam a prática de um fato criminoso e atribuiria a seu comparsa perante a Justiça.

A colaboração premiada desde a entrada em vigor da Lei 12.850/2013, certamente é uma ferramenta decisiva no enfrentamento de combate a corrupção policial, pois trouxe bons benefícios a aquele que está sendo investigado e colabora com o Estado, bem como garantias.

Os benefícios e regras que motivam os investigados a se posicionarem como um colaborador, e que não existiam anteriormente a referida lei e foram regulamentados pela mesma, são:

Os benefícios, em regra, dependem do momento que o colaborador formaliza o acordo: se antes da sentença, pode ter a pena reduzida em até 2/3 (dois terços) a privativa de liberdade ou substituição por restritiva de direitos, se posterior a sentença, a pena pode ser reduzida até a metade ou será admitida progressão de regimeainda que ausente os requisitos objetivos.

É necessário, ainda, que a colaboração tenha sido voluntaria e efetiva, e através das declarações prestadas pelo colaborador obtenha ao menos um resultado prático no que diz respeito a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa, a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa, a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

O colaborador poderá, ainda, receber o perdão judicial ou deixar de ser denunciado, mas nessa última circunstância dependerá de não ser o líder da organização criminosa e ter sido o primeiro a prestar efetiva colaboração.

Na colaboração, todos os atos acordo desde a negociação devem ser acompanhadosdo advogado ou defensor do propenso Colaborador, bem como, se possível, gravados por meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

O juiz, ao receber o acordo realizado entre as partes (investigado + defensor e ministério público ou investigado e delegado + defensor) para homologação, analisará somente os requisitos formais: legalidade, regularidade e voluntariedade.

  • Legalidade: verificará se o benefício acordado é legal e possível de ser concedido;
  • Regularidade:Se o acordo encontra da forma escrita e constam no mesmo relato da colaboração e seus possíveis resultados, as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia, a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor, as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor, a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário;
  • Voluntariedade: verificará se a colaboração foi por vontade própria, bem como se o colaborador não sofreu nenhum tipo de coação por parte do Poder Público, a Autoridade Policial ou membro do Ministério Público podem informar ao investigado da possibilidade da Colaboração, de concessão de benefícios, redução de pena e de outros benefícios previsto em lei. O Juiz, caso queira sigilosamente poderá ouvir o colaborador na presença de seu defensor.

Com o acordo homologado, o colaborador renuncia a seu direito de permanecer em silêncio, caso não cumpra corre o risco de ser cancelado seu acordo e, conseqüentemente, a perda do benefício acordado, bem como a de não produzir prova contra si. A retratação é possível na colaboração de ambas as partes, caso o colaborador se arrependa as provas autoicriminadoras não poderão ser usadas exclusivamente contra o mesmo.

No caso do Estado retratar, motivado pelo colaborador não cumprir com sua parte no acordo, os meios de prova serão preservados, mas os benefícios ficarão comprometidos.

A colaboração premiada não é prova, mas um meio legitimo de obtenção de provas, por tal motivo a mesma isoladamente não poderá embasar uma sentença condenatória.

O sigilo do conteúdo colaboração premiada em regra somente termina com a denúncia, após a homologação do acordo, durante todo o Inquérito Policial a delação fica restrita ao Juiz, Ministério Público e ao Delegado de Policia.

No Julgamento do Inq 4435 AgR/DF, o Ministro Marco Aurélio, na condição de relator, entendeu que no âmbito da Administração Pública, a publicidade é a regra e o sigilo a exceção (CF, art. 5º, LX), O sigilo sobre o conteúdo de colaboração premiada deve perdurar, no máximo, até o recebimento da denúncia.  (Informativo nº. 877 do STF).

Ao colaborador lhe são conferidos direitos no sentido de amenizar os riscos da colaboração como ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados, ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes, participar das audiências sem contato visual com os outros acusados,não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito, cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados e usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica (Lei 9.807, de 13 de julho de 1999).

Na Lei 12.850/2013, também encontra - se o tipo penal próprio para colaboradores que, falsamente, imputam infração penal pessoa que sabe ser inocente, bem como revelam informações sobre estruturas sobre Organizações Criminosas inverídicas, com pena de Detenção de 1 à 4 anos e multa.

O instituto da Colaboração Premiada tem contribuído atualmente no Brasil, com diversas investigações, condenações e conseqüentemente causando sérios prejuízos financeiros aos membros de Organizações Criminosas.

O uso dessa técnica de investigação é um grande instrumento de combate a corrupção policial, pois ajudará as Corregedorias de Policia e o Estado a descobrir um número maior de autores, coautores, partícipes e vítimas de supostas Organizações Criminosas e até estruturas hierárquicas das mesmas.

Em investigações de corrupção envolvendo policiais, o instituto da colaboração premiada utilizado pelo órgão Censor da Policia poderá ser fundamental no combate e na tentativa de eliminação dos maus policiais da instituição, de maneira mais célere e eficaz.


CONCLUSÃO

Como visto, há um perigo significativo em negligenciar o problema da corrupção, pois ela representa o aumento da criminalidade a deterioração dos serviços públicos, a ineficiência, à disposição dos serviços somente aos que podem pagar, a perda da confiança nas instituições públicas, enfim, a degradação do que é público.

Ao se corromper, o policial interfere no curso da vida. Ao invés de reprimir, ele se omite ao invés de prender, ele solta, ao invés de fiscalizar, ele se associa, fazendo com que elementos nocivos à sociedade permaneçam aumentando seus tentáculos sobre as instituições que já são deficientes e falidas, denegrindo a imagem daqueles que realmente honram a moral e a integridade.

Infelizmente, também é significativo o costume das sociedades de só se preocuparem com a corrupção em momentos caóticos ou de graves perturbações sociais, tornando seu enfrentamento bem mais difícil e custoso.

Descuidar da ocorrência da corrupção significa descuidar do Estado Democrático, pois não há democracia sem instituições fortes e respeitadas.

Entre essas instituições, a polícia é uma das quais tal vigilância deve ser intensificada, quer seja pelos riscos a que está sujeita, quer seja pelo caráter emblemático que a mesma detém.

O estímulo ao desenvolvimento da cidadania é uma boa estratégia, mas ganha mais força quando vem acompanhado de suficiente fiscalização dos atos públicos.

Internamente as polícias precisam de mecanismos de controle internos mais eficazes.

Demonstramos que há três mecanismos fundamentais para o controle da corrupção: informação, avaliação e transparência.

Mas, externamente, é importante que se vislumbre a importância da delação premiada no combate à corrupção policial.

O policial corrupto é um criminoso e ninguém melhor do que os próprios agentes do crime para indicarem os caminhos aos outros corruptos que chegam até mesmo, em alguns casos, a fazer parte de verdadeira organização criminosa.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 13 de outubro de 1941, retificado em 24 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

_______. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

________. Lei 1.654, de 06 de Janeiro de 2006. Dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Tocantins. Acessado no endereço eletrônicohttps://central3.to.gov.br/arquivo/269631, em 15 de outubro de 2017.

_________. Lei 8.429, de 02 de Junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimentos ilícitos no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou funcional e da outras providencias. Acessado no endereço eletrônicohttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm., em: 18 de outubro de 2017.

__________. Setembro/2017. Informativo por Temas. Sessões de 1º a 30 de setembro de 2017. Acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativomensalsetembro2017.pdf , em: 23 de outubro de 2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - legislação penal especial. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

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LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único - 5.edição ver.,atual e ampl. - Salvador:JusPODIVM,2017.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Rodrigo; GUEDES, André Vanderlei Cavalcanti. A corrupção policial e o instituto da colaboração premiada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5850, 8 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74007. Acesso em: 19 abr. 2024.