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Contagem de Período em Auxílio-Doença como Atividade Especial: Tema nº 998 do Superior Tribunal de Justiça

Contagem de Período em Auxílio-Doença como Atividade Especial: Tema nº 998 do Superior Tribunal de Justiça

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O artigo analisa o julgamento do Tema n. 998 do Superior Tribunal de Justiça.

Em regra , o reconhecimento da especialidade da atividade depende da comprovação de exposição a agentes nocivos ou prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Excepcionalmente, alguns períodos são considerados especiais mesmo sem a demonstração da especialidade, quando o afastamento do segurado ocorrer no exercício de atividade considerada especial, tais como nas suas férias ou no recebimento de benefício por incapacidade.

Ao regulamentar o assunto, o art. 65 do Decreto nº 3.048/99 passou por quatro redações diferentes:

(a) inicialmente, o dispositivo reconhecia a continuidade da especialidade durante as férias, licença médica e o recebimento de auxílio-doença, desde que, nesse último caso, o afastamento do trabalho fosse derivado do desempenho da atividade especial: “Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante a jornada integral, em cada vínculo trabalhista, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, inclusive férias, licença médica e auxílio-doença decorrente do exercício dessas atividades”;

(b) contudo, menos de seis meses depois da entrada em vigor, o art. 65 foi alterado pelo Decreto nº 3.265/99, apenas para modificação do texto sobre a jornada de trabalho em cada um dos vínculos do segurado. Logo, manteve a exigência do afastamento por incapacidade laborativa em decorrência da especialidade da atividade como condição para o reconhecimento do período especial durante a fruição do auxílio-doença: “Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante toda a jornada de trabalho, em cada vínculo, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, inclusive férias, licença médica e auxílio-doença decorrente do exercício dessas atividades”;

(c) na sequência, o Decreto nº 4.882/2003 modificou novamente o art. 65 do Decreto nº 3.048/99, para acrescentar os afastamentos do trabalho para recebimento dos benefícios de aposentadoria por invalidez e salário maternidade (este recebido em período de desempenho de atividade especial) e para esclarecer que apenas os benefícios por incapacidade acidentários (ou seja, decorrentes de doença ou acidente de trabalho) permitem a continuidade da contagem do tempo como especial: “(...) Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial”;

(d) Por fim, nova mudança foi promovida pelo Decreto nº 8.123/2013, para substituir a menção à atividade especial pela comprovação da exposição aos fatores de risco, mas manteve o recebimento de benefício por incapacidade acidentário como condição para a contagem do tempo especial a partir do afastamento do trabalho: “(...) Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial”.

Portanto, após inicialmente considerar suficiente apenas a prova da especialidade da atividade para manter a contagem do tempo especial durante o afastamento para a percepção de auxílio-doença, o Regulamento passou a exigir, a partir de 2003, a prova de que esse afastamento foi causado por doença ou acidente do trabalho, ou seja, por fator inerente à atividade prejudicial.

Ao apreciar essa mudança de regras, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu a questão no IRDR nº 8 e fixou a seguinte tese: “O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento”.

O fundamento principal da tese está na restrição indevida, pelo parágrafo único do art. 65 do Decreto nº 3.048/99, da tutela diferenciada conferida pelo art. 57, §§ 3º a 5º, da Lei nº 8.213/91, ao segurado que desempenhar atividades submetidas a condições especiais. Concluiu-se que mesmo que não haja relação direta da incapacidade com a atividade (ou que não tenha sido possível produzir essa prova), o desempenho de trabalho em condições nocivas à saúde, por si só, é um fator relevante no aumento de doenças, relacionadas – ou não – diretamente com as funções desempenhadas, o ambiente laboral etc. Logo, independentemente do nexo causal, não poderia o regulamento restringir a proteção legal.

Contra o acórdão proferido nos recursos afetados no IRDR nº 8 do TRF4, foram interpostos recursos especiais pelo INSS, que deram origem ao Tema nº 998 dos Recursos Repetitivos Superior Tribunal de Justiça.

Ao julgar o Tema nº 998, a 1ª Seção do STJ manteve a interpretação conferida pelo TRF4. Ao declarar a ilegalidade da condição imposta pelo parágrafo único do art. 65 do Decreto nº 3.048/99, a partir das modificações realizadas pelo Decreto nº 4.882/2003, o relator dos recursos afetados ao Tema ressaltou que a norma permite a contagem em situações de suspensão de contrato de trabalho (tais como férias e recebimento de salário-maternidade), ou seja, com o afastamento do segurado da exposição aos agentes agressivos, razão pela qual não depende da natureza do benefício de auxílio-doença (previdenciário ou acidentário). Por isso, conclui que a contagem – ou não – do tempo especial durante o recebimento de auxílio-doença depende apenas da comprovação do desempenho de atividade considerada especial até o dia anterior ao afastamento do trabalho.


Autores

  • Oscar Valente Cardoso

    Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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  • Adir José da Silva Júnior

    Mestre em Direito - PPGD/UFSC (Área de Concentração: Direito, Estado e Sociedade). Graduado em Ciências Jurídicas pela UFSC. Especialista em Direito Processual Civil (UNISUL), Gestão Pública (UNISUL) em Direito Previdenciário (CESUSC). Formado pela Escola Superior de Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC). Analista Judiciário Federal. Ocupa a função de Diretor de Secretaria da 1a Vara Federal de Capão da Canoa-RS.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente; SILVA JÚNIOR, Adir José da. Contagem de Período em Auxílio-Doença como Atividade Especial: Tema nº 998 do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5864, 22 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75446. Acesso em: 20 abr. 2024.