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A aplicação da pena: erros de atividade e de julgamento e suas consequências

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Agenda 09/05/2012 às 15:14

VI. ERRO NA DOSAGEM DA PENA-BASE

A fixação correta da pena-base dá-se após e de acordo com o exame das 8 circunstâncias judiciais, levadas em conta somente as desfavoráveis ao réu. As circunstâncias favoráveis já o beneficiam, na medida em que não elevam a pena, razão pela qual é inadmissível se pretender a compensação entre as favoráveis e as desfavoráveis, por óbvio, podendo acarretar grave distorção, no sentido de se atender o binômio da necessidade e suficiência da reprimenda.

Portanto, a função das circunstâncias judiciais é de elevação da pena, sendo evidente que pendem nesse sentido tão-somente as desfavoráveis, concretizando o princípio da individualização da pena, na sua exata medida (art. 29, CP).

Assim é que, exemplificativamente, em um crime de furto simples, praticado por dois agentes, é possível que as penas sejam quantativamente diversas, para cada um deles, desde que o conjunto de circunstâncias judiciais desfavoráveis seja desigual, daí a razão de não ser admissível a utilização das mesmas circunstâncias judiciais para réus diversos (error in procedendo).

Mas, por outro lado, a dosagem da pena-base aplicável à conduta delitiva submete-se ao poder discricionário do julgador, após sopesar as circunstâncias judiciais desfavoráveis. Entretanto, não há dúvida, sob o aspecto da estrita legalidade, que a pena a ser aplicada está inserida no limite do tipo penal violado e varia entre o seu mínimo e o máximo previsto. Afigura-se, pois, equivocada a criação de qualquer parâmetro inicial de aplicação da pena ( termo médio), a não ser aquele em que se inicia a partir do mínimo legal.

Portanto, entre o mínimo e o máximo da pena privativa de liberdade, de multa ou de restritiva de direitos, cumuladas ou não, deve ser fixada a quantidade da pena, sendo indiscutível que todas as circunstâncias judiciais concorrem igualmente para essa determinação. Não existe qualquer sinalização de que haja preponderância das circunstâncias judiciais umas sobre as outras (STF-RT 550/406), tal como ocorre no concurso de circunstâncias legais (art. 67,CP). Portanto, todas as oito circunstâncias devem ser valoradas e motivadas pelo julgador, sob pena de nulidade (art. 93,IX, da CF)[54].

Assim considerando, para fins de dosimetria da pena-base, pode-se afirmar que cada circunstância judicial pode elevar a pena mínima em até o máximo 1/8 da variação prevista no tipo penal. Exemplificando: no crime de lesão corporal seguida de morte (art. 129,§ 3º,CP), a pena mínima é de 04 anos e a máxima é de 12 anos, de reclusão. A diferença (variação) entre os extremos é de 8 anos ( 12 – 4 =8). Portanto, cada circunstância judicial tem peso máximo de elevação, partindo da pena mínima, de até 01 ano (8 anos:8 circunstâncias =1ano), na fixação da pena-base[55].

Para demonstrar a importância do peso máximo de cada circunstância judicial (= 1/8, da variação da pena do tipo legal), com vistas a possibilitar a verificação da correção (justiça) da pena aplicada, observe-se o exemplo, extraído de um caso concreto. Um crime de homicídio culposo (trânsito) a pena-base e final foi fixada em 2 anos e 6 meses de detenção e a de proibição de dirigir veículos em 01 ano (o artigo 302, CTB, prevê a pena de 2 a 4 anos de detenção e restritiva de direitos de 2 meses a 5 anos de proibição de dirigir veículos...), fundamentada em uma única circunstância judicial: elevada culpabilidade.

A doutrina é unânime ao afirmar que a fixação da pena fica ao prudente arbítrio do julgador, com a qual não concordo, pois não pode ficar sob a sua apreciação subjetiva pura e simples, embora se admita certa dose de discricionaridade, na prática do ato, porquanto existem parâmetros a serem observados. Assim, retornando ao exemplo, a elevação de 6 meses da pena, acima do legal, estaria, a primeira vista, bem dosada ao prudente arbítrio do julgador. No entanto, deve ser aferido qual é o peso de cada circunstância para o tipo penal aplicado. A variação entre a pena mínima (2 anos) e a máxima (4 anos) é de 2 anos de detenção, que corresponde a 24 meses. Assim, 24 meses é o teto da elevação da pena, entre o mínimo e o máximo, desde que altamente desfavoráveis as 8 circunstâncias judiciais. Neste caso, cada circunstância judicial tem um peso máximo, na elevação da pena, de 3 meses de detenção (24 meses: 8 = 3 meses).

Pode-se concluir que a circunstância judicial da culpabilidade, considerada elevada para a espécie de homicídio culposo, tem um peso máximo de 3 meses. No entanto, foi valorada em 6 meses, extrapolando-a em 3 meses. Portanto, a pena final justa seria de 2 anos e 3 meses.

Outro erro comum é a desproporcionalidade entre as penas previstas no mesmo tipo legal, quando aplicadas cumulativamente. Nesse mesmo exemplo, a pena privativa de liberdade fixada foi de 2 anos e 6 meses de detenção, enquanto que a restritiva de direitos foi de 12 meses. Como as penas estão inseridas no mesmo tipo legal, devem ser fixadas levando em conta os mesmos parâmetros, mister os da pena-base. Portanto, se a pena mínima da restritiva de direitos é de 2 meses e a máxima é de 5 anos (= 60 meses) a variação entre elas é de 58 meses, que dividido por 8 circunstâncias obtém-se o peso de cada uma em 7 meses e 7 dias, aproximadamente. Portanto, a pena restritiva de direitos, calcada, apenas, na elevada culpabilidade, não poderia variar acima do mínimo legal (de 2 meses) mais do que 7 meses e 7 dias. A pena final correta seria, então, a de 9 meses e 7 dias, mas não em 12 meses.

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A fórmula para a obtenção da proporção entre as penas previstas, cumulativamente, no mesmo tipo legal, é a regra de três simples. Observe-se, no exemplo: Crime de furto simples(art. 155,CP): penas de reclusão de 01 a 04 anos e multa (de 10 a 360 dias-multa). A variação da pena de reclusão entre o mínimo e o máximo é de 3 anos( 4 anos –1 ano= 3) ou 36 meses. A variação da pena de multa entre o mínimo e o máximo é de 350 dm (360dm-10dm= 350). Assim temos:

36 meses reclusão = 350 dias-multa

 1 mês reclusão = x dias-multa

 x = 350 = 9

 36

Temos, pois, que a cada 01mês de variação da pena de reclusão, a pena pecuniária varia de 9 dias-multa. Portanto, se a pena privativa de liberdade do crime de furto foi aplicada em 01 ano e 6 meses de reclusão, a pena de multa corresponderá a 64 dias-multa (10 (mínimo) + variação de 54 ( 6 x 9). Outro exemplo: homicídio culposo de trânsito (art. 302,CTB): pena de detenção de 2 a 4 anos e pena restritiva de direitos de 2 meses a 5 anos (=60 meses). A variação da pena de detenção é de 2 anos (= 24 meses), enquanto que a variação da pena restritiva é de 58 meses ( 60-2). Na relação de proporcionalidade, temos:

24                                     meses de detenção = 58 meses de restritiva

 1 mês = x meses de restritiva

 x = 58 = 2 meses e 14 dias de restritiva

 24

Tem-se, portanto, que a cada 01 mês de variação da pena de detenção, a pena restritiva de direitos varia em 2 meses e 14 dias. Se for aplicada uma pena de 2 anos e 2 meses de detenção, a pena restritiva corresponderá a 6 meses e 28 dias (2 meses (mínimo) + variação de 4 meses e 28 dias ( 2 x 2 m e 14 d)

O que se admite concluir, no contexto, é que a fixação da pena-base ficaria mais transparente, se o julgador destacasse a quantidade de pena correspondente à cada circunstância judicial[56] - a qual não pode ultrapassar a 1/8 da variação entre o mínimo e o máximo da pena prevista in abstrato - de modo a torná-la mais transparente, além de facilitar o exame de sua correção ( justiça), ou seja, se bem dosada, evitando-se a elaboração de outros cálculos aritméticos.

Por outro lado, num conjunto de várias circunstâncias judiciais desfavoráveis, de mesma graduação, sem a identificação da elevação da pena, pode-se compreender que a elevação da pena foi uniforme, isto é, igualmente para cada circunstância. Exemplificando, num furto qualificado, a pena-base foi fixada em 6 anos de reclusão, tomando-se como fundamentos a culpabilidade, os antecedentes, os motivos e as circunstâncias desfavoráveis. Se a pena do crime de furto qualificado varia entre 2 a 8 anos, tem-se que cada circunstância judicial tem peso máximo na elevação da pena de 9 meses (variação de 6 anos= 72 meses:8 = 9 meses). Portanto, se existiram apenas 4 circunstâncias desfavoráveis a elevação máxima admitida seria de 3 anos (4 x 9 meses = 36 meses). Assim, a pena final máxima admissível seria de 5 anos (2 anos (pena mínima) + 3 anos - elevação), caracterizando error in judicando.


VII. CONSEQÜÊNCIAS DOS VÍCIOS DE PROCEDIMENTO E DE JULGAMENTO

Como já ficou evidenciado, após a prolação da sentença condenatória, com aplicação de pena privativa de liberdade, pecuniária ou restritiva de direitos, podem ser constatados erros de procedimento e de julgamento, mister no que se refere à aplicação da pena-base.

Havendo erro de procedimento, relativamente às circunstâncias judiciais, podem as partes, acusação e defesa, buscar o saneamento através dos embargos de declaração, com vistas a suprir as omissões, contradições ou obscuridades existentes na atividade processual.

No entanto, se assim não o fizerem, ainda resta o recurso de apelação, com vistas à cassação da decisão, com pedido específico da parte. De se observar que, se não houver pedido específico para a cassação da decisão, ainda que se revista o vício de nulidade absoluta, existe obstáculo ao órgão ad quem de decretar a nulidade do ato ex-offício, de acordo com o teor da Súmula 160, do STF: “é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvada os casos de recurso de ofício”.

Enfim, essa sistemática sumulada pela Suprema Corte advém do caráter instrumental das formas processuais, onde o órgão julgador não precisa sanar o vício, ou repetir o ato, quando puder decidir a causa em favor da parte a quem aproveitaria a declaração de nulidade.

 Nessa ótica, as nulidades que prejudiquem a acusação, ainda que absolutas[57], só podem ser reconhecidas pelo tribunal ad quem se forem invocadas no respectivo recurso. Em recurso da defesa, não pode ser reconhecida de ofício nulidade que tenha prejudicado a acusação. Mas, julgando recurso da acusação, pode o tribunal ad quem reconhecer ex-officio nulidade absoluta, que tenha prejudicado o réu. Ainda, impossível é a revisão do ato processual pro societate no sentido de decretar nulidade, ainda que absoluta, mas em prejuízo à defesa.

Portanto, eventual nulidade não argüida pelas partes, somente pode ser decretada ex-officio se for para beneficiar o réu. Assim, se a pena-base, deficientemente fundamentada, porquanto existiriam elementos concretos, nos autos, para arrimar a elevação da sanção aplicada, se não for objeto de pedido de decretação de nulidade, por parte da acusação, o órgão ad quem não poderá fazê-lo ex officio. Igualmente, se a defesa recorrer para obter a nulidade da fixação da pena-base, por vício de fundamentação, o órgão ad quem deverá sopesar o benefício que auferirá o acusado, o que não ocorrerá se a pena aplicada for no mínimo, porquanto existe a vedação da reformatio in pejus.

Por outro lado, pode ocorrer o trânsito em julgado da decisão condenatória, que aplicou a pena exacerbada ao acusado, mas com vício na fundamentação dos elementos da pena-base. Nessa hipótese, subsiste a nulidade latente, sendo que o ato processual produz seus efeitos.

Não obstante, para o réu ainda existem duas possibilidades para a cassação do ato viciado; uma é a do hábeas corpus[58], cujo exercício não está limitado à coisa julgada[59]; a outra é a da revisão criminal[60], onde se pode pleitear a rescisão da sentença, na parte viciada, ou a rescisão e o re-julgamento, na hipótese de a pena aplicada ter sido exacerbada[61].

Não subsiste, pois,dúvida de que qualquer vício na fundamentação da aplicação da pena-base, sem a observância da metodologia estabelecida no artigo 59, do Código Penal, contamina a sentença de nulidade: “Indispensável, sob pena de nulidade,a fixação da pena com apreciação e fundamentação das circunstâncias judiciais doa rt. 59 do CP, sempre que a reprimenda for fixada acima do mínimo legal” ( STF-RT 641/378).

No entanto, colhe-se da jurisprudência soluções diversas, as quais contornam o enfrentamento do vício:

a. “É satisfatória a fundamentação da pena se esta vem não só no tópico que lhe é destinado na sentença, mas, também, ao longo desta, onde são indicadas as circunstâncias legais e judiciais que justificam a fixação da pena a ser aplicada” (STF-RT 741/533).

b. “Não há nulidade na sentença pelo fato de a pena ter sido fixada sem especificação das circunstâncias justificadoras do quantum, pois tal omissão pode ser corrigida em grau de recurso” (TJMG-RT 615/340).

c. “A aplicação da pena mínima torna desnecessária a fixação da pena-base e a fundamentação obrigatória, nos termos do artigo 59, do Código Penal” ( STF-RTJ 68/348).

d. “Tendo a pena sido fixada no mínimo legal, não há que se falar em nulidade em favor do réu por falta de fundamentação de sua dosagem” ( STF-RT 675/447).[62]

e. “Impõe-se a redução da pena se o juiz não avaliou com critério os motivos e fatores recomendados no artigo 59 do CP” (TJPR- RT 565/347).

f. “O princípio tantum devolutum quantum apellatum configura obstáculo à reformatio in mellius diante de recurso exclusivo da acusação, pleiteando o agravamento da pena” ( STF-TTJ 114/416).


VIII. BREVES CONCLUSÕES

8.1. Os vícios ou defeitos do ato da aplicação da pena-base podem decorrer tanto de erro de procedimento, como de erro de julgamento;

8.2. Os vícios de procedimento, mister os de fundamentação das circunstâncias da pena-base, caracterizam a nulidade do ato, passível de cassação, em grau recursal;

8.3. Os erros de julgamento, especificamente os das penas aplicadas, são passíveis de reforma, em sede recursal;

8.4. Embora a aplicação da pena seja uma imposição da sentença condenatória, sendo uma fase do ato decisório, a jurisprudência dominante pacificou-se no sentido de reconhecer apenas a nulidade da fase, sem contaminar o restante da decisão (ato condenatório);

8.5. Ainda que o vício de procedimento caracterize a nulidade absoluta, a decretação somente ocorrerá pelo órgão ad quem, desde que haja pedido específico da acusação;

8.6. O órgão ad quem não decreta a nulidade do ato viciado, senão aquela que acarrete prejuízo ao acusado;

8.7. Entre as penas cominadas, no mesmo tipo legal, deve haver proporcionalidade; assim, desde que não exista a correspondência, ocorre erro de julgamento, passível de reforma pelo órgão ad quem;

8.8. Os erros de fundamentação das circunstâncias judiciais decorrem da má instrução processual e da própria complexidade da matéria, cujas divergências são acentuadas tanto na doutrina, quanto na jurisprudência;

8.9. A fórmula aritmética de graduar a elevação da pena tem por objetivo dar a indispensável transparência ao ato praticado pelo magistrado e convencer a acusação e a defesa de sua correção;

8.10. Tão graves são as conseqüências dos vícios de procedimento e de julgamento, na aplicação da pena-base, que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, o ato processual é passível de ser cassado, via hábeas corpus crime, ou rescindido e re-julgado, através a ação de revisão criminal, por iniciativa exclusiva do réu;

8.11. Existe a necessidade de os órgãos jurisdicionais se aprimorarem no exercício da aplicação da pena, com vistas a obter a melhoria da qualidade da prestação jurisdicional.

(artigo escrito em junho/2008)

Sobre o autor
Mário Helton Jorge

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Mestre em Direito (PUC/PR). Professor da Escola de Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE, Mário Helton. A aplicação da pena: erros de atividade e de julgamento e suas consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21723. Acesso em: 22 nov. 2024.

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