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A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil

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11/08/2011 às 09:33
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3.ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

3.1.Histórico [84]

Antes da criação da OAB, não se exigiam maiores formalidades para o exercício da advocacia, sendo prescindível, inclusive, a graduação no curso de direito ou prova de habilitação. Demais disso, a atuação dos advogados era livre, não tendo as congregações de advogados poder de puni-los.

Assim, percebeu-se que a regulamentação da atividade advocatícia era de interesse e necessidade não apenas dos integrantes da classe de advogados, mas sim também de toda sociedade, tendo em vista ser um meio de evitar que profissionais desqualificados ou desleais lhe causem danos. Por conseguinte, organizaram-se instituições, compostas por profissionais da área, encarregadas de tais funções, além de outras correlatas. [85]

A primeira entidade brasileira criada para organizar a atividade advocatícia no território nacional foi o Instituto dos Advogados do Brasil, fundado em 1843. Constituiu-se na forma de associação privada, não se tendo originado de norma jurídica. Tinha como um dos principais escopos, previsto inclusive em seu Estatuto, a criação da Ordem dos Advogados do Brasil. Desempenhou importante função política na sociedade da época, apresentando projetos de lei ao parlamento, bem como opinando em outros apresentados por parlamentares. [86]

A fim de cumprir seu referido objeto social, o Instituto apresentou diversos projetos ao Legislativo. Contudo, somente em 1930, com o Decreto 19.408, surgiu a Ordem dos Advogados do Brasil, a qual teve seu Regulamento instituído pelo Decreto 20.784, de 14 de dezembro de 1931. Depois disso, vários outros decretos foram editados alterando as normas as quais regulamentavam a citada entidade.

Com o advento da Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, a OAB deixa de ser regulada por decreto. Posteriormente, esse estatuto legal foi revogado pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe, hodiernamente, sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. [87]

O termo "Ordem", utilizado no nome da entidade competente para organizar a classe dos advogados brasileiros, vincula-se, na tradição francesa, "à organização medieval, como conjunto estatutário que ordena um modo de vida reconhecido pela Igreja, semelhante à Ordo Clericorum ou às ordens de cavalaria". [88]

Assevera-se que esse termo tem o fito de distinguir tal ente das demais entidades organizadoras de classes profissionais, os quais normalmente são denominados de Conselho, como, por exemplo, o Conselho Federal de Medicina – CFM, ou o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CONFEA. Alguns realçam a importância dessa distinção, na medida em que vislumbram a impossibilidade da OAB ser tida como uma usual entidade de classe, visto que, embora possuam atribuições comuns, a Ordem detém muitas outras que a afasta daquelas. Frise-se, ademais, que essa distinção tem reflexos, inclusive, na determinação da natureza jurídica dessa entidade. [89]

Analisado o surgimento e as atribuições dos conselhos da Ordem dos Advogados do Brasil, ainda que sucintamente, e entendida a natureza dos conselhos fiscalizadores do exercício profissional, pode-se cuidar de alguns aspectos que circundam aquela entidade, começando, assim, a enfrentar o problema proposto. No entanto, antes disso, cabe elucidar o que vem a ser a natureza jurídica de um ente.

3.2.Natureza jurídica das entidades

Em princípio, cabe pontuar que determinar a natureza jurídica de um instituto ou de um ente não consiste meramente em conceituá-lo, pois é muito mais que isso.

O estudo da natureza das coisas não se trata de uma tarefa exclusivamente jurídica, tanto que várias outras ciências empenham-se nisso, cada qual de sua forma peculiar. Contudo, por estarmos no campo do Direito, devemos fazer essa análise tendo por base conceitos jurídicos pré-existentes. [90]

Na busca pela especificação da natureza jurídica de uma entidade, devemos estudar, além de sua essência, suas características intrínsecas, bem assim os efeitos notórios no mundo jurídico que delas decorrem. [91] Mas não é só. No dizer de Paulo Rangel, fixar a natureza jurídica de um ente ou de um instituto é "localizá-lo de modo perfeito, no sistema de direito a que pertence esse instituto. Enquadrá-lo dentro de uma ordem jurídica. É perceber sua própria natureza dentro da sistemática em vigor." [92]

Demais disso, conforme dito anteriormente, vale frisar que não é o nome dado por uma lei a uma entidade que irá determinar sua natureza. Ademais, cabe colocar que, ao contrário do que pode parecer, não se analisa os efeitos decorrentes da natureza jurídica de um ente apenas após a especificação desta, pois é com base neles que se torna viável essa determinação. A propósito, Luísa Hickel Gamba, reportando-se a decisões do Supremo Tribunal Federal, leciona o seguinte:

[...] já disse bem o Supremo Tribunal, a natureza jurídica não se determina pelo nome ou definição atribuídos ao ente na respectiva lei de criação, mas sim pela essência e pelo regime jurídico com que essas mesma lei o conforma. [93]

Assim, a especificação da natureza jurídica de um ente encontra importância para o Direito, na medida em viabiliza compreender o seu funcionamento, sua estrutura, bem como o regime jurídico ao qual se sujeita.

3.3.Peculiaridades da OAB e seu caráter

A princípio, pode-se afirmar ser a Ordem dos Advogados do Brasil uma entidade prestadora de serviço público, a qual exerce função política, de interesse público, bem como corporativa, representando e defendendo a classe dos advogados. Ademais, faz isso em nome próprio, tendo em vista ser detentora de personalidade jurídica. [94]

Essas aduções podem ser extraídas da doutrina dominante [95], da jurisprudência [96], bem como do próprio Estatuto da entidade, como se expõem a seguir:

Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: [...]. [grifo nosso].

Art. 45. [...]

§ 1º O Conselho Federal, dotado de personalidade jurídica própria, com sede na capital da República, é o órgão supremo da OAB.

§ 2º Os Conselhos Seccionais, dotados de personalidade jurídica própria, têm jurisdição sobre os respectivos territórios dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Territórios.

[...].

§ 4º As Caixas de Assistência dos Advogados, dotadas de personalidade jurídica própria, são criadas pelos Conselhos Seccionais, quando estes contarem com mais de mil e quinhentos inscritos.

§ 5º A OAB, por constituir serviço público, goza de imunidade tributária total em relação a seus bens, rendas e serviços. [97] [grifo do nosso].

Não é possível, entretanto, asseverar com tanta facilidade se a personalidade dessa instituição é de direito público ou privado, bem como se mantém ou não algum vínculo com o Estado. Esse assunto é fonte de muita controvérsia desde os primórdios de sua criação, muito embora se venham pacificando os debates, principalmente à luz do atual Estatuto. Fala-se, pois, que o impasse era ainda maior frente à redação do Estatuto anterior. Nesse sentido, veja o que diz Paulo Luiz Netto Lôbo:

Na vigência do Estatuto anterior reinou a controvérsia sobre o regime jurídico da OAB, especialmente porque a lei não era clara, traduzindo em ambigüidade hermenêutica as dúvidas ou vacilações dos que o elaboraram. O art. 1º considerava a OAB "órgão" indeterminado; o art. 139 dizia que ela constituía "serviço público", não se lhe aplicando as disposições legais referentes às autarquias. De maneira geral a doutrina atribuía à OAB a qualidade de "autarquia especial" de contornos imprecisos. A maioria dos autores afirmava sua independência em face do Poder Público; outros, contudo, vinculavam-na à Administração Pública. [98]

Excluindo-se as questões políticas que, apesar de influenciarem a discussão, não devem ser aqui debatidas por não terem pertinência jurídica, pode-se dizer que tal impasse dá-se em razão das peculiaridades as quais possui o ente.

O doutrinador supramencionado diz que o Estatuto atual preconiza ser a OAB serviço público, sem vínculo funcional ou hierárquico com qualquer órgão da Administração Pública, estando, portanto, livre de ingerências do Estado e submetida tão-somente aos limites traçados pela lei. Aduz, ainda, que o Estado deixou de regular e tutelar diretamente a profissão do advogado desde a criação do Regulamento da Ordem dos Advogados do Brasil, que ocorreu, conforme dito anteriormente, com o Decreto 20.784/31. Assim, nessa visão, a partir de então, transferiu-se aos próprios interessados o encargo de defender e disciplinar a atividade advocatícia. [99]

Entre outras singularidades dessa entidade, ganha destaque o fato de que, em determinados momentos, realiza atividades as quais se pode dizer estarem submetidas ao regime jurídico de direito público, enquanto, em outras ocasiões, desempenha funções mais condizentes com o regime de direito privado. [100] Ver-se-á, adiante, que é por essa razão que se afirma ser ela uma entidade híbrida, de natureza mista ou sui generis.

Nesse conspecto, vale colacionar trecho da obra de Paulo Luiz Netto Lôbo, onde externa posicionamento semelhante a esse, além de citar doutrinadores que comungam com seu modo de pensar:

Dario de Almeida Magalhães afirma ser a OAB entidade jurídica sui generis, que não se inclui nem entre as autarquias administrativas nem entre as entidades exclusivamente privadas, por não gerir qualquer parcela de patrimônio público ou se manter com dinheiros públicos. No mesmo sentido, manifestou-se Miguel Reale, para quem a OAB é entidade singular, na qual características públicos e privados se coordenam e se complementam.

Com efeito, as receitas da OAB, embora oriundas de contribuições obrigatórias, não são tributos porque não constituem receita pública, nem ingressam no orçamento público, nem se sujeitam à contabilidade pública. O art. 149 da Constituição não se aplica à OAB, inclusive por ser a única entidade de fiscalização profissional não vinculada à Administração Pública. [101]

Em suma a OAB não é nem autarquia nem entidade genuinamente privada, mas serviço público independente, categoria sui generis, submetida ao direito público (exercício de poder de polícia administrativa da profissão) e ao direito privado (demais finalidades). [102] [grifo do autor].

Ao analisar as obras de autores que abordam a problemática da especificação da natureza jurídica da Ordem, percebe-se que grande parte deles expõem seus posicionamentos a partir de uma análise das atribuições cometidas a esse ente. [103] Entretanto, essa abordagem não leva a uma fácil conclusão, haja vista aparentar estar tais atividades submissas a um regime híbrido, conforme acima ficou salientado.

Partindo-se dessa linha de pensamento, a fim de se ter uma melhor visão da situação, se divide em dois grupos as funções as quais são atribuídas à OAB, pela Lei 8.906/94, seu Estatuto, quais sejam: a) funções político-institucionais [104] e b) funções corporativas. [105]

Ambas estão elencadas, respectivamente, nos incisos I e II do artigo 44 da Lei retro mencionada. Assim, a fim de reiterar o que foi dito, bem como para tecer alguns novos comentários, entende-se necessário transcrever o inteiro teor desse dispositivo, incluindo, portanto, um trecho já reproduzido anteriormente:

Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

§ 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

§ 2º O uso da sigla OAB é privativo da Ordem dos Advogados do Brasil. [106]

Inicialmente, mencione-se que as atribuições assentadas no inciso I do dispositivo legal acima transcrito – correspondentes às político-institucionais –, não são todas exclusivas da OAB. Muitas delas são desempenhadas por outros órgãos e entidades, como, verbi gratia, pelo Ministério Público (a quem incumbe, entre outras coisas, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático) e pelas confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional (às quais se atribui também o poder de defender a Constituição Federal, na medida em que o artigo 103, inciso IX, da Carta Magna conferiu-lhes legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade).

Entende-se ser admissível o exercício daqueles misteres por entes externos à Administração, haja vista que quanto mais instituições deles se ocuparem, mais eficazmente serão cumpridos e respeitados.

Todavia, talvez não seja a melhor opção concordar com os que entendem que tais funções só podem ser adequadamente exercidas por um ente desvinculado do Poder Público. [107] O Ministério Público é um exemplo claro de que tal argumento é falacioso, na medida em que, a despeito de ser vinculado ao Estado, desempenha satisfatoriamente muitas funções análogas às da Ordem, sem prejudicar, no entanto, sua autonomia e independência funcional. A esse respeito, preleciona Gladston Mamede:

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O Estado, porém, há muito não está submetido apenas a essa estrutura simplificada, tripartida. Basta recordar que, por expressa previsão do artigo 127 da Constituição, tem-se uma instituição estatal permanente, um órgão dotado de autonomia funcional e administrativa, independente dos três Poderes da União, anotados no artigo 2º da Lei Maior. Há uma nítida expansão dos serviços públicos com a afirmação de um órgão estranho aos Poderes, mas, ainda assim, parte da estrutura estatal. No entanto, os membros do Ministério Público, insofismavelmente, compreendem-se na definição de agentes burocráticos: estão na estrutura estatal, como servidores públicos escolhidos pela via dos concursos públicos. São funcionários, remunerados pelos cofres públicos, e gerenciam a coisa pública. [108]

Já as competências conferidas pelo inciso II, anteriormente colacionado, são as tidas como corporativas. Algumas delas, como a representação e defesa dos advogados, levam a pensar que são atribuíveis aos particulares, pois assemelham-se as desempenhadas pelas associações civis, entidades de classe ou sindicatos. [109] No entanto, aquelas atividades não se confundem nem dispensam várias das desempenhadas por estas entidades, embora reze o dispositivo que cabe à Ordem exercê-las com exclusividade. Paulo Luiz Netto Lôbo harmoniza as competências da OAB com as dos sindicatos da seguinte forma:

Compete à OAB a exclusiva representação geral dos advogados e a defesa das prerrogativas e direitos da profissão, enquanto tais. Compete aos sindicatos a defesa e representação específicas dos advogados sindicalizados, no que disser respeito às questões oriundas de relação de emprego a que se vinculem, e somente nessa hipótese. [grifo do autor]. [110]

Demais disso, ainda no que diz respeito às funções coorporativas da Ordem, não se pode olvidar as que guardam correlação com as cometidas às autarquias corporativas, quais sejam, as que envolvem o exercício de poder de polícia administrativa. [111] Entre elas, encontram-se compreendias as competências para disciplinar e selecionar os advogados, importando, basicamente, nas seguintes atividades [112]:

a) realização do Exame de Ordem, como forma de selecionar aqueles que pretendem exercer a atividade advocatícia;

b) exercício do controle e fiscalização da atividade profissional, cabendo-lhe aplicar sanções em caso de incidência de infrações disciplinares.

Essas funções, por envolverem o poder de polícia administrativa, conforme visto, não são compatíveis com a transferência aos particulares, sob pena de se verticalizar as relações privadas. [113] Isso consiste num dos mais fortes argumentos utilizados para enquadrar a OAB como um ente de personalidade jurídica de direito público, da espécie autarquia coorporativa, visto que, em razão da supremacia do interesse público sobre o privado, ela atua com prerrogativas em face do particular.

No entanto, alguns sustentaram, mesmo assim, ser possível a delegação desse tipo de atividade a uma entidade não autárquica, e até mesmo a uma entidade de direito privado. Pode-se inferir que tal linha de pensamento foi desenvolvida quase que tão-somente para ser aplicada à OAB. A propósito, leciona Paulo Luiz Netto Lôbo que:

O Estado às vezes comete a pessoas jurídicas de direito privado, a ele vinculadas, atividade típica de polícia administrativa, dispensando o tipo autárquico. Portanto, não basta a execução de serviços públicos para concretizar o tipo autarquia, mesmo especial ou sui generis. [114] [grifo nosso]

Inicialmente, cabe ressaltar que esse autor não dá a devida sustentação a suas ponderações. A uma porque assevera que o Estado delega a particulares poder de polícia, mas não cita sequer um exemplo disso. A duas porque, compulsando sua obra, observa-se que suas idéias, de certa forma, se contradizem: a todo tempo o doutrinador visa demonstrar a independência e autonomia da OAB em relação ao Estado, asseverando estar ela desvinculada deste, não possuindo, de maneira alguma, natureza autárquica; todavia, ao sustentar a possibilidade de cometer poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado, dispensando-se o tipo autárquico, fala que tal entidade privada (cometida do poder de polícia) deve ser vinculada ao Estado. Assim, conclui-se que a Ordem deveria estar vinculada ao Estado para poder exercer atividade de polícia administrativa, algo que o autor refuta a todo instante.

Outros fatores que realçam o caráter público da OAB são os fatos dela gozar de imunidade tributária total sobre seu patrimônio, renda e serviços, e de ter competência para instituir e cobrar contribuições compulsórias de seus filiados, as quais alguns dizem não ser tributo. [115] Essas peculiaridades, somadas a sua competência de exercer o poder de polícia sobre seus filiados, dá flanco para tê-la como uma autarquia, ainda que sui generis.

De outra face, a fim de destacar o caráter privado da instituição, parte da doutrina [116] aduz, conforme anteriormente salientado, que a Administração Pública não poderia desempenhar tais funções – mais precisamente as previstas no citado inciso I do artigo 44 do Estatuto. Somente um órgão autônomo e independente do Estado estaria apto a exercê-las de forma escorreita. Desse modo, sustenta-se que a vinculação da OAB à Administração Pública iria obstruir o bom desempenho de tais atividades.

Então, corroborando com esse entendimento e pondo fim às imprecisões do Estatuto anterior, o § 1º do art. 44, retro transcrito, foi expresso ao dizer que a Ordem não mantém nenhum vínculo com o Poder Público. [117]

Muito embora o atual Estatuto tenha sido expresso nesse sentido, isso não foi capaz de pacificar os ânimos de todos. Tanto que, recentemente, essa questão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.026, conforme se verá adiante. Antes disso, porém, cumpre mencionar outra ocasião, anterior a essa, em que o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de pronunciar-se quanto ao tema. Trata-se da decisão liminar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.707.

3.3.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.707 [118]

A ADI n. 1.707 foi proposta em 24 de novembro de 1997, por Geraldo Brindeiro, à época Procurador Geral da República. Nela se impugnou a Lei n. 5.607, de 31 de maio de 1990, do Estado de Mato Grosso, a qual conferia parte da arrecadação das custas processuais à secional da OAB daquele Estado.

Na peça exordial, alegava-se que a referida lei, ao atribuir à OAB parte da receita proveniente de custas processuais, malferia o artigo 145, inciso II, da Constituição Federal, o qual trata da instituição de taxas. [119] Segundo o autor da ação, inconstitucionalidade havia na medida em que não existia a vinculação exigida para o estabelecimento daquele tributo, porquanto a Ordem não prestava, tampouco colocava a disposição do contribuinte, qualquer serviço público que justificasse a sua cobrança. Sob esse diapasão, frisou-se ser defeso ao Estado custear com essa espécie de tributo serviços outros que não os utilizados pelo contribuinte ou colocados a disposição deste. [120]

Refutando esses augúrios, o ministro-relator Moreira Alves afirmou haver a necessária vinculação entre o tributo instituído e o serviço público desempenhado pela OAB. A seu ver, as atribuições dessa instituição estariam relacionadas à prestação jurisdicional por parte do Estado, não havendo, portanto, que se falar em afronta ao inciso II do artigo 145 da Constituição Federal.

Não é esse, todavia, o ponto mais relevante para esta monografia. Por ora, interessa saber quando houve manifestação acerca da natureza da Ordem dos Advogados do Brasil. Então, nesse desiderato, insta colacionar relevante trecho do voto do ministro-relator, em que se inicia com um comentário à Lei 8.906/94:

Portanto, por essa lei, é, em última análise, a OAB uma federação de pessoas jurídicas de direito público (autarquias) que têm atribuições que estão intimamente ligadas à prestação jurisdicional por parte do Estado, certo como é, inclusive, que o advogado, segundo o preceituado na parte inicial do artigo 133 da Constituição, "é indispensável à administração da justiça". Por isso, pelo menos neste exame para a verificação, de plano, da relevância ou não, da fundamentação jurídica dessa argüição de inconstitucionalidade para a concessão, ou não, da medida liminar requerida, não se me afigura ela com a relevância necessária para que se suspenda cautelarmente a eficácia da Lei estadual em causa. [grifo nosso].

Observe que Moreira Alves foi categórico ao afirmar que a OAB possui natureza jurídica de direito público. Demais disso, para ficar claro, atribuiu-lhe o nomem juris de autarquia. Ocorre, porém, que essa decisão não foi apta a alterar a sistemática vigente, pois a Ordem continuou a furtar-se da incidência do regime jurídico administrativo sempre que conveniente para si própria.

O trecho acima transcrito traz a essência da decisão que prevaleceu. Naqueles termos, negou-se, por unanimidade, o pedido liminar, não tendo havido, por conseguinte, a suspensão cautelar da eficácia da lei impugnada. A ação, porém, ainda não foi julgado no mérito.

Tempos depois, novamente por via obliqua, o Supremo Tribunal Federal voltou a debater qual seria a natureza jurídica da OAB na Ação Direta da Inconstitucionalidade n. 3.026. No entanto, mais uma vez o tribunal perdeu a oportunidade de fixar um entendimento claro e preciso quanto ao assunto. Vejam-se alguns detalhes a seguir.

3.3.2.Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.026

Em 28 de outubro de 2003, Cláudio Lemos Fonteles, o então Procurador Geral da República, propôs ação direta de inconstitucionalidade em face da parte final do § 1º do artigo 79 da Lei 8.906/94. Demais disso, requereu que se desse interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal ao caput do artigo 79, daquela mesma lei.

Neste momento, cabe analisar cada um dos desideratos separadamente. Entretanto, para elucidar a questão, veja-se o que diz o artigo 79 do Estatuto da OAB, principalmente as partes destacadas, as quais foram objeto da supracitada ADI:

Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista.

§ 1º Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração.

§ 2º Os servidores que não optarem pelo regime trabalhista serão posicionados no quadro em extinção, assegurado o direito adquirido ao regime legal anterior. [grifo nosso].

Conforme se depreende do § 1º desse dispositivo, havia, na data da promulgação da citada lei, servidores da OAB submetidos ao regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, pois a Lei 4.215/63, antigo Estatuto da OAB, previa a aplicação do regime estatutário àqueles servidores. Contudo, uma vez fixado pelo novel Estatuto a aplicação do regime da Consolidação das Leis do Trabalho aos servidores da OAB, visou-se incentivar os servidores estatutários a aderirem o regime trabalhista. Para tanto, garantiu-se aos optantes deste regime uma indenização no valor de cinco vezes a última remuneração recebida, a ser paga no momento da aposentação.

Dito isso, pode-se compreender o teor do primeiro pedido daquela ação, qual seja, o de declaração de inconstitucionalidade da parte final do § 1º do artigo 79 da Lei 8.906/94. O autor da ADI entendeu que a fixação de indenização em tal caso afronta o caput do artigo 37 da Constituição Federal, mais especificamente o princípio da moralidade. Asseverou não haver "qualquer motivo razoável que justifique a concessão de indenização, por ocasião da aposentadoria, para aqueles servidores da OAB que optem por deixar o Regime Jurídico dos Servidores Públicos e passem ao regime trabalhista". [121] Demais disso, aduziu ser o valor da indenização desproporcional aos fins almejados.

Nesse conspecto, sustentou possuir a OAB natureza jurídica de autarquia, haja vista ter sido criada por lei, possuir personalidade jurídica própria, gozar de prerrogativas inerentes ao Poder Público (como imunidade tributária e repasse de verbas públicas) e exercer atividades típicas de Estado. Assim, como decorrência natural, deveria observar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, entre os quais, aqueles esculpidos no caput do artigo supramencionado.

Esse mesmo argumento serviu para embasar o pedido de interpretação conforme. Antes de adentrar nesse assunto, porém, vale transcrever parte do artigo 37 da Constituição Federal, a qual o Procurador Geral da República fez referência em seu segundo pleito:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [grifo nosso].

A par disso, é possível agora estudar o segundo pedido, qual seja, o de interpretação do caput do artigo 79 da Lei 8.906/94 conforme o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal.

Nesse ponto, a intenção do Procurador Geral da República foi o reconhecimento da necessidade de submissão da OAB à regra da obrigatoriedade de concurso público para contratar seu pessoal. Para tanto, conforme dito, o autor se valeu daquele mesmo argumento, qual seja, o de que a Ordem é uma pessoa jurídica de direto público, de natureza autárquica, devendo, portanto, curva-se às regras impostas à Administração, bem assim aos ditames do artigo 37 da Constituição Federal.

O Tribunal conheceu do pedido referente ao caput do artigo 79 da Lei 8.906/94 por maioria de votos. Foram vencidos os ministros Eros Grau, Carlos Britto, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, os quais entendiam não ser cabível dar provimento ao pedido de interpretação daquele dispositivo conforme o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal, na medida em que inexistia ambigüidade no texto do referido dispositivo.

Entretanto, não obstante os sólidos fundamentos trazidos pelo Procurador Geral da República, seguindo avante o julgamento, o Tribunal, em 08 de junho de 2006, julgou totalmente improcedente a ADI n. 3.026, por maioria de votos. Restaram parcialmente vencidos os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, na medida em que deram interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição ao artigo 79, caput, da Lei 8.90/94, entendendo, assim, ser necessário a realização de concurso público para a contratação de pessoal pela OAB, excetuando apenas os cargos de chefia e assessoramento.

A ação teve como relator o ministro Eros Grau, o qual proferiu o voto condutor do julgado. Na ocasião, refutou o entendimento de ser a OAB pessoa jurídica de direito público, com natureza de autarquia, pelo simples fato de ter sido criada por lei, pois, segundo ele, "a União cria ou autoriza a criação de entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado [CB, art. 37, XIX e XX]". [122]

Registre-se que, nesse ponto, o ministro foi impreciso, porquanto, à luz dos dispositivos por ele citados [123], não se cria por lei entidades de direito privado, mas sim somente se autoriza a criação. De acordo com aqueles incisos, somente são criadas por lei as autarquias, pessoas jurídicas de direito público.

Destarte, não merece prosperar o referido argumento, posto que o Decreto 19.408/30 (o qual possuía força de lei) não autorizou a criação da Ordem, mas sim a criou, do mesmo modo que se faz com as autarquias, senão veja-se o que diz seu artigo 17:

Art. 17 – Fica criado a ordem dos advogados brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo instituto da ordem dos advogados brasileiros e aprovados pelo governo.

Por conseguinte, pode-se ter a criação da OAB por lei como um forte argumento no sentido de firmar o seu caráter público.

Para Eros Grau, a caracterização da Ordem como uma autarquia, ainda que especial, ou sua submissão a qualquer órgão público prejudicaria o bom desempenho de suas funções, bem como sua independência.

Assevera, além disso, não ser possível sua equiparação com os demais conselhos fiscalizadores do exercício profissional, pois, diversamente desses, a ela não incumbe apenas as atividades coorporativas, porquanto lhe cabe o exercício das funções político-institucionais, as quais já foram aqui abordadas.

Sob esse diapasão, entende ser formal e materialmente necessária a total desvinculação dessa entidade do Poder Público, pois, de acordo com Eros Grau, isso não se coaduna com o papel que o ente desempenha na sociedade. Ademais, tal desvinculação seria imprescindível para garantir que os advogados exerçam suas funções – que são indispensáveis à administração da justiça [124] – de forma autônoma e independente. Em outros termos, esse ministro sustenta que a pretensão do autor, de certa forma, obstruiria a função constitucionalmente privilegiada que exercem os advogados.

O aduzido pelo relator amolda-se perfeitamente ao posicionamento de Paulo Luiz Netto Lobo, o qual foi anteriormente tratado nesta monografia. Ambos entendem ser a OAB "um serviço público independente, categoria ímpar no elenco de personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro", [125] motivo pelo qual não há que se aplicar a ela inteiramente o regime jurídico de direto público.

A fim de reiterar o que foi dito a respeito dos argumentos trazidos por Eros Grau, cumpre-se trasladar trecho de seu voto na ADI n. 3.026:

O que me parece fundamental é a afirmação da autonomia da OAB, porquanto autonomia e independência são características próprias dela. E de modo tal que eu diria, mercê da circunstância de ela ter atribuições institucionais e não meramente corporativas – por exemplo, a de defender a Constituição e a ordem jurídica (art. 44, inciso I, do Estatuto) – e, mais ainda da competência atribuída a ela nos termos do inciso VIII do artigo 103 da Constituição, diria ser extremamente importante não abrir-se a possibilidade de comprometimento da independência desse serviço especial. Será inevitável, mais dia, menos dia. Depois da afirmação do concurso público virá questionamento para que se afirme a necessidade de licitação; depois, virá questionamento para que se apliquem as regras relacionadas à não-equiparação de vencimentos; e assim por diante. O que me parece extremamente importante é afirmar a autonomia e a independência da OAB, que não pode se caracterizar como uma mera entidade ou órgão de fiscalização profissional. Porque ela tem outras funções e atribuições.

A par disso, Eros Grau votou pela improcedência do supramencionado pedido de interpretação conforme, no que foi acompanhado pelos ministros Nelson Jobim, Ricardo Lewandowski, Sepúlveda Pertence, Ellen Gracie e Carlos Britto. Esses, de um modo geral, afirmam que a OAB submete-se a um regime jurídico híbrido, vale dizer, em parte público e em parte privado, o que justifica, de um lado, a concessão de certas prerrogativas anteriormente mencionada (v.g., imunidade tributária total e repasse de verbas públicas), e, de outro, a não ingerência do Poder Público em suas atividades, com a conseqüente desnecessidade de prestar contas e de realizar certames públicos para contratação de pessoal, obras e serviços. Demais disso, afirmam que a OAB não integra a Administração Pública Direta ou Indireta.

Por fim, quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do § 1º do artigo 79 da Lei 8.906/94, o Tribunal foi unânime ao negar provimento. Entendeu-se razoável a fixação de indenização para compensar eventuais perdas de direitos e vantagens dos servidores que abrirem mão do regime estatutário, além de que não se vislumbrou desproporcionalidade entre o fim almejado e a quantia estabelecida, tampouco violação ao princípio da moralidade administrativa.

Por ora, cabe analisar os argumentos expostos nos votos de Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, porquanto, embora vencidos, trouxeram à baila consistentes aduções, as quais se passará a expor.

Ao contrário de Eros Grau, o ministro Joaquim Barbosa não vislumbra diferença substancial entre a OAB e os demais conselhos fiscalizadores do exercício profissional. Nesse sentido, assevera ser a Ordem uma autarquia e, por conseguinte, submetida ao regime jurídico de direito público, senão veja-se: "[...] todos esses elementos contidos na nossa Constituição e nas leis referentes à OAB indicam, sim, esta é regida por um regime de direito público e não de direito privado". Ainda, de acordo com o ministro, isso decorre do "fato de que ela assume ou exerce atividades, missões típicas de serviço público". [126]

Além desse argumento, para demonstrar o caráter público da OAB, Joaquim Barbosa faz referência a outros que aqui já foram mencionados diversas vezes, como, por exemplo, o fato da instituição gozar da imunidade tributária de que trata o artigo 45, § 5º, da Lei 8.906/94. [127] Todavia, o que lhe causa maior "perplexidade" – segundo suas própria palavras – é o disposto na Lei 6.811/1980, de acordo com a qual: "A partir do exercício de 1980, o produto da taxa judiciária que se refere o artigo 20 do Decreto [...] destinar-se-á à construção do Edifício Sede da Ordem dos Advogados do Brasil".

À vista disso, também concluiu o Procurador Geral da República que a OAB desfruta de repasse de verbas públicas, vale dizer, mais outra prerrogativa inerente às pessoas jurídicas de direito público. [128]

Assim, fundando-se principalmente no argumento de que a OAB curva-se ao regime de direito público, Joaquim Barbosa vota pela obrigatoriedade de concurso público para a contratação de servidores daquele ente.

Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes que, assim como Joaquim Barbosa, deferiu o citado pedido de interpretação conforme, acrescentou alguns pontos relevantes em seu voto-vista. Sustentou que a submissão da Ordem ao princípio do concurso público dá-se em decorrência da aplicação do regime público nesse tocante, bem como da incidência do princípio republicano. Demais disso, entende ser irrelevante o "rótulo jurídico" que se dê à entidade, pois, seja ou não autarquia, o importante é que ela "desempenha papel institucional com forte caráter estatal e público". [129]

O ministro estabeleceu como premissa para aplicação do princípio republicano o fato de que todo agente público que atua na realização de interesse público-estatal deve obediência à Constituição, não podendo eximir seus atos e omissões da fiscalização exercida pela sociedade. [130] Ainda, após fazer uma abordagem de fatos ocorridos no Estados Unidos da América, frisa ser possível aplicar os princípios que regem a Administração Pública a entidades desvinculadas do Estado: "[...] é possível cogitar da aplicação de princípios constitucionais da Administração a entidades que, embora não componha a estrutura funcional de órgãos e pessoas estatais, exerçam atividade dotada desse caráter que denominei aqui de típico munus publico". [131]

A todo tempo o ministro realça o munus público que se conferiu a Ordem, bem como a função típica de Estado que ela realiza. Após citar uma extensa lista de misteres de caráter estatal atribuídos à OAB – entre os quais, algumas atividades típicas de Estado –, ele salienta a necessidade de definir as condições para o legítimo exercício do poder de polícia por essa entidade. Diz que tal função típica de Estado lhe foi atribuída não só pela Lei 8.906/94 – que a incumbe de fiscalizar e punir seus filiados –, como também pelo inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Todavia, sustenta que o que asseguraria legitimidade ao desempenho dessa atividade pela OAB seria a medida republicana de abertura ao controle social.

Ademais, frisou que as atividades desse ente não devem ser fundadas num regime de privilégios, mas sim desempenhadas em conformidade com o império da lei e da Constituição – nos quais se pauta o Estado democrático de Direito em que se vive. Nessa esteira, faz-se necessário observar os princípios da isonomia e da impessoalidade, os quais, de acordo com Gilmar Mendes, formam a base do sistema republicano de acesso aos cargos públicos, e que torna possível uma participação plural e universal dos cidadãos na prestação dos serviços públicos. Ainda nesse conspecto, diz o ministro: "Dentro da perspectiva republicana e por se tratar de entidade que exerce poder de polícia, a legitimação dessa atuação institucional de cunho fortemente estatal pressupõe uma burocracia estável escolhida por métodos objetivos", qual seja, os concursos públicos. [132]

Por fim, assevera que a obrigação de contratar servidores mediante concurso público não deve ser vista como uma indevida intervenção do Estado, tampouco como um ônus desproporcional imputado à entidade. Segundo o ministro, é equivocado o entendimento que concebe tal obrigação unicamente como uma desvantagem, porquanto, em certos termos, trata-se de uma verdadeira garantia institucional, e, além disso, efetiva o princípio da eficiência, na medida em que seleciona os profissionais mais qualificados para o exercício da atividade proposta.

A par disso, percebe-se que, na verdade, discutia-se, mesmo que por via oblíqua, a natureza jurídica daquela entidade. A propósito, disse o ministro Carlos Britto em seu voto que : "[...] tudo se resume, a meu juízo, em saber qual a verdadeira e bem caracterizada natureza jurídica da OAB". [133] Todavia, o Supremo Tribunal Federal absteve-se de se pronunciar expressamente a respeito disso, tendo se contentado em afirmar que a Ordem não se submete ao princípio do concurso público e que a fixação de indenização para os optantes do regime trabalhista não é inconstitucional.

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Sobre o autor
Rodrigo de Oliveira Machado

Advogado. Pós-graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Território - Ordem Jurídica e Ministério Público.Pós-graduado pela VESTCON - Direitos Indisponíveis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Rodrigo Oliveira. A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2962, 11 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19731. Acesso em: 20 abr. 2024.

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