Petição Destaque dos editores

Lei Ficha Limpa estadual e suas inconstitucionalidades.

O caso de Santa Catarina

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23/10/2011 às 07:48
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II – segundo precedente

"RE 565519/DF

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: POLÍCIA MILITAR

DO DISTRITO FEDERAL. CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS (PM/DF). CABO PM. NÃO CONVOCAÇÃO PARA PARTICIPAR DESSE CURSO, PELO FATO DE EXISTIR, CONTRA REFERIDO POLICIAL MILITAR, PROCEDIMENTO PENAL EM FASE DE TRAMITAÇÃO JUDICIAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSGRESSÃO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

- A recusa administrativa de inscrição em Curso de Formação de Sargentos da Polícia Militar, motivada, unicamente, pelo fato de haver sido instaurado, contra o candidato, procedimento penal, inexistindo, contudo, condenação criminal transitada em julgado, transgride, de modo direto, a presunção constitucional de inocência, consagrada no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.

- O postulado constitucional da presunção de inocência impede que o Poder Público trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. Precedentes.

Publique-se. Brasília, 13 de maio de 2011."

23. As duas decisões antes citadas, trataram de concurso público, provimento de cargo público.

24. E para mostrar a higidez de nossa tese, colacionamos entendimento retirado em tema de inelegibilidade, justamente no caso da lei ficha limpa, no dispositivo nacional identificado com o dispositivo estadual em foco. E mais. Precedente do STF, também do grande Ministro Celso de Mello. Atentemos que o tema da improbidade administrativa, trânsito em julgado, etc, tal qual o debatido nesta representação, ressoa com eloqüência na pena do Ministro Celso, de modo favorável as teses ora defendidas:

"AC 2763-MC/RO*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA:

REGISTRO DE CANDIDATURA

. LEI COMPLEMENTAR Nº 135, DE 04 DE JUNHO DE 2010. (...)

PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL

QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA (ADPF 144/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO). PRERROGATIVA ESSENCIAL, IMPREGNADA DE EFICÁCIA IRRADIANTE, ESPECIALMENTE AMPARADA, EM TEMA DE DIREITOS POLÍTICOS, PELA CLÁUSULA TUTELAR INSCRITA NO ART. 15, III, DA CARTA POLÍTICA, QUE EXIGE, PARA EFEITO DE VÁLIDASUSPENSÃO DAS DIMENSÕES (ATIVA EPASSIVA) DA CIDADANIA, O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL.

O ALTO SIGNIFICADO

POLÍTICO-SOCIAL E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR, MESMO QUE FUNDADA NO § DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, PELO FATO DE REFERIDA ESPÉCIE NORMATIVA QUALIFICAR-SE COMO ATO HIERARQUICAMENTE SUBORDINADO À AUTORIDADE DO TEXTO E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

DECISÃO

DO E. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL QUE DENEGOU REGISTRO DE CANDIDATURA, SOB O FUNDAMENTO DA MERA EXISTÊNCIA, CONTRAO CANDIDATO, DE CONDENAÇÃO PENAL EMANADA DE ÓRGÃO COLEGIADO, EMBORA QUESTIONADA ESTA EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. CONSEQÜENTE INEXISTÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE REFERIDA CONDENAÇÃO CRIMINAL. (...).

DECISÃO:

(...)

Passo à análise

do pedido. E, ao fazê-lo, entendo assistir razão à parte ora requerente, (...) pela alegada ofensa à presunção constitucional de inocência e ao que dispõe o art. 15, III, da Lei Fundamental da República.

Quanto a este último aspecto, tenho presente a decisão que esta Suprema Corte proferiu no julgamento da ADPF 144/DF, de que fui Relator, e que restou consubstanciado na seguinte ementa:

"(...) MÉRITO: RELAÇÃO ENTRE PROCESSOS JUDICIAIS, SEM QUE NELES HAJA CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, E O EXERCÍCIO, PELO CIDADÃO, DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA – REGISTRO DE CANDIDATO CONTRA QUEM FORAM INSTAURADOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE NATUREZA CRIMINAL, EM CUJO ÂMBITO AINDA NÃO EXISTA SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO – (...)

– PROBIDADE ADMINISTRATIVA, MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO, ‘VITA ANTEACTA’ E PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA – SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS E IMPRESCINDIBILIDADE, PARA ESSE EFEITO, DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL (CF, ART. 15, III) – (...)

(...) – PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME JURÍDICO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA –

O TRATAMENTO

DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE CARÁTER REGIONAL QUANTO AS DE NATUREZA GLOBAL –

O PROCESSO PENAL

COMO DOMÍNIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA –

EFICÁCIA IRRADIANTE

DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA –

POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO

DESSE PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO PROCESSO ELEITORAL –

HIPÓTESES

DE INELEGIBILIDADEENUMERAÇÃO EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 14, §§ 4º A 8º) – RECONHECIMENTO, NO ENTANTO, DA FACULDADE DE O CONGRESSO NACIONAL, EM SEDE LEGAL, DEFINIR ‘OUTROS CASOS DE INELEGIBILIDADE’ – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 14, § 9º) –

IMPOSSIBILIDADE

, CONTUDO, DE A LEI COMPLEMENTAR, MESMO COM APOIO NO § 9º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA, QUE SE QUALIFICA COMO VALOR FUNDAMENTAL, VERDADEIROCORNERSTONEEM QUE SE ESTRUTURA O SISTEMA QUE A NOSSA CARTA POLÍTICA CONSAGRA EM RESPEITO AO REGIME DAS LIBERDADES E EM DEFESA DA PRÓPRIA PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA –

PRIVAÇÃO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA E PROCESSOS, DE NATUREZA CIVIL, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NECESSIDADE, TAMBÉM EM TAL HIPÓTESE, DE CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL – COMPATIBILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 (ART. 20, ‘CAPUT’) COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 15, V, c/c O ART. 37, § 4º) – O SIGNIFICADO POLÍTICO E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA – (...)."

(ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Com efeito, sabemos todosque a presunção de inocência – que se dirige ao Estado, para lhe impor limitações ao seu poder, qualificando-se, sob tal perspectiva, como típica garantia de índole constitucional, e que também se destina ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado – representa uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a opressão do poder.

(...)

Daí a regra de prudência estabelecida no art. 15, III, da Constituição da República, a exigir, para efeito de suspensão temporária dos direitos políticos, notadamente da capacidade eleitoral passiva, vale dizer, do direito de ser votado, o trânsito em julgado da condenação judicial.

A exigência de coisa julgada

que representa, na constelação axiológica que se encerra em nosso sistema constitucional, valor de essencial importância na preservação da segurança jurídica - não colide, por isso mesmo,com a cláusula de probidade administrativa nem com a que se refere à moralidade para o exercício do mandato eletivo, pois a determinação de que se aguarde a definitiva formação da autoridade da "res judicata", além de refletir um claro juízo de prudência do legislador, quer o constituinte (CF, art. 15, III), quer o comum (LC nº 64/90, art. 1º, I, "d", "g" e "h"), encontra plena justificação na relevantíssima circunstância de que a imposição, ao cidadão, de gravíssimas restrições à sua capacidade eleitoral, deve condicionar-se ao trânsito em julgado da sentença, seja a que julga procedente a ação penal, SEJA AQUELA QUE JULGA PROCEDENTE A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92, ART. 20, "CAPUT").

(...)

Veja-se, desse modo, que a privação temporária (suspensão) dos direitos políticos - de que resulta a perda da elegibilidade como conseqüência de condenação criminal transitada em julgado (CF, art. 15, III) ou da procedência definitiva da sentença que julga a ação civil de improbidade administrativa ou a representação em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político (Lei nº 8.429/92, art. 20, "caput", c/c a LC nº 64/90, art. 1º, I, "d", "g"e "h") - acha-se condicionada à estrita observância do trânsito em julgado do respectivo ato sentencial.

Essa exigência de irrecorribilidade atende à própria racionalidade do sistema de direito positivo, considerados os fundamentos que justificam a coisa julgada como um dos valores estruturantes do Estado democrático de direito.

Presente

esse contexto, não vejo como possa o respeito ao instituto da coisa julgada traduzir transgressão à exigência de probidade administrativa e de moralidade para o exercício do mandato eletivo.

Inexiste, na realidade, qualquer situação de antinomia entre esses valores constitucionais, pois eles convivem, harmoniosamente, em nosso sistema normativo, na medida em que a observância do trânsito em julgado de sentenças, cujos efeitos afetam e restringem, gravemente, a esfera jurídica de quem é condenado, apenas confere certeza e prestigia a segurança jurídica, que também se qualifica como valor constitucional a ser preservado.

Esse, pois, o sentido de racionalidade que se mostra ínsito às cláusulas, que, fundadas na Constituição e na legislação comum, condicionam a eficácia supressiva da elegibilidade de qualquer cidadão à prévia consumação do trânsito em julgado da sentença, penal ou civil, que contra ele foi proferida.

Como anteriormente assinalado, a Constituição de 1988, tratando-se de condenação penal (único fundamento que dá suporte ao acórdão do Tribunal Superior Eleitoral impugnado no RE 633.707/RO), erigiu-a em causa suspensiva dos direitos políticos, desde que "transitada em julgado" (CF, art. 15, III).

(...)

A perda

da elegibilidade constitui situação impregnada de caráter excepcional [assim como a perda da acessibilidade a cargos ou empregos públicos, acrescentamos!], pois inibe o exercício da cidadania passiva, comprometendo a prática da liberdade em sua dimensão política, eis que impede o cidadão de ter efetiva participação na regência e na condução do aparelho governamental.

Por tal motivo, o constituinte impôs, como requisito necessário à suspensão dos direitos políticos, na hipótese de condenação penal (único fundamento que dá sustentação à decisão do TSE impugnada no RE 633.707/RO), o trânsito em julgado da respectiva sentença, pois a gravidade dos efeitos inibitórios que resultam da sentença penal condenatória mostra-se tão radical em suas conseqüências na dimensão político-jurídica do cidadão, que tornou imprescindível, por razões de segurança jurídica e de prudência, a prévia formação da coisa julgada.

(...)

Cabe rememorar

, neste ponto, por relevante, os fundamentos pelos quais o eminente Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, mesmo em votos vencidos, como aquele proferido no julgamento, pelo TSE, do Recurso Ordinário nº 4.189/RJ, entendia, com absoluta razão, ser inconstitucional a norma inscrita no art. 1º, inciso I, alínea "n", da Lei Complementar nº 5/70:

"(...) Por que admitir que o simples fato de pendência de um processo, com denúncia oferecida e recebida, pese indelevelmente sobre a moralidade de alguém, a ponto de lhe acarretar o ônus brutal da inelegibilidade? Não posso admitir. E não posso admitir, porque estou lidando com princípios eternos, universais, imanentes, que não precisam estar inscritos em Constituição nenhuma.

Mas

, por acaso, esse princípio, se não está expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, está inscrito, de modo o mais veemente e peremptório, na famosa ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, que é capítulo de uma inexistente, mas evidente Constituição de todos os povos. O Brasil contribuiu, com sua participação e voto, para que a Terceira Assembléia Geral das Nações Unidas, há mais de 25 anos, aprovasse uma ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, e essa declaração insculpiu, no primeiro inciso do seu art. 11, esta regra de verdadeira Moral e do mais límpido Direito:

‘Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada, de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa’.

Este princípio é inerente ao nosso regime, pois está compreendido entre aqueles que a Constituição adota. Não precisa ele estar nela explicitado, em letra de forma. Basta que o comparemos com o regime da Constituição brasileira (...), tanto que ela o inscreve como um daqueles bens jurídicos que se devem preservar no estabelecimento das inelegibilidades. Basta que comparemos o princípio com o regime, a vermos se há entre eles coincidência ou repulsa. É evidente que a coincidência é a única alternativa. O Brasil proclamou, num documento internacional e no regime que adotou, essa verdade universal, que, insisto, não precisa estar inscrita em lei nenhuma, porque é principio ético e jurídico, imanente.

O fato de alguém responder a processo criminal adere, objetivamente, à sua vida. Ninguém, que respondeu a um processo criminal, retira jamais esse episódio da sua história pessoal. Mas não pode ele, por si só, comprometer a moralidade do cidadão, que deve ser presumido inocente enquanto não for julgado culpado." (grifei)

(....)

Extremamente esclarecedoras

, e muito atuais, as razões com que o eminente e saudoso Ministro OSCAR CORRÊA, na condição de Relator, fundamentou, em referido julgamento, o seu douto voto:

"(...) Não há como querer distinguir entre efeitos da sentença condenatória para fins comuns e para fins especiais, como seriam os da lei de inelegibilidade. Tal distinção – que não se encontra em nenhum texto e não nos cabe criar – não tem razão de ser, tanto mais excepcionada contra o réu, para agravar-lhe a situação.

Na verdade

, quando a lei – qualquer que seja – se refere a condenação, há que se entender condenação definitiva, transitada em julgado, insuscetível de recurso que a possa desfazer.

Nem se alegue

(...) que ‘essa interpretação era a que se coadunava com a moralidade que o art. 151, IV da Constituição visa a preservar’: há que preservar a moralidade, sem que, sob pretexto de defendê-la e resguardá-la, se firam os direitos do cidadão à ampla defesa, à prestação jurisdicional, até a decisão definitiva, que o julgue, e condene, ou absolva.

Não preserva a moralidade interpretação que considera condenado

quem o não foi, em decisão final irrecorrível. Pelo contrário: a ela se opõe, porque põe em risco a reputação de alguém, que se não pode dizer sujeito a punição, pela prática de qualquer ilícito, senão depois de devida, regular e legalmente condenado, por sentença de que não possa, legalmente, recorrer.

11. Nem vem ao caso (...) discutir aqui, como se debateu larga, proficiente e notavelmente no RE 86.297 (RTJ 79/671) o problema da presunção de inocência, se dele prescindo para a conclusão a que viso. (...)

12. Este (...) aspecto que não pode ser olvidado, e a que conduz a interpretação do v. acórdão recorrido. Veja-se a hipótese dos autos: julgado inelegível, em virtude de condenação, no Juízo de 1º grau, teve o Recorrente negado o registro de sua candidatura a deputado federal. Conseguida, agora, a absolvição, e admitindo-se o provimento deste recurso – argumento que me permito expender – à véspera do pleito, já se lhe terá causado mal irreparável: não pôde concorrer à eleição, à qual se candidatara, e nem há reparação possível, de qualquer espécie, a esse mal.

13. Nem se argumente que ‘se o simples recebimento da denúncia se compatibilizava com esse preceito constitucional, não é possível entender-se que a interpretação que não exija o trânsito em julgado de decisão condenatória seja atentatória a ele’ (fs. 160).

A verdade é que a decisão singular desta Egrégia Corte, que acolheu a constitucionalidade daquele preceito – com os memoráveis debates que provocou – não chegou a ser provada em outros casos. E tanto não era esta a melhor solução que a L.C. nº 42/82 a excluiu, com o que, em verdade, valorizou a posição assumida pelos que a combateram.

14. Não há de se exigir que a lei se refira a condenação transitada em julgado, o que seria levar adiante demais as exigências de explicitação.

Na verdade, quando o art. 151 delegou à legislação complementar estabelecer os casos de inelegibilidades e os prazos nos quais cessará esta, não lhe autorizou alterar o sistema legal brasileiro (e, pode dizer-se, universal) para considerar condenação a que, desde logo, em primeiro grau, se imponha, sem que transite em julgado. Assinalou bem o recorrente que esse entendimento ‘implica, nada mais, nada menos, do que atribuir, ao Juiz criminal de 1º grau, que nem eleitoral é, o poder de decretar inelegibilidades.

Pior

: de fazê-lo em caráter irrevogável, quando se sabe que a sentença de que se recorre em tempo hábil é apenas um projeto de decisão judicial a que a lei, por forma expressa, ao atribuir efeito suspensivo ao recurso, negou executoriedade’ (fs. 5/6 do agravo).

Considero que, com isso, em realidade, se vulnerou o § 15 do artigo 153 da C.F., recusando a ampla defesa a que têm direito os acusados, e, mais, desconsiderando recurso que lhe é inerente, e conferindo efeitos agravadores que não tem, tomando, como definitiva, sentença reformável, e tanto, que o foi. (...). (RE 99.069/BA, Rel. Min. OSCAR CORRÊA – grifei) "

Com a instauração

, em nosso País, de uma ordem plenamente democrática, assim consagrada pela vigente Constituição, intensificou-se o círculo de proteção em torno dos direitos fundamentais, qualquer que seja o domínio de sua incidência e atuação, compreendidos, para efeito dessa tutela constitucional e em perspectiva mais abrangente, todos os blocos normativos concernentes aos direitos individuais e coletivos, aos direitos sociais e aos direitos políticos, em ordem a conferir-lhes real eficácia, seja impondo, ao Estado, deveres de abstenção (liberdades clássicas ou negativas), seja dele exigindo deveres de prestação (liberdades positivas ou concretas), seja, ainda, assegurando, ao cidadão, o acesso aos mecanismos institucionalizados de exercício do poder político na esfera governamental (liberdade-participação).

É por isso que entendo, mesmo tratando-sedo bloco pertinente aos direitos políticos – que se vinculam aos postulados da soberania popular e da democracia representativa -, que não se pode, como corretamente advertia o eminente Ministro EROS GRAU, buscar interpretação que substitua, com grave comprometimento da legalidade e do procedimento legal, a racionalidade formal do direito, que se funda nas instituições e nas leis, por critérios impregnados de valorações que culminam por afetar a segurança e a certeza jurídicas, com sério risco à integridade do próprio sistema de garantias construído pela Constituição, cuja normatividade não pode ser potencializada nem tornada relativa - consoante ressaltava o Ministro EROS GRAU - por uma explicitação teórica de distintos blocos de direitos e preceitos.

(...)

Não é por outro motivo – insista-se - que a própria Constituição, ao dispor sobre a suspensão dos direitos políticos, como a privação temporária do direito de sufrágio (direito de votar) e do direito de investidura em mandatos eletivos (direito de ser votado), impõe, como requisito inafastável, a existência de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos" (CF, art. 15, III). O fato relevante, em tal matéria, é um só: episódios processuais ainda não definidos, porque deles ausente sentença judicial transitada em julgado, não podem repercutir, de modo irreversível, sobre o estado de inocência que a própria Constituição garante e proclama em favor de qualquer pessoa.

O "status poenalis" e o estatuto de cidadania, desse modo, não podem sofrer - antes que sobrevenha o trânsito em julgado de condenação criminal - restrições que afetem a esfera jurídica das pessoas em geral e dos cidadãos em particular.

Essa opção do legislador constituinte (pelo reconhecimento do estado de inocência) claramente fortaleceu o primado de um direito básico, comum a todas as pessoas, de que ninguémabsolutamente ninguémpode ser presumido culpado em suas relações com o Estado, exceto se já existente sentença transitada em julgado. É por isso que este Supremo Tribunal Federal tem repelido, por incompatíveis com esse direito fundamental, restrições de ordem jurídica, somente justificáveis em face da irrecorribilidade de decisões judiciais.

(....)

Não obstante tais considerações

, observo que o ora requerente teve o registro de sua candidatura negado pelo só fato de existir, contra ele, condenação penal emanada de órgão colegiado do Poder Judiciário, embora ainda não transitada em julgado, porque impugnada, como efetivamente o foi, em sede recursal extraordinária (RE 633.707/RO).

O acórdão

em questão, que manteve a denegação de registro de candidatura do ora requerente, não se ajustaria, segundo entendo, ao que dispõe, de modo incondicional, o inciso III do art. 15 da Constituição da República, que exige, tratando-se de procedimentos penais, o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória.

Publique-se. Brasília, 16 de dezembro de 2010. DJe de 1º.2.2011."

25. Assim, diante da sólida e irrespondível jurisprudência do STF colacionada, se vê que a indigitada norma estadual viola a presunção de inocência, inscrita na Carta Federal e pressuposta na Carta Estadual, por remissão, artigo 4º, caput, da CESC. Trata-se da chamada inconstitucionalidade material! Pois a norma objeto do artigo 1º, letra "g", da Lei estadual n. 15.381/10, viola as normas parâmetros do artigo 5º, LIV e LVII, da Constituição Federal e artigo 4º, caput, da CESC.

4) O dispositivo legal estadual é inválido, pois seu conteúdo normativo contrasta com os princípios constitucionais da segurança jurídica, proteção da confiança, coisa julgada e isonomia – fatos que ensejaram a condenação por improbidade e decisão colegiada que confirmou a sentença de primeiro grau antecederam a entrada em vigor da lei estadual – norma prejudicial estatuída com fins punitivos retroativos - violação aos artigos 5º, caput, e XXXVI da Constituição Federal – inconstitucionalidade material – desvalia pontual da Lei 15.381/10 em seu artigo 1º, letra ´g´." - parâmetro estabelecido por remissão no artigo 4º, caput, e o princípio constitucional da impessoalidade positivado no artigo 16, caput, da Constituição Estadual.

"Sr. Presidente, a meu ver, o problema capital que se apresenta, em face desta lei, é que ela fere, com relação aos dispositivos que estão sendo impugnados, o princípio constitucional do devido processo legal, que, evidentemente, não é apenas o processo previsto em lei, mas abarca as hipóteses em que falta razoabilidade à lei.

Ora, os dispositivos em causa partem de fatos passados e, portanto, já conhecidos do legislador quando da elaboração desta lei, para criar impedimentos futuros em relação a eles (...)"

Ministro Moreira Alves - STF

26. Os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança, da coisa julgada e da isonomia foram violados, porque a lei estadual tem nítido conteúdo lesivo e retroativo aos que praticaram atos tidos com ímprobos e/ou foram condenados antes de sua entrada em vigor.

27.O caso objeto do inquérito referido nesta representação é demais elucidativo desta inconstitucionalidade. Vejamos os dados fáticos: os fatos alegadamente caracterizadores de improbidade se deram entre 11.10.02 e 11.11.02, para a sentença, e para o aresto, em 17.06.05. Nessa época, demonstra o Direito Positivo, não vigorava qualquer norma nacional ou estadual que emprestasse tal efeito sancionatório – inacessibilidade a cargos em comissão no Poder Executivo de SC - a prática dos atos objeto de julgamento na Apelação Cível n. 2008.054511-3, que embase o referido inquérito.

28. Por outro lado, quando o aresto foi lavrado em 05.08.2009, também não havia qualquer norma da ordem jurídica nacional ou estadual, anexando tais efeitos a uma decisão judicialem casos de improbidade, seja de primeiro ou de segundo grau de jurisdição cível.

29. A norma que vigia e vigora para os fatos ocorridos entre 2002 e 2005, regulando a matéria, é a Lei nacional 8.429/92, que nada tratou sobre o tema inacessibilidade a cargos em comissão, nos termos postos pela lei ficha limpa estadual, que só veio à vigência em 20.12.10, data de sua publicação no diário oficial do Estado de SC.

30. A violação à segurança jurídica e à proteção da confiança se deu por que entre a prática dos comportamentos tidos como ímprobos e a edição da lei que deseja valorá-los de forma sancionatória, em termos retroativos, transcorreram 8 anos e dois meses! Ou seja, após a prática consolidada de tais atos (para o bem ou para o mal), surgiu na ordem jurídica estadual regra que "juridiciza fatos passados", para impedir o exercício de liberdades no presente, a liberdade-participação de acesso a cargos em comissão nos poderes constituídos em SC. Surgiu, no presente, norma-sanção para emprestar a fatos passados efeito limitador ao direito de liberdade-participação!

31. E tendo em conta o tempo de prolação do aresto (e o da sentença), a diferença temporal, embora menor, não é menos desautorizante de incidência válida da nova lei estadual: 1 ano e 4 meses do acórdão , e 2 anos e 5 meses da sentença (08.07.08). Assim, neste particular, a lei estadual estatuir novo efeito anexo para decisões judiciais já prolatadas, constitui flagrante violação à garantia constitucional da coisa julgada.

32. E toda lei retroativa punitiva ou gravosa à esfera de direitos da pessoa humana, que busca enredar em sua esfera de juridicidade fatos já consolidados ou sentença já dadas, viola a regra da isonomia. Pois é lei que visa regular, retrospectivamente, casos certos, dados sobre pessoas certas, eis que o passado é certo, mas o futuro não! Fere o princípio constitucional da impessoalidade, referido no artigo 16, caput, da Constituição Estadual.

33. A generalidade (universo de pessoas) e abstração (universo de casos) da lei são garantias da igualdade (Norberto Bobbio). E como as leis regulam para o futuro, sua abstração e generalidade guarnecem a igualdade de tratamento de todos os cidadãos não só perante as leis, mais no interior de seus comandos normativos. Lei nova que colhe fatos ou sentenças passadas tem endereço certo, pois já sabe que pessoas receberam sua incidência e que casos concretos ocorreram. Sabe quais casos concretos e quais indivíduos afetará, pois dispõe da certeza do passado! Abarca, retroativamente, no plano do concreto e do individual, pessoas e casos determinados, pois já dados, como o de Altamir José Paes, investigado no referido inquérito. Tais leis, em nosso sistema de direitos, "não tem futuro para aplicação passada!". E futuro só terão se respeitarem o passado!

34. Lembremos, a propósito, um rico filme sobre o tema (retroatividade gravosa e injusta das leis), de Costa Gravas, Corte Especial de Justiça, que apresenta o que fizeram os nazistas com a França invadida, para retaliarem os ataques que a resistência francesa impingia aos oficias do exército tedesco no centro de Paris: as forças de ocupação alemã rejulgaram, com novas regras e novas penas, presos já detidos e em cumprimento de sentenças... e decretaram a pena de morte, para muitos casos de furto, para os quais o Direito pré-ocupação previa apenas privação de liberdade! Assim, intolerável que em pleno vigor de nossa democracia retornemos às práticas de regimes que lhe são o contrário e/ou a sua própria morte (in)jurídica! [11]

35. Todavia, ainda que se pudesse dizer o artigo 1º, letra "g", da Lei estadual válido, ele só o seria pró-futuro; só poderia incidir, válida e eficazmente, sobre fatos ocorríveis a partir de sua entrada em vigor - a partir de 20.12.10. Ou seja, a lei ficha limpa estadual só pode ter efeitos prospectivos, no dia imediato e posterior a 20.12.10, ou melhor, seus efeitos devem projetar-se para o futuro; incidirem apenas sobre fatos ocorríveis a partir de sua entrada em vigor, e jamais ex tunc (retroatividade), sob pena de incidência retroativa de leis gravosas em matéria de liberdades e de direito estrito. Com outras letras: os fatos típicos que terão os efeitos de barrar acesso a cargos em comissão, devem se dar no mundo do ser do direito, após a entrada em vigor da lei ficha limpa (20.12.10), nunca antes!

36. A doutrina juseleitoral, discutindo dispositivo similar constante da lei complementar 135/10, fez precisa crítica ao dispositivo federal. Embora trate, em parte, de condenação criminal, ela se aplica, tout court, às condenações de improbidade, não só pelo evidente conteúdo penal não criminal dessas decisões, mas por que em nosso sistema de direito não pode haver leis gravosas retroativas, por força do princípio da irretroatividade das leis.

37. Crítica que serve à normativa estadual como luvas às mãos. Para sermos fiéis à doutrina, traremos, entre colchetes, ao lado do termo "inelegibilidade", a categoria "inacessibilidade":

Texto de doutrina de Adriano da Costa Soares encontrável em blog multicitado nas últimas decisões do STF - http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com:

"Pontes de Miranda

tem um texto maravilhoso sobre conflito de leis no tempo nos Comentários à Constituição de 1946, Rio de Janeiro: Borsói, tomo IV, p.399, em que afirma, com grifos apostos:

"A lei nova não fica adstrita aos fatos de hoje e de amanhã; o que se dá, rigorosamente, é que ela se restringe ao tempo de hoje e ao de amanhã, até que outra lei corte este amanhã, o pontue, criando o hoje da nova denominação legal, o seu hoje e o seu amanhã. Em vez de uma análise dos fatos, ou de direitos (critério subjetivo), uma análise do tempo, ou melhor, dos lapsos de tempo".

A lição de Pontes de Miranda mostra que não estamos, no direito intertemporal, diante da regra absoluta de que os fatos de ontem não possam ser apanhados pela regra de hoje (a lei nova). Essa regra absoluta existe no direito penal, quando a Constituição Federal prescreve que não há crime sem lei anterior que o defina. É dizer, não apenas aos efeitos da lei há interdição à retroatividade (plano da eficácia); a própria lei há de ser anterior ao fato ilícito (plano da existência da lei). Em matéria penal, de conseguinte, a regra sobre irretroatividade é absoluta. E essa norma de sobredireito alcança as normas que criam penas principais ou acessórias de natureza criminal, ainda que não constem no corpo do Código Penal. É o caso da alínea "e" do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/10. Trata-se de previsão de pena acessória (inelegibilidade por 8 anos) a ser anexada à sentença penal condenatória, independentemente do trânsito em julgado, bastando que exista decisão colegiada (em explícita violação ao art.15, III, da CF/88).

Outra coisa, nada obstante, ocorre com as demais normas da LC 64/90, com a redação da LC 135/10. Aqui, a discussão tem outra natureza.

A questão a saber é se a lei nova poderia (i) criar condições de elegibilidade [inacessibilidade] a ser aplicada de imediato para o próximo pleito eleitoral e, também, se poderia (ii) criar hipóteses novas de inelegibilidade [inacessibilidade] para fatos ilícitos passados [2002 e 2005] já ocorridos antes da vigência da lei nova [2010] (....)."

"Se há inelegibilidade [inacessibilidade] cominada potenciada, prescreve a lei do tempo ou (a) do fato ilícito [2002 e 2005] eleitoral (ou não eleitoral, como o crime contra a fé pública, v.g.) ou (b) da relação processual [2009], se a sanção for efeito anexo da sentença, transitada ou não em julgado. Sendo sanção, a interpretação é sempre de direito estrito; restritiva, portanto.

Nos dois casos, responde o direito intertemporal, em que a Constituição Federal de 1988 prescreveu o princípio da irretroatividade e do respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgado e ao direito adquirido.

Erram palmarmente a OAB e os que lhe inspiraram a fala.

E é triste que assim seja, pela fundamental importância da OAB na defesa do Estado Democrático de Direito.

Erram porque não se deve relacionar o tempo da lei nova eleitoral [lei administrativa de vedação de provimento em cargo público estadual] com o tempo do registro de candidatura [tempo do provimento ao cargo], mas, sim, confrontá-la com o tempo do ato ilícito que fez nascer a inelegibilidade [inacessibilidade, 2002 e 2005]ou com o tempo da relação processual em cuja decisão anexou-se a sanção [2008 e 2009]. (...) Para que a garantia do devido processo legal? Para que a garantia da ampla defesa e do contraditório?

Afinal, como demonstra Ingo Wofgang Sarlet (A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998, p.249), há plena eficácia dos direitos de defesa como direitos fundamentais, devendo ter a máxima efetividade garantida pelo § 1º do art. 5º da CF/88, integrados que são aqueles direitos pelos direitos de liberdade, igualdade, direitos-garantias, garantias institucionais, direitos políticos [liberdade-participação, por provimento em emprego ou cargos públicos em comissão] e posições jurídicas fundamentais em geral, "que, preponderantemente, reclamam uma atitude de abstenção dos poderes estatais e dos particulares (como destinatários dos direitos)".

Uma última afirmação: se as restrições aos direitos políticos forem tomadas como restrição a direito fundamental, na linha do posicionamento do STF na ADPF 144/DF, então a distinção que fiz entre tratamento diverso aos efeitos inclusos e anexos à sentença se evanescem, dando-se a máxima efetividade ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da irretroatividade.

(...) o legislador pôs na mesma norma, indistintamente, inelegibilidade [inacessibilidade] decretada como conteúdo de uma decisão judicial (efeito inexo ou incluso) e inelegibilidade [inacessibilidade] decorrente de efeito anexo ou excluso, aplicada ope legis como pena acessória (aqui, naturalmente, não há como fugir da incidência do art.15, III, da CF/88, no caso de sentença penal condenatória, a exigir sempre o trânsito em julgado para efeito de suspensão dos direitos políticos). Pena que os panfletos divulgados pelas entidades que defendem a aplicação imediata das normas da nova lei complementar não cuidem dessas relevantes questões jurídicas.

Gostaria de fazer aqui uma importante observação, essencial para prosseguirmos: a inelegibilidade [inacessibilidade] cominada é sanção que pode ser conteúdo ou efeito anexo da sentença. Em ambos os casos, a inelegibilidade é conteúdo ou efeito da sentença! A afirmação é um truísmo, mas em tempos obscurantistas faz-se fundamental avivarmos questões básicas.

Se o efeito é incluso à sentença

, fazendo parte do conteúdo da decisão, é porque a inelegibilidade [inacessibilidade] é efeito do fato jurídico ilícito, estando pois na relação de direito material, sendo constituída pela decisão judicial que primeiramente declarou que o ato ilícito se deu. Ou seja, a inelegibilidade [inacessibilidade] se liga primeiramente ao ato ilícito, sendo constituída como sanção à sua prática. Assim, a questão fundamental é saber se ao tempo do fato a lei o previa como ilícito e se a ele cominava aquela sanção. Se a sanção derivar de lei posterior, aplicá-la seria dar-lhe efeito retroativo, revolvendo inconstitucionalmente o passado.

Diversamente, como efeito anexo da decisão judicial, a norma não desce aos fatos ilícitos mesmos, mas toma a decisão judicial sobre eles como ato-fato jurídico, sobre o qual faz incidir a inelegibilidade [inacessibilidade] como efeito anexo. A questão jurídica seria diversa: não seria o caso de se olhar se o fato ilícito eleitoral foi anterior ou posterior à lei, mas sim se: (a) já há relação jurídica processual [o feito de improbidade contra Altamir foi instaurado em 2007!]; e (b) se já há decisão judicial em que os efeitos da inelegibilidade [inacessibilidade] serão anexados.

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É evidente que a lei que criou a sanção como efeito anexo da sentença tenha que ser, para ter efeito, anterior à formação da relação processual, quando já estabilizada pela contestação (princípio da eventualidade)

. E com muito mais razão, é evidente também que não há como se soldar o efeito anexo a decisões já proferidas quando a lei nova ingressou em vigor. Nem em um caso nem no outro há possibilidade de aplicação da nova lei, salvo se for para lhe atribuir retroatividade."

38. E o jurista Adriano da Costa Soares em outro trecho de seu blog, abordando o mesmo assunto sob outro enfoque, ajuda-nos a elucidar essa quarta tese de inconstitucionalidade:

"Outra questão relevante é o saber se a lei nova poderia criar uma nova hipótese de inelegibilidade [inacessibilidade] para fatos que ocorreram antes da sua entrada em vigor. Ou seja, poderia a lei nova apanhar fatos no passado, convertê-los hoje em ilícitos e atribuir-lhe uma sanção de inelegibilidade[inacessibilidade]?

(...).

Há duas possibilidades de retroatividade da norma: a retroatividade da própria jurisdicização; e a retroatividade de efeitos dos fatos jurídicos jurisdicizados. Se há um fato no passado e a norma, no presente, fá-lo jurídico, a jurisdicização é hoje, invadindo porém o passado. A norma tem que apanhar o fato punctual ou linear já não mais existente, ou a parte dele que deixou de existir no tempo, e tomá-lo como se fosse hoje, no hoje da norma. É evidente que, no tempo da norma, há o hoje, porém, no tempo do fato, o ontem é que há. Há invasão nas marcas, nas fronteiras do tempo pela norma jurídica, para transformar juridicamente no hoje o que ontem não era.

Se o fato passado será tomado como fato jurídico lícito no presente, a ausência de consequências negativas não impede a invasão do passado pela norma no presente. A retroatividade, quer da norma (ao jurisdicizar fato passado), quer dos efeitos do fato jurídico (ao fazê-los ir para o passado da norma), é tolerada pelo ordenamento jurídico. É, digamos, uma retroatividade do bem!

O que não se admite, e ofende a dignidade da pessoa humana, ofende o princípio da não-surpresa, viola a segurança jurídica, é quando a retroatividade opera para jurisdicizar fatos ilícitos e atribuir-lhes, no passado, presente ou futuro sanções.

Também, não se admite que um fato reputado anteriormente ilícito tenha, por norma nova mais gravosa, a sua sanção amplificada, sendo-lhe aplicável desde logo

. É dizer, o fato já era ilícito ao tempo da lei antiga; a lei nova aumenta a sanção e, desde já, alcançaria os fatos submetidos a outra disciplina legal.

(...)

Quando me refiro à retroatividade, faço-o em relação à ocorrência do fato, e não à (posterior) situação jurídica eventualmente ser atual. Ou seja, as decorrências do fato até podem ser atuais, mas o fato já não o é. Nesse sentido, podemos juridicamente falar em retroatividade? A incidência, afinal, se dá sobre o fato ou sobre o que decorre dele? A mim me parece (...) que é sobre o fato; pois, do contrário, teríamos, grosso modo, duas incidências: aquela que se deu lá atrás, quando do fato mesmo e da condenação, e outra que se dará agora, em face dos efeitos do fato.

Não corremos o risco de fechar os olhos para o princípio "ne bis in idem"?

Não se abre uma brecha para a perseguição política, para o populismo judicial e até mesmo, o que é mais grave, para a presunção de culpabilidade?"

39. E em trecho de entrevista, que reproduzimos o essencial, afirma Costa Soares:

"(....) há um erro comum nessa discussão sobre a lei complementar 135, (...) parte-se de um debate em tese, sem olhar o texto da lei. A interpretação jurídica parte de um dado, que é o texto legal posto. O que diz a lei? Que a decisão criminal [pode-se falar, igualmente, da lei de improbidade e de decisões condenatórias com base nela] colegiada em determinados crimes (na verdade, a lei faz um passeio no código penal) gera a inelegibilidade [inacessibilidade] desde a condenação até 8 anos depois do cumprimento da pena.

(...).

Essa norma específica tem natureza penal.

É o que o Pontes de Miranda chamava de norma heterotópica, isto é, norma de uma natureza embutida em diploma legal de natureza diversa (daí o elemento de composição "heter(o)-", que significa "diferente", "diverso", "outro").

É norma penal dentro da lei eleitoral [dentro da lei ficha limpa estadual também!]. O que prevê essa norma? A pena acessória de inelegibilidade anexada à sentença penal colegiada [a pena acessória de inacessibilidade anexada a sentença cível condenatória]. Ora, é o art. 15, III, da Constituição, que prescreve que a suspensão dos direitos políticos decorre da sentença penal transitada em julgado [é o artigo 20 da Lei de improbidade que prescreve o mesmo efeito à sentença cível, e somente após o trânsito em julgado!].

É um princípio clássico no Direito Penal, segundo o qual "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal". Assim, a inelegibilidade [inacessibilidade] apenas poderia ser cominada, como pena acessória, após o trânsito em julgado da sentença penal.

(...) a questão esboçada (...) não parte (...) das normas da lei complementar 135 (a lei "Ficha Limpa"). Ela não prescreve a inelegibilidade [inacessibilidade] para o "estado de condenado", mas sim anexa a sanção de inelegibilidade, que é a pena acessória, à sentença penal condenatória, sem trânsito em julgado (ferindo, pois, a Constituição).

Poderia colar esse efeito ao ato jurídico (sentença) anterior à sua vigência?

Ora, sendo penal a norma, seria retroagir uma pena acessória, violando os direitos fundamentais assegurados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Usando a linguagem pontesiana (herdada da pandectista), o estado de condenado é efeito do acontecimento da condenação. Se o acontecimento que originou o estado for anterior à lei, há retroatividade da pena, e isso é vedado pela Constituição.

Outra coisa: no direito brasileiro, salvo na seara penal, não há proibição à retroatividade das normas jurídicas, exceto pela adoção dos princípios da não-surpresa e da segurança jurídica, amiúde [frequentemente] invocados pelo STF. É preciso separar o que é retroatividade da norma e retroatividade dos efeitos do fato jurídico. Se forem gravosas, ambas as formas de retroação devem ser rejeitadas pelo ordenamento." (sublinhamentos, colchetes e negritos nossos!)

40. Essas lições embora discorram mais sobre decisão criminal, se aplicam, igualmente, aos casos de improbidade, como afirmamos. Pois a sentença que aplica penas da Lei 8.429/92 é sentença penal, por que aplica penas restritivas de direitos e de caráter pecuniário. Ela apenas não é sentença criminal, mas é penal cível!

41. Tivemos oportunidade de escrever sobre o tema da retroatividade da lei ficha limpa para fins de inelegibilidade. E nossa crítica se aplica perfeitamente ao caso de "inacessibilidade a cargos em comissão" em SC:

"Outra agressão às garantias constitucionais foi o fato da lei ficha limpa alcançar fatos ocorridos no passado, emprestando-lhes consequências novas e inesperadas, não existentes no momento em que foram praticados ou não cogitados nos processos em que foram sentenciados.

Agressão violenta às regras constitucionais da coisa julgada, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, e dos princípios da segurança jurídica e ao princípio da não-surpresa e da lealdade e confiança nos atos de Estado.

Vide caso Jader em que sua renúncia ocorreu há 09 anos (outubro de 2001), sendo que ele já fora eleito, duas vezes, nesse período, para a Câmara dos Deputados!!!

Tal agressão ao direito político de candidatura [e ao direito político fundamental de acesso ao emprego e a cargos públicos em comissão, igualmente, que são liberdades-participação!] não tem exemplo similar em nosso Direito Constitucional ou Eleitoral [e Administrativo], e "se a onda pegar" em outras ramos do Direito, poderemos pagar multas de trânsitos por fatos não ilícitos no passado, mas tornados tais no presente; pagar tributos por fatos geradores ocorridos há muito; responder, no presente, por condutas taxadas de crime hoje, mas que no passado, quando praticadas, não o eram.

A lei, neste aspecto, tinha endereço certo, era alcançar determinados parlamentares (Jader, Roriz, etc – ACM escapou, pois morreu antes...), que nos últimos anos, renunciaram para escapar a processos ético-disciplinares.

Ora, apuremos casos como esses através das devidas ações penais, ações de responsabilidade por ato de improbidade, procedimentos responsabilizatórios nos Tribunais de Contas, e nas demais vias legais de responsabilização desses agentes. Contudo, utilizar de tais meios o legislador eleitoral, ainda que com apelo popular, é praticar ato juridicamente inconstitucional e moralmente questionável.

Nenhum cidadão fã de futebol aceitaria que no meio de uma partida, o juiz alterasse, com surpresa a todos, as regras do jogo, para atingir um resultado previamente querido por ele! Nas eleições não pode ser diferente, ainda que com alto ruído da claque.

Embora politicamente correto o fim, juridicamente abjeto o meio! Não podemos tolerar leis com esse casuísmo.

A lei deve ser geral, abstrata e pró-futuro. Pois deve se aplicar a todas as pessoas, indistintamente; prever hipoteticamente uma série relevante de comportamentos vedados, proibidos ou permitidos; e deve valer para o amanhã, para que possamos dela saber com antecedência, e descobrirmos, racionalmente, os caminhos do lícito e/ou do ilícito, avaliando previamente seus custos e riscos, nossos deveres, direitos e responsabilidades

." [12]

42. Há outro ensaio do estudioso Milton Cordova Júnior [13], do qual vale transcrever questões relevantes:

"O próprio presidente do STF, Cezar Peluso, defendeu que a lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições atuais e muito menos que ela alcance casos passados. Por essa razão, ele disse não concordar com a interpretação de aplicação retroativa da lei: ‘Já havia antecipado o caráter absolutamente casuístico da lei. Essa é uma lei personalizada porque atinge pessoas determinadas, conhecidas antes de sua edição'. De fato, até o princípio constitucional da impessoalidade foi violado.

Por sua vez, o ministro Celso de Mello, um dos grandes nomes daquela Corte, afirmou que 'é uma gravíssima limitação ao direito fundamental de participação política. Me preocupa a ação no passado de efeitos restritivos por lei superveniente, (...) atribuindo sanção a um ato já esgotado em todas suas potencialidades jurídicas', disse. 'A lei não pode conferir efeitos jurídicos gravosos restritivos de um direito fundamental (...) a fatos como a renúncia ocorrida em momento anterior'.

Segundo o ministro Celso, há que ser aplicado o 'direito à inviolabilidade do passado'. Qualquer coisa diferente disso é uma verdadeira caça às bruxas. 'Há um consenso muito claro no sentido de que os valores da probidade e da moralidade administrativa hão de ser respeitados, hão de prevalecer. Devemos banir da vida pública candidatos ou mandatários políticos ou autoridades travestidos de criminosos. Agora, é preciso que se observem na aplicação da lei determinados postulados que representam aquele núcleo imutável da Constituição', disse com muita propriedade o ministro Celso de Mello...

(...). Por essa razão indignou-se duramente - e com razão - o ministro Gilmar Mendes, ao afirmar que a legislação que prevê novas regras de inelegibilidade é 'casuística' e, a depender da interpretação, 'é um convite para um salão de horrores'. 'Não podemos em nome do moralismo chancelar normas que podem flertar com o nazi-fascismo'.

Na avaliação de Gilmar Mendes, manter Jader Barbalho (que era o caso em análise) inelegível por oito anos a contar a partir de quando seria o final do mandato - o ano de 2011 - seria garantir a retroação da lei para prejudicar o político paraense. 'Não há limites para o absurdo. Dizer que isso é aplicação imediata da lei é alguma coisa que faz corar frade de pedra. É um convite para um salão de horrores. Se há um exemplo notório de lei casuística é essa alínea k que prevê inelegibilidade em caso de renúncia para fugir de processos de cassação'. Continuando, Gilmar disse que 'aqui percebemos inclusive um estratagema que é o fato de que o legislador conseguiu multiplicar o tempo de inelegibilidade, que pode chegar a 16 anos. Dificilmente vai se encontrar um caso tão explícito em tempos democráticos de mais inequívoca retroatividade, de mais escancarada, de mais escarrada retroatividade (...) para a manipulação inclusive das eleições'.

Considerando que o Supremo - a maior Corte do país - proferiu sua decisão, entendo que qualquer um que for atingido por essa decisão (...) poderá recorrer à OEA - Organização dos Estados Americanos, mais especificamente na CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Na Convenção da OEA, o seu artigo 9º (que trata do Princípio da legalidade e da retroatividade) é explícito ao afirmar que 'ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado'.

Por outro lado, para que se previnam interpretações esdrúxulas, (...) a Convenção da OEA prevê, em seu artigo 29º (Normas de interpretação), que 'nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpreta da no sentido de:

a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;

e

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza'.

Desse modo, nos termos do artigo 44, qualquer pessoa pode apresentar à Comissão de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte. É (...) recurso (...) para todos os prejudicados pela lei dos 'Fichas Limpas'. (...)."

43. A lição mais contundente sobre o assunto, a demonstrar higidez dessa tese de invalidade suprema, vem do voto do Ministro Celso de Mello no RE 630.147/DF, ao analisar a retroatividade da lei complementar n. 135/10, afetante do direito político fundamental de candidatura. Suas conclusões são aplicáveis a demonstrar a retroatividade lesiva da lei ficha limpa estadual ao direito político fundamental de acesso a cargos e empregos públicos em comissão:

"Na realidade

, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral,ao reconhecer a (inadmissível) possibilidade de o legislador imputar, ao ato de renúncia (aperfeiçoado, no passado, segundo o ordenamento positivo então vigente), a irradiação de um novo e superveniente efeito claramente restritivo do direito fundamental de participação política, incorreu em ofensa à cláusula inscrita no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição, que assegura a incolumidade do ato jurídico perfeito e que obsta, por isso mesmo, qualquer conduta estatal que provoque, mediante restrição normativa superveniente, a desconstrução ou a modificação de situações jurídicas lícitas e definitivamente consolidadas, ainda mais quando se lhes agregam consequências sequer autorizadas pela legislação em vigor no momento em que se formulou a declaração unilateral de vontade, cuja eficácia resultou do que ainda se contém no § 4º do art. 55 da Constituição Federal.

Desse modo, entendo assistir razão ao candidato ora recorrente, quando invoca, com inteira correção, os fundamentos evidenciadores da aplicação inconstitucional, ao caso ora em exame, da regra inscrita na alínea "k" do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, na redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010 [assim o artigo 1º, letra "g", da Lei estadual].

(…).

O acórdão recorrido, ao aplicar, retroativamente, o preceito inscrito na alínea "k" do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, na redação dada pela LC nº 135/2010, também desrespeitou, de modo claro e inequívoco, outro postulado fundamental, impregnado de vocação protetiva, inscrito no art. 5º, XXXVI, da Carta Federal, que objetiva resguardar a incolumidade das situações jurídicas definitivamente estabelecidas.

Não constitui demasia enfatizar que, no sistema de direito constitucional positivo brasileiro, tal como deixei consignado em diversos julgamentos ocorridos na década de 1990, a eficácia retroativa das leis (a) é sempre excepcional, (b) supõe a existência de texto expresso (e autorizativo) de lei, (c) jamais se presume e (d) não deve nem pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (RT 218/447 – RF 102/72 - RF 144/166 - RF 153/695).

(...).

É imperioso relembrar

, portanto, que emana de fonte constitucional a cláusula que confere intangibilidade às situações jurídicas definitivamente consolidadas, quer resultem estas do ato jurídico perfeito, ou, então, do direito adquirido ou, ainda, da autoridade da coisa julgada.

Na realidade, essa cláusula de salvaguarda, que consubstancia verdadeira norma de sobredireito, objetiva atribuir concreção e dar efetividade à exigência de preservação da segurança das relações jurídicas instituídas e validamente estabelecidas sob a égide de determinado ordenamento positivo.

Se é certo, de um lado, que, em face da prospectividade ordinária das leis, os fatos pretéritos escapam, naturalmente, ao domínio normativo desses atos estatais (RT 299/478), não é menos exato afirmar, de outro, que, para efeito de incidência da cláusula constitucional de proteção às situações jurídicas definitivamente consolidadas, mostra-se irrelevante a distinção pertinente à natureza dos atos legislativos.

Trate-se de leis de caráter meramente dispositivo, cuide-se de leis de ordem pública, todas essas espécies normativas subordinam-se, de modo pleno, à eficácia condicionante e incontrastável do princípio constitucional assegurador da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada em face de ação normativa superveniente do Poder Público (RTJ 106/314).

Daí porque esta Suprema Corte, ao julgar a ADI 493/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 143/746), afastou qualquer possível dúvida que ainda pudesse subsistir nessa matéria, assim se pronunciando:

"Por outro lado, no direito brasileiro, a eficácia da lei no tempo é disciplinada por norma constitucional. Com efeito, figura entre as garantias constitucionais fundamentais a prevista no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal: ‘A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’. Esse preceito constitucional se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Já na representação de inconstitucionalidade nº 1.451, salientei em voto que proferi como relator:

Aliás, no Brasil, sendo o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não tem sentido a afirmação de muitos - apegados ao direito de países em que o preceito é de origem meramente legal – de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, e isso porque, se alteram os efeitos, é óbvio que se está introduzindo modificação na causa, o que é vedado constitucionalmente.’

(...).

A relevantíssima circunstância de o princípio consagrador da intangibilidade do ato jurídico perfeito - e das demais situações definitivamente consolidadas - possuir extração constitucional leva o magistério da doutrina a advertir que esse postulado fundamental é de incidência abrangente, alcançando, por isso mesmo, ante a imperatividade de sua projeção, as regras de natureza meramente legal (e, também, aquelas resultantes do poder de reforma do Congresso Nacional), ainda que qualificadas como normas de ordem pública (CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, "Irretroatividade das Leis de Ordem Pública", "in" RF 289/239-242; REYNALDO PORCHAT, "Curso Elementar de Direito Romano", vol. I/492-493, item n. 528, 1907, Duprat & Cia; OSCAR TENÓRIO, "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro", p. 198/199, 2ª ed., 1955, Rio; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "Instituições de Direito Civil", vol. I/128, Forense, v.g.).

Cabe enfatizar

, portanto, Senhor Presidente, que as normas de ordem pública encontram, no postulado tutelar inscrito no art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental, um obstáculo político-jurídico absolutamente insuperável, a significar que não podem desconstituir consequências jurídicas resultantes de situações pretéritas nem imputar, a fatos lícitos ocorridos no passado, efeitos novos limitativos de direitos, ainda mais se se tratar de direitos fundamentais, como o direito de participação política, fundamento legitimador da prerrogativa de ser candidato [a liberdade-participação de acesso a cargos e empregos públicos!].

Perfilha igual orientação o saudoso J. M. OTHON SIDOU ("O Direito Legal", p. 228/229, item XIII, 1985, Forense), para quem, considerada a concepção vigente no sistema normativo brasileiro pertinente à resolução do conflito intertemporal de leis, "A lei nova não atinge consequências que, segundo a lei anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, isto é, que se unem à sua causa como um corolário necessário e útil", expendendo, a esse propósito, magistério irrepreensível:

"Retroativa e, portanto, condenável (...) é não somente a regra positiva que contrasta com as consequências, já realizadas, do fato consumado, mas também a que impede as consequências futuras do mesmo fato, por uma razão relativa só a ele." (grifei)

Mesmo, portanto, que se trate de leis de conteúdo eleitoral, não se revestem estas de eficácia jurídica bastante para contrariar liberdades fundamentais, como a concernente ao direito de participação política ou, ainda, como aquela referente à intangibilidade dos atos jurídicos perfeitos, que se acham assegurados, explicitamente, em norma de salvaguarda, pelo próprio estatuto constitucional, por mais imperiosos que se apresentem os motivos de ordem pública invocados pelo Estado para justificar a edição de determinado diploma legislativo, não obstante instaurado o respectivo processo de formação mediante iniciativa popular.

Se é certo, tal como ressalta a jurisprudência desta Suprema Corte, que "A lei nova tem caráter imediato e geral", não é menos exato que o dogma constitucional que garante a intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada impede que o ato estatal superveniente, qualquer que seja a natureza ou índole de que se revista (como uma decisão judicial), atinja "a situação jurídica definitivamente constituída sob a égide da lei anterior" (RTJ 55/35) ou, então, eleja certa causa ocorrida no passado, para, com fundamento nela, atribuir-lhe, em caráter inovador, efeito restritivo de direitos, veiculador de limitação ao direito fundamental de participação política.

Nem mesmo os efeitos posteriores das situações constituídas podem ser afetados pela incidência da nova lei, porque - caso admitida tal consequência - estar-se-ia iniludivelmente fraudando a vontade subordinante do legislador constituinte e paradoxalmente reconhecendo a inaceitável possibilidade jurídica da existência de ato estatal com projeção retroeficaz gravosa, gerando, desse modo, situação normativa absolutamente incompatível com a tradição de nosso constitucionalismo democrático.

A circunstância de as leis terem efeito imediato não legitima a interpretação que o Tribunal Superior Eleitoral deu à Lei Complementar nº 135/2010, fazendo-a incidir, de modo inconstitucional, sobre situação pretérita que, além de exaurida em todas as suas potencialidades jurídicas, já se achava definitivamente consolidada no tempo, como sucedeu com a renúncia do ora recorrente ao mandato parlamentar, por ele formalizada anos antes da vigência do diploma legislativo referido...

(...).

O fato a ser destacado, neste ponto, Senhores Ministros, considerado o fundamento da eficácia imediata das leis, subjacente ao julgamento proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral, é que o sempre invocado magistério de PAUL ROUBIER ("Le Droit Transitoire", 2ª ed., 1960) encontra insuperável limitação de ordem jurídica no próprio sistema constitucional brasileiro, que, ao contrário da realidade normativa vigente na França, não convive com atos estatais, que, aplicados retroativamente (ainda que se cuide de retroatividade mínima), afetem as situações jurídicas definitivamente consolidadas ou interfiram nas consequências que delas emanaram como resultado causal necessário ou atribuam, em caráter inovador, a fatos pretéritos já consumados no tempo, efeitos gravosos e restritivos de direitos, notadamente de direitos essenciais como aqueles que se contêm no conceito de liberdade - participação (como o direito de disputar mandatos eletivos, p. ex.).

Impende ressaltar, bem por isso, que situações definitivamente consolidadas, oriundas do ato jurídico perfeito (e, também, da coisa julgada e do direito adquirido), qualificam-se como obstáculos constitucionais invocáveis contra o Estado e plenamente oponíveis à incidência de leis supervenientes, mesmo que estas veiculem prescrições de ordem pública.

A realidade normativa é uma só

, Senhor Presidente: mesmo nas hipóteses de retroatividade mínima (MATOS PEIXOTO, "Limite Temporal da Lei", "in" RT 173/459, 468), quanto mais naquelas hipóteses de retroatividade máxima, em que os efeitos gravosos interferem na causa (que é um ato ou fato ocorrido no passado), esta Suprema Corte tem advertido que, em referida situação, a interpretação judicial que admita tal possibilidade revestir-se-á de caráter inegavelmente retroativo (e, portanto, inconstitucional):

"Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF." (RTJ 143/724, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno - grifei)

A aplicação retroativa da norma legal em causa (alínea "k") [e "g", do artigo 1º, da lei estadual] – que afeta, sensivelmente, de modo direto, o "status activae civitatis" do candidato - expõe-se à censura jurídica (...).

Em suma: tenho para mim que se mostra plenamente acolhível a pretensão recursal deduzida nesta causa, considerados, para tanto, os fundamentos concernentes, quer à violação do princípio da anterioridade eleitoral (CF, art. 16), quer à ofensa à cláusula de incolumidade do ato jurídico perfeito, cuja transgressão, no caso, resultou de interpretação judicial, proferida pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, evidentemente lesiva ao postulado da irretroatividade das leis (CF, art. 5º, XXXVI).

Sendo assim, em face das razões expostas e reafirmando o voto por mim anteriormente proferido no julgamento do RE 630.147/DF peço vênia para conhecer e dar provimento ao presente recurso extraordinário, assegurando, desse modo, ao candidato recorrente, o direito ao registro de sua candidatura [o direito ao emprego de Direito Presidente da SCGás].

É o meu voto."

44. E para referendar a tese de que a lei ficha limpa estadual contraria a coisa julgada, trago precedente de 05.05.11, do TSE, Relator Ministro Marco Aurélio, no Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 877-54/RJ:

"

INELEGIBILIDADE – COISA JULGADA – LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010 – RETROAÇÃO MÁXIMA. Contraria, a mais não poder, a primeira condição da segurança jurídica – a irretroatividade da lei – olvidar, colocar em plano secundário, ato jurídico perfeito por excelência – a coisa julgada –, ante a Lei Complementar nº 135/2010, implementando-se retroatividade máxima. DJE de 4.5.2011."

45. Para evidenciar transgressão ao princípio constitucional da proteção da confiança, pela lei ficha limpa estadual, trago o afirmado pelo Ministro Luiz Fux do STF:

RE 633703/MG - RELATOR: Min. Gilmar Mendes

VOTO DO MIN. LUIZ FUX;

"Os efeitos imediatos da Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010 infringem o princípio da proteção da confiança, difundido no Direito germânico eque, mais recentemente, ganha espaço nocenário jurídico brasileiro.

Consectariamente, a ampliação dasatividades estatais faz crescer umaexigência por parte dos cidadãos de maiorconstância e estabilidade das decisões quelhes afetam, de modo que um cidadão não consegue planejar sua vida se o Estado não atuar de forma estável e consistente.

Mudança e constância são, dessa forma, duas expressões que colidem no mundo pós-moderno.

O princípio da proteção da confiança, imanente ao nosso sistema constitucional, visa a proteger o indivíduo contra alterações súbitas e injustas em sua esfera patrimonial e de liberdade, e deve fazer irradiar um direito de reação contra um comportamento descontínuo e contraditório do Estado."

46. Deste modo, para voltarmos à concretude de exemplo apropriado: o caso de Altamir Paes, já foi julgado (em setembro de 2009) e está em fase de admissibilidade de recurso especial. Atribuir aos fatos julgados no aresto, penas diversas da que consta em seu dispositivo, que não incluiu a vedação de acesso a emprego público, é violar a coisa julgada constante daquele aresto condenatório (artigo 5º, XXXVI, da CR).

47. Por todas essas razões, é inconstitucional, sem qualquer dúvida, o artigo 1º, letra "g", da Lei estadual n. 15.381/10, por violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica, proteção da confiança, coisa julgada e isonomia.

5) O dispositivo legal estadual é inválido, pois seu conteúdo normativo contrasta com os princípios constitucionais da razoabilidade e da ampla defesa – o comando da norma institui limitação suspensiva de direito de participar da coisa pública "sem dia definido para acabar" e onera a defesa dos acusados excessivamente – institui a "inomeabilidade ou inacessibilidade processual" para cargos públicos - violação aos artigos 5º, LIV e LV da Constituição Federal – inconstitucionalidade material – desvalia pontual da Lei estadual no artigo 1º, letra "g" - parâmetro estabelecido por remissão na Constituição Estadual, artigo 4º, caput.

"E não se utilize também o argumento, Presidente, de que a lei [ficha limpa] tem fundamentos éticos evidentes. Porque amanhã essas bases morais poderão camuflar perigosos interesses políticos."

Ministro Gilmar Mendes no RE 630.147/DF

48. O dispositivo estadual, tal qual o da lei eleitoral, criou uma "pena" sem tempo certo para expiar. Criaram essas normas indefinição quanto ao "dies ad quem" para o cumprimento da reprimenda limitadora da liberdade de se candidatar e da limitadora da liberdade de acessar cargos públicos. O legislador - eleitoral e estadual - estabeleceu uma pena que depende de circunstâncias indefinidas e incertas para acabar. Vejamos:

"Art. 1º Fica vedada a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, (...) às pessoas inseridas nas seguintes hipóteses: (...)

g) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;"

49. Há um termo inicial, o da condenação colegiada, que vai até o trânsito em julgado – esse período de expiação é completamente incerto (não se sabe quando findará!). Concluído esse período de inacessibilidade, haverá mais o tempo do cumprimento da pena. Passado este, no dia imediato subseqüente, começara a correr mais oito anos de inacessibilidade!

50. Vale esta observação crítica: tendo em conta a regra estadual, não se diga que ela não constitui pena, mas "mero requisito" para provimento de cargo em comissão em SC, nos poderes constituídos estaduais. Não é possível se importar o inaceitável equívoco propalado pelos apologistas da lei ficha limpa eleitoral, ao dizerem que "inelegibilidade não é pena". Afirmar se inelegibilidade é ou não pena é papel da Ciência Jurídica, da Teoria do Direito. O Direito Penal, o Direito Administrativo e o Direito Eleitoral se beneficiam de seus aportes explicativos e conceituais.

51. A Teoria do Direito [14] afirma que sanção (pena) é toda conseqüência limitadora de um direito, de uma liberdade, de um patrimônio moral ou material, decorrente de comportamento juridicizado como ilícito por norma de direito. Comportamento que resulta para a pessoa que o realiza a incidência de certa carga restritiva ou ablativa de liberdade em sua esfera jurídica. A sanção é o consequente do descumprimento da norma: acarreta pena a quem prática o comportamento vedado pelo direito.

52. A sanção pode ser de diversa natureza (privativa de liberdade, inibidora de candidaturas ou de cargos públicos, pecuniária, etc). As normas de direitos podem prevê-las através de diferentes formas legislativas (no mesmo dispositivo, comportamento vedado e sanção; ou em dispositivos constantes de leis diferentes - a norma primária [comportamento] e a secundária [sanção]). Para aplicação legítima da sanção sempre haverá um devido processo. Necessária uma autoridade competenciada para julgar a conduta e aplicar ao seu responsável as consequências sancionatórias previstas nas normas jurídicas.

53. Nos domínios dos direitos políticos existem comportamentos e sanções dispostas em leis diferentes, cujos atos que ensejam ilícitos são reconhecidos em um processo e perante certa autoridade - todavia a sanção é aplicada em outro processo, perante diversa autoridade. Algo demais atípico frente ao devido processo legal tradicional e ao juiz natural que conhecemos.

54. Exemplo significativo é a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas públicas. O órgão constitucional que julga as contas é o Tribunal de Contas, através de processo administrativo. De suas decisões podem advir conclusões sobre comportamento que serão valorados em outro campo da jurisdição - a judicial -, e na justiça especializada - a eleitoral -, em processo judicial de registro de candidatura.

55. Isso se dá quando o Tribunal de Contas rejeita contas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, o que, sob o ângulo da LC 64/90 (artigo 1º, letra "g", antes da alteração da LC 135/10), será valorado na justiça eleitoral como causa potente a cercear o exercício do direito político fundamental de candidatura.

56. Ou seja: na justiça eleitoral se verificará se ocorreu o pressuposto de fato da norma eleitoral, que desautoriza candidatura pela ocorrência de uma ilicitude reconhecida em processo administrativo de contas, mas cujos efeitos restritivos de liberdade apenas se implementam quando houver busca de candidatura em processo judicial eleitoral.

57. Ora, estaremos sim diante de sanção, medida punitiva, ablativa de direitos, sempre que um ato humano puder ser valorado como ilícito e justificante de uma limitação da liberdade. Tudo baseado em norma de direito, que limita um comportamento, estabelece consequências de sua prática e define uma autoridade para julgá-lo.

58. O mesmo raciocínio se aplica à compreensão da limitação de acesso aos cargos públicos como pena/sanção. E no caso em foco: sanção que tem como pressuposto o reconhecimento de fatos que gerem condenações judiciais de improbidade colegiadas!

59. Tendo em conta, mais uma vez, o exemplo concreto de Altamir Paes, verifica-se que o conjunto cominatório da sentença compreendeu [i] suspensão dos direitos políticos por 05 anos, [ii] proibição de contratar com o poder público por 05 anos e [iii] de receber benefícios fiscais ou creditícios por 05 anos. A esse conjunto de sanções agregou-se uma nova pena ex post facto e após a coisa julgada: a pena de [iv] "inacesso aos cargos públicos".

60. Essa última pena além de acrescer às restrições cominadas na sentença, tem um tempo maior de "aflição da liberdade" do que todas as demais, que se limitaram ao período de 05 anos. Ainda tendo em conta o exemplo do caso objeto do inquérito acima referido: se transitar em julgado a condenação de agosto de 2009, sabe o cidadão Altamir José Paes, sabe o Judiciário e sabe a sociedade em geral, quando iniciarão as penas qüinqüenais; sabem, com certeza, o termo inicial e o termo final. O termo inicial é com o trânsito em julgado e o final se dará 05 anos após.

61. Todavia, quanto a pena ex post facto, seu termo inicial é dia 20.10.2010, tendo em conta a condenação de agosto de 2009. Todavia, enquanto durar o processamento do recurso especial interposto em prol de Altamir, e este exercer "ampla defesa", pela regra nova ocorreu a seguinte mutação ilegítima: a "garantia processual individual de ampla defesa" foi transformada em uma "pena incerta", em nome da moralidade administrativa; há um endurecimento da "lei e da ordem", com o elastecimento sine die da pena.

62. Do modo como se fixou os efeitos da pena e o período de sua expiação, a ampla defesa, passou de um bem a um mal; de um bônus a um ônus; de um direito a um encargo duro e penoso.

63. No exemplo que elucida esta peça, o cidadão Altamir Paes, pela esdrúxula regra estadual, que acredita em sua inocência e na possibilidade de reversão da condenação, agregará ao período expiatório que conta com 05 anos de suspensão dos direitos políticos e mais 08 anos de inacessibilidade, o imensurável tempo para esgotamento de seus recursos de defesa.

64. Além da incerteza do tempo de duração da pena de inacesso, se houver êxito nas pelejas recursais da Altamir (o que francamente ele e sua defesa acreditam), a expiação vigorará incerta como nau sem rumo. Absolvido, jamais poderá ser compensada no plano dos seus direitos de liberdade política e de liberdade profissional de administrador: essa a única certeza diante de pena sem tempo certo para durar - enquanto ela durar, nada vai compensá-lo no futuro, na esperada hipótese de absolvição em recurso!

65. Ainda a título de exemplo, vejamos o absurdo da normação em abstrato: o cidadão Altamir José Paes tem 45 anos, sabe que ficará 13 anos fora da vida pública, mais o tempo que durar o exercício de seu direito de defesa!?!!?? Pode isso ser razoável?!?!

66. Isso é desproporcional e abusivo não só pelo tamanho da pena, pelo tempo em que ela passou a vigorar, mais, notadamente, pela completa incerteza quanto ao tempo que vigorará seus efeitos sancionatórios, pela completa incerteza quanto ao seu termo final (que poderá durar 18 ou 20 anos ou mais, não se sabe?!)!

67. Além dessa normação inconstitucional, desproporcional e irrazoável sob o ângulo do princípio constitucional da proporcionalidade, outra invalidade acoima a norma da letra "g", do artigo 1º, da Lei estadual: a que viola o princípio da ampla defesa. Parte deste raciocínio já foi desenvolvido acima.

68. E o raciocínio completo é simples: pela nova regra penal e seus efeitos incertos, além da defesa "não ser mais ampla", pois desde a condenação colegiada sem trânsito se aplica pena ao condenado, o seu exercício é um alongamento da pena, uma ampliação de seu sofrimento, o que demonstra que a norma penal anulou o valor e eficácia de uma garantia fundamental processual!

69. Em verdade o exercício da defesa recursal de estrito direto (ou mediante embargos infringentes, ou declaratórios, ou embargos de divergência, etc), consistirá em verdadeira "carga de ampliação do tempo de pena", enquanto durar a busca do condenado pelo reconhecimento de sua inocência ou pela invalidade de sua condenação. E no caso exemplificativo em apreço, sendo elas conquistadas, a pena já foi sofrida, expiada (caso Altamir venha a ser privado do emprego de Diretor Presidente, por força da recomendação ministerial assinada em 05.09.11), e o mal injusto decorrente de se condenar um inocente, não mais poderá ser reparado... O emprego do referido cidadão, seus vencimentos, sua vida, seus projetos, sua honra, sua dignidade, jamais serão reparados!

70. Isso tudo é flagrantemente inconstitucional. Em apoio a nossa argumentação, novamente recorremos as brilhantes lições do Mestre Adriano da Costa Soares:

"Poderíamos didaticamente mostrar que teremos aí três inelegibilidades, que se somam: (a) a inelegibilidade desde a condenação colegiada, enquanto durar o processo; (b) a inelegibilidade durante o cumprimento da pena; e (c) mais 8 anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena.

Ou seja, enquanto o cidadão estiver recorrendo da decisão condenatória, ficará inelegível. O tempo do processo, no exercício do direito de defesa, passa a ser um ônus gravíssimo.

Depois, se for absolvido, dane-se! Se for condenado, ficará inelegível durante o cumprimento da pena.

Depois, independentemente de ter furtado uma galinha ou ter se locupletado do erário, ficará igualmente 8 anos inelegível. Somadas essas três inelegibilidades, teremos um tempo indefinido e enorme de sanção. Isso é justiçamento, vingança oficial."

"A sanção de inelegibilidade e o trânsito em julgado: a nova "inelegibilidade processual" [inacessibilidade processual]

Após o STF, finalmente, ter uma decisão de maioria sobre a incidência rombuda do art.16 da CF/88 como garantia para a segurança jurídica eleitoral, a imprensa passou a se dar conta de que a LC 135/2010 (lei dos fichas limpas) não tinha o signo da sacralidade e intocabilidade. A decisão contramajoritária do STF buscou preservar a Constituição contra o assalto da maioria ingênua e da mídia inconsequente.

Agora, começam alguns a temer pelo enterro constitucional da LC 135, já quanto ao seu conteúdo propriamente dito. E, como não poderia ser diferente, o temor decorre de alguns equívocos teóricos graves. A LC 135 é muito ruim, mas não é por isso que seja inteiramente inconstitucional. Há nela muita inconstitucionalidade, mas muitos equívocos constitucionais: podemos discordar como política legislativa, mas não podemos expurgá-las como afrontas chapadas à Constituição.

Uma das bobagens que começa a ser dita é que a compreensão da inelegibilidade como sanção faria a lei inconstitucional. Lei que teria - vejam a bobagem! - como avanço justamente colocar a inelegibilidade como condição de elegibilidade. A inelegibilidade nunca foi ou poderá ser colocada como condição de elegibilidade, inclusive por ausência de sentido deôntico: sanção é efeito de fato ilícito e não é pressuposto de fato lícito.

Para que a inelegibilidade tenha imediata efetividade, sendo uma sanção aplicada a fatos ilícitos, haveria necessidade do trânsito em julgado da decisão que a decreta? A resposta não é simples nem única. Depende! A Constituição Federal apenas exige o trânsito em julgado para que dimanem os efeitos da inelegibilidade em duas situações: condenação criminal (art.15, III) e improbidade administrativa (art.15, IV). Não assim nos demais casos, como os ilícitos tipicamente eleitorais: abuso de poder econômico, abuso de poder político, captação de sufrágio, captação ilícita de recursos, etc.

A exigência de trânsito em julgado para todas as hipóteses de inelegibilidade advinha do art.15 da LC 64/90, cuja redação foi alterada pela LC 135/2010. Agora, bastaria para a execução imediata da inelegibilidade uma decisão de órgão colegiado, naturalmente excluindo-se as hipóteses previstas na própria Constituição Federal (condenação criminal e improbidade administrativa).

A questão, vista desse modo, seria de fácil solução. Seria. Mas a LC 135 é inconstitucional por outro motivo: a desproporcionalidade das sanções.

Vejam: uma coisa é prescrever uma inelegibilidade por 8 anos, contada desde a decisão de órgão colegiado, quando começa a viger. Outra coisa, muito distinta - e essa é uma grosseira anomalia da LC 135 - é a previsão da inelegibilidade desde a decisão de órgão colegiado, enquanto durar o processo, e, após o trânsito em julgado, mais 8 anos.

Ou seja, o ônus do tempo do processo é terrível para quem recorre de uma decisão que decreta a inelegibilidade, porque o recurso seria causa do prolongamento indeterminado de uma inelegibilidade processual, enquanto durar o tempo do processo e pelo simples fato de haver recurso pendente.

Ao depois, aí sim viria a inelegibilidade material, de 8 anos como sanção ao fato ilícito eleitoral.

Cunho a expressão inelegibilidade processual para denominar a inelegibilidade que decorre exclusivamente do ônus do tempo do processo, sendo a sua causa e razão de ser gerar uma sanção processual indireta pelo manejo de recursos inerentes ao devido processo legal (due process of law), criando assim limitações gravosas e antidemocráticas ao pleno exercício da pretensão à tutela jurídica e ao livre acesso ao Poder Judiciário.

A inelegibilidade processual seria decorrente da decisão de órgão colegiado, enquanto durar o processo, sem direito a uma espécie de detração eleitoral para o cômputo da inelegibilidade material de 8 anos. Essa inelegibilidade processual seria, portanto, um desestímulo ao uso dos meios recursais próprios, em verdadeira negativa de acesso ao Judiciário: recorrer seria um ônus insuportável para quem tivesse a inelegibilidade decretada por um órgão colegiado.

Sem juízo de constitucionalidade, se fôssemos aplicar a LC 135 a secas, teríamos alguns exemplos graves de inelegibilidade da LC 64/90, com a redação da LC 135:

Art. 1º, I, "e"

: soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo penal (inelegibilidade processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de natureza penal, decorrente da suspensão dos direitos políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.

Art.1º, I, "l": a soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo por improbidade que decretou a suspensão dos direitos políticos (inelegibilidade processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de suspensão dos direitos políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.

Note-se que, em hipótese de inelegibilidade decorrente de ilícitos não-eleitorais (condenação criminal transitada em julgado, v.g.), há agora a criação de uma inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual, como gravíssimo ônus para inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário e tornar inviável ou insuportável o manejo de recursos processuais, ainda que viáveis, firmes e sérios.

No caso da condenação criminal, se o recurso contra a decisão condenatória, proferida por órgão colegiado, tiver um resultado demorado (digamos, 5 ou 10 anos), a inelegibilidade processual, somada ao cumprimento da pena (acaso improvido o recurso) e à inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena, poderá levar a uma sanção total de inelegibilidade de mais de 30 anos, o que nada mais é do que o degredo político.

Aqui, parece-me, será o ponto correto a ser debatida a inconstitucionalidade da inelegibilidade processual sem que haja sequer uma detração, uma subtração daquela inelegibilidade material de 8 anos. O correto, o constitucional, seria a LC 135 ter previsto a aplicação da inelegibilidade de 8 anos desde a decisão de órgão colegiado, como execução imediata. Mas criar um inelegibilidade de natureza meramente processual, como terrível ônus do processo, é uma solução legislativa fascista, criminosa e estapafúrdia. Sim, um caso para a psiquiatria forense, como afirmou o Min. Gilmar Mendes.

Desse modo, chamo a atenção para as seguintes conclusões:

a) a sanção de inelegibilidade pode ter execução imediata, desde a decisão de órgão colegiado, exceto nos casos proibidos pela Constituição (condenação criminal e improbidade administrativa);

(b) a inelegibilidade processual, enquanto durar o tempo do processo, é inconstitucional, viola o princípio da proporcionalidade/razoabilidade e impede o acesso frutuoso ao Poder Judiciário; e

(c) a solução constitucional adequada teria sido a LC 135 ter previsto a execução imediata da inelegibilidade cominada potenciada de 8 anos (sem, portanto, postergá-la para o trânsito em julgado e absurdamente criando uma inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual)."

71. Essas lições se amoldam perfeitamente à tese aqui descortinada.

72. E para finalizar nosso raciocínio em torno do princípio da proporcionalidade, trazemos à colação o Ministro Celso de Mello no RE 630.147/DF, ao analisar a lei complementar n. 135/10, lesiva ao direito político fundamental de candidatura, por ferir a razoabilidade exigida do poder legislativo:

"

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à atividade do Poder Público.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSOANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Curso de Direito Administrativo", p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, "Curso de Direito Administrativo", p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa ou, como na espécie, de resolução judicial de conflitos -, adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do "due process of law" (RAQUEL DENIZE STUMM, "Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro", p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Direitos Humanos Fundamentais", p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, "Curso de Direito Constitucional", p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

A validade das manifestações do Estado, portanto, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como os direitos fundamentais) - passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação do Poder Público.

A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais (inclusive de atos do Poder Judiciário), que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder do Estado, veiculam prescrições ou decisões que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.)."

73. A pena incerta e sua transmutação do direito de defesa em encargo de ampliação da pena ditam, a mais não poder, a completa desproporcionalidade da medida legislativa levada a efeito pelo legislador catarinense, no que toca ao artigo 1º, letra "g" da Lei estadual n. 15.381/10.

74. Excelência: essas todas constituem as razões de inconstitucionalidade relativas à Lei estadual n. 15.381, de 20 de dezembro de 2010, que aguardam acolhimento de vossa parte, para o fim de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade estadual extirpadora das denunciadas invalidades supremas.

Nestes Termos,

Pedem Deferimento.

Florianópolis, SC, 19 de setembro de 2011.

Ruy Samuel Espíndola

Advogado - OAB/SC 9.189

Rodrigo Valgas dos Santos

Advogado - OAB/SC 10.006

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Sobre o autor
Ruy Samuel Espíndola

Advogado publicista e sócio-gerente integrante da Espíndola e Valgas Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC, com militância nos Tribunais Superiores. Professor de Direito Constitucional desde 1994, sendo docente de pós-graduação lato sensu na Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Atual Membro Consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB/Federal e Membro da Comissão de Direito Constitucional da Seccional da OAB de SC. Membro efetivo da Academia Catarinense de Direito Eleitoral, do Instituto Catarinense de Direito Administrativo e do Octagenário Instituto dos Advogados de Santa Catarina. Acadêmico vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas na cadeira de número 14, que tem como patrono o Advogado criminalista Acácio Bernardes. Autor da obra Conceito de Princípios Constitucionais (RT, 2 ed., 2002) e de inúmeros artigos em Direito Constitucional publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras. Conferencista nacional e internacional sobre temas jurídico-públicos. [email protected], www.espindolaevalgas.com.br, www.facebook.com/ruysamuel. 55 48 3224-6739.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Lei Ficha Limpa estadual e suas inconstitucionalidades.: O caso de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3035, 23 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/20180. Acesso em: 22 nov. 2024.

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