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Três razões simples para a defesa das ações afirmativas

Agenda 25/04/2012 às 09:07

O STF colocou na pauta de hoje o julgamento dois processos emblemáticos, que tratam do sistema de cotas raciais na UnB e na UFRGS. Apresentam-se três simples opiniões, de um não-afro-descendente, sobre a questão.

INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, em sua sessão do dia 25.04.2012, tem pautados para julgamento dois processos emblemáticos. O primeiro processo trata da ADPF nº 186, em que o Partido Democratas – DEM impugna os atos normativos que estabelecem o sistema de cotas raciais no ingresso na Universidade de Brasília. O segundo é o Recurso Extraordinário 597.285 questionando o acórdão do TRF da 4ª Região que julgou constitucional a ação afirmativa estabelecida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, como meio de ingresso em seus cursos de nível superior.

O debate sobre o sistema de cotas[1] se estendeu no Supremo Tribunal Federal em razão do tema. Uma plêiade de amici curiæ buscou atuar nos autos, especialmente da ADPF 186. O Ministro Ricardo Lewandowski realizou audiência pública, quando puderam se manifestar os mais diversos setores da sociedade, em especial da academia e de grupos de defensores de Direitos Humanos.[2]

A questão está posta. Todos os lados interessados propuseram argumentos sobre o tema: contra e a favor. Gostaria apenas de trazer três simples opiniões, de um não-afro-descendente, sobre a questão.


1.                  Meritocracia convive com as Ações Afirmativas.

Invariavelmente os discursos que incitam o pensamento contrário às ações afirmativas no Brasil, em especial ao nos depararmos com as chamadas “cotas em Universidades” ou “cotas em Concursos Públicos” acusam o sistema de violação da meritocracia. Ocorre aí uma miopia; ou pior: um argumento malicioso. Esclareça-se: todo concurso ou processo seletivo (aí inseridos os concursos para cargos públicos ou vestibulares para acesso às Universidades) tem prevista uma nota mínima de aprovação. Em suma, ultrapassada essa “nota” o próprio sistema já antecipou o nível de mérito que habilita ao “exercício do cargo” ou “frequência do curso”.

Os sistemas inteligentes de ação afirmativa (não podemos esquecer: podem ocorrer distorções no afã de aplicar uma boa medida) não afastam as “notas mínimas de aprovação”. A única situação que ocorre é uma reserva especial de certo número de vagas, em decorrência de circunstâncias especiais, para que determinada categoria de competidores possa acessar àqueles “cargos” ou “vagas em universidades”. Mutatis mutandis, é o que ocorre com as reservas de vagas para portadores de necessidades especiais (não confundir os motivos).

Ressaltando: todos aqueles guindados aos cargos públicos ou vagas universitárias obtiveram ao menos a nota preconizada como mérito suficiente para o acesso ao cargo ou vaga. Inclusive, acaso um número suficiente de cotistas não alcance a nota mínima preconizada, as vagas remanescentes do sistema de ação afirmativa invariavelmente retornam para o sistema geral de disputa.

Colocar o beneficiário do sistema de ação afirmativa como carente de mérito é desleal. Por isso, é preciso deslocar a discussão para o seu real patamar. É preciso uma lealdade mínima nos argumentos.

Talvez existam discussões de disputa pessoal entre as partes envolvidas na seleção. Mas, não se pode dizer, como se tem dito a plenos pulmões pelos detratores das ações afirmativas, que o sistema é violador da meritocracia. Pois não é!

Na UERJ, pioneira no sistema, todo acompanhamento identifica uma média de sucesso equivalente entre cotistas e não-cotistas. No curso de medicina, usado como escudo dos inimigos das cotas,[3] a média de aprovação nas disciplinas é assemelhado, senão idêntico! O mesmo ocorrendo nas seleções para “Cursos de Residência” (onde não há privilégio nenhum na seleção, oque prova que os egressos cotistas ou não cotistas saem com qualidade parelha).[4] Na UNB, estudo demonstra situação parelha:

“Em linhas gerais, no conjunto das três turmas de cada área, os resultados mostraram que em aproximadamente dois terços ou mais das carreiras não houve diferenças expressivas entre as médias dos dois grupos ou estas foram favoráveis aos cotistas – apesar de exceção num único ano, nas Ciências. A principal tendência constatada, que encontrou eco em evidências empíricas de outras instituições, foi a da ausência de diferenças sistemáticas de rendimento a favor dos não-cotistas, contrariando previsões de críticos do sistema de cotas, no sentido de que este provocaria uma queda no padrão acadêmico da universidade.”[5]

Nasce morto e fétido, então, o argumento de violação da meritocracia. As políticas de ações afirmativas nunca buscaram deferir vagas a pessoas sem preparo, ou sem qualidade, ou sem condições de exercer o cargo ou sem meios prosseguir com sucesso no curso universitário.

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2.                  Ações afirmativas para afro-descentes/indígenas, não são interesse apenas de afro-descentes/indígenas.

A construção de ataques contra as políticas de ação afirmativa baseadas no “critério racial” partem de um pressuposto perigoso: “Não pode ocorrer a reparação por atos passados, pois a geração presente não teve participação nas alegadas violações”, e outros argumentos do estilo. O discurso se repete de forma aparentemente inofensiva.

Todavia, há no tempo-presente a necessidade de quebrantamento do racismo histórico, principalmente de verdadeiro Sectarismo de Estado! Tomo como paradigma a Lei Federal nº 10.639/2003 que prescreve aos estabelecimentos de ensino fundamental e médio a obrigatoriedade do “ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. Por “história e cultura da Afro-Brasileira” o legislador foi categórico: O conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

Ocorre que raramente se vê a efetiva implantação da Lei. Muita vez temos paliativos ou engodos, quando há!

Mas vejamos como a situação muda de figura em outro campo. Municípios alegadamente de “colonização europeia”[6],[7] implementam rapidamente, muita vez com aplauso dos governos estaduais o ensino da língua italiana, alemã, pomerana e outras e/ou a “história dos antepassados” nos currículos de suas escolas.

Aí ocorrem rapidez e eficiência incríveis, especialmente em sistema de educação que invariavelmente está há dez anos em débito na implementação da Lei Federal antes referida!

Não se é contra o ensino da língua italiana, pomerana ou qualquer outra. O argumento aqui é outro: simplesmente não se nota o mesmo esmero com o tema “história e cultura afro-brasileira”!

Por essa razão é de se referir que as ações afirmativas, em especial aquelas lastreadas por alegados critérios “raciais”, notadamente as voltadas para “afrodescendentes” e “indígenas”, não podem ser vistas como de interesse de “afrodescendentes” e “indígenas”.

Há um interesse de todos aqueles que aspiram em ver o Brasil uma democracia racial efetiva, e não meramente semântica. Especialmente para vermos aniquilado o racismo histórico, o branqueamento supostamente inofensivo e mesmo o Sectarismo de Estado ainda em voga.


3.                  Ações afirmativas e “melhorar educação de base”. Uma má tradução de “affirmative” cria um falso argumento.

Deve-se afastar outro argumento poderoso contra as ações afirmativas, em especial as voltadas para concursos e vestibulares. O argumento é: “Ao invés de ser criado um sistema de cotas deveria ser melhorada a educação de base”.

Ponto nº 1: As “ações afirmativas” não são antagônicas da “melhoria da educação de base” ou de qualquer outra forma de aprimorar o IDH! As duas podem inclusive co-existir. Mas, a demora na segunda, não pode se converter em empecilho para a primeira.

Ponto nº 2: Qual é o sentido da expressão “afirmativa”? Na verdade, essa confusão mental (maliciosa) ocorre em decorrência de uma má escolha de palavras. “Affirmative Actions” convertemos para o vernáculo como sendo “Ações Afirmativas”. Mas “afirmar”? Afirmar o que? Estamos a dizer: “sim, sim, eu confirmo isto ou aquilo”? Deseja-se com uma “ação” anuir com uma “certeza de que é preciso melhorar”? Esta aquiescência basta? Na realidade “Affirmative” está no texto com um sentido muito mais próximo de uma ação positiva, de uma atuação categórica em determinada área; não se satisfaz com uma aspiração contemplativa do Estado. A mudança da tradução nos remete a uma ação que naquele imediato momento histórico seja capaz de deflagar resultados positivos (efetivos). É exatamente isso que as “Affirmative Actions” buscaram desde a origem:

a) Fugir ao discurso cômodo ao estilo de “vamos esperar a mudança da educação de base”; e

b) Passar para o discurso do “tudo bem, a mudança da educação de base é necessária, mas agora vamos tomar a medida imediata “X”!

Não necessariamente toda medida “X” será adequada, ou a melhor possível, ou utilizará critérios apropriados. Esta medida deve ser pesada sob crivo da Razoabilidade e da Proporcionalidade (mais especificamente desta última).

Mas o argumento contrário, que pressupõe um longo prazo de alteração de políticas públicas outras, morre no berço. O sentido da ação afirmativa é exatamente uma intervenção para que surtam efeitos imediatos. Aí está o mérito da ação, a sua plena eficácia no momento histórico de sua decisão política: mesmo que precise ser objeto de acompanhamento ao longo do tempo de aplicação.


CONCLUSÃO

Na realidade, com breves perspectivas sobre o tema, desejamos ao Supremo Tribunal Federal, no próximo dia 25.04.2012 que mais uma vez proceda a um julgamento histórico. Mas histórico em sentido positivo: afirmativo!


Notas

[1] Situação obtusa essa de substituir o gênero AÇÃO AFIRMATIVA pelo sentido de uma espécie (COTAS). Isso gera uma simplificação prejudicial ao tema. Todavia, não é essa discussão o objetivo do texto.

[2] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa

[3] Quem nunca ouviu a frase: “Quem vai querer ser tratado por um médico que entrou na faculdade por ser cotista?”

[4] http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,medicos-da-uerj-poem-a-prova-sistema-de-cotas,716366,0.htm

[5] http://www.scielo.br/pdf/cp/v39n137/v39n137a14.pdf

[6] http://www.insieme.com.br/portal/conteudo.php?sid=166&cid=592&parent=166

[7]http://www2.gazetaonline.com.br/index.php?id=/local/especiais/a_gazeta_80_anos/materia.php&cd_matia=16141

Sobre o autor
Luiz Henrique Antunes Alochio

Doutor em Direito (UERJ)Mestre em Direito Tributário (UCAM) Sócio em Alochio Advogados.www.alochio.com.br+55(27) 3075-3545

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Três razões simples para a defesa das ações afirmativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3220, 25 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21624. Acesso em: 5 nov. 2024.

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