6. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que o crédito no decorrer de toda a história das sociedades funcionou como grande mola propulsora do desenvolvimento econômico e inclusão social. No entanto, ao mesmo tempo em que funciona como mecanismo de desenvolvimento e inclusão, quando consumido de forma irrestrita e irrefletida, tem consequências desastrosas para o consumidor.
Assim, restou evidenciado que o acesso ao crédito tem repercussões tanto positivas e negativas, sendo o fenômeno do superendividamento do consumidor nas sociedades modernas capitalistas a principal concretização da feição negativa do consumo desmedido ao crédito.
No Brasil, o fenômeno do superendividamento começa a ser delineado a partir do advento do Plano Real. A estabilização dos preços muda os rumos da economia do país e, sobretudo, da atuação das instituições financeiras e comércio em geral, que buscam lucratividade.
O crédito passa a ser oferecido de forma ostensiva, irrestrita, rápida e fácil. Consumir a crédito, seja através de cartões de crédito, cheque-especial, compras parceladas no comércio varejista (carnê), crédito consignado, empréstimos e outras inúmeras formas de financiamento, torna-se senso comum no país consolidando a cultura do endividamento.
Restou defendido que tal fenômeno contou no Brasil com atuação decisiva tanto dos fornecedores de crédito quanto do Estado. Os primeiros mediante promoção de publicidade ostensiva, abusiva e consolidando o fornecimento de crédito de forma maciça e sem critérios. O segundo, por sua vez, através da omissão diante da completa falta de controle preventivo e repressivo para tutela do consumidor superendividado.
Diante deste contexto, este trabalho defendeu que a abusividade, seja no âmbito da publicidade agressiva e enganosa ou mediante a exorbitância de cobrança de juros pelas instituições financeiras, é fato institucionalizado no Brasil, constituindo um dos grandes motivadores da fenomenologia do superendividamento no país.
Neste sentido, adotando o conceito trazido por Cláudia Lima Marques (2006, p. 14), sendo o fenômeno do superendividamento a "impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo", desenvolveu-se, nesta monografia, a partir de estudo sobre o perfil do superendividado brasileiro, formas de tratamento encontradas na doutrina e na legislação comparadas, a evidência de que a situação de superendividamento leva a perda da dignidade, é ameaça a manutenção do mínimo existencial e, como tal, merece tratamento e tutela especial.
Mereceu destaque nesta monografia o estudo da constitucionalização do direito civil que, atribuindo nova roupagem à forma de tratamento das relações obrigacionais, uma vez que inseriu no direito privado princípios e valores constitucionais tendo em vista, principalmente, a proteção e desenvolvimento da pessoa humana, embasa a tutela do consumidor superendividado.
Tutelar, no contexto desta obra, é o mesmo que proteger, amparar e defender. O consumidor superendividado merece a tutela do Estado e tal prerrogativa é dever diante do paradigma maior do princípio da dignidade da pessoa humana, contemplado no Art. 1º da Constituição Federal.
Defendeu-se a criação de práticas de prevenção ao superendividamento, ainda na fase pré-contratual, além de repressão diante de situações de abusividade e vantagem manifestamente excessiva ao consumidor. Para tanto, defendeu-se, em análise de direito comparado europeu, a aplicação dos deveres de renegociação, cooperação e conciliação.
E daí emergiu a importância de criação de legislação especifica para tratamento do fenômeno no Brasil.
No prisma da atuação do Estado-Juiz restou evidenciado que já existem posicionamentos favoráveis à tutela do consumidor superendividado no país, pelo que, tais posicionamentos, ainda tímidos e restritos à algumas regiões, devem ser repetidos em todas as jurisdições nacionais.
Portanto, tutelar o consumidor superendividado significa dar efetividade à justiça social contemplada pela Constituição Federal do Brasil que privilegia o princípio da dignidade da pessoa humana.
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