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Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa

Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa

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O ingresso da ação de improbidade administrativa não pode ser lastreado no “ouviu dizer” ou embasado em depoimento ou confissão, objeto de delação premiada.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Vivemos um período de amplo combate à corrupção, onde várias operações policiais são deflagradas em prol do interesse público e da repressão aos desvios de recursos do erário promovidas por organizações criminosas.

Nesse viés, visando dar efetividade e publicidade às operações policiais, além de a imprensa participar ativamente, produzindo matérias jornalísticas em tempo real sobre os fatos, geralmente é requerida pelo Ministério Público a prisão temporária ou provisória dos acusados.

Com o aumento expressivo de prisões e de investigações criminais contra organizações criminosas, a Lei nº 12.850/2013, que definiu tal conceito, dispõe sobre a colaboração premiada no Brasil, a qual passou a ser permitida em qualquer fase da persecução penal (art. 3º, inc. I).

O próprio artigo 3º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013, ao permitir a celebração do acordo de colaboração premiada antes do trânsito em julgado da persecução penal, reconhece que ela é meio de busca de prova, mas não é a prova.

Sendo definida a colaboração premiada no artigo 4º, da Lei nº 12.850/2013, da seguinte forma:

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:        

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

§ 3º O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.

4º Nas mesmas hipóteses do caput deste artigo, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador:     

I - não for o líder da organização criminosa;

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

§ 4º-A. Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador.     

§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:     

I - regularidade e legalidade;      

II - adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;       

III - adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;      

IV - voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.    

§ 7º-A O juiz ou o tribunal deve proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da pena, nos termos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), antes de conceder os benefícios pactuados, exceto quando o acordo prever o não oferecimento da denúncia na forma dos §§ 4º e 4º-A deste artigo ou já tiver sido proferida sentença.      

§ 7º-B. São nulas de pleno direito as previsões de renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória.    

§ 8º O juiz poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais, devolvendo-a às partes para as adequações necessárias.    

§ 9º Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.

§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

§ 10-A Em todas as fases do processo, deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de manifestar-se após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou.    

§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.

§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.

§ 13. O registro das tratativas e dos atos de colaboração deverá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador.  

§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor.

§ 16. Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador:     

I - medidas cautelares reais ou pessoais;     

II - recebimento de denúncia ou queixa-crime;     

III - sentença condenatória.     

§ 17. O acordo homologado poderá ser rescindido em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração.   

§ 18. O acordo de colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão.   

E, o colaborador, possui os seguintes direitos (artigo 5º, da Lei n.º 12.850/2013):

- ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas;

- ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

- participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

- não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem a sua prévia autorização por escrito;

- cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito, contendo o seu relato e seus possíveis resultados; a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; as assinaturas do representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, do colaborador e de seu advogado, e a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

Como visto, o instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o acusado/indiciado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe, fornecendo às autoridades informações necessárias e fiéis a respeito das práticas delituosas promovidas por grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime.

Com isso, o colaborador visa reduzir a sua pena, ou obter o perdão judicial.

A delação premiada difere da confissão em razão de esta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação do fato criminoso a terceiros.

Apesar de muito criticada por parte da doutrina, a delação premiada se tornou hoje uma realidade crescente, pois ao ser descoberta a prática de ilícito  o réu ou indiciado em processo penal, para livrar-se das consequências do cárcere, geralmente constrangido por prisões de natureza provisória, acaba por fazer colaboração premiada, por estar subjugado ao órgão acusador, oferecendo sua versão sobre os fatos para obter benefícios penais ou não teria se não optasse por tal caminho jurídico.

A partir desse momento, o colaborador passou a ser disputado pelo próprio Ministério Público, titular da ação penal, visto que ao deflagrar uma operação, se ele obtém a colaboração de alguns dos réus ou dos investigados automaticamente, aumenta-se a probabilidade de deflagração de novas investigações correlatas aos fatos já em curso.

Em sendo assim, o colaborador irá oferecer o seu relato e seus possíveis resultados, no afã de contar a melhor história, com a finalidade de obter a homologação do acordo de colaboração premiada.

Destarte, incumbe ao próprio colaborador indicar as provas e os elementos de corroboração (art. 3º-C, § 4º, da Lei nº 12.850/2013), visto não ter valor de provar o termo de colaboração.

Não resta dúvida que a colaboração premiada é um meio de busca de prova, não se constituindo como elemento direto ou indireto que ateste a veracidade dos atos relatados.

Por ela, o agente colaborador, visando à obtenção de um dos benefícios elencados na lei, se dispõe a contribuir para a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, visando revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas, para a prevenção de infrações penais e recuperação de ativos desviados.

Na verdade, apesar do órgão acusador dar grande relevância ao termo da colaboração, não poderá ser decretada ou proferida apenas baseadas nas  declarações do colaborador, medidas cautelares reais ou pessoais, recebimento de denúncias ou queixa crime ou sentença condenatória, conforme estatuído no artigo 4º, § 16, incisos I, I, e III, da Lei nº 12.850/2013.

Em sendo assim, não há como se admitir que com base em termos de colaboração premiada, a instauração da persecução administrativa, com o ingresso de ação de improbidade administrativa.

Quando muito, pode incentivar a instauração de inquérito civil público, com a finalidade de busca de provas que identificam os indícios necessários à propositura da ação de improbidade administrativa.


DA IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES E DE MANUTENÇÃO DE INQUÉRITOS COM BASE APENAS NAS DECLARAÇÕES DE COLABORADOR PREMIADO

Como visto, os termos da colaboração premiada, por si só, não se prestam para o deferimento de medidas cautelares ou recebimento de denúncia ou queixa crime, pois o delator tem como objetivo a remissão de suas penas (art. 4º, da Lei nº 12.850/13), razão pela qual se observa a existência de um “animo de autoexculpação” ou de “heteroinculpação” nesses acordos.[i]

Exatamente por ter interesse em receber benefícios em contrapartida, a colaboração premiada tem sua força probatória fragilizada, servindo apenas como indicativo de busca de prova externa.

Também pode se presumir, em algumas situações, o interesse do colaborador em produzir ou alcançar provas forjadas, que deverão ser analisadas pelo juiz, como dever constitucional indelegável.

O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar o tema, já pacificou jurisprudência no sentido de que: (i) a simples palavra de colaboradores não serve como base de prova, e (ii) meras planilhas elaboradas ou controladas pelos colaboradores não servem de prova de corroboração, ainda que apreendidas em momento anterior à celebração do acordo.

Confira-se, por relevante:

“PENAL E PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. ARQUIVAMENTO PELO RELATOR EM CASO DE MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ART. 231, §4º, DO RISTF. ART. 654, §2º, CPP. COLABORAÇÃO PREMIADA. NECESSIDADE DE CORROBORAÇÃO MÍNIMA DAS DECLARAÇÕES. FALTA DE SUPORTE FÁTICO-PROBATÓRIO PARA PROSSEGUIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE PRAZO RAZOÁVEL. CONSTRANGIMENTO MANIFESTAMENTE ILEGAL. QUESTÃO DE ORDEM NA AP 937/RN. POSSIBILIDADE DE ARQUIVAMENTO.

1. Na forma do art. 231, §4°, “e”, do Regimento Interno do STF (RISTF) e do art. 654, §2º, do CPP, o Relator deve determinar o arquivamento do inquérito quando verificar a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade e/ou nos casos em que foram descumpridos os prazos para a instrução. Trata-se de dispositivo que possibilita, expressamente, o controle das investigações pelo Poder Judiciário que atua, nesta fase, na condição de garantidor dos direitos fundamentais dos investigados;

2. Os precedentes do STF assentam que as declarações de colaboradores não são aptas a fundamentar juízo condenatório, mas suficientes dar início a investigações. Contudo, tais elementos não podem legitimar investigações indefinidas, sem que sejam corroborados por provas independentes.

3. A EC 45/2004 introduziu norma que assegura a razoável duração do processo judicial e administrativo (art. 5º. LXXVIII). Conforme a doutrina, esta norma deve ser projetada também para o momento da investigação. As Cortes Internacionais adotam três parâmetros: a) a complexidade do caso; b) a atividade processual do interessado; c) a conduta das autoridades judiciárias. No caso de inquéritos em tramitação perante o STF, os arts. 230-C e 231 do RISTF estabelecem os prazos de 60 dias para investigação e 15 dias para oferecimento da denúncia ou arquivamento, com possibilidade de prorrogação (art. 230-C, §1º, RISTF).

4. No julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937, o Plenário do STF fixou o entendimento que terminada a instrução processual, a ação penal deveria ser julgada pelo Tribunal, independentemente de se tratar de hipótese que determinaria a baixa dos autos. Aplicando este entendimento de modo análogo, a Primeira Turma assentou, no INQ n° 4.647, que o inquérito pronto para juízo de admissibilidade da denúncia deveria ser apreciado pela Corte. Este entendimento também se aplica aos casos de arquivamento pela ausência de indícios mínimos de materialidade e autoria delitiva. 5. Caso em que inexistem indícios mínimos de materialidade e autoria delitiva, mesmo após 15 meses de tramitação do inquérito. Depoimentos genéricos e inespecíficos relatando o recebimento de recursos eleitorais em pleito no qual o investigado sequer disputou qualquer mandato eletivo. Apresentação apenas de elementos de corroboração produzidos pelos próprios investigados. Arquivamento do inquérito, na forma do art. 21, XV, “e”, art. 231, §4º, “e”, ambos do RISTF, e art. 18 do CPP.[ii]

 O eminente Min. Dias Toffoli, igualmente asseverou que, mesmo em apreensão anterior à celebração do acordo de colaboração, documentos produzidos unilateralmente pelo próprio colaborador não são aptos a justificar sequer uma ação penal.

“Acordo de colaboração premiada. Depoimentos do colaborador. Eficácia e efetividade do acordo de colaboração premiada enquanto meio de obtenção de provas. Documentos produzidos unilateralmente pelo próprio colaborador. Apreensão anterior à celebração do acordo de colaboração. 

2. O acordo de colaboração premiada, como meio de obtenção de provas, é suficiente para deflagrar investigação preliminar, sendo essa sua verdadeira vocação. Entretanto, para instaurar a ação penal, não bastam depoimentos do colaborador. É necessário que existam outras provas, ou elementos de corroboração idôneos, ratificando-os. 3. A eficácia e a efetividade da colaboração premiada podem e devem ser auferidas, a fim de se averiguar a viabilidade da ação penal, sendo o juízo de admissibilidade da denúncia o momento adequado para fazê-lo. 4. A contradição sanável via embargos de declaração é aquela verificada entre os fundamentos do acórdão e a sua conclusão, o que não se constata no caso concreto. Precedentes. 5. A argumentação do decisum embargado é suficiente para embasar a conclusão de rejeição da denúncia, inexistindo omissão sobre ponto relevante para o deslinde da controvérsia. 6. Não se pode conceber um juízo positivo de admissibilidade da denúncia assentado em meras conjecturas e ilações. Exige-se, para tanto, lastro probatório mínimo, ou seja, prova da materialidade e indícios razoáveis de autoria.  8. A circunstância de ter sido apreendido em momento anterior à celebração do acordo de colaboração não desnatura o fato de o documento ter sido produzido unilateralmente pelo colaborador, razão pela qual não pode servir, por si só, para a validação do respectivo depoimento.”[iii] (g.n)

O natural é que o colaborador produza versões que lhe permitam adquirir uma posição melhor para negociar os termos de sua transação, o que pode gerar fatos “distorcidos” ou de como realmente se passaram.

Por essa razão, não há como atribuir-se aos atos de colaboração força de declaração desinteressada, capaz de atribuir-se indício de prova.

Possuindo natureza jurídica de negócio jurídico de meio de obtenção de provas, como dito pelo Min. Gilmar Mendes na RCL 43479[iv], verbis:

“...O acordo de colaboração premiada  ostenta, a um só tempo, natureza jurídica de negócio jurídico processual e de meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse público (art. 3º-A, da Lei 12.850/2013, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019. Não tendo sido outra a orientação jurisprudencial recente dessa Corte, senão a de que “além de caracterizar negócio jurídico entre as partes, o acordo de colaboração premiada é meio de obtenção de provas, de investigação visando à melhor persecução penal de coimputados e de organizações criminosas” (HC 143427, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma DJ-e 01-10-2020).

Isto porque, segundo entendimento pacificado pelo Pretório Excelso:

“(...) depoimentos de colaboradores premiados, sem outras provas idôneas de corroboração não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação, o qual exige a presença do fumus comissis delicti.”[v]

A previsão de que não haverá condenação baseada apenas declarações do colaborador (art. 4º, §16, da Lei nº 12.850/13) é o reconhecimento legal de que “a prova” produzida de forma interessada possui valor limitado.

Por isso, “os atos de colaboração devem ser encarados, a priori, com desconfiança.”[vi]

Essa desconfiança descrita pelo Min. Gilmar Mendes serviu como estímulo ao legislador ao estabelecer pacote anticrime (Lei nº 13.964/2019), quando proibiu a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais, o recebimento de denúncia ou queixa-crime ou a prolação de sentença condenatória com base apenas em colaboração premiada (art. 4º, §16, da Lei nº 12.850/2013).

A declaração de agentes colaboradores sobre recebimentos em espécie, por meio de contratos fictícios ou a produção de provas feita pelos próprios colaboradores, como registro de entradas, saídas, planilhas, correios eletrônicos, agendas pessoais etc., não possuem o condão de fazer prova contra o agente acusado ou contra empresas, eis que produzidos unilateralmente e sem o elemento necessário de corroboração externo.

Sobre o tema, decidiu o Supremo Tribunal Federal – STF, no inquérito nº 4.074/DF, 2ª T,[vii] quanto a total imprestabilidade de se ter como hígidas as provas e depoimentos produzidos por colaboradores premiais, sem a devida corroboração:

“Inquérito. Corrupção passiva (art. 317, § 1°, CP). Corrupção ativa (art. 333, caput, CP). Lavagem de dinheiro majorada (art. 1º, § 4°, da Lei nº 9.613/98). Denúncia. Parlamentar federal. Suposto envolvimento em esquema de corrupção de agentes públicos relacionado à Diretoria de Abastecimento da Petrobras. Solicitação de vantagem indevida, com desdobramento em pagamentos fracionados. Recebimento em espécie e por meio de contratos fictícios.

(...)

Ausência de provas minimamente consistentes de corroboração. Documentos produzidos pelos próprios colaboradores. Inadmissibilidade. Registros de entrada,

saída e deslocamentos. Ausência de elementos concretos que tornem induvidosa a materialidade. Fumus commissi delicti não demonstrado. Falsidade ideológica dos contratos. Ausência de lastro mínimo quanto ao liame subjetivo. Não demonstração, em termos probatórios, da alegada ligação entre o escritório de advocacia e o apontado real beneficiário dos valores por ele intermediados. Denúncia rejeitada (art. 395, III, CPP).

(...)

9. Para o recebimento da denúncia, exige-se "a demonstração - fundada em elementos probatórios mínimos e líticos - da realidade material do evento delituoso e da existência de indícios de sua possível autoria" (Inq 3.507/MG, Plenário, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 11/6/14).

10. A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, tem aptidão para autorizar a deflagração da investigação preliminar, visando adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória. Essa, em verdade, constitui sua verdadeira vocação probatória.

11. Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação, o qual exige a presença do fumus commissi delicti.

12. O fumus commissi delicti, que se funda em um juízo de probabilidade de condenação, traduza-se, em nosso ordenamento, na prova da existência do crime e na presença de indícios suficientes de autoria.

13. Se "nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador" (art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13), é lícito concluir que essas declarações, por si só, não autorizam a formulação de um juízo de probabilidade de condenação e, por via de consequência, não permitem um juízo positivo de admissibilidade da acusação.

14. No caso concreto, faz-se referência a documentos produzidos pelos próprios colaboradores, a exemplo de anotações, registros em agenda eletrônica e planilhas de contabilidade informal. A jurisprudência da Corte é categórica em excluir do conceito de elementos de corroboração documentos elaborados unilateralmente pelo próprio colaborador. Precedentes.

15. Demais registros colhidos no decorrer das investigações, por si só, não comprovam a materialidade dos delitos imputados aos acusados. Quanto muito possibilitam inferências e ilações no sentido de que os acusados mantinham algum contato, ou que fizeram deslocamentos mencionados pelos colaboradores, mas não bastam para tomar estreme de dúvidas a materialidade especificamente das condutas criminosas imputadas aos denunciados.

16. Analisando os elementos probatórios para além das colaborações, não há indícios de autoria em relação ao Senador Ciro Nogueira Lima Filho quanto a esse fato (supostos contratos fictícios), carecendo, portanto, de justa causa as imputações de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro subjacentes a essa narrativa, pela ausência de lastro mínimo probatório quanto ao liame subjetivo.

17. Mesmo que admitida a probabilidade da versão no tocante à falsidade ideológica dos contratos como base para o alegado repasse de recursos ilícitos, ainda assim a acusação não logrou demonstrar, minimamente, em termos probatórios, a alegada ligação entre o escritório de advocacia e o apontado real beneficiário dos valores por ele intermediados, o que seria imprescindível no contexto da imputação (de corrupção e lavagem) delineada na denúncia.

18. Denúncia rejeitada na íntegra, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal.”[viii]

No mesmo sentido, no Inquérito nº 3998/DF-STF, a excelsa Corte também não vislumbrou elementos externos de corroboração, eis que a denúncia penal partiu de documentos produzidos pelos próprios colaboradores, a exemplo de anotações, registros e agenda pessoal, Outlook, mensagens de correio eletrônico e planilhas de confiabilidade informal:

Não obstante, em sua contabilidade paralela, os colaboradores premiados tenham feito anotações pessoais que supostamente traduziram pagamentos indevidos aos parlamentares federais, uma anotação unilateralmente feita em manuscrito particular não tem o condão de corroborar, por si só, o depoimento do colaborador, ainda que para fins de recebimento de denúncia. 10. Se o depoimento do colaborador necessita ser corroborado por fontes diversas de prova, evidente que uma anotação particular dele próprio emanada não pode servir, por si só, de instrumento de validação.

A corroboração do depoimento de colaborador deve ser feita por fontes diversas de provas, não se prestando para tal fim o depoimento de secretárias ou de pessoas ligadas aos colaboradores, que seriam as chamadas “testemunhas de segunda mão”:

Se o depoimento do colaborador necessita ser corroborado por fontes diversas de prova, evidente que uma anotação particular dele próprio emanada não pode servir, por si só, de instrumento de sua validação.

Registro que a denúncia arrola, como testemunhas, os colaboradores premiados Ricardo Pessoa e Walmir Pinheiro Santana, e a testemunha Maria de Brotas.

Ocorre que Walmir Pinheiro, além de também ostentar a condição de colaborador premiado, limitou-se a relatar o que soube por intermédio do colaborador Ricardo Pessoa. Em outras palavras, cuida-se de um testemunho de segunda mão.”[ix]

Não há como atribuir à declaração do colaborador premiado a força de prova idônea, visto que as aludidas declarações são fragilizadas em razão do interesse do mesmo de receber benefícios do Ministério Público, órgão acusador, como já dito alhures.

A desconfiança de tais declarações deve permear o juízo de admissibilidade de ações judiciais, eis que não é lícito afastar a presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CRFB/88), que milita em favor de todos, por versões não respaldadas por provas externas.

Não é demais supor que, quanto mais a versão do colaborador for impactante, mesmo desatrelada de provas robustas, mais benefícios terá junto ao Ministério Público em seu acordo, obtendo maiores regalias.

Descrevendo bem essa situação, o Ministro Gilmar Mendes, em laborioso voto proferido no Inquérito nº 4074/DF – STF, com acerto, definiu:

A desconfiança com os atos de colaboração decorre da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), a qual, como regra probatória e de julgamento, impõe à acusação o ônus de provar a culpa, além da dúvida razoável. É produzindo provas contra terceiros que o delator obtém a remissão de suas penas (art. 4º, da Lei 12.850/13), ou seja, um ânimo de autoexculpação” ou de “heteroinculpação” (NIEVA FENOLL, Jordi, La valoración de la prueba. Madri: Marcial Pons, 2010. P. 244, tradução livre).

Os elementos de prova produzidos em razão de colaboração premiada têm sua força probatória fragilizada em razão do seu interesse em delatar e receber benefícios em contrapartida, além dos problemas inerentes à própria lógica negocial no processo penal. Tal visão é afirmada inclusive na doutrina clássica, em relação a provas produzidas por corréus: MITTERMAYER, C. J. Tratado da prova em matéria criminal. Tomo II. Rio de janeiro, 1871, p. 123-125; ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. v. III. 5. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. p. 39-40.

Portanto, "presumir o interesse do colaborador em produzir ou alcançar provas forjadas" não é um "equívoco mas um dever "constitucional do juiz. O "natural" é que o colaborador "dê versões o mais próximo o possível" do que lhe coloque em uma posição melhor para negociar, não" de como os fatos realmente se passaram".

Se dermos aos atos de colaboração força de prova desinteressada, "provar fatos não ocorridos" será tarefa leve. "Bem mais árdua" será a tarefa da defesa do delatado, sobre a qual, invertendo-se a presunção constitucional, recairá o ônus da prova da inocência. Nesse cenário, o colaborador não terá motivo para temer o "desfazimento do acordo e perda dos benefícios nele entabulados   visto que seus atos de "colaboração serão de quase impossível desafio.

Apesar de a Constituição Federal/88 assegurar que a restrição e/ou supressão da liberdade do cidadão somente poderia se dar através de uma decisão judicial[x], o Ministério Público, através da colaboração premiada, acordou sobre a liberdade do cidadão mesmo sem provas ou indícios de veracidade da colaboração.

Em pronunciamento, Manoel Pestana, Procurador da República, afirmou que: “o passarinho para cantar precisa estar preso”[xi]. Tal afirmação apresenta-se como algo inconcebível em um estado Democrático de Direito. Apesar de uma importante ferramenta para desvendar as organizações criminosas e os atos devassos, o requisito de validade da colaboração premiada é a voluntariedade. Assim, não deve ser utilizada como “moeda de troca” para obtenção de liberdade, como vem ocorrendo na totalidade.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, decidiu[xii] que a denúncia não pode ser exclusivamente em colaboração premiada, e que não deve haver a manipulação de prisões com objetivo de colaboração, trancando a ação penal correlata.

Não resta dúvida que a colaboração premiada é um importante instrumento no processo para busca de prova, tendo um caráter pragmático quando o Estado não consegue meios para investigar. Por isso, a “colaboração” ganhou grande destaque em crimes econômicos como corrupção, lavagem de dinheiro, nas ações de improbidade, na esfera administrativa, mas não se pode iniciar a persecução estatal somente lastreada na palavra do delator.

Se a investigação não consegue corroborar a versão do colaborador, deve aguardar a descoberta de proba confiável e robusta, com a finalidade e promover a ação penal ou a ação de improbidade administrativa.


DELAÇÃO PREMIADA NÃO SERVE COMO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO ATO ÍMPROBO

A Lei nº 13.964/2019 alterou a redação inicial do art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92, e permite que, nas ações de improbidade administrativa, haja a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos da citada lei.

Esse fato não se discute no presente estudo, visto que o legislador passou a permitir a possibilidade da celebração de transação ou de acordos perante a Lei de Improbidade Administrativa.

Apesar de os benefícios da obtenção da delação premiada ser extensíveis ao contexto da lei de Improbidade Administrativa, por óbvio que os seus efeitos não possuem validade de meio de prova idôneo capaz de produzir indício da prática de ato ímprobo.

Ou seja, não há presunção de idoneidade na declaração do colaborador premiado, que terá, obrigatoriamente, que encontrar confirmação nos autos, elementos de provas externamente produzidos.

Assim, corroborar, aqui, é reforçar o valor probatório da versão produzida pelo colaborador; mediante a apostação de dados de uma fonte distinta (externa) que confirma ou ratifica a veracidade do que fora declarado anteriormente.

Isso porque, somente a versão do colaborador não permite que haja a deflagração de uma investigação preliminar (inquérito civil público ou inquérito policial), visando adquirir provas idôneas sobre o fato relatado.

Em abono ao que foi dito, segue o posicionamento do Min. Gilmar Mendes, na RCL nº 36.542, EXTN – NONA/PR, verbis:

“(...) é por isso que se defende que a verdadeira vocação probatória da colaboração premiada seria a autorização da deflagração de uma investigação preliminar, de modo a adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória, não podendo, portanto, servir para a utilização a priori de medidas restritivas de direitos ou da liberdade dos delitos.”

Na verdade, a versão do colaborador possui valoração inferior aos depoimentos de testemunhas, sendo imprestável às colaborações cruzadas.

Por isso, Guilherme de Souza Nucci, ao discorrer sobre o art. 3-C, § 3º, da Lei nº 12.850/2013, averbou:

“O colaborador deve narrar tudo o que sabe de ilícito, afim de verificar se tem relação com os fatos investigados. Porém, a inserção dessa norma visa evitar que se indague ou exija do colaborador outros ilícitos, que nem estejam sendo investigados. Ou seja, o delator não deve virar testemunha à disposição do órgão acusatório, narrando os fatos ou situações estranhas à própria delação. Logo, admitir a prática criminosa é primeiro passo; após apontar os cúmplices e o que cada um fez; em terceiro, demonstrar a ligação imediata entre as condutas e tudo o que está sendo pelo Estado investigado. Enfim, quer-se afastar aquela conversa informal, mesmo sob pressão, quando o declarante, interessado em acordo, fala demais e não se encaixa, depois, no perfil do colaborador com direito à premiação prevista em lei.”[xiii]        

Portanto, não sendo considerado válido pela legislação como uma prova válida, o termo de colaboração, por si só, não poderá ser tido como indício da prática de ato ilícito ímprobo.

Não sendo considerado indício, por certo não poderá ser o único elemento de base de sustentação para a propositura da ação de improbidade administrativa, visto que a mesma, para ser admitida, necessariamente deve vir precedida de prova indiciária da prática do ato ímprobo.               

No presente estudo não se discute a possibilidade ou não de validade em âmbito civil da utilização de colaboração premiada, mesmo porque tal matéria foi afetada a repercussão geral, como decidido no RE com Agravo nº 1.175.650/PR:[xiv]

“CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. ANÁLISE DA POSSIBILIDADE E VALIDADE EM ÂMBITO CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a questão acerca da utilização da colaboração premiada no âmbito civil, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público em face do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), da imprescritibilidade do ressarcimento ao erário (CF, art. 37, §§ 4º e 5º ) e da legitimidade concorrente para a propositura da ação (CF, art. 129, §1º) .

2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC.”

Considerando-se que o acordo de colaboração premiada não é a prova da prática de um delito, mas, sim, se presta como início de base de busca de prova, o Ministro Dias Toffoli, no HC nº 12.749/PR,[xv] averbou:

“(...) 3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). 4. A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração. 5. A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador. 6. Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13). 7. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados - no exercício do contraditório - poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor. 8. A personalidade do colaborador não constitui requisito de validade do acordo de colaboração, mas sim vetor a ser considerado no estabelecimento de suas cláusulas, notadamente na escolha da sanção premial a que fará jus o colaborador, bem como no momento da aplicação dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13). 9. A confiança no agente colaborador não constitui elemento de existência ou requisito de validade do acordo de colaboração. (...)”

O artigo 17, §6º, da Lei n.º 8.429/92 estabelece que a ação de improbidade administrativa seja instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato ímprobo ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

A delação premiada não é prova de um delito, ela é o início da busca de provas, que irão confirmar ou rejeitar os termos do conteúdo da mesma, não se equiparando a indício da prática de ato de improbidade administrativa.

A justa causa, como dito pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho[xvi]

“é o ponto de apoio e mesmo a coluna mestra de qualquer imputação de ilícito, a quem quer que seja.”

Assim ficou ementado o v. acórdão do AgInt no AI em REsp nº 790.275-RJ:

1. Esta Corte Superior tem a diretriz de que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade também deve ser juridicamente fundamentada, não se dispensando a criteriosa identificação da presença de justa causa.

2. A justa causa é o ponto de apoio e mesmo a coluna mestra de qualquer imputação de ilícito, a quem quer que seja. Se assim não fosse, seriam admissíveis as imputações genéricas, abstratas, desfundamentadas, deslastreadas de elementos fáticos ou naturalísticos, ficando as pessoas ao seu alcance, ainda que não se demonstrem atos subjetivos praticados por elas (AgInt noAResp 961.744/RJ, Rel. p/Acórdão Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 03.04.2019).

3. Na presente demanda, cinge-se a controvérsia em sindicar a validade do procedimento desempenhado na Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, especialmente quanto aos requisitos de fundamentação da decisão que recebe ou rejeita a petição inicial.

4. Em notável julgado ilustrativo, a 1a. Turma desta Corte Superior, acompanhando voto do ilustre Ministro BENEDITO GONÇALVES, proclamou a nulidade de decisão que recebeu a inicial da ação civil pública, tendo em vista a total ausência de fundamentação, na medida em que limitou-se a dizer de acordo com os documentos, recebo a inicial, cite-se, deixando de apreciar, ainda que sucintamente, os

argumentos aduzidos pelo ora recorrente em sua defesa prévia (AgRg no REsp. 1.423.599/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 16.5.2014).

5. Na espécie, a leitura do aresto fluminense permite verificar há apenas e tão somente extensa teorização acerca dessa importante fase inicial das ações de improbidade, sem que, contudo, se dedicasse efetivamente à espécie, restringindo-se a afirmar apenas que o respeito ao direito de ação insculpido no artigo 5º., XXXV da Constituição Federal, bem como a dilação probatória em contraditório, permitirão aos agravantes, inclusive, comprovar de forma cabal, que não estão envolvidos na situação fática que demandou todo o procedimento administrativo de investigação pelo Ministério Público Estadual (fls. 88). Se assim fosse, se inverteria o ônus da prova e se aboliria a presunção de inocência.

6. Como se vê, o julgado de origem não desce nem o mínimo às particularidades ao caso concreto quanto aos indícios de autoria e à prova da materialidade do fato, para além da justa causa de desate da ação civil pública. Este julgado se prestaria para qualquer ação de improbidade.

7. Nada se sabe a respeito dos argumentos de defesa do acusado e nem mesmo aos fatos da causa, de modo que esta Corte Superior fica impossibilitada de fazer qualquer aferição ou valoração da prova sobre o juízo de admissibilidade das Instâncias Ordinárias, até porque a argumentação do acusado contém severo ataque à sua presença no polo passivo da lide, razão pela qual o Órgão Julgador deve apresentar adequada e especificada resposta aos argumentos, acolhendo-os ou rejeitando-os. Nulificação do acórdão imponente para o caso. 

8. Agravo Interno do Órgão Acusador desprovido.”

Não havendo indícios da prática de ato de improbidade em face da colaboração premiada, a petição inicial deve ser rejeitada, com esteio no disposto do § 8º, do art. 17, da Lei nº 8.429/92.

Em abono ao que foi dito, segue o voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, nos autos do AgInt no Agravo em REsp nº 790.275/RJ:

7. Assim, se, da narrativa do Órgão Acusador, houver elementos que permitam ao julgador se convencer da ausência das condições de prosseguimento da Ação de Improbidade Administrativa – reconhecendo a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita (art. 17, § 8o. da LIA) –, deverá rejeitar o processamento do feito.

8. Referido dispositivo (art. 17, § 8o. da LIA) é, sem dúvida alguma, uma conquista do garantismo inserta na própria Lei de Improbidade, pois na lição do ilustre Professor MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS, representa um constrangimento, de qualquer maneira, para qualquer pessoa, ser processado. Uma autoridade pública, quando é processada, tem um desgaste muito maior que qualquer cidadão, porque o simples fato de ser processado tem grande repercussão política na pessoa (O Limite da Improbidade Administrativa. Comentários à Lei 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 553).

9. Efetivamente, as Ações Civis Públicas de Improbidade Administrativa, por possuírem o peculiar caráter sancionador estatal, assemelham-se às ações penais e exigem, dessa maneira, um quarto elemento para o preenchimento das condições da ação - e consequente viabilidade da pretensão do autor: a justa causa, correspondente a um lastro mínimo de provas que comprovem a prática da conduta ímproba (materialidade) e indícios de autoria do imputado.

10. Com efeito, o art. 17, § 8º. da Lei 8.429/1992 permite que o Juiz estanque, de ofício, o curso da lide de improbidade, isso já no pórtico da iniciativa do autor, logo após aquele contraditório preliminar, breve e sumário, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

11. Inegavelmente, a prudência e a diligência esperadas do promovente da sensível Ação de Improbidade também são dirigidas ao Juiz, que, na formação de um juízo preliminar de plausibilidade de sucesso da iniciativa processual, não deve se deixar impressionar pela veemência da argumentação autoral, por mais elevados que sejam os seus propósitos.

12. Não se há de perder de vista que, em todos os ramos do Direito Sancionador, devem ser sempre respeitadas as garantias que cercam o exercício do jus puniendi estatal, culturalmente consagradas no Processo Penal moderno, que agasalha a regra constitucional do devido processo legal que, uma vez desrespeitada, produz inevitavelmente a nulidade de todo o processo em que ocorreu. Corroborando esse entendimento, cumpre novamente trazer à baila a lição do douto Professor MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS:

O prévio juízo de admissibilidade da ação regularmente instruída segue o ritual do contraditório, no melhor estilo democrático processual, em que o autor e réu possuem a liberdade de expor suas razões da maneira mais cristalina possível, para que o magistrado possua elementos sólidos para que, em uma cognição sumária, não exauriente, possa aferir se a ação de improbidade administrativa possui elementos sólidos ou não passa de criação intelectual do seu subscritor, sem viabilidade jurídica concreta (op. cit., p. 558/560).”

Dessa forma, deve ser rejeitada a petição inicial.


CONCLUSÃO

O ingresso da ação de improbidade administrativa não pode ser lastreado no “ouviu dizer” ou embasado em depoimento ou confissão, objeto de delação premiada, como já dito alhures.

Necessita a petição inicial de regularidade formal, onde o ilícito imputado aos acusados deve vir precedido de viabilidade jurídica, a fim de se evitar o manejo de natimortas ações de improbidade administrativas.

O rigor é total, pois sendo a Lei n.º 8.429/92 uma norma vaga e aberta, o legislador exigiu que fossem, desde o início, demonstrados os índicos da prática do ato ímprobo, como condição mínima de seu manejo.

Isso significa dizer que a autoria e a materialidade devem estar invencivelmente demonstradas nas provas que carreiam a referida ação de improbidade administrativa, para que ela seja subsistente e não temerária.

Deve ser indeferida, via de consequência, a petição inicial que não demonstre, com precisão, a prática do ato de improbidade, porquanto a demonstração do elemento subjetivo que conecte a conduta do agente ao fim ímprobo, não é aquela demonstrada revelada em uma delação premiada, que somente se baseia na “palavra” livre do acusado ou suspeito que faz a aludida transação penal e, sim, em outros idôneos meios de prova que atestem a existência de que há autoria e materialidade na prática do ato de improbidade administrativa.

Consoante o disposto no artigo 17, § 8º, da Lei n.º 8.429/92, a rejeição da ação de improbidade administrativa está vinculada ao convencimento motivado do juízo quanto à inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou à inadequação da via processual eleita.

Por isso o contexto fático-probatório deve ser suficientemente explicitado na petição inicial, capaz de comprovar a prática de ato de improbidade, tendo em vista que a delação premiada, como objeto de transação entre o Estado e o acusado, não serve isoladamente como elemento de base de prova capaz de induzir a admissibilidade da ação de improbidade administrativa.

Há que se ter a efetiva caracterização dos elementos subjetivos e objetivos indispensáveis à tipificação e à punibilidade de atos de improbidade revelados por outros confiáveis tipos de provas (documentos, perícias, provas testemunhais, etc.)

Portanto, deve ser inadmitida a ação de improbidade administrativa que se revele carente do seu dever de demonstrar, logo em sua petição inicial, da existência de provas que conduzam a plausibilidade do direito invocado.

Como é recente, e ainda pouco explicitado o presente tema sob o prisma da improbidade administrativa, resolvemos estudar o impacto da delação premiada sob o âmbito de uma possível admissibilidade da petição inicial, para que não haja graves e injustas ações, manejadas sem um mínimo de plausibilidade jurídica e movidas por insubsistentes meios de acusação.

A delação premiada surte o efeito desejado no âmbito criminal, e é importante para desarticular quadrilhas e revelar detalhes de possíveis crimes ou esquemas inescrupulosos.

Não somos contra o referido instituto para os fins que a lei o destinar. Pelo contrário, através da delação premiada, muitas verdades virão à tona, e “esquemas” de corrupção poderão ser coibidos ou punidos, após a devida investigação e comprovação das imputações.

Contudo, o que é aplicado no direito penal apesar de quase sempre balizar o direito sancionador, quando transposto para a improbidade administrativa, deve se compatibilizar com a presente esfera, para que não seja aplicado por analogia, trazendo graves consequências injustificadas para a parte acusada ilegítima ou irresponsável.

Por isso todo o cuidado e zelo ao direito não é suficiente quando se trata de direito sancionador e a sua efetiva aplicação nos diversos ramos do direito.

Deve o Ministério Público aprofundar-se no objeto da delação e produzir provas indiciárias robustas que, de plano, demonstrem que a ação de improbidade administrativa possui viabilidade perante a Lei n.º 8.429/92.

E, matéria de prova, e na dúvida acerca da oportunidade da sua produção, deve-se, num juízo de razoabilidade, optar pelo deferimento, dentro dos padrões da ampla defesa, especialmente no caso, onde se investiga a prática do ato de improbidade administrativa, permitido que haja uma investigação mais técnica e robusta, não necessariamente exauriente, com a finalidade de embasar a futura petição inicial do Ministério Público.

Não resta dúvida que a delação premiada serve como ponto de partida de uma investigação cível através do inquérito civil, mas jamais ela possui o requisito legal elencado pela Lei n.º 8.429/92, para dar início à ação de improbidade administrativa.

Em sendo assim, a petição inicial que somente traga a delação premiada como meio de prova, não cumpre o requisito formal a que impõe o artigo 17, § 6º, da Lei n.º 8.429/92, salientando-se que não pode ser aplicada por analogia.

Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2020.


[i] JORDI. Nierva Fennoll. La Valoración de la prueba.Marcial Pons, 2010. P. 244.

[ii] STF, Rel.  Min. Gilmar Mendes, Inq nº 4458, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018.

[iii] STF, Rel. Min. Dias Tofolli, Inf. 3994 – Ed segundos, 2ª T., julgado em 7.08.2018.

[iv] STF, rel. Min. Gilmar Mendes, MCRCL 43.479/RJ, despachado em 03/10/2020.

[v] STF, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Inquérito nº 4.074/DF, 2ª T., julgado em 14.08.2018.

[vi] STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Nona Extensão na Reclamação nº 36.542/PR, despacho de 20.08.2020.

[vii] STF, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Inf nº 407/DF, 2ª T., julg. Em 14.08.2018.

[viii] STF, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Inf. nº 407/DF, 2ª T., julg. Em 14.08.2018.

[ix] STF, Inq. Nº 4.118/DF, voto do Min. Dias Toffoli.

[x] Art. 5º, LIV, CF – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[xi] CANÁRIO, Pedro. Em Parecer, MPF defende prisões preventivas para forças réus a confessar. In Boletim de Notícias Conjur. Disponível em: <hppt://conjur.com.com.br/2014-nov-27-/parecerpmpf-defende-presoes-preventivas-confissoes>. Acesso em 25/03/2020; SETECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam. “O passarinho para cantar precisa estar preso”. Viva a Inquisição! In Boletim de Notícias Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-nov-29/diario-classe-passarinho-pra-cantar-estar-preso-viva-inquisicao. Acesso em 25/03/2020.

[xii] Provimento do STJ, e Recurso em Habeas Corpus (RHC93800/PR, Rel. Min. Rogério Schietti, 6ª T., In DJ 01.10.2018) trancada a ação  ajuizada com lastro exclusivo em colaboração premiada.

[xiii] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. V.2. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 727-728).

[xiv] STF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Repercussão Geral no RE com Agravo nº 1.175.650/PR, Pleno, DJ de 12.04.2019.

[xv] STF, Rel. Min. Dias Toffoli, HC nº 127.483/PR, Pleno, DJ de 4.02.2016.

[xvi] STJ, Rel. Min, Napoleão Nunes Maia Filho, AgInt no AI em REsp 790.275/RJ, 1ª T., julgado em 06.05.2020


Autores

  • Anelise Rocha Assumpção

    Anelise Rocha Assumpção

    Graduanda em Direito na Universidade Candido Mendes - RJ

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  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Anelise Rocha; MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6701, 5 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86860. Acesso em: 18 abr. 2024.