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A tributação e a concorrência desleal

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4- ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1-PIRATARIA NA PARAÍBA

O terceiro relatório do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, publicado em 2006, revela que a Paraíba faz parte do mapa nacional da pirataria. Ela forma a 4ª Região Fiscal ao lado dos estados de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte, os quais se depararam com a apreensão de mais de três milhões de mercadorias falsificadas, no segundo semestre de 2006.

A Delegacia da Ordem Econômica, responsável pelas operações de apreensão de CDs e DVDs piratas, informou que a prática da pirataria na Paraíba alcança inúmeros setores do comércio do Estado, sendo a venda de CDs e DVDs a prática mais comum, o que resultou, só em 2007, na apreensão de mais de 8.200 desses produtos pirateados. A Operação realçou que a Paraíba deixa de arrecadar 10 milhões de reais em impostos devido à ação dos sonegadores.

Os prejuízos advindos dessa conduta são vários, principalmente para os donos de locadoras, os quais pagam regularmente seus impostos e investem com intensidade na compra de CDS e DVDs originais, a fim de garantir a melhor qualidade de serviço para seus clientes. Escarião (2008) comenta que Ricardo Closezer, integrante da Associação Brasileira de Vídeolocadoras (ABV) e proprietário de uma locadora na capital do Estado, afirma que diariamente, somente do Shopping Popular Terceirão, no Centro de João Pessoa, são distribuídos mais de 10 mil DVDs piratas para revenda. O proprietário discorreu também que mais de 100 locadoras de vídeo fecharam na Paraíba este ano, sendo 70 locadoras somente na capital, o que gerou a demissão de 200 funcionários.

O relatório (p.162) ainda se refere à operação Corsário realizada na Paraíba, em 2006, realizada com o objetivo de repreender a conduta criminosa da pirataria:

Policiais federais em parceria com o Ministério Público Estadual e a Receita Federal, deram início na manhã desta quarta-feira, 6, à Operação Corsário, de combate à pirataria. Esta primeira fase da ação, que visa reprimir a fabricação, distribuição e comercialização de produtos contrafeitos (piratas) na Paraíba, envolve as cidades de João Pessoa, Campina Grande e Patos [...]

A operação coloca o Estado da Paraíba entre aqueles que encamparam as recomendações do Conselho Nacional de Combate a Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, repelindo a institucionalização do informalismo. Estão empenhados nesta operação, cerca de 120 policiais federais paraibanos, além de prepostos da Receita Federal, Ministério Público Estadual e equipes da Polícia Militar/PB.

Como se percebe, houve uma integração conjunta de vários órgãos federais, estaduais e municipais para combater a prática pirata na Paraíba. Ainda assim, seus resultados foram pontuais, restringindo-se ao ano de 2006, não tendo alcançado seu objetivo que era reduzir a concorrência desleal no estado.

Juridicamente, a pirataria é uma conduta criminosa de caráter interestadual, mas que é combatida pelas polícias locais, até mesmo no caso em que as mercadorias vêm do exterior, posto que já estão incorporadas ao comércio interno. Quando a pirataria assume o caráter internacional ou de crime organizado, a competência passa a ser da Polícia Federal. Nesse sentido, as operações são realizadas como resposta às denúncias prestadas à delegacia ou encaminhadas pelo Ministério da Justiça, que possui um sistema de denúncia nacional. Depois do recebimento da denúncia, a equipe da polícia vai até o local para verificar a procedência, apreende o material se for comprovada a infração da lei, a denúncia se transforma num processo, que segue seu rito comum.

Para muitos, as operações realizadas pela receita e pela Polícia Federal são uma forma de medida repressiva no combate à pirataria, todavia para o procurador de Justiça e coordenador do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual, Francisco Sagres, as operações não resolvem o problema, pois não atacam o problema na sua raiz, que seriam as fábricas ilegais e o contrabando. Além disso, ele expôs veemente sua opinião no sentido de que não mais fará operações de apreensão de CDS e DVDs piratas, pois não acredita no verdadeiro interesse das autoridades brasileiras, de um modo geral, em resolver o problema, uma vez que o comércio ilegal é feito às claras no nosso país.

A presente pesquisa buscou investigar a pirataria especialmente em Campina Grande e foi constatado que não existem órgãos que regulamentem a prática do comércio ilegal na cidade. E pior, além de órgãos reguladores, não existem dados estatísticos atuais sobre a pirataria na cidade. Foram feitas algumas visitas aos órgãos públicos, tais como: Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual, onde o delegado e respectivos procuradores informaram que não havia documentos, denúncias ou dados estatísticos referentes ao assunto.

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O delegado da Polícia Federal, Adriano Moreira de Oliveira Silva, comentou que existe, inclusive, um conflito local de competência sobre a pirataria, o que ocasiona na não-existência de dados sobre o assunto. Além disso, ele contou que os únicos dados sobre a falsificação na Paraíba de que a Polícia Federal local dispõe são, apenas, os oriundos da supracitada Operação Corsário, em 2006, e nada mais que isso.

Sabe-se que Estados e Municípios possuem competências para atuarem na tributação e repressão à produção e circulação econômica de itens pirateados, porém, infelizmente, há carência, na cidade de Campina Grande e em todo o estado paraibano, de dados, e principalmente, de políticas públicas voltadas para o combate à pirataria. Sobre essas competências, discorre Sá (2008):

a) cabe aos Estados Membros e ao Distrito Federal a competência impositiva tributária do ICMS sobre a circulação econômica dos frutos da pirataria e da contrafação que não possam ser classificados como ‘coisas absolutamente fora de comércio’, independentemente de se tratar de produtos de origem nacional ou estrangeira, posto que a competência da União para imposição da pena de perdimento não afasta a competência impositiva tributária desses entes;

b) cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, na forma da lei e agindo por intermédio de agente capaz, efetuar a repressão da venda de coisas contrafeitas ou pirateadas classificáveis como absolutamente fora de comércio, observada as competências privativas da União para apreensão e destinação de alguns desses produtos

c) cabe à União, aos Estados Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, no regular cumprimento de mandado judicial, originário de ação intentada pelo detentor do direito autoral, da propriedade industrial agredida ou pelo próprio Estado, quando se tratar de contrafação ou pirataria de símbolos nacionais, efetuar a apreensão dos produtos frutos da pirataria e da contrafação classificáveis como coisas relativamente fora de comércio.

Dessa forma, cabe à Paraíba instituir ICMS das mercadorias pirateadas; empreender ações de repressão à venda de produtos ilegais, respeitando a repreensão de competência exclusiva da União, e regular o cumprimento de mandados judiciais referentes ao assunto e apreender os artigos ilícitos, com a ativa participação dos seus Municípios. Isso não é feito no estado paraibano, nem em Campina Grande, ainda que na cidade seja explícita tal prática, visto que o Centro da cidade, sobretudo na Rua Marquês do Herval, fica tomado de produtos falsificados, principalmente CDs e DVDs, como é evidenciado nas figuras a seguir.[17]

Figura 1- Venda de CDs e DVDs falsificados na Rua Marquês do Herval, Centro, em Campina Grande- PB

Figura 2- Venda de CDs e DVDs falsificados na Rua Venâncio Neiva, Centro, Campina Grande. Foto tirada em 17/11/2011 na realização da presente pesquisa.

4.2- POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA O COMBATE DA PIRATARIA

Diferentemente, em outras localidades do país, as autoridades públicas preocupam-se com o problema da pirataria e buscam soluções para este mal, que se consubstanciam na realização de iniciativas repressivas, educativas e econômicas, através da atuação conjunta dos seguintes órgãos: Polícias Civis; Polícia Militar; Polícia Federal; Receita Federal; Secretarias da Fazenda; Prefeituras; Guarda Civil Municipal; e Ministério Público, a exemplo de Porto Alegre, Curitiba, Recife e São Paulo.

Em Porto Alegre, foi desenvolvida praticamente uma força-tarefa contra a pirataria, falsificação e contrabando, pelo titular da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio – SMIC – de Porto Alegre, Adeli Sell, em parceria com agentes fiscais; com a Guarda Municipal, a Brigada Militar; com setores da Polícia Civil, como o DEIC, DENARC, DECA, além de algumas delegacias; órgãos do município, através de seus servidores, como a SMOV, SMAM, DMLU, PGM; com órgãos estaduais e federais e da iniciativa privada, Sindicatos e Associações patronais e de classe, Organizações Não-Governamentais, principalmente aquelas ligadas ao Direito Autoral, defesa da propriedade intelectual, industrial e de combate à falsificação; com o Ministério Público; com empresários porto-alegrenses; e com o apoio do Prefeito da cidade.

Segundo Sell (2004), o combate ao comércio ilegal foi realizado em três etapas: educativa, notificativa e repressiva.

Na primeira etapa, buscou-se informar a população sobre a prática da pirataria: o que a lei estabelecia a respeito do assunto, o que era considerado permitido e proibido, quais as conseqüências de práticas desta natureza para a cidade e para o país, quais condutas de comportamento os consumidores poderiam adotar ou mudar. Nesse sentido, foi implementada a campanha “Seja um consumidor legal”, em que foram realizadas ações para convencer o cidadão a não comprar produtos pirateados, através da distribuição de folhetos.

Sell (2004) explica que se não houvesse o consumidor dos produtos contrabandeados, falsificados e pirateados, não haveria, evidentemente, quem os fabricasse e quem os vendesse, por isso, tais consumidores são considerados co-autores dessas práticas criminosas e precisam, portanto, passar por um processo de educação. Inclusive, foram feitos trabalhos nas escolas da cidade, com o objetivo de incutir nos jovens que a pirataria é uma forma ilegal de obter dinheiro e que o cidadão consciente não compactua com essa prática. A finalidade desse trabalho é formar um novo consumidor, mais consciente e preocupado com a ética concorrencial. Também, não de deixou de alertar à população sobre os impactos dos produtos pirateados, em relação ao Erário Público, devido à diminuição da arrecadação de tributos, ao aumento da violência oriunda do comércio ilegal e aos riscos produzidos à saúde, em virtude da péssima qualidade do produto. Enfim, buscou-se advertir que o barato pode custar muito caro, no final.

Na segunda etapa, o momento foi de notificação, quando a intenção era pressionar aqueles que compravam e vendiam produtos piratas.

Na terceira etapa, o recurso foi o da repressão. Nada mais justo, pois o primeiro passo tinha sido cumprido com êxito, a população já estava informada sobre as consequências negativas da compra e venda de um produto pirata. Quem estava compactuando com o negócio ilegal, merecia ser punido, o que ocorria através da apreensão de mercadorias, fechamento de estabelecimentos, cassação de alvarás, indiciamento e prisão dos envolvidos, etc.

Além disso, Sell (2004, p. 69) esclarece que os municípios possuem condições de se tornar a primeira linha de defesa da sociedade no combate à pirataria:

Como a competência para fiscalizar recai, como regra, sobre o ente político competente para regular matéria, a fiscalização e eventual imposição de sanções a quem viola a permissão de comércio em razão da ilicitude do objeto desse comércio, ou a proibição de atividade de quem sequer tem a permissão, compete às prefeituras, que têm o poder-dever de agir nos casos de comercialização de produtos piratas. E as ações cabíveis são impostas e executadas pela própria administração municipal através de procedimentos administrativos irregulares. Por tudo isso, o emprego eficaz do poder de policia administrativa torna-se importante fator de prevenção criminal, particularmente quanto aos delitos de violação de direito autoral.

Dessa forma, a possibilidade que o Município tem de licenciar atividades, emitir e cassar alvarás e apreender mercadorias é oriunda do seu Poder de Polícia, um poder que o permite ter total capacidade e competência para agir localmente, do qual o ente federativo precisa ter amplitude, pois é devido a ele que o Município tem autonomia para deter qualquer foco de comércio ilegal. Vale ressaltar que para enfrentar a ilegalidade é preciso não desenvolver ações apenas em âmbito administrativo, pelo contrário, essas ações devem ser ampliadas, envolvendo toda a localidade.

Em Curitiba, o âmbito de atuação das ações de combate é predominantemente repressivo, segundo informações divulgadas pela Revista ETCO, em 2010. A prefeitura curitibana assinou, em 2009, um convênio com o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) e com o Ministério da Justiça para implantar o projeto “Cidade Livre de Pirataria”, que é gerenciado pelo ETCO. Os resultados já estão emergindo, pois em outubro fecharam duas fábricas de CDs piratas com capacidade de gravação de 600 unidades por dia.

Ainda de acordo com a revista ETCO, de janeiro a agosto de 2010, a Delegacia Especializada no Combate à Pirataria de Pernambuco apreendeu 1.181.393 produtos que eram vendidos ilegalmente nas ruas, a maioria deles pirateados, nem a tradicional feira de Caruaru deixou de passar pela apreensão. Recife também é outra cidade que tem se destacado no combate à pirataria, inclusive parte dos 500 mil CDs e DVDs apreendidos em 2009 foram destinados à sucata e a outra parte foi usada na confecção de bonecos para o Carnaval de Olinda e na formação de uma árvore de Natal no batalhão da Polícia Militar.

De acordo com notícias divulgadas pelo portal do ETCO, o saldo de apreensões na cidade de São Paulo, de dezembro de 2010 a junho de 2011, é de 25 milhões de itens, no valor estimado de R$ 1,2 bilhão. As mercadorias estão armazenadas em depósitos da Prefeitura, da Polícia e da Receita Federal e os inquéritos e apurações estão sendo processados na Polícia Civil, na Receita Federal e demais organismos conforme competência. Dessa forma, percebe-se que São Paulo também adota uma postura repressiva no combate à pirataria.

O Ministério da Justiça[18] vem desenvolvendo alguns projetos no combate à pirataria, dentre eles, os mais importantes são: Cidade Livre de Pirataria, que pretendemunicipalizar o combate à pirataria por meio de incentivos às prefeituras para criação de mecanismos locais de prevenção e repressão à pirataria. Este já está sendo posto em prática, como foi visto anteriormente; Feira Legal, onde se negociará com administradores das principais feiras populares e autoridades municipais para a regularização do comércio e buscar alternativas à comercialização de produtos ilegais; Comércio contra a Pirataria, que visa a mobilizar, em nível nacional, comerciantes contra a pirataria; Portal de Combate à Pirataria, que busca a criação portal de comunicação interativo, inclusive com campanhas educativas e promocionais; e Parcerias e Cooperação com Provedores de InternetCriar mecanismos, junto aos provedores de Internet, para a prevenção da distribuição de produtos piratas. O Ministério da Justiça organiza ainda eventos a respeito do tema, com a finalidade de atualizar os empresários e a população em geral sobre as iniciativas propostas, sobre as consequências das ações já postas em prática, etc.

Além disso, o Instituto de Ética Concorrencial, mais conhecido como ETCO, também é um importante aliado na luta contra o avanço do comércio ilegal no Brasil. Ele é formado por empresas e entidades empresariais não governamentais e tem o objetivo de promover a concorrência honesta no mercado e combater a concorrência desleal causada pela evasão fiscal, informalidade, pirataria e outros desvios de conduta.

Destarte, foi visto que é possível aliar esforços e implementar políticas públicas no País, nos Estados e Municípios. O empenho de um secretário na cidade de Porto Alegre provocou uma profunda mudança nos hábitos da população e o comércio ilegal foi quase extirpado da sociedade porto-alegrense. Sua força de vontade permitiu a junção de inúmeros órgãos para solucionar um único problema: a pirataria.

Constata-se que é possível o combate e consequente diminuição do mercado de artigos piratas em Campina Grande. Basta que haja uma grande colaboração das polícias civil e militar; da Câmara de Dirigentes Lojistas; do Ministério Público Estadual; dos empresários, especialmente os mais prejudicados com a falsificação de produtos; do prefeito; e principalmente, da população, que precisa adquirir hábitos criteriosos de consumo e defender a ética concorrencial.

Sobre os autores
Sonalle Batista de Oliveira

Acadêmica em Direito na Universidade Estadual da Paraíba

Fábio Severiano do Nascimento

Doutorando na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, área de concentração em transformações do Direito Privado, Cidade e Sociedade na linha de pesquisa em Direito da Cidade. Mestre interdisciplinar em Ciências da Sociedade pela Universidade Estadual da Paraíba (2007). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Sonalle Batista; NASCIMENTO, Fábio Severiano. A tributação e a concorrência desleal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3200, 5 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21420. Acesso em: 22 nov. 2024.

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