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A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil

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Agenda 11/08/2011 às 09:33

2.PODER DE POLÍCIA

A palavra polícia originou-se do vocábulo grego politeia, o qual se referia a todas as atividades desempenhadas pela polis – Cidades-Estado da Grécia antiga – tendo, entretanto, sentido bem distinto do hodierno. [54]

Por volta do século XV, tem-se na Alemanha o jus politiae que, assim como a politeia das cidades-estados, designava toda a atividade do Estado. Consistia em amplos poderes atribuídos ao príncipe, o qual os exerciam com o suposto desiderato de garantir a segurança e o bem-estar social. Essa fase, em que os atos do príncipe não eram passíveis de controle pelos tribunais [55], denominou-se Estado de Polícia. [56]

Com o implemento do Estado de Direito – onde se tem como um dos pilares a submissão do Estado às leis por ele criadas –, essas idéias absolutistas foram suplantadas. Num primeiro momento, visou-se, basicamente, assegurar aos cidadãos apenas direitos individuais. Na ocasião, imperava o constitucionalismo liberal, marcado pelo liberalismo clássico, quando se dava eminência a valores como o individualismo, o absenteísmo estatal e a propriedade privada. [57]

Quanto a esse momento histórico, Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que "a atuação estatal constituía exceção, só podendo limitar o exercício de direitos individuais para assegurar a ordem pública. A polícia administrativa era essencialmente uma polícia de segurança". [58]

No entanto, com o passar do tempo, a concepção liberal mostra-se insuficiente para atender aos anseios da sociedade, motivo pelo qual o Estado é chamado a intervir. Nessa linha, passa-se ao Estado Social de Direito. [59] Agora, nesse segundo momento, o Estado almeja garantir não só a segurança como também a ordem social e econômica, as quais passam a integrar o conceito de ordem pública. [60] Destarte, passa-se a intervir no mercado, nas relações de emprego, no exercício das profissões, [61] entre outras áreas.

2.1.Conceituação e fundamentação

Feita essa contextualização, torna-se possível uma melhor compreensão da atual acepção do poder de polícia. Esse, em linhas gerais, consiste num poder administrativo, bem como numa prerrogativa do Estado, que lhe permite regular, fiscalizar e condicionar o exercício de direitos individuais – podendo-se destacar a liberdade e a propriedade –, a fim de coaduná-los com os interesses da coletividade. [62]

Num sentido amplo, a expressão engloba tanto atos normativos de caráter geral do Poder Público – como as leis, decretos, resoluções, portarias e instruções –, quanto atos administrativos e operações materiais, que se ocupam da concretização das leis. Essas últimas podem corresponder a uma atividade estatal preventiva – como é o caso, verbi gatia, das fiscalizações e das concessões de licenças e autorizações – ou repressiva (que são exemplos os casos de apreensão e destruição de alimentos impróprios para o consumo ou da dissolução de reuniões). [63]

Cumpre registrar que alguns autores [64] opõem-se ao emprego da expressão poder de polícia. Esses entendem que ela se refere à fase do Estado de Polícia, e que sua utilização daria flanco para a concessão de poderes inadmissíveis num Estado de Direito. Assim, estar-se-ia admitindo a prática de atos sem o devido respaldo legal, sob o argumento de estarem fundados no poder de polícia, algo que ainda ocorre, conquanto seja incompatível com a atual ordem constitucional. [65]

Então, em razão disso, tais autores preferem referir-se aos atos de polícia administrativa do Estado em detrimento de atos de poder de polícia daquele. Contudo, a despeito da razoável argumentação, esta monografia não se aterá a tal preocupação.

Ao lado dessa divergência doutrinária, há um ponto neste tema que se tem entendimento uníssono, qual seja, a fundamentação do referido poder. Sabe-se que para a consecução de seus fins a Administração goza de certas prerrogativas, as quais acabam por estabelecer uma relação de verticalidade com os administrados – diz-se, aliás, que é isso que caracteriza o regime jurídico administrativo. Nessa esteira, afirma-se que tais prerrogativas têm como sustentáculo a supremacia do interesse público sobre o privado. Portanto, tendo em vista que o poder de polícia encontra-se inserido no leque de privilégios do Estado, seu fundamento não poderia ser outro senão a supremacia do interesse público sobre o particular. [66]

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Além do mais, para compreender a figura do poder de polícia, é necessário ter em mente que não existem direitos absolutos. Dessa forma, não se pode vislumbrar incompatíveis os direitos individuais e os limites impostos pelo poder de polícia. [67] Sob esse diapasão, deve-se sempre ter em vista que estes últimos (limitações ao exercício de direitos) justificam-se na medida em que sirvam para assegurar o próprio direito, contendo os abusos decorrentes do exercício anti-social por parte dos indivíduos, pois, afinal, o poder de polícia existe em razão do interesse social. [68]

Assim, o condicionamento de direitos individuais a que se propõe o poder de polícia deve ir até onde seja suficiente para harmonizá-los com o bem-estar social. Por conseguinte, um ato fundado nesse poder perderá razão sempre que sua prática não guardar proporcionalidade com o fim almejado.

Isso significa dizer que as limitações nunca podem ser impostas ao ponto de fulminar o próprio direito que se visa resguardar. Então, faz-se necessário ponderar os valores envolvidos pela questão: tem-se, de um lado, as restrições impostas pela Administração e, do outro, o benefício social que se tem em vista; da mesma forma, tem-se a infração cometida e a sanção a ser aplicada.

A forma de buscar o equilíbrio nessas relações, segundo a doutrina, é a observância do Princípio da Proporcionalidade, o qual se mostra como um importante limite ao poder de polícia, apto a conter arbitrariedades. [69]

2.2.Características

Usualmente, apontam-se como características do poder de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. [70] Além dessas, acrescentam-se outras que variam de acordo com cada doutrinador. [71]

Entre esses atributos, o que engendra mais polêmica é o da discricionariedade. Parte autorizada da doutrina [72] entende ser inadequado afirmar categoricamente que o poder de polícia é discricionário.

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que somente uma vertente do poder de polícia poderia ter um viés discricionário, qual seja, aquela atribuída ao Legislativo (que ele denomina de poder de polícia em sentido amplo). Este, segundo o autor, exerce tal poder nesses moldes quando edita leis condicionadoras da liberdade e da propriedade. Assim, refuta a atribuição de caráter discricionário ao que ele chama de polícia administrativa, a qual corresponde à vertente do poder de polícia da qual se incumbe o Executivo. [73]

Tecendo detalhes, esse mesmo autor distingue exercício de poder discricionário e exercício de competência discricionária, para depois admitir que, em certos momentos, a atividade estatal fundada no poder de polícia é exercida com encalço em competência discricionária. A propósito, veja-se o trecho a seguir colacionado:

Em rigor, no Estado de Direito inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada. Poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa é coisa que não existe. [74]

Frise-se, porém, que não são todos que fazem essa distinção. Todavia, o fato é que nem sempre o legislador abre espaço para o administrador atuar com base em critérios de conveniência e oportunidade no uso do poder de polícia. Pois, em dadas ocasiões em que estiverem presentes certos requisitos, a lei prevê como se deve agir, sendo a atuação do administrador totalmente vinculada. [75]

O ideal seria que o administrador agisse sempre de forma vinculada, porquanto assim facilitar-se-ia a fiscalização de princípios como o da legalidade e evitar-se-iam abusos de poder por parte da Administração. Contudo, é evidente ser isso inviável, na medida em que é impossível para o legislador prever todas as ocasiões em que deve haver atuação de polícia. Sendo assim, às vezes convém à lei conferir certa margem de liberdade para a atuação do administrador no que diz respeito à análise de alguns elementos do ato administrativo. Dessa forma, há casos nos quais cabe à Administração decidir qual sanção aplicar, [76] em que momento agir e qual o meio mais adequado. [77]

A par disso, somente para ficar claro que as atividades de polícia do Estado ora são discricionárias ora são vinculadas, cabe comparar a licença e a autorização. Ambas são espécies de atos administrativos unilaterais que correspondem à atividade de polícia da Administração. No entanto, a autorização caracteriza-se por ser um ato administrativo discricionário e precário (por meio dele a Administração faculta ao particular a prática de uma atividade ou de um ato que sem o qual lhe seria proibido), enquanto a licença é um ato vinculado, pois uma vez preenchido certos requisitos, o Poder Público é obrigado a facultar ao particular o exercício de uma atividade. [78]

Outra característica de suma importância é a auto-executoriedade dos atos de polícia. Através dela, a própria Administração pode por o ato administrativo em execução, independentemente da vontade do particular, sem que seja preciso recorrer ao Judiciário. Nota-se que isso se opõe à regra do direito privado, onde vige a nulla executio sine titulo.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro divide esse atributo em exigibilidade e executoriedade. Enquanto aquela permite que a Administração tome decisões, criando obrigações para os particulares, sem recorrer ao Judiciário, esta lhe autoriza implementar diretamente as referidas decisões, prescindindo-se de auxílio ou autorização do Judiciário. Neste caso, poder-se-á valer-se inclusive da força se preciso. [79] À vista desse entendimento, sustenta-se que a auto-executoriedade é inerente a toda medida de polícia, pois sempre estará presente ao menos a exigibilidade. [80]

Ressalte-se que, no que diz respeito à executoriedade, inexiste controle prévio ou concomitante do judiciário, porquanto esse será feito a posteriori, ao se verificar eventuais abusos. Insta mencionar que a possibilidade de compelir materialmente o administrado não é exercida desregradamente, isso porque ela tem cabimento apenas nas seguintes situações: a) quando a lei expressamente autorizar (o Código de Trânsito Brasileiro traz alguns exemplos); e b) quando a adoção da medida for necessária para atender o interesse público emergencial, não sendo possível aguardar a normal demora do Judiciário, sob pena de por em risco a coletividade.

Logo, essa característica é fundamental para a defesa daqueles interesses coletivos que não poderiam se sujeitar à morosidade dos procedimentos judiciais. Contudo, conforme se pode inferir, a executoriedade é medida excepcional, passível de ser utilizada em casos de urgência e quando a lei autorizar. Para elucidar o explanado, basta imaginar a situação em que agentes da vigilância sanitária, ao se depararem com alimentos impróprios para o consumo, os destroem a despeito de inexistir autorização judicial.

Além do mais, diz-se ainda ser o poder de polícia dotado de coercibilidade, o que implica a possibilidade de imposição coativa das medidas de polícia, prescindindo a concordância do administrado.

Por fim, mencionava-se ainda que o poder de polícia correspondia a uma atividade de imposição de uma obrigação negativa, ou seja, uma obrigação de não fazer imposta pela Administração aos administrados. Entretanto, esse entendimento restou superado, visto que hodiernamente se concebe imposição de obrigações de todas as modalidades, vale dizer, de fazer (p. ex., limpar um terreno), de não fazer (p. ex., não construir acima de determinada altura) e de tolerar (p. ex., suportar a fiscalização da vigilância sanitária).

2.3.Indelegabilidade de atos de polícia

As atividades de polícia não são passíveis de delegação a particulares, porquanto correspondem à atividade típica de Estado, em que ele o exerce com supremacia em relação ao particular. Do contrário, estar-se-ia a admitir que particulares atuassem com supremacia em face de particulares.

A propósito,, conforme visto no tópico relativo às autarquias corporativas, foi principalmente com base nesse argumento que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de parte da Lei 9.649/98, a qual pretendeu dar caráter privado àquelas autarquias. Quanto a isso, veja-se trecho do voto do ministro Sydney Sanches na ação direta de inconstitucionalidade em que parte da supramencionada lei fora extirpada do ordenamento jurídico brasileiro:

[...] não me parece possível, a um primeiro exame, em face de nosso ordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e punir no que concerne ao exercício de atividades profissionais. [81] [grifo nosso].

Sob esse diapasão, aduz Ricardo Teixeira do Valle Pereira ao comentar as impropriedades que se visou com a referida lei:

Por outro lado, e isso é extremamente importante também, em razão de sua natureza, por representar a mais clara expressão do poder estatal, as atividades de polícia não podem ser delegadas a particulares, mesmo porque, como reconhece a doutrina, gozam de coercibilidade e auto-executoriedade, atributos que são desconhecidos, como regra, nas relações de direito privado. [82]

Comungando com até então exposto, Celso Antônio Bandeira de Mello acrescenta observações de suma relevância:

A restrição à atribuição de atos de polícia a particulares funda-se no corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando em causa liberdade e propriedade, porque ofenderia o equilíbrio entre os particulares em geral, ensejando que uns oficialmente exercessem supremacia sobre outros. [83] [grifo nosso]

Destarte, depreende-se que os atos de polícia não podem ser objetos de delegação a particulares pelo fato de que se criaria uma relação de verticalidade entre eles, pois uns estariam agindo com base em supremacia em face dos demais.

Frise-se, por último, que esse doutrinador diz não serem delegáveis tais atos "ao menos em princípio" porque ele faz ressalva quanto a casos excepcionais, como por exemplo, dos poderes reconhecidos aos capitães de navio. Ademais, trata, ainda, da possibilidade do particular praticar "ato material preparatório ou sucessivo a ato jurídico desta espécie" – ou seja, ato de polícia –, desde que observadas uma série de limitações por ele apresentadas.

Todavia, essas hipóteses excepcionais não guardam nenhuma pertinência com o tema proposto, sendo assim passar-se-á adiante sem que sejam destrinçadas.

Sobre o autor
Rodrigo de Oliveira Machado

Advogado. Pós-graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Território - Ordem Jurídica e Ministério Público.Pós-graduado pela VESTCON - Direitos Indisponíveis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Rodrigo Oliveira. A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2962, 11 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19731. Acesso em: 24 nov. 2024.

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