Os chamados crimes hediondos são os que, normalmente, mais chocam a opinião pública. Porém, de um tempo para cá, outro crime que tem mexido com a sociedade é o de corrupção política, por envolver o dinheiro público. Tanto que há um projeto tramitando no Congresso que prevê transformar tal delito em crime hediondo. A ideia é incluir o crime de corrupção a outros que já estão na lista de infrações penais que, do ponto de vista da Criminologia, estão no topo da pirâmide da desvalorização humana, como os de extermínio, latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, tráfico, tortura, terrorismo, entre outros que são praticados com requinte de crueldade e perversão.
Desde o episódio do Mensalão - escândalo que expôs a prática de compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional brasileiro, entre os anos de 2005 e 2006, e que levou vários políticos para a prisão -, que parte da população passou a olhar com mais atenção para este tipo de infração. Mas o que realmente atingiu em cheio a paciência do cidadão brasileiro, historicamente extorquido por maus políticos e agentes públicos em geral, foi a deflagração da Operação Lava Jato, em março de 2014, a maior da História do país, segundo a Polícia Federal, que apura esquema de lavagem de dinheiro na Petrobras envolvendo grandes empreiteiros, executivos e políticos.
Enquanto o país sofre com uma crise econômica que atinge a todos e a população carece de serviços públicos básicos de saúde, segurança e educação, bilhões estão sendo desviados dos cofres públicos para contas de alguns partidos, empresas e pessoas físicas. Tornar o crime de corrupção como qualquer outro crime hediondo é anseio da sociedade em geral sem precedente da história republicana.
O que diferencia, por exemplo, a conduta de um traficante de drogas, bandido cruel ou homicida perverso, de um político, que chega no Congresso com o voto de confiança do eleitorado, e deixa parte desses eleitores morrerem na fila de um hospital por falta de recursos públicos desviados? Isto acaba despertando um desejo coletivo de justiça e desigualdade pelos privilégios desses réus, muito piores do que outros bandidos que respondem por crimes hediondos.
A defesa de clientes impopulares
O professor de Direito Criminal J. Haroldo dos Anjos, autor do livro “As raízes do Crime Organizado”, acredita que as pessoas começaram a fazer este questionamento, depois do famoso caso Nardoni X Isabela em que uma criança foi assassinada brutalmente, supostamente pelo próprio pai e madrasta, ao ser jogada pela janela de um apartamento na cidade de São Paulo. Um crime hediondo que, compreensivelmente, despertou clamor e revolta na opinião pública.
– Na época, o advogado Roberto Podval, que atuou no caso, quase foi linchado pelo público em frente ao fórum da cidade onde foi realizado o julgamento, provavelmente pela revolta popular causada pela irreverência em sua tese de defesa de negativa de autoria – recorda J. Haroldo dos Anjos também advogado criminalista no Rio de Janeiro.
No caso de corrupção, defender “inimigos públicos nacionais” acabou se tornando um desafio para os advogados. Para o especialista J. Haroldo, é um verdadeiro sacrifício para esses profissionais da advocacia, pois acabam se deparando com três tipos de problemas: a opinião pública, o sigilo profissional e o recebimento de seus honorários. Isso tudo fora as ameaças que acabam surgindo por parte de pessoas que detém poderes político e econômico.
Segundo noticiado na imprensa, isso aconteceu, recentemente, com a advogada Beatriz Catta Preta, que acabou se especializando em “delação premiada” ao defender nove dos envolvidos no esquema de propina na Petrobras, após fazer vários acordos para livrar seus clientes arrolados no processo da operação Lava Jato, comandada pelo Juiz Federal Sergio Moro, em Curitiba. Logo depois, se viu obrigada a abandonar o caso e fechar as portas de seu escritório com medo de retaliação ou até mesmo ser punida pelo sistema.
Em entrevista ao Jornal Nacional, na Rede Globo de Televisão, ela declarou que estaria sendo “ameaçada de forma velada” por políticos membros da CPI da Petrobras. A declaração caiu como uma bomba no meio político e jurídico, principalmente porque a própria CPI cogitou investigar a procedência dos honorários advocatícios da criminalista. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, no entanto, classificou como “ilegal” qualquer tentativa de investigar a origem de honorários quando o advogado prestar o serviço regularmente no exercício da profissão”.
Há advogados, porém, que não se intimidam e estão sempre em foco justamente por pegarem esses “abacaxis jurídicos”, como é o caso do já citado Dr. Roberto Podval, que defendeu os Nardoni e, atualmente, trabalha na defesa de outro cliente polêmico, condenado no processo do Mensalão, no qual cumpria pena de prisão domiciliar e agora foi preso na 17ª fase da operação Lava Jato: o petista José Dirceu, ex-ministro e Chefe da Casa Civil na gestão do ex-presidente Lula com forte risco de ter a prisão decretada.
Há limites no sigilo entre cliente e advogado?
A partir de então, muito se tem falado sobre qual seria o limite da atuação de um advogado criminal diante da ética que norteia o exercício da profissão em razão das leis penais. Afinal, qual o papel do advogado nesses casos sinistros em tempos de delação premiada? O advogado é obrigado a manter um compromisso com a verdade no caso em que atua? Há limite no sigilo entre cliente e advogado no exercício da defesa e colaboração premiada com a justiça?
O especialista em defesa criminal J. Haroldo, que já sentiu na pele a difícil tarefa de defender réus impopulares, ao ser advogado dos policiais no polêmico caso AfroReggae, em 2009, explica que, na defesa do cliente, o advogado deve ser sereno e não pode induzi-lo a faltar com a verdade ou confessar o crime, mas também não comete nenhuma ilegalidade se ocultar os fatos que tem conhecimento, ou orientar os clientes a delação para reduzir sua pena ou ter um outro benefício. Para ele, os tempos mudaram e, dependendo da situação, é melhor a confissão ou colaboração premiada com a justiça do que permanecer em silêncio. E acentua:
Para ele, os tempos mudaram e, dependendo da situação, é melhor a confissão ou colaboração premiada com a justiça do que permanecer em silêncio.
– Os advogados têm o dever legal de reivindicar todos os esforços possíveis em defesa de seus clientes. Não é lícito ao advogado orientar o seu cliente de forma criminosa, até porque está sujeito ao crime de falso testemunho ou falsa perícia em concurso de pessoas, mas tem obrigação do dever de sigilo dos fatos que tomou conhecimento em razão da profissão.
No caso de colaboração premiada, não há crime do advogado. A boa ética recomenda orientar o acusado a não suportar o sacrifício ou prejuízo do direito de defesa, esclarece J. Haroldo, que afirma não haver qualquer inconstitucionalidade nesse instrumento usado pelo juiz Sergio Moro.
– Todo réu está protegido por uma regra jurídica reconhecida, internacionalmente, de que ninguém está obrigado a confessar a prática de um crime ou produzir prova contra si mesmo nos processos judiciais, mas não é o caso da colaboração premiada, autorizada legalmente na repressão às organizações criminosas, explica.
O professor e criminalista diz que o advogado pode, sim, receber seus honorários de qualquer réu; o que ele não pode é concorrer com a prática do crime que deu origem ao seu pagamento. Ele não pode é ocultar bens de procedência criminosa, facilitar a prática de lavagem de dinheiro ou aderir direta ou indiretamente com a conduta dos delinquentes, como, por exemplo, movimentar dinheiro de organizações criminosas, auxiliar a prática de crimes financeiros ou contra patrimônio público e, sobretudo, associar-se de qualquer forma para prática de crimes ou organizações criminosas.
– Não é falta de ética o advogado criminalista lutar e usar todos os meios de provas lícitas e expedientes legais para inocentar o seu cliente por mais grave que seja sua conduta e envolvimento, mesmo nos casos de crimes hediondos ou que tenham forte apelo popular, caso de corrupção e outros crimes recentemente investigados pelo assalto à Petrobras. Qualquer que seja a conduta de um advogado criminal, amparado pelas leis humanas, é legítima. Não há que se falar em falta de ética por inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão, com respaldo nas leis penais e Constituição da República – finaliza o advogado J Haroldo dos Anjos.