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Entre a lei e a realidade: o trabalho dos refugiados no Brasil

Entre a lei e a realidade: o trabalho dos refugiados no Brasil

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Abordam-se aspectos sobre a relação de trabalho exercida por refugiados no Brasil e seus desafios, com base no ordenamento jurídico pátrio e internacional.

RESUMO: O objetivo geral deste estudo é analisar a relação de trabalho exercida por refugiados no Brasil e os seus desafios, com base no ordenamento jurídico pátrio e internacional, tendo em vista que compete ao Estado recebedor dar proteção jurídica aos emigrados. Além disso, coloca-se, ainda, em destaque, a importância de esclarecer aos refugiados os seus direitos trabalhistas. Por meio do estudo dogmático/dedutivo, foram analisados dispositivos legais afetos à temática de refugiados no Brasil e no mundo, bem como a leitura de doutrina, notícias e artigos indicados na bibliografia. A resposta obtida foi positiva em relação às ações já desempenhadas e proteção ao trabalho do refugiado, mas com especial destaque aos grandes desafios a serem enfrentados.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Refugiados. Dignidade da Pessoa Humana.


1 INTRODUÇÃO

A existência de refugiados entre a população de um país não é nova: existem registros desde a Grécia e Roma Antiga, onde a proteção a essas pessoas era concedida pelos templos. Já na Idade Média, era comum os senhores feudais acolherem refugiados. Ao longo da história, diversas revoluções, guerras, perseguições político-religiosas e desastres ambientais forçaram o deslocamento de inúmeras pessoas em busca de um local adequado para viver. Dentre os fatos que influenciaram o aumento do número de refugiados, destaca-se a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), período no qual diversas populações saíram do seu território, em busca de paz e equilíbrio social.

Diferente de outros dispositivos de proteção aos direitos humanos, o sistema dos refugiados foi construído gradualmente, visto que, por muitos anos, pensou-se que era um problema temporário, provocado por crises isoladas. Não obstante, o mecanismo internacional de proteção evoluiu e atualmente está melhor estruturado, tendo como pilar o Estatuto dos Refugiados, pactuado em Genebra no dia 28 de junho de 1951. O dispositivo, ratificado pelo Brasil, sofreu atualizações com o Protocolo de 1967, momento em que o conceito de refugiado sofreu ampliações, retirando limites geográficos e temporais.

Esses diplomas são interpretados, aplicados e fiscalizados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados-ACNUR, órgão criado em 1950 pela Assembleia Geral da ONU, que, por meio de ações humanitárias e sociais, busca efetivar a proteção dos refugiados no plano mundial, utilizando importantes princípios do direito internacional, como, por exemplo, o non refoulement, no qual o país acolhedor não pode devolver o refugiado ao país de origem ou de residência habitual se ainda houver neste os motivos que determinaram a fuga do indivíduo.

No tocante a legislação brasileira, a Lei nº. 9.474/1997 definiu os meios para consolidação do Estatuto dos Refugiados no país e criou o Comitê Nacional para Refugiados, que possui atribuição de analisar e julgar solicitações de refúgio. Essa é a primeira lei pátria a implementar um tratado de Direitos Humanos e a fazer referência expressa à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948. Além disso, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, via de regra, brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil passaram a ter iguais direitos e deveres, sendo vedada distinções.

Entretanto, observa-se que, na prática, ao ingressar no Brasil o refugiado não possui a mesma oportunidade de emprego dos brasileiros, visto que problemas de comunicação e desconhecimento das leis nacionais contribuem para que esses estrangeiros tenham seus direitos trabalhistas violados, não sendo raras as notícias de trabalhos em péssimas condições. Atualmente, o assunto está ativo nas discussões políticas, pois cresce de forma relevante o deslocamento forçado.

Segundo os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas, até o final de 2018, 70,8 milhões de pessoas viviam fora de seus locais de origem, por causa de perseguição, conflito e violação aos direitos humanos. Nessa perspectiva, o número de indivíduos deslocados à força atingiu um crescimento recorde, chegando a 2,3 milhões somente em 2018. Ademais, 67% dos refugiados no mundo vem de apenas cinco países (Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Myanmar e Somália).

O objetivo geral deste estudo é analisar a relação de trabalho exercida por refugiados no Brasil e os seus desafios, com base no ordenamento jurídico pátrio e internacional, para que não exista diferenciação entre os trabalhadores estrangeiros e nacionais, tendo em vista que compete ao Estado recebedor dar proteção jurídica aos emigrados, garantindo direitos fundamentais.

Os objetivos secundários compreendem a análise dos dispositivos legais, internacionais e pátrios, sobre os direitos dos refugiados, o estudo acerca do procedimento administrativo interno para concessão do refúgio no Brasil, exame dos aspectos geopolíticos e históricos, assim como observação de dados oficiais e notícias. Por meio do estudo dogmático/dedutivo, serão analisados o Estatuto dos Refugiados de 1951, o Protocolo Adicional de 1967 e a Lei nº. 9.474/97, regramentos fundamentais acerca do tema. Este trabalho compreende quatro partes. A primeira, analisará a definição de refugiado, expondo sua evolução no decorrer da história. A segunda parte compreende a observação dos princípios jurídicos e direitos sociais que devem ser garantidos pelo país acolhedor.

 Ainda no segundo momento, a pesquisa concentra-se no estudo do direito internacional do trabalho e a terceira parte examinará a legislação trabalhista brasileira, observando a realidade e perspectivas acerca da implementação das políticas públicas voltadas para esse tipo de relação laboral. Além disso, esta pesquisa visa destacar importância de esclarecer aos refugiados os seus direitos trabalhistas, de inafastabilidade de jurisdição e a existência dos órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público do Trabalho e a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia.

 


1 O REFÚGIO

 Etimologicamente, a palavra refúgio é originária do latim refugium, este é conceituado como “esconderijo, lugar para esconder-se, abrigo, amparo”, enquanto o termo “refugiado” refere-se ao “abrigado, fugido, escondido” (SCOTTINI, 2009, p. 463) O termo é usado para tipificar indivíduos no tocante ao espaço e direitos humanos, políticos ou sociais. Entretanto, segundo Hayden (2006, p.43), conceituar a categoria dos refugiados, contemplando, em harmonia, ética, teoria e a realidade, é um trabalho árduo.

Conforme os ensinamentos de Flávia Piovesan (2001, p. 54), pode-se dizer que “o refúgio é um instituto jurídico internacional, tendo alcance universal, [...] é a medida essencialmente humanitária, abarca motivos religiosos, raciais, de nacionalidade, de grupo social e de opiniões políticas. ”

Para Jaime Ruiz Santiago (1996, p.119), refúgio é “o instituto criado pela comunidade internacional, com importantes antecedentes, que tem por finalidade básica oferecer proteção à Pessoa Humana. ”

Assim, observa-se que uma das principais características para verificar o instituto é a ameaça ou violação dos direitos fundamentais, dentre eles, o direito à vida, liberdade e saúde. Fatores como o risco de morte, em razão da crença, ideologia ou origem, forçam o indivíduo a fugir do seu país, com o intuito de encontrar a segurança em terras estrangeiras. (PASCHOAL, 2012, p. 98).

No decorrer do tempo, inúmeros refugiados foram acolhidos por outras nações. Loescher, citado por Andrea Pacheco Pacífico (2005, p.5), expõe que “o problema do refugeísmo é parte da emergente” das crises globais maciças geradas pelas mudanças na estrutura econômica, política e social que ocorreram durante toda a história da civilização humana.

 

1.1 DEFINIÇÃO DE REFUGIADO

A definição legal de refugiado é prevista no artigo 1º, item II, da Convenção de Genebra de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, vejamos:

Artigo 1º - Definição do termo “refugiado”:

A. Para os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” aplicar-se-á a qualquer pessoa:

[...]

(2) Que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e receando, com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.(1951, p. 1).

Por meio desse artigo, constata-se uma limitação temporal no Estatuto, onde, no momento da assinatura de ratificação, o país poderia declarar o alcance da expressão “acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951”, se englobaria apenas acontecimentos passados na Europa ou em lugares diversos.

Com o avanço do tempo, conflitos e perseguições ocorriam em todos os continentes, assim, uma definição com limitações temporais e geográficas, mostrava- se insuficiente, destoando da realidade.

A fim de adequar o instituto, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 ampliou o conceito, contemplando todos os Estados-partes, sem limitação geográfica, independente do período e dos acontecimentos históricos, conforme o artigo 1º, item II:

 

2. Para os fins de presente Protocolo, o termo “refugiado”, salvo no que diz respeito à aplicação do § 3º do presente artigo, significa qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras “em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e...” e as palavras “...como consequência de tais acontecimentos” não figurassem da Seção A do artigo primeiro.(1967, p.1).

 

A fim de harmonizar com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, o legislador brasileiro promulgou a Lei nº. 9.474/1997, que conceitua o refugiado como todo indivíduo que:

 

I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social, ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Essa definição procura satisfazer a realidade presente, pois amplia o conceito de refugiado ao inserir, no art. 1º, inciso III, uma cláusula aberta que permite a atualização do instituto de acordo com ao momento. Assim, observa-se que a conceituação da Lei 9.474/97 é exemplificativa (numerus apertus).

Dessa forma, as razões do refúgio podem ser alteradas pelo regramento interno do país, que pode elencar causas que permitem a inclusão do indivíduo como refugiado. Com isso, a definição de refúgio não é estática e singular, visto que a partir da junção do plano universal (Estatuto de 51 e Protocolo de 67) e plano regional (Lei 9.474/97), procura-se alcançar o maior número de pessoas em deslocamento forçado.

 

1.2 CAUSAS DO REFÚGIO

A fim de garantir o direito a quem de fato necessita, a concessão de refúgio é condicionada a análise de elementos objetivos e subjetivos. A caracterização do refugiado é formada pelos elementos da perseguição, do bem fundado temor, ou justo temor, e a extraterritorialidade (JUBILUT, 2007).

A perseguição é qualquer ameaça à vida ou à liberdade, devendo ser auferida tanto por critérios objetivos quanto subjetivos. No âmbito do Direito Internacional, Hathaway (2005 apud SOARES, 2012, p. 62) expõe que:

 

Sempre que existir uma violação ou uma ameaça de violação aos direitos humanos considerados inderrogáveis pela sociedade internacional, tais como o direito à liberdade de crença, à integridade física e psíquica e à saúde, por exemplo, ou seja, aqueles direitos protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e pelos Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, estará presente a “perseguição”.

O elemento do temor varia segundo a pessoa, por isso, é inserido no pressuposto subjetivo do refúgio. O terceiro elemento é a extraterritorialidade, pois, a fim de legitimar o refúgio, é preciso que o requerente esteja fora de seu país de origem. Além dos elementos para configuração do refúgio, deve-se analisar seus motivos, expostos pelo Estatuto de 1951 e pelo Protocolo de 1967, quais sejam, a raça, religião, nacionalidade, filiação a grupos sociais e as opiniões políticas.

Raça, no conceito biológico, é definida como populações de mesma espécie que são diferenciadas por certas características. Essa concepção é utilizada sobre todos os seres vivos estudados pela biologia, incluindo os humanos. Segundo os ensinamentos de Jubilut (2007, p. 115), há três raças primárias de humanos: negra, branca e amarela, delas surgem raças derivadas, geralmente chamadas de etnias.

Em que pese inexistir diferença hierárquica entre as raças, ao longo do tempo, alguns indivíduos, de forma temerária, afirmavam ser superiores em razão da sua cor de pele. A partir desse pressuposto, surge a figura do racismo, que é um dos principais motivos de conflitos internos e internacionais.

Diante dessa triste realidade, determinou-se que a perseguição motivada pela raça é causa suficiente para reconhecer o status de refugiado. Aqui, cuida-se de uma razão básica, prevista pelos dispositivos internacionais (Estatuto de 1951 e Protocolo de 1967), que não pode ser alterada pelos regramentos nacionais, a não ser que seja para ampliar seu alcance.

Outro motivo para solicitação de refúgio é a religião. Relevante mecanismo de controle social, a religião está intimamente atrelada a diversos conflitos mundiais, regionais e locais, conceituada como “um fenômeno, na maioria das vezes coletivo, fundado na fé, em algo metafísico e que ajuda indivíduos que possuem esta crença na organização de suas vidas, a partir de princípios éticos que devem ser seguidos” (JUBILUT, 2007, p. 129).

Além desses, a perseguição por causa da nacionalidade também fundamenta a concessão do refúgio. A nacionalidade é o vínculo jurídico e político que une o indivíduo ao Estado (nacionalidade no sentido de cidadania), bem como pessoas que pertencem a um mesmo grupo linguístico ou ético (SOARES, 2012).

Segundo Lucci, Branco e Mendonça (2010, p. 301), nação é:

Um conjunto de pessoas que têm em comum o passado histórico, a língua, os costumes, determinados valores sociais, culturais e morais e, em alguns casos, a religião. Tudo isso confere à nação uma identidade cultural, uma consciência nacional, contribuindo, dessa forma, para que os seus indivíduos compartilhem determinadas aspirações, como, por exemplo, o desejo de permanecerem unidos, de se promoverem em termos sociais e econômicos e de preservarem sua identidade nacional.

Atualmente, é comum observar conflitos étnico-nacionalistas em países da África, Oriente Médio e leste europeu, geralmente relacionados a movimentos separatistas, onde o Estado toma medidas prejudiciais a uma minoria, com o intuito de forçá-los a sair do território.

Ademais, o pertencimento a certo grupo social é outro fator que motiva o sujeito a solicitar refúgio. A definição de grupo social é complexa e propositalmente imprecisa, pois este motivo deve ser aplicado apenas de forma subsidiária, quando o pleiteante de refúgio não se encaixar em nenhum outro critério de refúgio encontrado na legislação (JUBILUT, 2007).

Conforme o Estatuto de 1951, o último motivo que fundamenta a solicitação de refúgio é a perseguição política. Neste sentido, a simples demonstração que o indivíduo tem opinião política oposta ao do governo de seu país não justifica o pedido, sendo necessário comprovar o real o temor de perseguição.

 

1.3 DIFERENÇA ENTRE REFÚGIO E OUTROS INSTITUTOS

Alguns institutos, por vezes, são equiparados ao refúgio. Dessa forma, a fim obstar confusões, é relevante fazer distinções entre refúgio, asilo político, refúgio natural e deslocamento interno.

O asilo político busca tutelar a pessoa na qual a dignidade, liberdade ou vida são ameaçadas por representantes de outro Estado, em decorrência de perseguições de cunho político. Segundo os ensinamentos de Francisco Rezek, o asilo político é caracterizado:

Onde o objeto da afronta não é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático (REZEK, 2006 apud PORTELA, 2013, p. 359).

Dentre os tipos de asilo políticos, os de maior destaque são o territorial e o diplomático. O asilo territorial, externo ou internacional, é caracterizado pelo “recebimento de estrangeiro, em território nacional, para o fim de preservar a sua liberdade ou a sua vida, colocadas em grave risco no seu país de origem dado o desdobramento de convulsões sociais ou políticas” (MAZZUOLI, 2012, p. 753).

O diplomático, extraterritorial, interno, internacional ou político, é uma “modalidade provisória e precária do asilo político stricto sensu [territorial], nascido de um costume emergido do contexto regional latino-americano no século XIX” (MAZZUOLI, 2012, p. 756). Neste tipo de asilo, o indivíduo continua dentro do território do Estado perseguidor, abrigado em repartições consulares, embaixadas, representações diplomáticas do país concedente.

O asilado é conceituado como criminoso político pelo país perseguidor, já o refugiado procura proteção de um país, fundado no temor de perseguição por causa da raça, opinião política, nacionalidade, religião e grupo social, essa é uma das principais distinções entre os institutos.

Ademais, a concessão de asilo é um ato discricionário, justificado pelos critérios da oportunidade e conveniência. O principal dispositivo, no âmbito internacional, acerca do asilo, é a Convenção sobre Asilo Territorial, assinada em Caracas no dia 28 de março de 1954. Já o refúgio é um ato vinculado, previsto no Estatuto de 51, Protocolo de 67 e legislação nacional.

No Brasil, os institutos são regulados por Leis diversas. O asilo é previsto na Constituição de 1988 e pelo Estatuto do Estrangeiro (art. 28 e ss. da Lei nº. 6.815, de 19 de agosto de 1980 - Estatuto do Estrangeiro), ao passo que o refúgio é disciplinado pela Lei nº. 9.474/97.

Importante também discernir refúgio de “refugiados naturais”, estes não são expressamente abarcados na definição de refúgio do Estatuto de 51, Protocolo de 67 e na Lei nacional.

Os naturais são aqueles que saem do país de origem em decorrência de desastres ambientais, como terremotos, tsunamis, furacões, erupções. Impulsionados pelas consequências do aquecimento global, o número de refugiados ambientais aumenta a cada ano, motivo pelo qual legislações internacionais e locais necessitam de atualização.

Outro instituto a ser diferenciado é o dos deslocados internos, neste, inexiste a figura da extraterritorialidade, requisito indispensável para o refúgio. Essas pessoas são deslocadas dentro de seu próprio país, pelos mesmos motivos de um refugiado. Conforme dados da ACNUR, em 2016, o país com maior número de deslocados internos era a Colômbia, com 7,4 milhões de pessoas.

 

1.4 REFÚGIO NO BRASIL

A partir da ratificação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967, o Brasil teve relevante papel na acolhida de refugiados, visto que a retirada das limitações geográficas previstas pelo Estatuto de 51 fez com que o país recebesse pessoas oriundas dos diversos continentes, não apenas da Europa.

Em 1989, o Brasil confrontou os limites geográficos presentes na legislação internacional e reconheceu como refugiado pessoas advindas de qualquer local. Destaca-se a importância desse ato, visto que países latinos, como o Chile, passavam por um período ditatorial.

Ademais, no ano de 1990, o Brasil eliminou as vedações impostas aos artigos 15 e 17 do Estatuto dos Refugiados, referente aos direitos de associação e ao emprego remunerado (Decreto nº. 99.757, de 03 de dezembro de 1990).

Marco na proteção de refugiados pelo Estado brasileiro, a Lei nº. 9.474/97, definiu os mecanismos para a implementação do Estatuto de 1951, consolidando entendimentos avançados à época, servindo de modelo para outros países.

Esse foi o primeiro dispositivo nacional a mencionar expressamente a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (art. 48). Além disso, expandiu o conceito de refugiado, contemplando pessoas que devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, são obrigadas a deixar seu país de nacionalidade e buscar refúgio em outro país (art. 1º, III, da Lei n°. 9.474/97).

A lei também determinou a criação do Comitê Nacional para os Refugiados- CONARE (arts. 11, da Lei n°. 9.474/97) e regulamentou o procedimento para solicitação do refúgio (arts. 17 e ss, da Lei n°. 9.474/97).

Conforme dados extraídos do slide Refúgio em Números, elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça, apenas em 2017 o Brasil recebeu um total de 33.886 solicitações de reconhecimento a condição de refugiado. 53% delas (o que corresponde a 17.865) são provenientes da Venezuela, o que reflete a grave crise na qual se encontra o País. 

Desse voluptuoso número de solicitações, apenas 587 foram deferidas. O número total compreende a soma de 431 refugiados reconhecidos com 156 pedidos de extensão dos efeitos da condição de refugiado.

Ponto fundamental na história democrática nacional, a Constituição Federal de 1988, mesmo não mencionando expressamente o refúgio, traz princípios e regras perfeitamente aplicáveis ao instituto, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), a ser estudado nos próximos capítulos desta pesquisa.

 


2 PROTEÇÃO INTERNACIONAL AOS REFUGIADOS

No âmbito internacional, a preocupação com a situação dos refugiados tem gerado discussões em todos os setores da sociedade, de modo que hoje existe um sistema jurídico de proteção firmado em legislação positivada com fundamento em princípios que norteiam a interpretação e aplicação das regras.

Na esfera global, o instrumento que inaugurou o sistema de proteção foi a Convenção das Nações Unidas de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados. Foi formalmente adotada para resolver a situação dos refugiados na Europa após a Segunda Guerra Mundial.

Além de estabelecer um conceito formal para definir quem são refugiados, seus direitos e deveres na relação com o país recebedor, a Convenção também estipulou padrões básicos para o tratamento de refugiados nos países acolhedores. Tais padrões, no entanto, não retiram dos Estados o poder de desenvolver esse tratamento em seus respectivos ordenamentos jurídicos.

Posteriormente, como mencionado no capítulo anterior, o Protocolo de 1967 trouxe importantes alterações ao sistema de proteção, atualizou e ampliou o conceito de pessoa em situação de refúgio.

Na América Latina, a questão emerge com a Declaração de Cartagena de 1984; a Conferência de São José de 1994, sobre refugiados e pessoas deslocadas; assim como a Conferência Internacional sobre Refugiados Centro-Americanos (CIREFCA).

Vale ressaltar que todos os instrumentos internacionais citados possuem alicerce na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Portanto, é correto afirmar que a evolução das normas de proteção aos refugiados está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. (FREITAS; RIGOLDI, 2018, p. 4).

 

2.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS

 

A partir do texto do Tratado citado, é possível extrair uma gama de princípios informativos da proteção aos refugiados, dentre os quais destaca-se o princípio da não devolução – ou non refoulement - como o alicerce de toda a estrutura, haja vista que a não observância do mesmo poderia comprometer toda a estrutura de proteção internacional aos refugiados.

Previsto no artigo 33 da Convenção de 1951, visa garantir que o indivíduo não seja devolvido ao país que deu origem a essa condição, ou a qualquer outro onde possa sofrer ameaças à sua vida e liberdade em virtude da sua raça, religião, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

Nesse seguimento, encontra-se o princípio in dubio pro refugiado, o qual dispõe que em caso de dúvida acerca da perseguição ou violação de direitos humanos do indivíduo, decidir-se-á sempre em favor do solicitante de refúgio. (SAADEH; EGUCHI, 1998, p.25).

O princípio da unidade da família emerge como uma extensão a proteção conferida a esta instituição em diversos instrumentos jurídicos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ademais, o Estatuto do Refugiado recomenda a manutenção do núcleo familiar e a proteção aos menores. Vale ressaltar que o princípio visa garantir os laços entre os membros da unidade familiar, como forma de manter o equilíbrio nessa situação peculiar e aterradora.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz também o princípio da proteção internacional da pessoa humana, o qual garante a todos o direito às suas liberdades fundamentais.

Em complemento a este, tem-se o primado da cooperação e solidariedade internacional, segundo o qual “o dever de proteção da pessoa humana, visando dar solução, em perspectiva multilateral e mediante comunhão de esforços dos Estados pertencentes à sociedade internacional” à questão dos refugiados. (PEREIRA, 2009,p. 67). Também conhecido como princípio do compartilhamento, a norma consiste em:

[...]uma forma de cooperação internacional, de modo que todos compartilhem o ônus gerado por significativos fluxos de refugiados, principalmente em países subdesenvolvidos, objetivando proporcionalmente melhores condições e consequentemente o respeito pelos direitos humanos (FREITAS; RIGOLDI, 2018, p. 8).

 

A boa-fé configura-se um princípio essencial para que os Estados signatários do Estatuto possam concretiza-lo com máxima efetividade, cumprindo o compromisso firmado sem desvios. Dessa maneira, a boa-fé manifesta-se crucial “para a segurança das relações jurídicas e bem-estar da sociedade internacional, e para que haja o cumprimento harmonioso das normas acordadas internacionalmente. ” (PEREIRA, 2009, p. 69).

Em sequência, tem-se o princípio da supremacia do direito de refúgio, positivado no art. 1º da Convenção sobre Asilo Territorial de 1954, o qual estabelece “que a concessão de asilo ou o reconhecimento do refúgio não podem ser compreendidos pelo Estado de origem do asilado/refugiado como um ato de ofensa ou de estremecimento das relações diplomáticas entre este e o Estado de acolhida. ” (PEREIRA, 2009, p. 69).

Por fim, o artigo 3º da Convenção de 1951 estabelece o princípio da não discriminação, com a finalidade de proteger os refugiados contra qualquer tipo de exclusão no país acolhedor.

Para o real cumprimento desses postulados é necessário que os Estados desenvolvam efetivas políticas públicas de acolhida aos refugiados que os possibilitem abrigo e condições dignas de trabalho, de modo que possam ser inseridos na sociedade e não sejam marginalizados.

Faz-se necessário ainda uma ampla ação educativa voltada para a população nativa com a finalidade de instruir as pessoas acerca da situação singular e não desejada na qual se encontram os indivíduos em situação de refúgio. Infelizmente, a ignorância acaba gerando ondas de ódio e discriminação contra as pessoas que buscam abrigo.

 

2.2 DIREITOS SOCIAIS E TRABALHO COMO GARANTIA DA DIGNIDADE HUMANA

A Constituição Federal trouxe incluído em seu título denominado Dos Direitos e Garantias Fundamentais os direitos sociais, pela primeira vez de forma conjunta e não de forma diluída em meio aos dispositivos que versam sobre a ordem social e econômica, como fizeram as Cartas anteriores.

Isso conferiu mais força às ações destinadas a promover sua concretização, haja vista que agora eles fazem parte do rol de direitos fundamentais sobrelevado pela Constituição.

Segundo Gilmar Mendes e Paulo Branco (2015, p. 157), a partir da teoria dos quatro status de Jellineck, pode-se extrair três espécies de direitos fundamentais: direitos de defesa, direitos à prestação e direitos de participação. Os primeiros são os utilizados pelo indivíduo face ao Estado, têm caráter negativo (pressupõem uma abstenção do Estado).

Os segundos estão ligados à igualdade material e tem caráter positivo (requerem uma ação do Estado). Os terceiros garantem a participação do indivíduo na vida política, têm caráter positivo e negativo ao mesmo tempo.

Os direitos sociais identificam-se como direitos prestacionais em sentido estrito, pois demandam uma prestação material do Estado, uma atuação positiva, com vistas a atenuar as desigualdades de fato que existem na sociedade.

Conforme ensinam os autores, “os direitos fundamentais contêm, além de uma proibição de intervenção, um postulado de proteção” (2015, p.631). Assim, diz-se que não há apenas uma proibição de excesso, mas também uma proibição de proteção insuficiente.

Nesse sentido, pode-se afirmar, principalmente no âmbito dos direitos sociais, que o Estado tem o dever de tomar todas as providências necessárias para que seja garantida a efetividade dos direitos fundamentais. É nesse quadro que se insere o direito do trabalho: um direito social fundamental que demanda a atuação do Estado, o qual está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana.

A própria Constituição elegeu o trabalho como um de seus fundamentos, ao lado da livre iniciativa e da dignidade humana. Além disso, a erradicação das desigualdades e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária constituem seus objetivos.

É nesse sentido que Ledur (1998, p. 86) afirma que só é possível consolidar a dignidade da pessoa humana se a pessoa for livre e possuir meios materiais para garantir a própria existência. Conforme elucida Maurício Godinho Delgado (2007, p. 26):

Tudo isso significa que a ideia de dignidade não se reduz, hoje, a uma dimensão estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao contrário, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é também, ao lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano. A dignidade da pessoa física, pois, lesada, caso ela se encontre em uma situação de completa privação de instrumentos de mínima afirmação social. Na medida dessa afirmação social é que desponta o trabalho, notadamente o trabalho regulado, em sua modalidade mais elaborada, o emprego.

E continua:

A valorização do trabalho está repetidamente enfatizada pela Carta Constitucional de 1988. Desde seu “Preâmbulo” essa afirmação desponta.

Demarca-se, de modo irreversível, no anúncio dos “Princípios Fundamentais” da República Federativa do Brasil e da própria Constituição (Título I). Especifica-se, de maneira didática, ao tratar dos “direitos sociais” (art. 6º e 7º)

– quem sabe para repelir a tendência abstracionista e excludente da cultura juspolítica do País. Concretiza-se, por fim, no plano da Economia e da Sociedade, ao buscar reger a “Ordem Econômica e Financeira” (Título VII), com seus “Princípios Gerais da Atividade Econômica” (art. 170), ao lado da “Ordem Social” (Título VIII) e sua “Disposição Geral” (art. 193). A Constituição não quer deixar dúvidas, pois conhece, há séculos, os olhos e ouvidos excludentes das elites políticas, econômicas e sociais brasileiras: o trabalho traduz-se em princípio, fundamento, valor e direito social (DELGADO, 2007, p. 16).

 

Portanto, é seguro afirmar que é dever do Estado oferecer condições mínimas para que os refugiados possam ingressar no mercado de trabalho e exercer suas atividades laborais legalmente. Essa atuação estatal deve buscar garantir a eles os meios para a reconstrução de uma vida digna, haja vista a atmosfera de exclusão que os cerca desde a entrada (muitas vezes irregular) em outro país. Conforme corrobora Gustavo Henrique Paschoal (2012, p. 113):

 

Para este estrangeiro, que se encontra em um país, não raras vezes desconhecido, em condições especiais, ou seja, fugindo de sua pátria por temer a perda de sua própria vida ou a de seus familiares por razões as mais variadas possíveis, num ambiente estranho, cercado por pessoas estranhas, que sequer falam sua língua, o trabalho é de suma importância para que este indivíduo possa adaptar-se, ainda que temporariamente, ao local em que, forçadamente, passou a viver. O trabalho, certamente, auxiliaria o refugiado a superar (ou tentar superar) as dores da perseguição sofrida, bem como as saudades de casa, além de colaborar no processo de adaptação ao ambiente, conhecendo novas pessoas e fazendo novos amigos.

 

É neste contexto que a expressão do senso comum “o trabalho dignifica o homem” ganha um significado, mais forte e impactante, como uma verdade global. Ora, o trabalho não garante apenas o sustento das famílias, mas também se constitui como um instrumento de integração social ao conferir ao trabalhador uma posição importante na estrutura da sociedade. Além disso, é fato que o trabalho é uma forma de realização pessoal.

 

2.3 DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO

 

Atrelado à temática deste trabalho, como meio de estudo e desenvolvimento da proteção internacional ao trabalho em geral, e em especial dos migrantes, está o Direito Internacional do Trabalho (DIT). O DIT é um ramo das ciências jurídicas que decorre naturalmente do Direito Internacional Público cujo objeto é a proteção dos trabalhadores migrantes, principalmente no que concerne às garantias trabalhistas adquiridas no País de origem. Segundo Portela (2013), consiste em um ramo do direito que visa estabelecer padrões internacionais mínimos nas relações trabalhistas.

O fundamento da existência do DIT apoia-se sobre motivos de ordem econômica, de caráter técnico e de índole social. Atualmente, o último ganha mais destaque, “já que o trabalhador passou a ser concebido com fulcro na dignidade da pessoa humana e na universalização dos princípios de justiça social, fundamentos primordiais para a atual definição de Estado Democrático de Direito” (MEDEIROS, 2016, p. 55).

No que tange às razões de caráter econômico, necessário mencionar a prática

– conhecida como dumping social - de introduzir produtos de um país no mercado de outro país, por um valor abaixo do normal. São práticas abusivas em que os Estados que não cumprem (ou não possuem) as normas trabalhistas têm condições de expor no mercado produtos por um menor preço, em detrimento dos produtos provenientes de países atendem respeitam os direitos trabalhistas de forma a garantir dignidade aos seus trabalhadores.

 

O dumping social consiste na redução dos preços de bens e de serviços por conta da prática de padrões trabalhistas inferiores aos internacionais, ou seja, da produção de mercadorias em condições de trabalho prejudiciais à dignidade humana e que contribuem para a redução dos custos de produção e, por conseguinte, do preço final dos produtos, permitindo que estes ganhem mercado […] O tratamento da matéria deve ser feito à luz da necessidade de evitar que o combate ao dumping social mascare o protecionismo de Estados que, na realidade, estejam enfrentando problemas com a competitividade de suas exportações no mercado internacional. (PORTELA, 2013, p. 508-509).

 

Nesse contexto, os países que possuem uma legislação mais garantista acabam sem ter condições de competir igualmente no mercado com os produtos de países que possuem “mão de obra barata”. Corrobora Mazzuoli (2012, p. 1010):

 

Em outras palavras, a alegação dos países desenvolvidos é a que de seu mercado “sofre” com a competitividade desleal de produtos mais baratos provenientes de países que mal remuneram seus trabalhadores e não lhes asseguram um mínimo de direitos sociais, fato que faz com o que os produtos dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento vendam mais que aqueles dos países mais ricos. A tal prática convencionou-se chamar de dumping social, que seria ocasionado pela violação de direitos fundamentais no trabalho e que estaria a explicar o porquê de determinados países conseguirem produzir certo produto a um preço bem inferior do que outro (industrializado e desenvolvido) conseguiria, caso respeitasse todas as normas trabalhistas (nacionais e internacionais) que ali se encontram em vigor.

Daí a necessidade de existirem padrões internacionais mínimos que garantam a efetividade do princípio da dignidade humana, os quais podem constar de tratados em matéria comercial que vinculam o desenvolvimento do comércio internacional entre suas partes ao respeito aos padrões mencionados. Caso necessário, o instrumento pode prever a aplicação de sanções comerciais em geral aos países que desrespeitarem os padrões definidos no tratado.

O terceiro alicerce do DIT refere-se ao caráter técnico, que positivam as normas desse ramo do direito em tratados e convenções, “promovendo a justiça social entre as nações de forma equitativa e de modo que seja eliminada a concorrência desleal” (MEDEIROS, 2016, p. 57). A elaboração desses instrumentos fica a cargo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), instituição permanente e autônoma com personalidade jurídica de Direito Internacional Público.

A OIT tem sede na Suíça e foi instituída pelo Tratado de Versalhes após a Primeira Guerra Mundial em 1919, atualmente constitui um organismo da ONU. O principal objetivo da Organização é estabelecer padrões internacionais mínimos para as relações trabalhistas e garantir melhores condições de trabalho em todo o mundo.

No que tange à sua organização interna, a OIT possui como grande diferencial o seu caráter tripartite formado pela presença dos três principais atores sociais interessados nas relações laborais: os Estados, entidades representativas dos trabalhadores e entidades representativas dos empregadores. Os mesmos formam os principais órgãos da Instituição, quais sejam: Conferência Internacional do Trabalho, Conselho de Administração e Repartição Internacional do Trabalho.

A OIT segue princípios, alguns deles instituídos por meio da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, elaborada pelos Estados- membros. Entre os princípios destacam-se: liberdade sindical; eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; eliminação de discriminação em matéria de emprego e ocupação.

No que concerne ao tema central do presente estudo, a Convenção nº 97 da OIT traz em seu art. 11 o dever do País acolhedor de buscar meios para assegurar que os refugiados obtenham um emprego conveniente e em condições dignas, de modo que não prejudique os trabalhadores nacionais. Segue o dispositivo na íntegra:

Artigo 11

Se um trabalhador migrante possuindo a qualidade de refugiado ou de pessoa deslocada está excedentário num emprego qualquer no território de imigração onde tenha entrado em conformidade com o artigo 3.º do presente anexo, a autoridade competente deste território deverá fazer todos os esforços para o pôr em posição de obter um emprego conveniente que não prejudique os trabalhadores nacionais e tomará medidas para assegurar a sua manutenção, aguardando a sua colocação num emprego conveniente ou a sua reinstalação noutro local.

Outro importante instrumento da OIT na proteção aos refugiados é o art. 10 da Convenção nº 118, sobre igualdade de tratamento dos nacionais e não nacionais em matéria de previdência social. Segundo o dispositivo citado, todas as disposições da Convenção devem ser aplicadas aos refugiados e aos apátridas sem condição de reciprocidade.

A partir do estudo das noções e premissas básicas atinentes ao Direito Internacional do Trabalho, que, através de uma interpretação extensiva e atual, tem como objetivo a proteção aos direitos trabalhistas dos trabalhadores refugiados, cabe agora adentrar na análise de como se dá essa proteção no âmbito nacional.


3 DIREITO DO TRABALHO DOS REFUGIADOS NO BRASIL

3.1 LEGISLAÇÃO PROTETIVA NACIONAL

No que se refere ao Brasil, podemos notar uma ampla legislação tratando do tema refugiados, com boa carga principiológica. De fato, nota-se uma preocupação, inclusive recente, em tratar do tema no País, diante de uma situação nova vivida e almejando adequação às tendências internacionais e à própria legislação brasileira prévia, em especial a Constituição Federal de 1988.

O trabalho de acolhimento dos refugiados no Brasil passa muito pelas mãos de grupos particulares, ligados, por exemplo, a instituições religiosas. No entanto, há também a participação de órgãos públicos, em especial o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), criado por lei e que conta com a participação de órgãos governamentais e da sociedade civil, todos com direito a voto.

Há também a atuação do ACNUR, completando uma estrutura tripartite refletida no CONARE que reúne estes atores envolvidos com refugiados no Brasil. As atribuições do comitê envolvem, conforme dispõe a lei 9.474/1997, julgar os pedidos de refúgio em primeira instância; determinar a perda e cessação da condição de refugiado; contribuindo também com orientações e coordenando ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados.

Este trabalho de acolhimento com base em legislação protetiva é, de fato, recente. No entanto, observa-se que, em meio ao regime militar brasileiro da década de 1970, já existiam iniciativas de destaque e que envolviam o trabalho tanto da ACNUR quanto de instituições como as Cáritas, na época ligadas à Igreja Católica. (MOREIRA, p. 15).

O trabalho se intensificou com o processo de redemocratização. Na verdade, ele foi facilitado pela própria política interna e externa desenvolvida a partir daí: tendo como objetivo inserção nos regimes internacionais e mudança da percepção dos demais países acerca de quem seria o Brasil após a retomada da democracia, este passou a engajar-se em questões que envolviam direitos humanos e a proteção da dignidade, abrindo mão de parte de sua soberania em prol da defesa da pessoa.

Essa nova posição verificou-se na assinatura dos Pactos de 1966 relativos a direitos civis e políticos, no ingresso no Tradado de Não Proliferação Nuclear, mas também em adequação de sua legislação interna aos novos objetivos. Como destaque, temos a proteção conferida pela Constituição de 1988 e o estatuto dos refugiados, previsto como lei a ser aprovada em curto prazo pelo Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996.

No que tange a trabalho, já destacado como importante forma de integração do refugiado e de promoção de sua dignidade, observamos desde logo o disposto no art. 5º, caput, da CF:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade-, à igualdade, à segurança e à propriedade[...].

Ademais, em artigo anterior, esta pugna pelo valor do trabalho enquanto fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV), sendo ainda mais assertiva ao incluir em seu rol de direitos fundamentais o direito ao trabalho (art. 6º, caput) e ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XII). Em todos estes casos, não estão excluídos os estrangeiros e, em especial, os refugiados.

Aliás, é como determina a Convenção de Genebra de 1951, em seus artigos 17, 18 e 19, ratificada pelo Brasil, ao impor aos seus signatários o dever de tratamento igualitário aos refugiados no que se refere ao trabalho.

A Convenção 97 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assegura o mesmo tratamento a trabalhadores brasileiros e estrangeiros residentes no país, também esta ratificada pelo Brasil.

Como referenciado, temos além da Carta Magna o Estatuto dos Refugiados como meio de proteção e de definição de políticas públicas, direitos e deveres dos mesmos. Trata-se da Lei nº 9.474, de julho de 1997, que trouxe a definição do termo refugiado, transcrito em seguida:

 

Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

 

Nota-se que o conceito da lei brasileira é mais amplo e, portanto, protetivo que o adotado pela Convenção da ONU Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e que cunhou o termo refugiado como aquele que possui fundado temor de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas. Adentra-se, pois, na seara de proteção daqueles que são obrigados a deixar seu país de nacionalidade por conta de grave e generalizada violação de direitos humanos.

Ainda se nota, segundo o apontado por Moreira (2014, p. 93), que o marco jurídico em questão:

Foi visto como inovador, de vanguarda, avançando sobretudo ao incluir a definição ampliada dada pela Declaração de Cartagena de 1984 (instrumento regional aplicado na América Latina), reconhecendo como refugiados pessoas que fugiram de seus países em decorrência de graves violações de direitos humanos. Outro ponto de contribuição se referia à composição do CONARE, que abarcava a participação de atores da sociedade civil com direito a voto.

O Brasil já contava, então, com importante legislação protetiva, o que foi ainda complementado por ocasião da promulgação da lei de nº 13.445, no ano de 2017, que, apesar do teor mais geral – ao se referir como relativa ao migrante em sua totalidade -, reforça o já previsto nas leis anteriores ao buscar tratar o migrante não como um invasor ou “fugitivo”, passível de atenção redobrada para garantia da segurança nacional, mas como sujeito de direitos.

Atentas à questão trabalhista, essas leis também buscam assegurar a prática laboral, ao estipular, a exemplo do art. 6º, que “O refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem”.

Bem como ao assegurar que:

Art. 43. No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e consulares.

Art. 44. O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos para a obtenção da condição de residente e o ingresso em instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação desfavorável vivenciada pelos refugiados.

 

As leis são enfáticas ao determinar a possibilidade e a importância do trabalho para integrar e garantir dignidade aos que aqui buscam refúgio. Isso se torna ainda mais claro como princípio ao observar o disposto na lei de migração, verbis:

 

Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

[...]

X - inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas;

XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;

XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante.

 

De fato, deve ser lembrado, como apresentou Paschoal, que em um ambiente como o encontrado pelo refugiado, repleto de pessoas estranhas e que, por muitas vezes nem falam a sua língua, asseverado em razão da pressão psicológica e econômica vivida por este

O trabalho, certamente, auxiliaria o refugiado a superar (ou tentar superar) as dores da perseguição sofrida, bem como as saudades de casa, além de colaborar no processo de adaptação ao ambiente, conhecendo novas pessoas e fazendo novos amigos. (apud DINALI, 2013, p. 10).

 

3.2 CHOQUE DE REALIDADE

 

Ocorre que, apesar da ampla legislação protetiva, são constantes as denúncias de trabalhadores estrangeiros que, especialmente por não conhecerem a língua, as leis e os costumes do país, se veem explorados e enganados, à revelia da proposta de integração. Muitos acabam, desta maneira, em trabalhos semelhantes ao escravo em fábricas de tecidos e de alimentos.

Oferecer trabalho nestas condições não significa acolhimento, diante do que foi apresentado, mas verdadeiro aproveitamento diante da situação degradante que o refugiado vive.

A estas se somaram denúncias de dificuldades em se conseguir trabalho por conta da antiga referência na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) fazer constar o termo “refugiado”, agora substituído por “Estrangeiro com base na Lei n° 9.474 de 22/07/1997” ou “Estrangeiro com base no Art. 21, §1º da Lei nº. 9.474 de 22/07/1997”, este para o caso dos solicitantes de refúgio. (DINALI, p. 12, 2013).

Além disso, segundo aponta Veras Júnior (2016, p.37):

Apesar da Lei para refúgio ser considerada avançada, ao chegar no Brasil, o(a) recém-chegado(a) precisa seguir uma série de procedimentos para conseguir ser reconhecido(a) pelo Estado nacional brasileiro como “refugiado”. A solicitação de refúgio deve ser feita pelo Departamento da Polícia Federal, que encaminha o pedido para o CONARE. Esse comitê do Ministério da Justiça e Cidadania entra em contato com o solicitante marcando uma entrevista, que pode demorar até um ano para acontecer. No entanto, as informações a respeito desses passos burocráticos não chegam de forma imediata para a população refugiada que ao entrar no país, geralmente, de deparam com a falta de representantes de instituições públicas que possam orientá-la.

O processo descrito é necessário para que o refugiado obtenha o reconhecimento de sua condição no Brasil e, assim, consiga a emissão de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), de forma que possa usufruir de direitos trabalhistas nas mesmas condições dos demais trabalhadores, previstas na lei do trabalho.

Segundo aponta a mesma autora, o mesmo se deu por conta do desconhecimento por parte dos contratantes da condição do refugiado, somado à concepção equivocada de que seria um fugitivo de suas reponsabilidades ou por conta de algum crime cometido em seu país de origem. Diante disso, o Brasil acaba sendo muitas vezes apenas um país de passagem ou caminho para outros países próximos. (VERAS JÚNIOR, 2016, p. 38).

O desconhecimento e o preconceito, no entanto, ainda não acabaram e tendem a se intensificar em períodos de maiores dificuldades no país de recebimento do migrante, sendo aferido em várias matérias jornalísticas publicadas diariamente e que atestam um cenário de pouca receptividade e acolhimento.

A exemplo disso, fato ocorrido no ano de 2018, tendas de refugiados venezuelanos foram atacadas por um grupo de brasileiros no estado de Roraima, após o crescimento da violência e da ocupação no mesmo estado.1 A exploração também é verificada no mesmo estado, que tem atraído muitos refugiados em razão de sua proximidade à Venezuela, que vive grave crise econômica, havendo uma situação específica em que migrantes trabalham seis dias por semana por R$ 300,00 trezentos reais) mensais, tendo consciência de que estão sendo explorados, mas também de que a situação de rua anteriormente enfrentada é ainda pior.2

 

 

Os relatos apresentam pagamento de salário abaixo do mínimo, longas jornadas, somados a ambientes de exploração infantil e exploração sexual. Com base em dados obtidos por pesquisa sobre Condições de Vida da População Refugiada no Brasil, somente 56,4% dos refugiados residentes em São Paulo e Rio de Janeiro no ano de 2007 estavam trabalhando, sendo que apenas 32,8% tinham carteira de trabalho assinada pelo empregador. (MOREIRA. 2014, p. 94).

Diante de tudo isso, revela-se a importância tanto de uma conscientização quanto de uma promoção de atividades visando incluir os refugiados e garantir de fato a preservação de sua dignidade. A conscientização deve ser tanto do refugiado quanto do nacional, enquanto as ações devem passar pela garantia de justiça e acesso ao trabalho.

 

3.3 AS AÇÕES INCLUSIVAS E DESAFIOS

 

Conforme afirma Saadeh, citado por Dilani, a Convenção de 1951 preceitua em seu artigo 16 que os refugiados possuem o “direito de ter acesso à justiça e gozar, assim como os nacionais e desde que preenchidos requisitos comuns, do direito à assistência judiciária e à isenção de custas”. (2013, pp. 13-14). Assim, verifica-se a possibilidade de o migrante recorrer ao poder judiciário para auferir seus direitos previstos na legislação, bem como deste poder ser livrado de situações de exploração por ação do Ministério Público do Trabalho.

Quanto a esse acesso à justiça, note-se que, assim como ocorre com o nacional, ainda que a atividade laboral seja exercida de maneira informal, sem CTPS ou mesmo sem documento que comprove o status de refugiado do migrante – ou ainda quando este não conseguiu ainda ou pediu o reconhecimento deste status -, o trabalho efetivamente prestado deve ser acobertado pela legislação, sendo ao refugiado garantido acesso ao valor devido segundo a legislação trabalhista nacional.

 

Também para buscar garantir um acesso à justiça a estas pessoas, que se podem reputar necessitadas diante de sua situação, há a atuação de grupos em faculdades de Direito em todo o país, responsáveis pela devida assistência aos refugiados, que também pode ser prestada por advogados. Anote-se, no entanto, que tendo os mesmos direitos trabalhistas dos nacionais, os refugiados também podem ingressar em juízo por meio de reclamação trabalhista e fazer sua defesa por conta própria, valendo-se do instituto do jus postulandi, nos termos dos art. 651 c/c 839, alínea “a” da CLT.

 

Entre as ações que buscam ajudar os refugiados em sua inserção, ganham destaque tanto as perpetradas pelo governo quanto aquelas organizadas por particulares.

Podem ser citadas algumas cartilhas informativas criadas, como a “Cartilha de Direitos Trabalhistas para refugiados no Brasil”, publicada pela ACNUR em 2015 e iniciativas mais antigas do Ministério do Trabalho e Emprego, como o “Guia do Trabalho Decente aos Estrangeiros”, do ano de 2010, e a cartilha “Como trabalhar nos países do Mercosul”, do ano de 2005. (DINALI, p.17). As iniciativas informam àqueles refugiados que já obtiveram o reconhecimento de sua condição no país alguns de seus direitos trabalhistas básicos, além de como proceder nos casos de violação desses mesmos direitos.

Enquanto isso, algumas instituições privadas também atuam na proteção dos refugiados, com apoio ou não do governo brasileiro. O ACNUR é uma das principais instituições que buscam fazê-lo, seja por meio da publicação de cartilhas informativas, como já assinalado, seja por atuação junto a ONGs, como as Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro (CARJ) e a de São Paulo (CASP).

O ACNUR atua no Brasil, conforme definido no Estatuto do Refugiado (lei 9.474/1997), junto ao Comitê do Ministério da Justiça (CONARE), órgão em que possui representação permanente. No caso das Cáritas, como aponta Veras Júnior (2016, p.39), estas promove[m] programas, como o “Centro de Acolhida a Refugiados”, objetivados na “integração do refugiado na comunidade para torná-lo autossuficiente economicamente”. Além disso, através da cooperação com instituições de ensino técnico e profissionalizante (SENAI, SESI, SEC, por exemplo), a Cáritas, e suas ramificações, desenvolve projetos a fim de capacitar refugiados (as) para as relações de trabalho brasileiras.

Outras instituições religiosas também contam com papel importante na luta por inserção de refugiados no mercado e na busca por direcioná-los a locais do país onde possam ser mais bem integrados, aliando-se a empresas de aviação e outras que possam acolher os migrantes em seus quadros, como as que vêm atuando em Roraima, com a chegada recente de venezuelanos, tornando difícil a convivência na cidade de Pacaraima e arredores.3

Apesar disso, diante da falta de integração de muitos dos migrantes e da crise vivida, se observa a grande opção destes pela criminalidade. Em Roraima, por exemplo, 65% dos crimes cometidos entre janeiro e agosto do ano de 2018 tinham por suspeitos venezuelanos, tendo sido 39 destes presos em flagrante ou indiciados.4 Com isso, pode se notar um amplo caminho a ser trilhado para colocar em prática o disposto na legislação nacional. Apesar de bastante protetiva, o conjunto de leis ainda enfrenta sérios gargalos a serem eliminados, desde a falta de recursos, passando pela burocracia na concessão de status de refugiado aos que o pedem e esbarrando no preconceito ainda demonstrado pelos cidadãos brasileiros e que tende a se estender diante da situação de crise vivida dentro e fora do território nacional.

Todos estes pontos são sérios entraves à integração destas pessoas que, como todas as demais, contam com proteção à sua dignidade, que passa pelo trabalho e pelo acolhimento, a ser desenvolvido.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

 A cargo de conclusão, cabe observar o grande desafio que se apresenta ao Brasil no que tange à recepção de grupos de refugiados de países diversos. Estes grupos enfrentam desde sempre a marginalização e, só recentemente, contam com legislação protetiva, que começa em âmbito internacional e tende a se estender para o nacional, apesar dos mandos e desmandos da soberania de cada país.

Ocorre que, no Brasil, já foi delimitada a importância da proteção de migrantes e refugiados e, em destaque, a possibilidade de sua integração. Para isso, o país já conta com legislação bastante desenvolvida, carregada de princípios e normas diretas que tendem a se preocupar com o bem-estar e a adaptação dos grupos que aqui se apresentam pelos motivos mais diversos.

Apesar disso, ainda há muitos desafios a serem enfrentados e gargalos a serem eliminados. A crise econômica, a falta de informação e a deficiência em alguns mecanismos de proteção dificultam a integração dos migrantes, em especial no que tange à possibilidade destes conseguirem um trabalho.

O trabalho, conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, é mais do que um direito social, sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e, como tal, deve estar em destaque na legislação protetiva, seja de nacionais ou de estrangeiros que aqui se estabeleceram. Caso especial é dos refugiados que, em situação de extrema penúria e sofrimento emocional, se encontram muitas vezes desamparados no país, sem poder se valer de qualquer currículo, língua ou instituição para manter sua vida e de seus familiares, em especial uma vida com dignidade.

Desta forma, as ações inclusivas perpetradas por organizações privadas e pelo ACNUR revelam-se de suma importância e contam com ainda mais possibilidades quando são realizadas em conjunto com o governo federal, como tem se mostrado na prática. Ações do Ministério Público do Trabalho, aliado ao trabalho do Poder Judiciário também se demonstram essenciais no processo de inclusão.

Todos esses pontos servem para reforçar o longo caminho a ser trilhado, com atuação de muitos grupos em conjunto e valendo-se de uma legislação hábil e protetiva. Cabe à vontade das autoridades e à população a disposição de pô-la em prática e fazer valer a dignidade para todos.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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ACNUR. Deslocados internos. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/deslocados-internos. Acesso em 29 jun. 2019.

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BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Diário Oficial da União de 23/07/1997, p. 15822. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9474.htm. Acesso em 25 jun. 2019.

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DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, nº. 2, 2007. Disponível em http://www.fdv.br/sisbib/index.php/direitosegarantias. Acesso em 25 jun. 2019.

DINALI, D.; RIBEIRO M. R. O Trabalho como direito fundamental e os Refugiados no Brasil. In: XXII Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós- graduação em Direito (CONPEDI). Direito do Trabalho I. São Paulo: FUNJAB, 2013, p. 402-424.

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FREITAS, Bruna T. de.; RIGOLDI, Vivianne. A Proteção dos Refugiados a Luz dos Princípios: non-refomulenment (não-devolução), solidariedade e compartilhamento. REGRAD, UNIVEM/Marília-SP, v. 11, n. 1, p 74-83, agosto de 2018. Disponível em: https://revista.univem.edu.br/REGRAD/article/view/2646/723. Acesso em 30 jun. 2019.

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Notas

1 Conforme apontado em reportagem do portal “Último Segundo”: “Refugiados venezuelanos são agredidos com bombas em Roraima”, disponível em https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2018-08- 18/refugiados-venezuelanos-agredidos-roraima.html.

2 Conforme apontado em reportagem do portal Folha de São Paulo: “A exploração dos trabalhadores venezuelanos em Roraima”, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/a- exploracao-dos-trabalhadores-venezuelanos-em-roraima.shtml.

3             Conforme                    relatado                  em          notícia               veiculada                    pelo            portal              “Globo”,                  disponível                     em https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/05/22/bilionario-se-muda-para-rr-e-ajuda-venezuelanos- que-chegam-ao-brasil-todo-dia-e-uma-licao.ghtml.

4            Conforme                    disposto                 em         reportagem                      veiculada                   pelo           portal             Exame,                disponível                    em https://exame.abril.com.br/brasil/venezuelanos-sao-suspeitos-de-65-dos-crimes-em-roraima/.

 

 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thamyris Gabrielle Loureiro de Sousa e; RUFINO, Caio Rafael Coelho de Sá et al. Entre a lei e a realidade: o trabalho dos refugiados no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5950, 16 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77162. Acesso em: 25 abr. 2024.