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O acesso à Justiça pelos trabalhadores

desafios e perspectivas após a Lei 13.467/2017

O acesso à Justiça pelos trabalhadores: desafios e perspectivas após a Lei 13.467/2017

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O acesso à justiça trabalhista sofreu alterações profundas com a reforma trabalhista, que modificou, significativamente, a CLT. Mas, afinal, as mudanças foram para melhor?

RESUMO: O objetivo do presente estudo é de analisar o acesso à justiça pelos trabalhadores no contexto brasileiro, compreendendo este direito como um direito fundamental, a partir do entendimento de que este é um pressuposto para exercer tantos outros direitos garantidos pela legislação. Para este fim, lança-se mão de uma análise dos pormenores do acesso à justiça e como se deu a sua construção como princípio fundamental, bem como os princípios processuais relacionam-se com este direito. Após, é analisada a Reforma Trabalhista e como esta alterou as estruturas da justiça do trabalho, estudando como alguns pontos mudaram a sistemática do acesso à justiça pelo trabalhador.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Acesso à Justiça. Reforma Trabalhista


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo possui como objetivo analisar o acesso à justiça no direito material e processual trabalhista, demonstrando como o trabalhador deveria ter garantido esse direito constitucional pela legislação do trabalho.

Neste sentido, o acesso à justiça, atualmente, é encarado como pressuposto de tantos outros direitos, por ser o instrumento que garante que a jurisdição estará disponível para aqueles que a necessitam. Deste modo, especialmente no tocante à proteção do trabalhador, a Justiça do Trabalho deve possuir um acesso facilitado e diferenciado, por tratar-se de um aspecto relevante para subsistência do trabalhador e de sua família.

O acesso à justiça no contexto brasileiro, no que tange à justiça trabalhista, sofreu alteração profundas com a Reforma Trabalhista, através da Lei 13.467 de 2017, que modificou significativamente a Consolidação das Leis do Trabalho. As novas diretivas, encabeçadas pelos setores patronais, visaram a, com essa mudança, restringir direitos e possivelmente demandas excessivas.


2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O acesso à justiça é um ponto crucial no Estado Democrático de Direito, visto que é primordial para que sejam garantidos tantos outros direitos fundamentais. Deste modo, para o acesso aos direitos garantidos, a via judicial, muitas das vezes, torna-se a única alternativa para ver a efetividade dos direitos garantidos pelas normas.

Para que o acesso à justiça seja pleno, o simples funcionamento do Poder Judiciário não é garantia desse direito, pois, para que haja o acesso efetivo é necessário que todos aqueles que sintam a necessidade da prestação jurisdicional consigam demandar juridicamente. Assim, os princípios gerais do processo, e os direitos constitucionalmente garantidos precisam estar em harmonia, para que a oferta de direitos não seja inócua (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2004).

O sistema processual precisa, de acordo com Cintra, Dinamarco e Grinover (2004), que o acesso seja universal, e que seja observado o devido processo legal, a ampla defesa e que um magistrado (Estado-Juiz) possa analisar o caso.

Sabe-se que o acesso à justiça, atualmente, é um direito assegurado nas democracias modernas, que decorre da necessidade de qualquer pessoa, independentemente de sua condição social, raça, posição política, de ter o direito de acessar um tribunal imparcial, para defender seus interesses, patrimônio, liberdade, etc.

Esse direito aparece tanto no direito nacional, como em tratados e convenções internacionais, como na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (art.1º), da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (art. 6º,1), do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14, 1) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica (art. 8º, 1).

Assim, o controle judicial é a expressão máxima do acesso à justiça, visto que, em uma democracia, com o objetivo de persecução da justiça social, é imprescindível que qualquer cidadão tenha acesso à jurisdição, para que sejam reconhecidos seus direitos (BULOS, 2014).

2.1 O Estado e o Acesso à Justiça

O ato de o Estado ter atraído para si o monopólio da jurisdição gerou, para os jurisdicionados, o direito individual à prestação jurisdicional, que precisa ser assegurada pela garantia de que todos poderão ter o livre acesso à justiça quando dela precisarem:

A organização política da sociedade moderna determinou a progressiva supressão das formas de realização privada do direito, reservando ao Estado o monopólio da criação e aplicação do Direito, seja em nível legislativo ou jurisdicional. O fenômeno do monopólio da jurisdição criou ao Estado o dever de prestar jurisdição e a seus súditos o direito e a pretensão de serem ouvidos em um tribunal regular e que se lhes preste justiça (SILVA, 2005, p.19).

A partir desse momento, com a inibição da autotutela, como procedimento pelo qual a elucidação do litígio se efetua pela necessidade forçada do desejo de uma das partes em relação a outra, o indivíduo comum se viu constrangido a sujeitar-se ao Poder Judiciário para a concretização de seus direitos e propensões. Por esse motivo, o Estado precisa, a fim de salvaguardar a democracia e certificar-se acerca do exercício dos direitos sociais e individuais, proporcionar aos indivíduos todas as vias importantes para que o alcance aos tribunais seja livre e desimpedido, de forma que as pretensões da população possam, não somente ser apreciadas, mas, especialmente, julgadas de maneira legal e eficiente.

Assim, nas palavras do jurista Marinoni (2007, p.209):

O direito de ação aparece exatamente no momento em que o Estado proíbe a tutela privada ou o uso da força privada para a realização e a proteção dos direitos. A partir daí o Estado assume o monopólio da solução dos conflitos e da tutela dos direitos e, por consequência lógica, dá ao privado o direito de acudir a ele. Esse último direito, antes denominado direito de agir e agora chamado de direito de ação, é a contrapartida da proibição da realização privada dos direitos e, portanto, é devido ao cidadão como um direito à proteção de todos e quaisquer direitos. Ou seja, é um direito fundamental não apenas à tutela dos direitos fundamentais, mas sim à proteção de todos os direitos.

O acesso à justiça se altera conforme a sociedade evolui. O sistema judiciário durante o século XVIII e XIX moldava-se se acordo com o direito privado, com a proteção dos direitos civis e políticos. Neste sentido, o direito de ação limitava-se a propor ou contestar a ação, e o Estado apenas tinha o poder de mediar a relação, permanecendo inerte aos problemas jurídicos, assim, o liberalismo econômico não se preocupava com o acesso igualitário à justiça, pois apenas aqueles que podiam arcar com os altos custos alcançavam a jurisdição.

 O avanço do conceito de direitos humanos dirimiu a elitização que fora promovida pelo liberalismo. Os direitos coletivos e uma visão mais solidária da sociedade refletiu também no poder judiciário. Deste modo, as Constituições promulgadas durante o século XX passaram a prezar pelo trabalho, saúde, educação e assistência social, e o acesso à justiça teve espaço com a instituição do estado de bem-estar social.

O acesso à justiça foi necessário para que houvesse um mecanismo para poder acessar os direitos sociais e individuais, e, como tal, passou a figurar com um direito fundamental imprescindível para a garantia dos direitos humanos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

2.2 Princípio Constitucional do Acesso à Justiça

O acesso à justiça é uma das bases de uma democracia saudável, como um direito amplo ao acesso ao judiciário, o qual possibilita a efetivação de outros direitos, podendo tanto ser um direito privado, da relação entre particulares, como entre o indivíduo e o Estado.

Os direitos fundamentais podem ter reflexos negativos ou positivos. Os diretos individuais exigem uma prestação negativa do Estado, visto que exigem uma abstenção de invadir a esfera privada do indivíduo. Já os direitos sociais, vislumbram uma ação positiva do Estado, que deve buscar adotar medidas para que sejam assegurados esses direitos.

A proteção dos direitos fundamentais ocorre tanto na esfera privada, visto que é possível que haja a violação de um direito humano dentro de uma relação particular, quanto na esfera estatal, na qual as violações podem ser mais claras, porquanto a atividade estatal, a abstenção dela, pode incorrer em transgressões mais claras dos direitos humanos (SARLET, 2015).

De acordo com Cappelletti e Garth (1988), o acesso à justiça é um direito fundamental por suas características inerentes, pois as suas finalidades coadunam-se com o acesso igualitário a um sistema judiciário, o qual analisará o caso concreto para que os resultados do litígio sejam socialmente justos.

A tutela de direitos pelo Estado, hoje chamado de princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/88), foi o determinante para iniciar o debate a respeito do acesso à justiça. Com ele, não obstante, não se confunde, uma vez que o simples acesso à prestação jurisdicional não é o suficiente para que os direitos, mormente os direitos fundamentais, sejam, de fato, respeitados. Não somente em razão de, na realidade, o contato com o Judiciário poder tornar-se dificultoso por diversas causas (sociais, econômicos, culturais), mas também, pela qualidade do serviço prestado.

Neste sentido, Paroski (2008) aduz que o acesso à justiça como um dos direitos fundamentais vem aparecendo recorrentemente nas constituições contemporâneas e nas convenções internacionais, não apenas como o acesso ao poder judiciário, mas como um direito à uma prestação judicial justa, adequada, efetiva e tempestiva.

O acesso amplo à justiça é efetivamente um modo de se alcançar a justiça social, sendo o Estado o facilitador deste direito por ser o responsável pela construção e manutenção do Poder Judiciário, em todos os níveis, sendo federal ou estadual, e em todas as matérias (cível, trabalhista, penal ...). Assim, a ordem jurídica assegura a preservação ou reparação dos direitos, além de ter o poder de evitar lesão de direito sociais, econômicos, políticos e civis (BULOS, 2014).


3 A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA

Em última análise, o acesso à justiça visa à efetivação da dignidade da pessoa humana e busca superar a desigualdade do resguardo dos direitos humanos por condições socioeconômicas (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

Os obstáculos ao acesso a jurisdição são variados. Primeiramente, o custo do processo é um dos aspectos que cerceia esse direito. O processo judicial é um instrumento de difícil acesso, pois pessoas em situação de vulnerabilidade, pelas condições em que vivem, muitas vezes sequer possuem consciência dos direitos que possuem, quiçá como alcança-los.

Além disso, mesmo sendo ultrapassada a barreira do conhecimento técnico instrumental sobre os procedimentos, o processo judicial gera às partes uma despesa considerável, pois em uma ação gasta-se com honorários, custas processuais, sucumbência, perícias, dentre outras despesas.

Cappelletti e Garth (1988) afirmam que o processo judicial não possui resultado certo, e todos os fatores acima citados, com a possibilidade de ter que arcar com as despesas, desestimula o direito de ação. Para ilustrar essa situação, foi realizado um estudo no ano de 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça, comparando as custas na justiça estadual cível, concluindo que as custas ficam entre 2,5% e 10% do valor da causa, o que prejudica as causas de montante pequeno, pois somente o valor das custas e honorários já pode ultrapassar a pretensão econômica postulada (BRASIL, 2010).

Deste modo, as causas com custas pequenas esbarram no montante mínimo que é preciso dispor, o que é improvável em muitas famílias que sequer possuem salário fixo para a sua subsistência.

Ademais, há o custo do tempo necessário para a solução da lide. A morosidade processual prejudica quem busca o Judiciário, pois, além de ter que pagar para iniciar um processo, a demora na prestação pode levar a desistência ou à concordância de acordo com valores inferiores aos postulados (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

Sabe-se que o acesso à justiça, ainda que garantido por defensores públicos e dativos, é diferenciado de acordo com o público. Aqueles com maiores condições financeiras acabam por contratar grandes escritórios e especialistas para a causa, bem como suportar as custas do litígio e esperar, sem prejuízo de seu sustento, a resolução do conflito (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

A posição social, portanto, facilita o acesso tanto pelas condições de acesso a advogados particulares, como pelas vantagens como educação formal e círculo social que levam ao conhecimento de direitos e possibilidades de processos judiciais. Cappelletti e Garth (1988) trazem a reflexão sobre como a classe social influi no acesso ao judiciário, até mesmo pela proximidade com tribunais e pré-vivência como parte em litígios.

De mesmo modo, há aqueles que usam o judiciário como estratégia para a melhor composição dos seus negócios, como testes sobre precedentes favoráveis, análise de posicionamentos de tribunais, como ocorre comumente com a impetração de Mandados de Segurança em matéria tributária, fato esse que é inconcebível ocorrer com pessoas de classes mais baixas e em situação de vulnerabilidade.

Em resumo, as condições socioeconômicas das partes podem ser consideradas o maior problema para o acesso à justiça, uma vez que as causas com valores pequenos geralmente estão ligadas às pessoas pobres e vulneráveis, com poucos recursos e instrumentos para se alcançar a prestação jurisdicional.


3 OS PRINCÍPIOS RELEVANTES AO ACESSO À JUSTIÇA

O direito do trabalho, tanto material como processual, é especialmente sensível às condições econômicas, visto que os trabalhadores, em sua grande maioria, percebem salários pequenos, e o acesso à jurisdição por este fato é limitado. Dentro da área trabalhista, pode-se elencar alguns princípios que regem o processo.

O princípio da acessibilidade diz respeito à exigência de que todos, sem exceção, podem postular perante o judiciário, independentemente de sua situação financeira. Além do acesso primário, é devido a paridade de armas para que haja igualdade na prática de atos processuais.

Deste modo, o poder público possui o dever de fornecer os instrumentos para que a classe operária possa ter acesso e também garantir a permanência no litígio, não podendo ser oneroso para o indivíduo (PIMENTA, 2002).

O princípio da operosidade levanta o debate acerca do processo como meio técnico para o alcance de um resultado satisfatório. Para tanto, os atores do processo possuem o dever de respeito e boa-fé. Os instrumentos processuais, portanto, serão mediados por um juiz imparcial, que coordenará os trabalhos com o objetivo de garantir a legalidade, com resultado em prazo razoável (CARNEIRO, 2003).

A garantia do processo com uma duração razoável foi elevada a princípio pela Constituição Federal nos seguintes termos: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (BRASIL, 1988). O princípio da utilidade, portanto, preza pela entrega da prestação jurisdicional para o indivíduo, em um prazo que possa usufruir do direito assegurado, ou até mesmo reparar o dano.

A celeridade do processo não significa uma análise rápida dos fatos e fundamentos, mas sim, que os atos processuais caminhem de modo célere na medida do possível, de acordo com os prazos e capacidade do judiciário local. O acesso à justiça, portanto, obedece à instrumentalidade das formas como garantia do processo legal (CARNEIRO, 2003).

A proporcionalidade é considerada como princípio do processo, visto que é a medida de justiça aplicável ao caso. Os fatos nem sempre são cristalinos e demonstram ser aplicáveis apenas a um dispositivo legal. Assim, a interpretação da lei surge como modo de proporcionar ao caso a melhor decisão, inclusive com a ponderação de princípios (BARROSO, 2003).

O Direito do Trabalho, como o próprio nome indica, refere-se aos direitos dos trabalhadores protegendo-os, amplamente, na relação trabalhista, por ser a parte hipossuficiente da relação. Os princípios anteriormente citados, apesar de se referirem à esfera processual, aplicam-se ao direito do trabalho pela premissa de acesso à justiça.

Esse cenário, contudo, mudou com as reformas substanciais realizadas pela Lei 13.467/2017, que alterou o princípio da acessibilidade no âmbito do processo do trabalho, que estava sedimentado pela presunção em favor do trabalhador acerca da impossibilidade de pagar as custas do processo.

Esses direitos garantidos pela necessidade histórica de proteção do trabalhador, por ser a parte hipossuficiente, sofreu alterações com a reforma trabalhista. Conforme demonstrado, a fragilidade econômica é um dos obstáculos do acesso à justiça, e houve uma alteração nessa promoção de paridade de armas no processo do trabalho, pela possibilidade de indeferimento da justiça gratuita a quem ganha acima de determinado valor.


4 A REFORMA TRABALHISTA DE 2017 E OS EFEITOS AO ACESSO À JUSTIÇA

A Lei 13.467/2017, conhecida como a Reforma Trabalhista, mudou profundamente as relações de trabalho, sendo a maior reforma desde o advento da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como breve introdução ao assunto, necessário contextualizar o surgimento das reformas que tiveram espaço em um momento conturbado da história do Brasil. Assim, no ano de 2014, o Brasil foi atingido por uma crise econômica, demonstrada pela recessão e queda no Produto Interno Bruto nos anos de 2015 e 2016 (CORONATO; OLIVERIA, 2016).

Além disso, o desemprego atingiu a marca de 13,7% em março de 2014, representando 14 milhões de brasileiros. Essa crise agravou um cenário político que foi fomentado por protesto contra o governo da presidente Dilma Rousseff, que terminou com o afastamento da mesma pelo processo de Impeachment e o governo foi assumido pelo vice Michel Temer (CREVILARI, 2017).

Foi nesse contexto de instabilidade política que o projeto de Lei 6.787/2016, de iniciativa do Poder Executivo, passou a tramitar nas casas do Congresso Nacional, com o objetivo, segundo seus defensores, de deixar claras as normas trabalhistas, melhorar as condições de negociação entre empregado e empregador e combater o desemprego e a crise econômica.

Cabe ressaltar, no entanto, que a crise econômica não foi fruto apenas dos encargos trabalhistas no Brasil e a reforma das relações de trabalho jamais serviria para reverter um cenário de crise econômica. Essas condições surgiram, primordialmente, de decorrência do mercado internacional, com a desaceleração da economia.

De acordo com Branco (2016), a queda no crescimento da economia chinesa, que importou menos, e a queda do preço de commodities, foram os fatores decisivos para o aumento do desemprego, assim, esse cenário mundial serviu para revelar as fraquezas estruturais do Brasil, diminuindo a produtividade e causando demissões em massa.

Assim, as promessas e justificativas de uma reforma trabalhistas não se justificam na prática, como afirma Fleury (2018, p.20):

Com efeito, muito se ventilou e se continua a ventilar que a reforma trabalhista aprovada e sancionada mostra-se necessária para criar empregos ou manter empregos. Tal discurso revela um desconhecimento a respeito de noções de economia, particularmente acerca das condições econômicas que caracterizam períodos recessivos, como o atualmente vivido pelo país. Isto porque as recessões são caracterizadas por uma crise de confiança que se abate sobre empresários e investidores. Como a perspectiva de demanda futura por produtos e serviços se torna negativa, os investidores, inclusive os bancos, seguram o crédito, com receio de que, se investirem, experimentarão risco de perda, motivo pelo qual exigem retorno (juros) maiores. O empresário, diante da expectativa de demanda declinante e ante a restrição de linhas e financiamento, não investe e diminui a produção, o que leva a demissões. O processo se retroalimenta, pois a queda da renda dos trabalhadores e, portanto, da capacidade aquisitiva dos consumidores, concretiza a expectativa de redução de demanda, o que torna a expectativa dos agentes econômicos com relação ao futuro ainda pior.

Assim, as inovações que a Reforma Trabalhista trouxe afetaram estruturalmente o acesso à justiça pelo trabalhador, e, ao mesmo tempo, de acordo com Schiavi (2017), facilitou o acesso à justiça do trabalho pelo empregador, demonstrando o alto interesse patronal em garantir o mínimo para os seus trabalhadores, além de dificultar o acesso à jurisdição.

Assim, passa-se a análise dos dispositivos que alteraram a legislação dificultou o acesso à Justiça do Trabalho.

4.1 A Limitação Da Interpretação Dos Tribunais

A Lei 13.467 de 2017, acrescentou o §2° no art. 8°:

Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

O processo histórico de construção do Direito do Trabalho e da justiça trabalhista pauta-se na defesa do trabalhador, contudo o referido dispositivo limita que os tribunais possam, através da jurisprudência, adequar a legislação, visto que não é possível que limitam pela restrição, a criação de obrigações que não estão previstas em lei.

Ademais, houve a alteração do art. 702, inciso I, alínea f e os §§ 3º e 4º. Essas mudanças dificultaram a edição de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais, sendo necessário o voto de ao menos dois terços do tribunal, que o objeto já tenha sido decidido de forma igual e em unanimidade em dois terços das turmas, em dez sessões e que as sessões sejam públicas, divulgadas com 30 dias de antecedência e com a possibilidade de sustentação oral por algumas entidades listadas.

Essas alterações limitaram as próprias funções do tribunal, que é a interpretação da legislação, a construção e uniformização da jurisprudência das cortes. Esta alteração, inclusive, é entendida como inconstitucional por alguns críticos, pois não respeito o art. 96, inciso I, alínea a da Constituição Federal, que determina que os tribunais possuem competência privativa para elaboração de seus regimentos internos, sobre a sua competência e funcionamento (MONTEIRO, 2017).

A inconstitucionalidade da alteração do art. 702 da CLT está sendo analisada na Arguição de Inconstitucionalidade n. 0000696-25.2012.5.05.0463, que encontra-se suspensa pela Ação Direta de Constitucionalidade 62 que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal.

As mudanças nesse sentido não se resumiram às alterações mencionadas, a reforma incluiu o § 3º, no artigo 8º, da CLT:

No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Assim, nos termos do artigo mencionado, a Justiça do Trabalho se limitará à análise dos elementos formais do negócio jurídico, de acordo com o art. 104 do Código Civil, como a capacidade das partes, licitude do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei. Assim, o acordado em negociações coletivas atenderá aos mesmos requisitos do contrato civil.

Percebe-se que essa alteração muda a ação da justiça trabalhista, que não poderá decidir sobre a legalidade de negociações coletivas, nos termos da legislação nacional ou internacional e de acordo com os princípios de proteção do trabalhador. O objetivo é que haja uma intervenção mínima do Estado, e que as relações trabalhistas sigam os mesmos passos da autonomia privada, podendo, inclusive, haver negociações que pioram as condições de trabalho e que diminuem direitos.

A justiça do trabalho, portanto, existirá quase que apenas pro forma, pois o trabalho dos julgadores será apenas de aplicação da literalidade dos dispositivos legais. Contudo, de acordo com Leite (2018), em um Estado Democrático de Direito, os juízes não só podem, como devem interpretar a lei de acordo com a Constituição Federal, principalmente sobre os seus princípios.

4.2 A Gratuidade da Justiça e Despesas Processuais

Talvez uma das mais complexas alterações no tocante aos direitos dos trabalhadores são as alterações que dizem respeito à justiça gratuita e ao pagamento das despesas processuais.

A Lei 13.467/2017 deu nova redação ao artigo 790, §§ 3º e 4º, da CLT, que limita a concessão do benefício da justiça gratuita apenas aos que recebem salário igual ou 40% inferior ao teto dos benefícios previdenciários, além do dever de demonstração da comprovação de insuficiência financeira:

Artigo 790.

(...)

 § 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).

§ 4° O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

A gratuidade da justiça, antes da alteração, era concedida com a simples declaração de hipossuficiência social e econômica, a qual demonstrava que não era possível pagar as despesas processuais sem comprometer o seu sustendo e de sua família. Essa alteração vai contra a natureza do processo trabalhista, que deveria objetivar a proteção do trabalhador, especialmente aqueles que, após ficarem desempregados, buscam a jurisdição.

Deste modo, somente aquele que receber R$ 2.440,00, poderá ter o benefício da gratuidade da justiça deferido, visto que o teto previdenciário no ano de 2020 é de R$ 6.101,06. Sabe-se que o valor máximo de remuneração é incompatível para demonstrar a hipossuficiência do litigante, visto que os gastos de uma família padrão passam facilmente esse valor.

O art. 99 do Código de Processo Civil é menos exigente para a concessão do benefício, exigindo apenas a declaração de pobreza, que é presumida, podendo ser contestado pela outra parte. Felizmente, o TST editou uma súmula que facilita a assistência judiciária gratuita:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1, com alterações decorrentes do CPC de 2015) - Res. 219/2017, DEJT divulgado em 28, 29 e 30.06.2017 – republicada - DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017. I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015); II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.

Outro ponto que diz respeito às despesas, é o pagamento dos honorários periciais, que deverá ser pago pelo sucumbente no objeto da perícia, mesmo que seja beneficiária da justiça gratuita:

Artigo 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. § 4o Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

De acordo com Borges e Cassar (2018), essa alteração subverte o objetivo da gratuidade da justiça, contrariando o próprio art. 5°, LXXIV da Constituição Federal, o qual garante a assistência jurídica integral pelo Estado.

Assim, mesmo que seja beneficiário da justiça gratuita, qualquer crédito obtido no processo judicial, será reduzido o valor dos honorários periciais, mesmo que o valor percebido tenha natureza alimentar.

Por fim, a alteração que prejudicou substancialmente o trabalhador foi o que tange ao pagamento de honorários advocatícios e sucumbência recíproca, assim nos termos do art. 791-A, caput e §§ 3º e 4º na CLT:

Artigo 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. (...)

§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

Não obstante a sucumbência ser um dos direitos do advogado, no processo do trabalho a lógica do lucro é diferente das outras áreas do direito. A sucumbência recíproca, que pode ser pago com os créditos obtidos no próprio processo ou em outro, além de poder ser executada em até dois anos subsequentes, prejudica o trabalhador.

Anteriormente, havia entendimento majoritário na jurisprudência do não cabimento ao pagamento da sucumbência quando o reclamante não fosse assistido pelo sindicato. Atualmente, mesmo que apenas um dos pedidos seja julgado improcedente, já haverá a obrigação de sucumbência recíproca.

De acordo com os dados divulgados pelo TST, no ano de 2017, foram protocoladas 2.013.241 reclamações trabalhistas; enquanto que no mesmo período de 2018, o número diminuiu para 1.287.208. Essa é uma realidade preocupante para o trabalhador e seus advogados, pois a queda foi significativa, demonstrando ou que antes havia excesso de demandas indevidas, ou que o acesso à jurisdição possa ter sido restringido pelas reformas realizadas.


5 CONCLUSÃO

A Reforma Trabalhista, realizada no ano de 2017, foi divulgada como necessária pela necessidade de adequação da legislação laboral.

Neste sentido, os próprios objetivos dos direitos do trabalho, material e processual, juntamente com seus princípios e garantias, foram alterados e, para muitos juristas, precarizados, expondo o trabalhador à um sistema que não serve à sua proteção integral.

A evolução da lei, de acordo com novas formas de trabalho, é necessária para que a mesma não se torne obsoleta e não atinja os seus fins. Contudo, há polêmicas sobre o real objetivo da reforma trabalhista. Do mesmo modo que há uma tendente diminuição de demandas ajuizadas por medo das despesas decorrentes para o trabalhador, existe uma maior possibilidade de celeridade e qualidade na prestação jurisdicional em razão da menor quantidade de sobrecarga do Judiciário.

A Reforma Trabalhista aumenta o poder das negociações coletivas e, ao mesmo tempo, retira a obrigação da única contribuição sindical obrigatória que existia; aumenta as possibilidades de os reclamantes saírem das demandas com menos recursos do que entraram; aumenta casos de cláusulas de arbitragem e, por fim, aumenta os casos de precedentes obrigatórios.

Dessa forma, muitos instrumentos foram instituídos para diminuir a quantidade de demandas e regular a litigiosidade de massa, tudo partindo do ponto de vista da eficiência administrativa. Cabe ao judiciário e à sociedade, nos próximos anos, identificar se houve ou não uma maior e melhor justiça aos trabalhadores.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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Autor

  • Denis de Oliveira Palhares

    Assistente de Juiz no TRT da 4ª Região. Bacharel em Direito pela Faculdade de Talentos Humanos (FACTHUS). Bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Internacional Signorelli. Possui MBA em Gestão e Estratégia Empresarial pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Aluno do Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad de Buenos Aires-AR (UBA).

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PALHARES, Denis de Oliveira. O acesso à Justiça pelos trabalhadores: desafios e perspectivas após a Lei 13.467/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6206, 28 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82929. Acesso em: 18 abr. 2024.