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Responsabilidade civil por dano em imóvel adquirido mediante contrato de mútuo bancário

Cabe ao adquirente voltar-se contra o alienante do imóvel, a fim de obter indenização decorrente dos danos encontrados no imóvel objeto do contrato de compra e venda, e não responsabilizar as instituições financeiras que financiaram a aquisição do bem.

Questão que se mostra relevante é saber se o agente financeiro e a respectiva seguradora respondem por vícios de construção encontrados em imóvel adquirido de particular, mediante mútuo bancário sob a égide do Sistema Financeiro de Habitação.

O primeiro aspecto a investigar é a legitimação processual passiva das instituições financeiras - banco e seguradora. Ambas possuem pertinência subjetiva passiva para o processo judicial, pois participaram da avença de mútuo que ensejou a celebração da compra e venda particular de imóvel, nos termos das regras vinculadas ao Sistema Financeiro de Habitação. Não fosse isso o bastante para reconhecer a legitimidade passiva, o resultado da demanda também vincula a casa bancária e a seguradora, pois a sentença poderá atingir suas respectivas esferas jurídicas, em razão da situação de credora e fiduciária. Outro também não é o posicionamento da jurisprudência:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CAUTELAR. MÚTUO. LEGITIMIDADE PASSIVA. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. HONORÁRIOS. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nas ações em que é discutida a cobertura securitária, tanto a credora quanto a seguradora detém legitimidade para estar no pólo passivo da demanda. Apesar de as ações ordinárias e cautelares terem objetivos distintos, a procedência da ação ordinária é um forte indicativo da presença do fumus boni iuris, um dos requisitos para concessão da tutela liminar. A não concessão da medida pleiteada poderia obstar a realização do pedido da ação ordinária, gerando risco de perda do imóvel. Nessa equação, mostra-se presente também o periculum in mora, o segundo requisito para ajuizamento da cautelar. Tendo em conta que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido, deve ser mantida a distribuição sucumbencial, conforme fixado em sentença, nos termos do parágrafo único do art. 21 do CPC. (TRF4, AC 2004.70.01.010073-4, Terceira Turma, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, D.E. 29/04/2011)

INDENIZAÇÃO. SEGURO DE VIDA. COBERTURA. RISCO DA APÓLICE. DOENÇA PREEXISTENTE. AUSÊNCIA DE EXAMES PRÉVIOS. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. A Caixa Econômica Federal e a Caixa Seguradora devem ser mantidas no pólo passivo da demanda, por integrarem a relação jurídica objeto da demanda. A seguradora responde por risco expressamente assumido nas cláusulas contratuais, devendo cumprir a obrigação de liberar a cobertura contratada pelo segurado falecido. Não comprovada má-fé do segurado por ocasião da contratação do seguro, a qual deu-se em conformidade com as exigências legais e administrativas, sem exigência de prévia avaliação médica. Afastada a alegação de impossibilidade de liberação do seguro por doença preexistente. (TRF4 5001099-56.2010.404.7004, Quarta Turma, Relator Juiz Federal JORGE ANTÔNIO MAURIQUE, D.E. 15/07/2011)

Na questão de fundo, a hipótese refere-se a contrato por instrumento particular de compra e venda de unidade isolada e mútuo com obrigações e hipoteca - PES/PCR-FGTS. Ou seja, o indivíduo celebra contrato de mútuo nos moldes do Sistema Financeiro de Habitação e adquire imóvel com casa de alvenaria. No caso, os agentes financeiro e securitário limitam-se a operacionalizar o negócio jurídico tão-somente no que diz com a viabilidade econômica (mútuo habitacional) e securitária, participando apenas com a liberação de recursos – banco – e a garantia do negócio – seguro. Há, portanto, duas relações jurídicas distintas. Uma vinculando adquirente e alienante e outra vinculando adquirente e instituições financeiras – mútuo.

É preciso salientar, de plano, que inexiste, na presente situação, o nexo de causalidade entre a atuação das instituições financeiras e o dano ocorrido no imóvel. Vale dizer, a relação jurídica entre o comprador do imóvel e a instituição financeira não é atingida no plano da responsabilidade civil por vício encontrado em imóvel adquirido de terceiro.

Sobre o nexo de causalidade, adota-se no sistema jurídico pátrio a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal - conforme art. 403 do Código Civil - posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, manifestada no voto do Min. Carlos Velloso no RE nº 409.203/RS, noticiado no Informativo 391:

"Para essa teoria, na lição de Agostinho Alvim, só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis."

Desta forma, a instituição financeira que oferece o financiamento bancário e a respectiva seguradora não respondem pelo dano no imóvel ocorrido anteriormente à celebração do contrato de mútuo, diante da ausência de nexo de causalidade, elemento lógico-normativo imprescindível para a imputação da responsabilidade civil (STJ, REsp 843.060/RJ, Primeira Turma, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJE 24.02.2011).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já rechaçou a tese da responsabilidade bancária. Colhe-se excerto do voto do Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, que assim dispôs:

"(...) as partes demandadas, não têm responsabilidade por eventuais vícios intrínsecos do imóvel objeto do financiamento.

Assim, eventual imposição de reparação por dano material ou moral advindo do imóvel adquirido pela parte autora deve ser pleiteada junto ao vendedor do imóvel. Assinale-se que a demandada Caixa Econômica Federal figurou na relação jurídica que ensejou a compra do imóvel como mera financiadora dos recursos que deram suporte ao negócio. Assinale-se que, no caso concreto, o imóvel financiado já estava pronto quando do fechamento do negócio, não tendo a Caixa Econômica Federal atuado sequer como fiscalizadora da obra, apenas tendo disponibilizado recursos para a aquisição do imóvel.

Tenha-se presente ainda que a intervenção da Caixa Econômica Federal no tocante à avaliação do imóvel, durante o processo de financiamento, tem o objetivo precípuo aferir se o valor declarado da compra está em consonância com o mercado, não consistindo qualquer atestado em relação à solidez da construção ou a sua qualidade.

Com efeito, não pode o agente financeiro em tela ser responsabilizado por danos, morais ou materiais, experimentados pela parte autora, decorrentes da qualidade do imóvel ou ainda do decurso do tempo desde a sua construção, quer sejam eles materiais ou morais.

De outra banda, a seguradora não possui, da mesma forma, responsabilidade por vício encontrado no referido bem, advindo da sua construção, tendo sua atuação adstrita à eventual cobertura na hipótese de perda ou deterioração do imóvel em razão de causas externas ou ainda à quitação do financiamento em caso de invalidez ou morte do mutuário.

(...)

Eventuais prejuízos de cunho moral ou material experimentados pela parte autora, baseados no fato do imóvel objeto da lide não servir para o fim para o qual foi adquirido (residência) ou sua insalubridade em virtude dos alagamentos sofrido, devem ser dirigidos ao vendedor do imóvel e não à Seguradora ou à instituição financeira que disponibilizou a quantia para a sua aquisição.

Nesse sentido, são improcedentes os pedidos de indenização por dano moral e material formulados pela parte autora." [grifado] (TRF4, AC 2005.71.10.000143-0, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 28/03/2011).

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Com efeito, a hipótese ora analisada não comporta a exceção admitida pela jurisprudência quando o agente financeiro, a par da circunstância de viabilizar a liberação dos recursos, assume a fiscalização da obra. Nesse sentido, aplicável à espécie o entendimento de que:

"A responsabilidade da Caixa Econômica Federal, por defeitos de construção, é admitida somente nos casos em que a instituição financeira é a responsável pela liberação dos recursos públicos empregados na edificação e pela fiscalização do cronograma físico-financeiro, atuando junto ao Incorporador/Construtor como co-responsável pela construção. Tal obrigação deve estar expressamente convencionada no contrato firmado entre agente financeiro e o tomador do empréstimo, no caso, o Construtor. Na hipótese dos autos, o financiamento foi obtido diretamente pela parte autora para a aquisição de terreno e construção de residência particular, sem relação com as políticas públicas destinadas à construção de unidades habitacionais para populações de baixa renda, normalmente patrocinadas pelos governos em parceria com a Caixa. [grifado] (TRF4, AC 2000.71.11.002068-0, Quarta Turma, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 25/05/2011)

A corroborar com tal conclusão, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Quarta Turma – conforme notícia veiculada em sua home page em 29 de agosto de 2011 –, a isenção da responsabilidade da casa bancária, na hipótese a CEF, e do respectivo agente securitário em casos congêneres. Esse, portanto, consubstancia o entendimento que veio a prevalecer no julgamento do REsp 1.102.539, relatora para o acórdão a Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI:

A ministra sustentou que a CEF não tem responsabilidade por vício em construção, por exemplo, quando atua como mera financiadora de imóveis comprados já prontos pelo mutuário ou erguidos por construtora que ele mesmo escolheu, diferentemente de quando atua como executora de políticas públicas de moradia para a população de baixa renda – situação em que a instituição estatal assume diferentes níveis de responsabilidade, de acordo com a lei e a regulamentação de cada tipo de operação.

Se, na hipótese vertente, o "contrato por instrumento particular de compra e venda de unidade isolada e mútuo com obrigações e hipoteca - PES/PCR-FGTS" não traz em seu bojo a exceção de responsabilidade, não se pode atribuir o vício no imóvel aos agentes bancários.

Neste contexto, cabe ao adquirente voltar-se contra o alienante do imóvel, a fim de obter indenização decorrente dos danos encontrados no imóvel objeto do contrato de compra e venda e não responsabilizar as instituições financeiras que financiaram a aquisição do bem.

Sobre os autores
Clenio Jair Schulze

Juiz Federal. Mestre em Ciência Jurídica.

Vitor Hugo Anderle

Servidor Público Federal. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair; ANDERLE, Vitor Hugo. Responsabilidade civil por dano em imóvel adquirido mediante contrato de mútuo bancário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3005, 23 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20049. Acesso em: 22 dez. 2024.

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