Desconsideração da personalidade jurídica do Código Civil à luz do STJ

19/02/2015 às 14:12
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Análise de um caso de desconsideração da personalidade jurídica do Código Civil com base no entendimento mais recente do STJ-28 de Janeiro de 2015. Tem que ser demonstrado o abuso da personalidade jurídica, não sendo suficiente a dissolução irregular.

STJ: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL

EREsp 1306553

SITUAÇÃO FÁTICA

Frigorífico R. S/A, credor, executou Comércio de Carnes V. V. LTDA, em virtude de ter recebido cheques que retornaram por insuficiência de fundos em 1998 no valor aproximado de 30 mil reais. Durante a execução, o credor não encontrou bens suficientes para resolver a dívida. De modo em que atravessou uma petição de desconsideração da personalidade jurídica com base no artigo 50 do Código Civil. Alegou substancialmente que a Executada encerrou as atividades de modo irregular, pois não seguiu os tramites legais. Porém, o Credor deixou de demonstrar, detalhadamente, o abuso da personalidade jurídica: confusão patrimonial ou/e desvio de finalidade, requisitos do artigo 50 do Código Civil.

A dinâmica processual

O Juiz deferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina reverteu a decisão. A Credora recorreu ao STJ,  no qual, tanto o Ministro Relator, quanto a Terceira Turma, deferiram novamente o pedido, sob o argumento de que a dissolução irregular é sim motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, a Devedora interpôs embargos de divergência ao demonstrar que a 4º Turma do STJ tinha entendimento oposto. O caso foi levado a Segunda Seção do STJ, a qual reúne as Turmas de julgamentos especializadas em direito privado.


SITUAÇÃO JURÍDICA

A desconsideração da personalidade jurídica significa, essencialmente, o descumprimento episódico (eventual), pelo Poder Judiciário, da personalidade autônoma de uma pessoa jurídica, com o propósito de permitir que seus sócios respondam com seu patrimônio pessoal pelos atos abusivos ou fraudulentos praticados sob o véu societário. (FARIAS. Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil. Volume 1. Editora JusPodivm: Salvador.10º Ed. P. 452. )

O ponto neural do caso em foco e sob o qual o STJ se debruçou reside justamente aqui: para a desconsideração da personalidade jurídica com base no artigo 50 do Código Civil quais são os requisitos que precisam ser cumpridos? Basta a demonstração do encerramento irregular ou é necessário também o abuso da personalidade jurídica?

Primeiramente cumpre destacar como bem lembrou a Ministra Isabel Galotti que a presente figura processual da desconsideração está presente em diversos diplomas legislativos, tais como: Código de Defesa do Consumidor (artigo 28); Lei 9.605/98 (artigo 4º) e Código Tributário Nacional (art. 137,VII). E cada um desses diplomas aborda a desconsideração da personalidade jurídica de forma específica. Enquanto alguns preveem requisitos mais estreitos, outros podem ser mais amplos. De maneira em que a análise desse instituto deve ser vista de acordo com o Microssistema, no qual está inserido.

No caso em foco, é o Código Civil que rege o tema. E em seu artigo 50 estão expressos os requisitos: o abuso da personalidade jurídica mediante o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

Em outro giro é importante destacar acercas das principais teorias doutrinárias que regem o tema:

Teoria menor     x   Teoria Maior

A doutrina civilista é unânime na consideração de que o Código Civil adotou a teoria maior; porém em outros diplomas legislativos como no Código de Defesa do Consumidor é patente que em alguns casos se aplica a teoria menor. Mas qual a grande diferença entre elas:

A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isso té, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do §5º do art. 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. (STJ, Ac 3ª t., REsp. 279.273/SP, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. 4.12.03)

O QUE DECIDIU O STJ

O STJ optou pela adoção da teoria maior e consolidou o entendimento que pode ser resumido nas seguintes palavras:

A excepcional penetração no âmago da pessoa jurídica, com o levantamento do manto que protege essa independência patrimonial, exige a presença do pressuposto específico do abuso da personalidade jurídica, com a finalidade de lesão a direito de terceiro, infração da lei ou descumprimento de contrato. O simples fato da recorrida ter encerrado suas atividades operacionais e ainda estar inscrita na Junta Comercial não é, por si só, indicativo de que tenha  havido fraude ou má-fé na condução dos seus negócios [...]" (REsp. n. 876974/SP, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 27-8-2007).

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Por fim, a Relatora concluiu:

“Não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial”.

Desse modo, o pedido do Credor foi indeferido, pois o Credor apenas demonstrou a dissolução da sociedade de maneira irregular sem especificar qualquer abuso por parte dos sócios.

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Sobre o autor
Ivan Morais

Advogado formado em Direito pela Universidade de Brasília.<br>Sócio Fundador do Morais Ribeiro e Advogados Associados<br>Fundador e colunista do site capitaljuridica.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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