SUMÁRIO: I. Introdução. II. Dos erros jurisdicionais. III. Procedimento para aplicação da pena. IV. O dever de motivar a decisão e os vícios. V. Defeitos ou erros de motivação na aplicação da pena. VI. Erro na dosagem da pena-base. VII. Conseqüências dos vícios de procedimento e de julgamento. VIII. Breves conclusões.
RESUMO: O Direito Penal estabelece, previamente, as conseqüências para determinados comportamentos, enquanto que o Direito Processual Penal não seleciona comportamentos humanos para lhes emprestar relevância jurídica, mas determina forma única de comportamento, vedando os demais, sendo a atividade predeterminada, descritiva, a única lícita. Especificamente, tudo o que o juiz deve fazer, ou pode fazer, no processo, está predeterminado nas normas processuais. Havendo desvio de itinerário, desbordando dos limites traçados, pratica ato ilegal, passível de ser sancionado de nulidade. Assim, para a aplicação da pena, o Direito Penal se vale das regras processuais. Nessa atividade detecta-se errores in procedendo e in judicando.
PALAVRAS-CHAVE: sentença – pena-base- circunstâncias judiciais – culpabilidade – antecedentes – conduta social – motivos – personalidade – circunstâncias do crime – conseqüências do delito – comportamento da vítima – vícios – dever de motivar – dosimetria da pena.
I. INTRODUÇÃO
A aplicação motivada da pena, em cumprimento ao princípio da individualização da sanção penal, como conseqüência automática do juízo condenatório, é, das etapas da sentença, a que se reveste de extrema dificuldade pela complexidade da verificação e da constatação concreta de seus elementos, mister a pena-base, em face das circunstâncias judiciais.
E, decorrente da complexidade e da dificuldade da aplicação da pena, advém o erro judiciário, sendo constatável na adoção do procedimento (método), na fundamentação (demonstração dos dados concretos) e na dosagem da pena.
Pretende-se, pois, discorrer sobre os erros judiciários, constatáveis, especificamente, na fixação da pena-base, e as suas conseqüências, no âmbito processual penal, com o objetivo de despertar o interesse pelo estudo e aprofundamento da matéria, de extraordinária importância para o aperfeiçoamento da correta prestação jurisdicional.
II. DOS ERROS JURISDICIONAIS
A propósito, o juiz sendo o terceiro sujeito da relação processual inter partes, que se substitui aos litigantes no interpretar a norma legal e no aplicá-la, deve ser imparcial.
Realiza, pois, o juiz a aplicação do direito, por haver faltado a aplicação voluntária, que se apresentava como dever ao particular (determinação), em razão da incidência dos fatos da vida ao suporte fático da norma.
No entanto, a posição do juiz, no processo, em face do seu poder-dever jurisdicional, não se limita ao julgamento de fundo (aplicação do direito material), porque, até chegar à sentença, o magistrado e as partes têm que desenvolver atividades, através da prática de atos processuais, preparativos do julgamento final, tido como o ponto final da jurisdição: declaração do direito para a sua aplicação. Neste percurso, são seguidas regiamente as normas de procedimento para possibilitar a aplicação das normas de conduta.
A propósito, é o Direito Penal que estabelece normas de conduta, isto é, estabelece, previamente, as conseqüências para determinados comportamentos. As necessidades da vida inspiram a atuação dos homens no grupo social, limitando-se o direito material a valorá-la, segundo o critério político-jurídico adotado à época.
No entanto, no Direito Processual Penal, o legislador não seleciona comportamentos humanos para lhes emprestar relevância jurídica. Determina forma única de comportamento, vedando os demais. No processo, a atividade é predeterminada, descritiva, sendo a única lícita. É o itinerário a ser percorrido, desde a denúncia até a sentença[1]...
Nesse sentido, tudo o que o juiz deve fazer, ou pode fazer, no processo, está predeterminado nas normas processuais. Havendo desvio de itinerário, desbordando dos limites traçados, pratica ato ilegal, passível de ser sancionado de nulidade[2].
Dentre os deveres do juiz, traçados nas normas processuais, destacam-se: (a) o de impulsionar o processo para que ele chegue ao fim, de acordo com o itinerário previamente traçado; (b) de sentenciar sobre o mérito (aplicação do direito material) da demanda, uma vez constituída regularmente a relação processual; (c) o dever de motivar a decisão de mérito (razões de convencimento) ou a razão de não poder julgar a pretensão, pela falta de pressupostos processuais (aplicação do direito formal).
Qualquer omissão do juiz no dever formal de agir caracteriza a violação in omittendo da lei processual. Assim, a ação do juiz deve ser na forma da lei; se, no seu agir, violar a norma processual, configurada está a violação in faciendo.
Como visto, a atividade do juiz é delineada pelas normas processuais, sempre traduzida em declaração e comunicação de vontade, revestida de resolução. Os pronunciamentos podem se apresentar sob forma de decisões definitivas, ou terminativas.
Dentre as atividades processuais do juiz, a doutrina classificou a natureza do juízo emitido pelo magistrado. Não há dúvida de que o juiz emite juízos da sua própria atividade, como antecedentes necessários ao seu comportamento no processo; se defeituosos, conduzem a vícios de atuação, que se traduzem em violação da lei processual, classificado como error in procedendo. O impulso processual é decorrente do agir do juiz. No decidir questões processuais, o pronunciamento contém juízo sobre a atividade das partes. As normas processuais destinam-se às partes, enquanto partes, porque determinam as respectivas atuações, e ao juiz para fazer atuar a jurisdição. O error in procedendo, portanto, pode dizer respeito à validade do processo ou da própria sentença.
O juízo de mérito diz respeito ao comportamento do réu, ou de sua conduta, fora do processo, isto é, o juiz julga a conduta do réu descrita na denúncia, aplicando a norma específica do tipo legal violado (direito objetivo). A decisão definitiva (sentença condenatória ou absolutória) é o objetivo perseguido, não só pelas partes, como pelo Estado-juiz.
Concluída, portanto, a instrução, após coletado todo o material que se fez possível ao pronunciamento de fundo, a sentença (emissão de juízo sobre a conduta do réu descrita na denúncia) não desponta como conseqüência lógica de todos os atos processuais realizados, porque se faz necessário o exame de todo o material colacionado sobre os fatos, à luz das normas reguladoras.
O trabalho lógico desenvolvido no plano do pensamento e exposto na sentença (conclusão) constitui o juízo, que nada mais deve ser do que a vontade concreta da lei.
Pode ocorrer que não haja coincidência entre a vontade da lei com a vontade concreta expressada na sentença, cuja divergência pode ser decorrente de erro na atividade intelectual do julgador, caracterizando a sentença, dita, injusta, derivada de um erro ocorrido no raciocínio, na fase decisória. Aqui fica evidenciado o que a doutrina denomina de error in judicando.
Portanto, o error in procedendo diz respeito à validade do processo (ex: ausência de citação), ou da sentença (exemplos: ultra petita, extra petita, infra petita, ausência ou deficiência de fundamentação etc.), enquanto que o error in judicando diz respeito à justiça da sentença, a qual não interfere na sua validade, podendo ser corrigido em grau de recurso.
Assim, especificamente, na aplicação da pena – que faz parte integrante da sentença condenatória - pode ocorrer tanto o erro de procedimento, pela não observância da metodologia, principalmente no que se refere à fundamentação, como o erro de julgamento, na quantificação da pena, nas suas três fases (pena-base, pena intermediária, pena final).
III – PROCEDIMENTO PARA APLICAÇÃO DA PENA
Para a aplicação da pena, existe um método, que está definido nos artigos 68 e 59 do Código Penal (modelo legal), em razão do Princípio da Individualização da Pena (art. 5º XLVI, CF).
Assim, a pena deve ser fixada em três fases distintas, dito sistema trifásico, sendo que, por primeiro, se fixa a pena-base, com amparo nas 8 circunstâncias judiciais; após, por segundo, a pena-intermediária, levando-se em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes e, finalmente, a pena-final pela incidência das causas de aumento e de diminuição (art. 68, CP).
A pena-base é fixada com a observância de oito circunstâncias judiciais (art. 59, CP), de acordo a variação da quantidade da pena in abstrato, prevista no tipo legal violado, seguindo-se a definição do regime prisional, a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito e, se for caso, a suspensão condicional da pena (sursis).
Portanto, é o itinerário (caminho) formal para a aplicação da pena. O desvio do caminho configura vício de atividade do juiz, isto é, error in procedendo, que configura um defeito processual, que poderá[3] levá-lo a sanção de nulidade do ato, sem dúvida.
Ademais, é necessário esclarecer como e porque a sanção foi fixada na sentença, da mesma forma a definição do regime penitenciário, ou mesmo a substituição das penas. Isto é, dizer às partes as razões do convencimento do juiz; justificar a posição adotada com dados concretos extraídos das provas produzidas nos autos, cumprindo assim o dever de motivação.
Por outro lado, além do itinerário (método) a ser seguido na individualização da pena, cada fase que a defina deve ser motivada. Pode, destarte, ocorrer no caminho percorrido o erro de procedimento, viciando o ato, por ausência de fundamentação, má fundamentação e insuficiência de fundamentação, segundo abalizada doutrina.[4]
Já, no que se refere ao iter da aplicação da pena-base, examina-se a culpabilidade, que é o pressuposto para a imposição da pena. A sanção, ou pena, somente será imposta, quando for positivo, ou possível, o juízo de reprovabilidade sobre a conduta do agente, sendo então a circunstância considerada desfavorável ao agente.
A dosagem da pena suficiente e necessária é mérito (aplicação do direito material motivado). Na fixação da pena-base, cada circunstância deve ser valorada com amparo em dados concretos, subtraídos do acervo probatório, produzido na instrução.
Nesse sentido, podem ser constatados erros in procedendo ou in judicando.
Ocorre o error in procedendo, por ausência ou deficiência de motivação; in judicando, pela imposição de pena com base em circunstância inexistente ou ainda por imputação de pena exacerbada (injusta), pela inobservância da diretriz: necessidade e suficiência.
A importância na definição da espécie de erro está no plano da validade e da eficácia. Se for erro essencial de atividade, acarreta ao ato a sanção de nulidade; por sua vez, se for erro essencial de julgamento, o ato pode ser revisto, reformado, não se lhe aplicando a sanção de nulidade, em sede recursal.
Assim, somente os vícios de atividade, na aplicação da pena, podem levar a nulidade integral da sentença, mister por falta de fundamentação.
Destaca-se, a propósito, a posição adotada por Antônio Magalhães Gomes Filho:[5]
... tanto a falta de apresentação de qualquer justificação como a fundamentação incompleta, não dialética, contraditória, incongruente ou sem correspondência com o que consta dos autos, em relação à aplicação da pena, devem levar ao reconhecimento da nulidade da própria sentença condenatória, pois na verdade é a motivação desta que estará incompleta, na medida em que um dos pontos sobre o qual deveria versar não ficou devidamente fundamentado (destaquei).
Sobre o tema, pode-se afirmar que a jurisprudência dos tribunais brasileiros tem sido bastante criteriosa e exigente, estabelecendo como princípio a nulidade da sentença condenatória sempre que não seja observado o critério trifásico, ou não devidamente justificada a imposição de pena acima do mínimo legal, bem como a fixação de regime inicial mais grave, quando existir outro mais favorável ao condenado.
Também, segundo uma consagrada tendência jurisprudencial, a nulidade não é reconhecida quando se tratar de pena aplicada no mínimo legal ou então, diante de um vício de motivação, o tribunal simplesmente reduz a sanção àquele mínimo, sem decretar a invalidade da sentença.
IV. O DEVER DE MOTIVAR A DECISÃO E OS VÍCIOS
Especificamente, o artigo 381, inciso III, do Código de Processo Penal, ao estabelecer o conteúdo da sentença, exigiu do julgador “a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”.
A condenação perseguida no processo penal é juízo de mérito, eis que se refere a uma conduta ilícita do acusado, como parte na relação processual. A pena é a conseqüência do juízo condenatório, prevista no artigo 387, inciso III, do Código de Processo Penal: “aplicará as penas, de acordo com essas conclusões, fixando a quantidade das principais e, se for o caso, a duração das acessórias”.
Portanto, não só o juízo condenatório[6], mas, também, o juízo da aplicação da pena deve ser motivado; isto quer dizer que o julgador deve sempre indicar com a suficiente clareza os motivos em que se funda a sua decisão, pois só assim o acusado pode exercer o seu direito de impugnação, pelos meios disponíveis.
A motivação – exigência formal do ato decisório - constitui-se como elemento que dá a transparência da justiça, inerente aos atos decisórios dos órgãos jurisdicionais, além de assegurar o respeito efetivo ao princípio da legalidade. No entanto, de se destacar que inexiste um critério seguro e infalível para se afirmar da efetividade da motivação, apto a resolver todas as questões.
A propósito, Athos Gusmão Carneiro adverte que não é tão simples expressar exatamente o conceito de decisão não fundamentada, para distingui-lo de decisão mal fundamentada e de decisão insuficientemente fundamentada, e precisar em que casos o vício existente na decisão poderá resultar na sanção de nulidade.[7]
No entanto, a motivação deve oferecer elementos concretos para a aferição da imparcialidade e a independência do julgador, verificação da legitimidade da decisão e para que as partes possam examinar se as suas teses foram suficientemente examinadas, bem assim em que medida o juiz levou em conta o acervo probatório produzido, devendo a justificação ser convincente e persuasiva, com base nos fatos demonstrados.
Tereza Arruda Alvim Wambier[8] destaca a existência de três espécies de vícios intrínsecos da sentença, que se reduzem a um só, em última análise: 1. ausência de fundamentação; 2. deficiência de fundamentação; e 3. ausência de correlação entre a fundamentação e o decisório.
No entanto, conclui a talentosa doutrinadora, Tereza Arruda Alvim Wambier,[9] que “todos são redutíveis à ausência de fundamentação e geram a nulidade da sentença. Isto porque ‘ fundamentação’ deficiente, em rigor, não é fundamentação, e, por outro lado, ‘ fundamentação’ que não tem relação com o decisório também não é fundamentação: pelo menos não o é daquele decisório!”
Especificamente, Antônio Magalhães Gomes Filho[10] identifica os vícios da motivação: (a) inexistência de motivação[11]·; (b) motivação incompleta[12]; (c) motivação não-dialética[13]; (d) falta de correspondência com os dados existentes nos autos[14]; (e) contradição interna[15]; e (f) contradição externa (incongruência normativa e narrativa).[16]
Ainda, o renomado doutrinador, Antônio Magalhães Gomes Filho,[17] procurou estabelecer a distinção entre vícios e defeitos da motivação. Assim, os vícios examinados caracterizam de qualquer forma a própria falta de motivação, enquanto que os defeitos da motivação, em face da incongruência, não podem ser equiparados a uma falta de motivação, já que existe, ainda que não seja a melhor. Conclui, daí, o doutrinador, que:
não é possível afirmar, categoricamente, que a constatação de tais incongruências deve levar à invalidação da decisão: é mais sensato, salvo casos aberrantes, falar nessas situações em decisão mal fundamentada, seguindo a terminologia de Athos Carneiro, e admitir que se faça uma possível correção pelos meios normais de impugnação.
Portanto, a motivação da pena aplicada, em qualquer de suas fases, deve ser considerada viciada: pela inexistência; pela incompletude; pela não-dialeticidade e pela falta de correspondência com os dados existentes nos autos, se concretizadas, tendo por conseqüência a violação à norma constitucional, prevista no artigo 93, IX, da CF/88, cuja sanção de nulidade absoluta independe de provocação das partes, podendo ser pronunciada ex officio, nas instâncias ordinárias, quando o vício for evidente, observada a restrição contida na Súmula 160 do STF.
V – DEFEITOS OU ERROS DE MOTIVAÇÃO, NA APLICAÇÃO DA PENA
A aplicação da pena resulta do cumprimento de três fases. A primeira fase refere-se à pena-base,[18] que é definida por 8 circunstâncias judiciais; a segunda, pena-intermediária[19], é definida pelas circunstâncias agravantes e atenuantes e a terceira, pena-final, é definida pelas causas de aumento e de diminuição localizadas na parte especial e geral do Código Penal.
Para a aplicação da pena-base (juízo de mérito), o julgador deve motivar (regra de procedimento) todas as 8 circunstâncias judiciais: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivo, conseqüências do crime, circunstâncias do crime e comportamento da vítima, de acordo com o artigo 59, do Código Penal.
O quantum de pena-base (juízo de mérito) está embasado no conjunto das oito circunstâncias judiciais, as quais têm pesos equivalentes na dosimetria, desde que sejam desfavoráveis. Aliás, destaque-se, porque oportuno, que não há compensação ou preponderância entre as circunstâncias desfavoráveis e as favoráveis. Por exemplo: a circunstância desfavorável dos antecedentes criminais não se compensa com a circunstância favorável da conduta social. No entanto, podem ser compensados os elementos positivos e negativos dentro da própria circunstância judicial. Por exemplo: na conduta social podem existir elementos desfavoráveis e favoráveis. Assim, havendo preponderância dos favoráveis, a circunstância deve ser favorável ao agente e vice-versa.
Portanto, as circunstâncias judiciais desfavoráveis são os motivos concretos utilizados sempre para a elevação da pena, partindo-se, como regra, inicialmente, do mínimo até o máximo, de acordo com a sanção prevista no tipo penal incriminador.
Registre-se, porque oportuno, que é equivocado se iniciar a fixação da pena-base a partir do termo-médio, isto é, a média da pena prevista in abstrato no tipo legal, somando-se a pena mínima com a pena máxima dividindo o resultado por dois. Exemplo: furto simples, reclusão de 1 a 4 anos. Termo médio: 2 anos e 6 meses. A pena deve ser graduada em sua elevação de acordo com a quantidade de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Ad argumentandum, para aqueles que entendem que a pena-base se inicia pelo termo médio poderão estar equivocados na hipótese de que nenhuma circunstância judicial seja desfavorável ao acusado, acarretando, daí, um apenamento injusto, passível de correção.
5.1. Por outro lado, a primeira circunstância judicial a ser motivada, pela ordem prevista no art. 59, do Código Penal, é a da culpabilidade, que, aqui, é tomada como fundamento para fixação da pena-base, seguida pelas demais.
A culpabilidade, por ser polêmica a sua valoração, se faz necessário traçar algumas considerações preliminares, porquanto há entendimentos doutrinários de que a culpabilidade não é critério para medir o juízo de reprovação, mas, sim, é o próprio juízo de reprovação, sendo que a inclusão da culpabilidade como elemento de orientação, na formulação do juízo de reprovação (dosado pela pena), representa uma impropriedade metodológica, pois constitui a conclusão do processo analítico fundado na metodologia jurídica do crime[20].
A propósito, a culpabilidade (imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta[21] diversa[22]) aparece no Direito Penal como: (a) limitador da responsabilização criminal (art. 26, CP) [23], com vistas à imposição da pena ao sujeito; (b) limitador da pena (art. 29, CP); e um dos (c) fundamentos da pena-base (art. 59, CP).
Assim, constata-se que, num primeiro momento, o julgador se depara com a constatação da existência dos elementos da culpabilidade, para concluir se houve, ou não, a configuração da prática delitiva (pressuposto da punibilidade-imposição de pena). Num segundo momento, após a condenação, por ocasião da aplicação da pena, o julgador necessita, mais uma vez, recorrer ao exame da culpabilidade, agora, para limitar a quantidade da pena (nas suas três fases) e da própria pena-base, como circunstância judicial (na fixação da sanção penal, a qualidade e a quantidade estão vinculadas ao grau de censurabilidade da conduta - culpabilidade).
No entanto, na aplicação da pena, a análise da culpabilidade exige maior esforço do julgador, pois já não se trata mais de um exame de constatação (já evidenciado pela condenação e imposição de pena) mas, sim, de um exame de valoração, de graduação...
Portanto, deve o juiz, nessa oportunidade, dimensionar a culpabilidade pelo grau de intensidade da reprovação penal, expondo sempre os fundamentos (dados concretos) que lhe formaram o convencimento[24].
A graduação da reprovação da conduta sancionada pode ser aferida a partir de dois dos elementos inerentes à culpabilidade: o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Exclui-se da análise, nesse momento, o grau de imputabilidade, pois, quando reduzido, implicará na incidência de causa de diminuição da pena (art. 26, parágrafo único, do Código Penal), cujo cômputo dar-se-á na terceira etapa da dosagem da pena.
A respeito da análise da consciência, ou do potencial conhecimento da ilicitude, destaca-se que, se o agente estiver prejudicado pelo erro de proibição evitável (artigo 21, in fine, do Código Penal), este será sopesado, somente, na terceira fase da fixação da pena, por constituir causa de diminuição[25].
No mais, o juiz deve dispensar especial atenção, quando da valoração da culpabilidade (verificação do maior ou menor grau de exigibilidade de outra conduta), às características pessoais do agente, dentro do exato contexto das circunstâncias fáticas, em que o crime ocorreu (a prática do crime representa uma quebra na expectativa de que o agente atenderia ao princípio ético vigorante na comunidade, tal como expresso na lei).
Assim, o comportamento será tanto mais reprovável, quanto maior for a frustração da expectativa da autodeterminação do agente[26]. A avaliação deve levar em conta o conjunto dos elementos subjetivos, que atuaram para a deflagração do delito (os motivos; os fins e as condições pessoais, analisados de acordo com o sentimento ético da comunidade).
Guilherme de Souza Nucci[27] destaca que:
Tarefa fácil certamente não é, exigindo do magistrado dedicação, colheita minuciosa da prova, voltando-se aos dados componentes da vida e da situação pessoal do acusado, acolhendo, de forma aberta e interessada, a prova trazida pelas partes, sem desdenhar da importância da discricionaridade, embora juridicamente vinculada, que lhe foi conferida pelo legislador. A medida da culpabilidade implica em um juízo de valoração objetivo-subjetivo, ou seja, ainda que calcado em elementos palpáveis, constantes dos autos, não deixa de resultar da apreciação pessoal do julgador, conforme sua sensibilidade, experiência de vida, conhecimento e cultura, bem como intuição, que também integra o processo de conhecimento e descoberta de dados na avaliação da prova.
Luiz Flávio Gomes[28], por sua vez, ao se referir às circunstâncias judiciais, para a aplicação da pena, destaca a da culpabilidade:
1ª) culpabilidade do agente: aqui no art. 59 a palavra culpabilidade tem a função de fator de graduação da pena. Essa função nada tem a ver as demais que a culpabilidade cumpre no Direito Penal: (a) de fundamentação da pena; (b) de limite da pena. Como fator de graduação da pena, a culpabilidade conta com o seguinte sentido: o juiz no momento da sua aplicação deve levar em conta a posição do agente frente ao bem jurídico violado: (a) de menosprezo total (que se dá no dolo direito); (b) de indiferença (que ocorre no dolo eventual) e de (c) de descuido (que está presente nos crimes culposos). É isso que o juiz deve valorar no momento da aplicação da pena. O que antigamente se chamava de ‘ intensidade do dolo’, na verdade, nada mais é que a posição de menosprezo ou indiferença do agente frente ao bem jurídico. O que antes se denominava graus de culpa tem relevância penal: é fundamental saber qual foi o nível de descuido do agente frente ao bem jurídico. Culpa grave, gravíssima, leve ou levíssima é importante para a fixação da pena. O juiz deve valor tudo isso, para quantificar a pena.
Por sua vez, José Antonio Paganella Boschi[29] expressa seu entendimento sobre o exame da reprovação da conduta do agente:
...o juiz estaria autorizado, destarte, a concluir pela maior reprovação do agente que executa um crime depois de longo e frio planejamento (dolo direito) e pela menor censura daquele que o faz influenciado pelas circunstâncias do momento – por exemplo, depois de provação (dolo de ímpeto), conquanto tais considerações guardem pertinência, em verdade, com um dos elementos da culpabilidade... no caso de exigibilidade de conduta diversa. Sem dúvida, o dolo direito indica mais claramente o nítido e deliberado propósito de violação da ordem jurídica que o dolo indireto ou, em relação também a este último, a culpa strictu sensu em que o resultado ilícito entra na mente do indivíduo só como mera possibilidade, embora não desejada.
Portanto, quanto maior for a exigibilidade da conduta diversa, aferível com base em dados concretos, maior será a reprovação do agir do agente criminoso, devendo ser excluída, quando o agente agiu sob coação moral irresistível (art.18, 1ª parte, CP).
5.1.2. Erros, ou defeitos, constatáveis, no exame da circunstância da culpabilidade[30]:
5.1.2.1. ausência completa de fundamentação: o juiz nada disse a respeito do grau da reprovação da conduta, tal como: “tendo em vista a culpabilidade, antecedentes e conduta social... fixo a pena pouco acima do mínimo legal...”;
5.1.2.2. referência à gravidade da infração, quando esta já foi considerada para a escolha da natureza e dos limites da pena;
5.1.2.3. avaliação do grau de censurabilidade com base no dolo do agente. O dolo é elemento anímico, projeção de livre escolha do agente entre agir ou omitir-se, no cumprimento do dever jurídico. Não tem intensidade. Intensidade refere-se a graus, do maior ao menor. No entanto, existem entendimentos que admitem a apreciação da "intensidade do dolo" ou do "grau de culpa", que são expressões utilizadas na redação antiga da lei, por se constituírem ambos indicativos da censurabilidade da conduta sancionada. Guilherme de Souza Nucci entende adequada a utilização da intensidade do dolo na circunstância judicial da personalidade.[31]
5.1.2.4. repetição do juízo de constatação da culpabilidade e de seus elementos: "o agente agiu com culpabilidade, pois tinha a consciência da ilicitude do que fazia"; “o réu agiu com vontade e consciência de praticar o crime, sendo absolutamente reprovável a conduta, pois era plena e evidentemente exigível que se pautasse de outra forma”; “a intensidade do dolo de agredir a cabeça da vítima, com um machado, objetivando matá-la e o grau de reprovação de seu agir refletem a necessidade de elevação da pena em 6 meses...”. São expressões estereotipadas, pois, se o agente não tivesse agido com culpabilidade, por certo não teria sido condenado; ou, da mesma forma, se não tivesse a consciência da ilicitude do seu agir...
5.12.5. repetição do juízo de censura: De igual forma, não pode ser fundamentado o exame da culpabilidade, para a exasperação da pena-base, na alegação de que o acusado agiu de forma livre e consciente, pois, se a ação não fosse consciente e deliberada, inexistiria dolo: “O réu tinha consciência da ilicitude do ato”; “é imputável”; ”era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta”; “era-lhe esperada conduta diversa...”;” é censurável em relevante nível, posto que tinha pleno conhecimento da ilicitude de seu proceder, exigindo-lhe conduta diversa, sendo grande a reprovabilidade, vez que desrespeitou o direito de as vítimas disporem de seu próprio corpo...”;” A conduta do réu foi reprovável, tendo em vista que, nas circunstâncias em que o delito ocorreu, tinha todas as condições estruturar sua vontade e consciência de acordo com o direito e estava em plenas condições de entender o caráter ilícito de sua conduta. Agiu, portanto, de modo diverso ao que preceitua o mandamento legal, praticando conscientemente o ato ilícito, ceifando uma vida humana”. Trata-se de um chavão que nada se refere ao grau de reprovação da conduta do agente.
5.1.2.6. utilização de palavras monossilábicas: “a culpabilidade é mínima”, ou “grave”, “intensa”, “normal a espécie etc", são vazias de conteúdo, sendo desacompanhadas dos elementos de sustentação. A fundamentação é vaga.
5.1.2.7. repetição de fundamentos para as demais circunstâncias: a culpabilidade avaliada como desfavorável não deve ser realizada com o(s) mesmo(s) fundamento(s), que alicerçará (ao) a(s) análise(s) negativa(s) de outra(s) das sete circunstâncias seguintes. Se assim ocorrer, há, sem dúvida, violação ao princípio "non bis in idem", que proíbe a consideração de uma mesma situação, por mais de uma vez, para o agravamento da pena que está sendo aplicada. Situação comum observada é a utilização de uma circunstância qualificadora para definir a quantidade de pena do tipo legal e ao mesmo tempo utilizá-la como circunstância judicial do motivo fútil.
5.1.2.8. fatores que constituam ou qualifiquem o crime, ou, ainda, que caracterizem circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena, a serem sopesadas nas etapas subseqüentes: Nesse sentido, não pode ser considerado elevado o grau de culpabilidade, por exemplo, no delito de estelionato, pelo fato de "o agente ter agido de má-fé, sem importar-se com seu semelhante que sofreu o prejuízo", porque a má-fé do agente e o prejuízo (e a indiferença para com a vítima, por conseguinte) são circunstâncias que já constituem o próprio delito e que, portanto, já estão devidamente "sancionadas" pela pena abstrata, ainda que no mínimo legal. Às vezes, a circunstância que se quer analisar não está aparente no tipo penal. É preciso, então, fazer uma interpretação mais apurada do tipo e de suas freqüentes circunstâncias, para não incorrer em erro. Dessa forma, em se tratando da prática de crime de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias, a condição de empresário revelada pelo acusado não pode acentuar a sua culpabilidade, para o efeito de exigir-lhe maior consciência da ilicitude de sua conduta e fundamentar a exasperação da pena-base, tendo em vista que, no crime em exame, a responsabilidade normalmente recai sobre empresários. Nem mesmo o fato de centralizar as decisões da empresa pode ser considerado circunstância desfavorável, pois consiste em pressuposto para o reconhecimento da própria autoria delitiva. Destaca-se, ainda, como exemplo, a valoração da culpabilidade como "elevada" ao agente, em razão da "reiteração criminosa", quando, logo a seguir, aumenta-se a pena pela continuidade delitiva (art. 71, do CP). Ora, os atos delituosos, ao se prolongarem no tempo, configuram a continuidade delitiva, não podendo ser considerados, também, nas circunstâncias judiciais do art. 59, sob pena de incidir-se em ‘bis in idem". Na hipótese, deve-se considerar o aumento do art. 71 do CP, pois "a continuação dimensiona a reiteração"
5.1.2.9. repetição dos elementos considerados na culpabilidade a co-autor: “a culpabilidade do co-réu é idêntica a do réu...”. Não existem as mesmas condições subjetivas entre os agentes do delito, devendo sempre ser individualizadas.Mister destacar que, para fins de fixação da pena-base, no concurso de agentes, deve ser observada a determinação do art. 29, do Código Penal, que estabelece que o indivíduo só pode responder pelo crime, na medida de sua culpabilidade.
5.1.2.10. utilização dos fundamentos da culpabilidade comum aos demais crimes praticados em concurso material ou em continuidade delitiva: é usual a utilização da culpabilidade comum para uma série de crimes, sem que haja qualquer relação entre as diversas condutas.
5.2. Antecedentes judiciais: consideram-se antecedentes todos os fatos ou episódios da vida do réu, próximos ou remotos, bons ou maus, que possam interessar de qualquer modo a avaliação subjetiva do crime, porque repercutem na punibilidade. Assim, os antecedentes são fatos que registram o comportamento anterior do réu, fazendo parte integrante de sua história de vida, e já não podem ser modificados, apenas conhecidos e avaliados, sempre na perspectiva do crime que está em julgamento; serão bons ou maus, de acordo com a sua maior ou menor concordância com os preceitos de conduta aceitos, mais ou menos importantes, em relação com a prática do crime.
Portanto, somente os fatos anteriores[32] à prática do delito, que se está punindo, podem caracterizar antecedentes, pois os demais configuram fatos "subseqüentes". Os fatos antecedentes, de natureza "desabonadora", que digam respeito à vida privada do condenado, não podem ser considerados como antecedentes judiciais, podendo, quando muito, se pertinentes, ser sopesados na análise da "conduta social[33]", ou, talvez, até da "personalidade" do apenado. Os mais recentes julgamentos do Superior Tribunal de Justiça registram o entendimento de que, “ante o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, é defeso ao Magistrado considerar como maus antecedentes os registros policiais e judiciais em nome do réu, para efeito de majorar a pena-base, ou ainda,” na fixação da pena-base e do regime prisional, inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração como maus antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade. Praticamente, ficaram qualificados como maus antecedentes, somente, as condenações com trânsito em julgado, após a conduta em exame.
5.2.1. Erros, ou defeitos, constatáveis no exame da circunstância dos antecedentes:
5.2.1.1. ausência de fundamentação: faz-se menção aos maus antecedentes, sem demonstrá-los concretamente, ou ainda não se faz qualquer menção a eles (tendo em vista os antecedentes e a conduta social desfavoráveis.... fixa-se a pena acima do mínimo legal);
5.2.1.2. inclusão da reincidência (art. 63, CP): a reincidência deve ser sopesada, somente, na segunda fase da dosimetria da pena, por se constituir em circunstância legal agravante (art. 61[34], I, do CP), pelo critério da especialidade;
5.2.1.3. Registro de antecedentes não judiciais;
5.2.1.4. fatos subseqüentes ao da data da prática do delito. Incluem-se delitos praticados após o que está sendo processado.
5.2.1.5.consideração de instauração de inquéritos policiais e processos criminais em andamento;
5.2.1.6. sentença penal condenatória não transitada em julgado;
5.2.1.7. inclusão de fatos ocorridos antes da maioridade penal do condenado: o agente menor é inimputável, não podendo constituir qualquer gravame na culpabilidade. Aliás, nem poderia constar qualquer certidão relativamente aos atos praticados por ocasião da menoridade, porque o processo corre em segredo de justiça;
5.2.1.8.condenações cuja pena foi cumprida ou extinta há mais de cinco anos da prática delitiva: depuradas pela ocorrência do prazo qüinqüenal, eis que sequer caracterizam a reincidência (art. 64, I, CP), sendo passível de reabilitação (art.93, CP). Importante destacar que os antecedentes não podem se perpetuar no tempo;
5.2.1.9. as propostas de suspensão condicional do processo e de transação penal e, ainda, os acordos civis extintivos da punibilidade: são medidas despenalizadoras, instituídas pela Lei nº 9099/95, que não possuem natureza condenatória nem há, nelas, qualquer admissão de culpa pelo autor do fato;
5.2.1.10. fatos delitivos alcançados pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em outra ação penal: fundamenta-se no princípio da presunção de inocência, posto que, quando ocorre a prescrição pela pena em abstrato, ou pela pena em concreto, resta prejudicada a análise do mérito. Diferentemente, dá-se com a extinção da pretensão executória, pelo advento da prescrição, onde subsiste a condenação.
5.2.1.11. os fatos contravencionais: as contravenções não são espécie de crimes, mas espécie de delitos. No entanto, exceção a essa regra, é o caso do agente que está sendo julgado por prática de contravenção penal e que já possuía anterior condenação por contravenção: aí será considerado reincidente, como dispõe o artigo 7º da LCP.
5.2.1.12. ausência de prova incontroversa dos antecedentes: os maus antecedentes provam-se com a certidão do cartório criminal, devendo constar a data do trânsito em julgado da eventual condenação, ou mesmo da extinção da punibilidade. Assim, serão indicados os elementos constantes dos autos, que caracterizam os maus antecedentes, não podendo, simplesmente, afirmar que o acusado os possui. Outro aspecto relevante é a existência de homônimos. Existindo dúvidas, o registro deve ser desconsiderado;
5.2.1.13. inclusão dos crimes que integram o crime continuado em julgamento: “Conflita com a ordem jurídica em vigor considerar-se para a majoração da pena-base, e sob o ângulo das circunstâncias judiciais, processos que desaguaram na conclusão sobre a continuidade delitiva” [35]
5.3. Conduta social: A conduta social consiste no modo pelo qual o agente exerceu os papéis que lhe foram reservados na sociedade. Trata-se de averiguar, através dessa circunstância, o seu desempenho na sociedade, em família, no trabalho, na religião, no grupo comunitário, formando um conjunto de fatores do qual talvez não tenha surgido nenhum fato digno de registro especial, mas que serve para avaliar o modo pelo qual o agente se tem conduzido na vida, exame esse que permitirá concluir se o crime é um simples episódio, resulta de má educação ou revela sua propensão para o mal. Devem ser levados em conta os elementos indicativos da falta de adaptação, ou do bom relacionamento do agente perante a sociedade, em que está integrado, ou seja, quando o ambiente em que o agente se inserir for, por exemplo, uma favela, não lhe poderá ser exigido comportamento típico das classes sociais mais abastadas. É o comportamento do agente em seu meio social. Nestes campos da vida, pode-se analisar: o modo de agir do agente nas suas ocupações, sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo ou prestatividade, rispidez ou finura de trato, seu estilo de vida honesto ou reprovável. O fato de o agente ter vasta folha de ocorrências policiais, processos em andamento, não lhe retira o direito de ser respeitado e querido em seu ambiente social.
A propósito, José Eulálio de Almeida[36] leciona que:
o juiz deve colher da prova produzida nos autos: “... a vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e freqüenta, com habitualidade, locais de concentração de delinqüentes, casas de tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar.”
Gilberto Ferreira[37] adota, como critério para a valoração da conduta social, a caminhada de vida percorrida pelo agente. Avalia, com esmero, como se comportava o agente na condição de estudante, de pai, de trabalhador, de componente da vida social: “... um mau aluno, um pai irresponsável, que deu causa à separação e não paga alimentos aos filhos, ou que se entrega constantemente à embriaguez ou a uma vida desregrada. Um empregado que vive encrencando com seus colegas de trabalho. Uma pessoa insensível que não tem a menor consideração para com o próximo, vivendo à margem da sociedade."
Deve-se ponderar, todavia, que o uso freqüente de bebida alcoólica, por si só, não justifica valoração negativa da conduta social do agente, pois o alcoólatra é um doente que carece de tratamento[38].
5.3.1. Erros, ou defeitos, constatáveis no exame da circunstância da conduta social:
5.3.1.1. ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência à conduta social;
5.3.1.2. fundamentação vaga: Afirmação de má conduta social, sem demonstração de qualquer elemento concreto extraído dos autos: “o réu possui má conduta social....”;
5.3.1.3. má conduta social com fundamento em periculosidade: o réu revela-se “perigoso”, pela probabilidade de voltar a delinqüir. No entanto, a contradição está em que os perigosos são absolvidos, embora submetidos à medida de segurança;
5.3.1.4. exame dos antecedentes criminais como má conduta social: a valoração da conduta social, também, não se confunde com o exame dos antecedentes, porquanto existem sujeitos com registro de antecedentes criminais, mas de conduta social elogiável. Outrossim, é possível encontrar situações em que o sujeito, sem qualquer passado judicial imaculado, seja temido na comunidade em que vive!;
5.3.1.5. fato desabonador isolado: os fatos desabonadores devem revelar um comportamento habitual. A constatação de um fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre permanente;
5.4. Personalidade: A personalidade é formada pelo conjunto dos dados externos e internos que moldam um feitio de agir do réu, instrumental que ele herdou, ou adquiriu, e com o qual responde às diversas situações que lhe são propostas na vida diária.
No dizer de Cezar Roberto Bitencourt[39], personalidade:
Deve ser entendida como a síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Na análise da personalidade, deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou de não eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu.
De modo geral, a personalidade refere-se ao modo relativamente constante e peculiar de perceber, pensar, sentir e agir do indivíduo, incluindo também habilidades, atitudes, crenças, emoções, desejos, o modo de comportar-se, inclusive os seus aspectos físicos e de que forma todos esses aspectos se integram, organizam-se, conferindo-lhe peculiaridade e singularidade.
Por outro lado, o “temperamento” deve ser entendido como uma alusão aos aspectos da hereditariedade e da constituição fisiológica, que interferem no ritmo individual, no grau de vitalidade ou emotividade dos indivíduos; o “caráter” utiliza-se para designar aspectos morais dos indivíduos, bem como na referência a reações afetivas, ou, mais comumente, para designar aquilo que diferencia um indivíduo de outro, a marca pessoal de alguém; o “traço de personalidade” refere-se a uma característica duradoura da personalidade do indivíduo (ser reservado, ser bem-humorado, etc). Os traços são inferidos a partir do comportamento da pessoa.
De modo geral, em síntese, a personalidade é definida pela doutrina como a índole do agente, sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso moral, ou seja, a totalidade de traços emocionais e comportamentais do indivíduo, elemento estável de sua conduta, formado por inúmeros fatores endógenos ou exógenos.
Como visto, a valoração desta circunstância não é nada simples, pois exige-se conhecimentos de psicologia e de psiquiatria, além da presença de todos os elementos fáticos identificados doutrinariamente, além do contato pessoal do julgador com o réu, que nem sempre ocorre, porque muitas vezes o magistrado recebe os autos para somente proferir a sentença.
O Juiz de Direito, Gilberto Ferreira[40], adverte que:
No Brasil, a realidade revela que o Juiz não tem condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso, por quatro principais motivos: Primeiro, porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional. As noções sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Como se sabe, o juiz brasileiro vive assoberbado de trabalho. Terceiro, porque como não vige no processo penal a identidade física, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer contato com o réu. Quarto, porque, em razão das deficiências materiais do Poder Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído de modo a permitir uma rigorosa análise da personalidade.
No dizer de Paganella Boschi[41], o juiz, na obrigação legal de valorar a circunstância da personalidade, “acaba por fazê-lo de forma precária, imprecisa, incompleta, superficial, limitada a afirmações como ‘personalidade desajustada’, ‘ajustada’, ‘agressiva’, ‘impulsiva’, ‘boa’ ou ‘má’, as quais, tecnicamente, nada informam”.
Portanto, diante da complexidade da avaliação da circunstância, afigura-se razoável afirmar que, pela ausência de elementos suficientes, nos autos, para o exame da personalidade, ou, ainda, tendo o Juiz a consciência de sua inaptidão para valorá-la não deve hesitar em declarar que não há como examiná-la e abster-se de qualquer elevação de pena, neste ponto. Melhor será reconhecer a carência de elementos, ou a própria inaptidão profissional, do que acabar exacerbando a pena do sentenciado por uma valoração equivocada, pobre de provas, ou injusta.
5.4.1.Erros, ou defeitos, constatáveis no exame da circunstância da personalidade:
5.4.1.1. ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência à personalidade; isto é, ignora o exame da circunstância;
5.4.1.2. fundamentação vaga: afirmação de “personalidade deformada”, “alta periculosidade”, sem demonstração de qualquer elemento concreto, extraído dos autos, que a justifique;
5.4.1.3. personalidade voltada à prática de delitos: afirmação sem elementos concretos, de forma vaga;
5.4.1.4. equiparação de igualdade da personalidade quando existe pluralidade de agentes: a personalidade do agente é característica individual, sendo, praticamente, impossível, repetir-se, identicamente, em terceiros, de igual forma e intensidade;
5.4.1.5. personalidade hereditária: a personalidade do agente não pode ser equiparada ao dos ancestrais do réu ou do agrupamento social do qual participa, em face da individualidade dos caracteres;
5.4.1.6. fatores que constituam ou qualifiquem o crime, ou, ainda, que caracterizem circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena,a serem sopesadas nas etapas subseqüentes: não se deve utilizar fatos que já foram valorados, negativamente, em outra circunstância judicial, para não incidir em bis in idem, ou ainda, afirmar-se da existência de personalidade deturpada em razão da reiteração criminosa,quando houver aumento de pena relativo ao crime continuado, para não incidir em bis in idem.
5.5. Motivos do crime. São os precedentes causais de caráter psicológico da ação. Os motivos são os fatores que animaram o agente a praticar o delito (o por quê?).
Não se confundem os motivos do crime com o elemento subjetivo do tipo do crime (dolo ou culpa). Estão ligados à causa da conduta (agiu impelido pelo ódio à vítima) e não se referem à finalidade, porventura perseguida (matou para encobrir a autoria de outro delito, por vingança, por motivo político, por ciúmes, por sadismo etc.). Por exemplo: no crime de homicídio mediante paga, a motivação pode ser a ganância (recebimento do dinheiro), tendo por escopo o cumprimento de seu compromisso, sendo que o objetivo é o de eliminar a vítima. Podem ser nobres,ou vis, e dentro dessa linha de valores devem ser avaliados, contando, ainda, a sua intensidade para a determinação da ação. Não existe conduta humana desprovida de motivos. Assim, os motivos podem qualificar a conduta do agente (homicídio por motivo fútil), para diminuir a pena (homicídio privilegiado por motivo de relevante valor social), ou para agravar a pena (lesão corporal por motivo de vingança).
O renomado mestre Nélson Hungria[42] indica alguns dos motivos que devem ser sopesados, nesta fase dosimétrica:
Motivos imorais ou anti-sociais e motivos morais ou sociais, conforme sejam, ou não, contrários às condições ético-jurídicas da vida em sociedade. O amor à família, o sentimento de honra, a gratidão, a revolta contra a injustiça, as paixões nobres em geral podem levar ao crime; mas o juiz terá de distinguir entre esses casos e aqueles outros em que o ‘movens’ é o egoísmo feroz, a cólera má, a prepotência, a malvadez, a improbidade, a luxúria, a cobiça, a ‘auri sacra fames’, o espírito de vingança, a empolgadura de vícios.
Roberto Lyra, em suas lições[43], esclarece que:
O motivo, cuja forma dinâmica é o móvel, varia de indivíduo para indivíduo, de caso a caso, segundo o interesse ou o sentimento. Tanto o dolo como a culpa se liga à figura do crime em abstrato, ao passo que o móvel muda, incessantemente, dentro de cada figura concreta de crime, sem afetar a existência legal da infração. Assim, o homicídio pode ser praticado por motivos opostos, como a perversidade e a piedade (eutanásia); porém, a todo homicídio corresponde o mesmo dolo (a consciência e a vontade de produzir a morte).
Não há dúvidas de que, conforme a motivação que levou o agente a delinqüir, sua conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável. No exame da circunstância judicial, deve-se indagar acerca da natureza e da qualidade dos motivos que levaram o agente a praticar a infração penal. Não se trata, portanto, de analisar a intensidade do dolo ou culpa[44], mas de descobrir se a qualidade da motivação do agir do agente merece mais ou menos reprovação.
A propósito, o agente que furta para satisfazer a necessidade de alimentar o filho tem motivação menos reprovável (porque nobre) do que aquele que furta para prejudicar o desafeto (por inveja ou por vingança), ou mesmo para a compra de substâncias entorpecentes. O médico que facilita a morte do paciente, diante de seu desmedido e incompatível sofrimento, possui motivo menos reprovável do que o agente que mata o irmão, para que seja o único sucessor do patrimônio do ascendente.
Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva é que devem ser valorados. No mais, deve-se agir com cautela para, no exame dos motivos, não incorrer em dupla valoração (bis in idem).
5.5.1.Erros ou defeitos constatáveis no exame da circunstância da motivação:
5.5.1.1. ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência aos motivos;
5.5.1.2. fundamentação vaga: afirmação de determinado motivo, sem demonstração de qualquer elemento concreto extraído para comprová-lo: “ o réu agiu por motivo fútil” ( qual é o dado concreto?);
5.5.1.3.motivo normal à espécie de delito: ausência de relação fática (o por quê);
5.5.1.4. quando o motivo integrar a definição típica, circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena: “a circunstância é desfavorável porque o motivo do crime foi por vingança...” . Não se deve valer de fatos que já foram utilizados na valoração negativa de outra circunstância judicial, para não incidir em bis in idem, mesmo porque devem ser valorados, nas fases próprias; a qualificadora; por exemplo, quando única, já tem a sua dose de pena no próprio tipo penal; “ motivo normal à espécie” : não pode ser valorado negativamente, tendo em vista que já possui a censura, prevista no próprio tipo penal considerado. Toda conduta criminal é motivada, porquanto ninguém furta por furtar, pois do nada surgiria um impulso capaz de levar o agente a subtrair algo de alguém. Certo é que, na figura básica do delito, o legislador ao estabelecer um patamar mínimo de pena já levou em conta a motivação, sem, contudo, destacá-la, tal como o faz, quando dá relevância, no tipo penal dessas circunstâncias. Na hipótese “ o furto foi praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil” não se deve elevar a pena em razão dessa circunstância judicial, pois, freqüentemente, este é o motivo dos crimes de furto (assim como a satisfação da lascívia, nos crimes de estupro; o enriquecimento, nos crimes fiscais…).
5.6. Circunstâncias do crime: Por circunstâncias judiciais da infração penal, indicadas no artigo 59, do Código Penal, entendem-se todos os elementos do fato delitivo, acessórios, ou acidentais, não integrantes do tipo, embora relacionadas ao delito. Quando as circunstâncias estão expressamente previstas na lei, denominam-se de “legais” (agravantes e atenuantes). Quando genericamente previstas, devendo ser fundamentadas pelo juiz, denominam-se de “judiciais”. Portanto as circunstâncias judiciais têm caráter residual, ficando delas excluídas as circunstâncias qualificadoras, as agravantes e as causas de aumento. Compreendem, portanto, as singularidades do fato, as quais cabe ao juiz ponderar desfavorável ou favorável ao réu.
Alberto Silva Franco sugere que, na análise das circunstâncias do delito, o Juiz analise: "o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre autor e vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato criminoso"[45]. Por sua vez, Gilberto Ferreira acrescenta a esses fatores a maior ou menor insensibilidade do agente e o seu arrependimento[46].
Com base nesses entendimentos, é mais censurável a conduta do agente que matou alguém na igreja, ou na casa da vítima, do que aquele que a matou em sua própria casa. Por outro lado, é menos censurável o agente que se demonstrou sinceramente arrependido da prática delitiva, do que aquele que comemorou o evento embriagando-se[47]. Assim, o número de tiros, ou golpes de faca, no homicídio simples, pode ser avaliado como circunstância desfavorável, bem assim a quantidade de entorpecentes encontrada em poder do usuário ou do traficante[48].
5.6.1. Erros, ou defeitos, constatáveis no exame das circunstâncias do crime:
5.6.1.1.ausência de fundamentação: não se faz qualquer referência à circunstância;
5.6.1.2.insuficiência de fundamentação: “a circunstância não desfavorece ao réu”; "agiu de modo bárbaro", "agiu com exagero". Constata-se que inexiste qualquer relação fática que justifique a afirmativa;
5.6.1.3. bis in idem: valoram-se as circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime (assassinato da vítima, com o emprego de veneno, configura qualificadora do crime nos termos do art. 121, §2º, III, do CP); “as circunstâncias foram aptas a ludibriar a boa-fé da vítima, que realizou a venda para o réu acreditando que iria receber a contraprestação devida” (estelionato); ou, ainda, caracterizam agravante ou causa especial de aumento de pena, ou valoram-se fora das fases corretas as agravantes (2ª fase) e as causas de aumento (3ª fase). Por exemplo: "As circunstâncias judiciais, relativas aos motivos (‘desejo de possuir mais do que lhe pertence por direito’) e às circunstâncias do crime (‘recebimento do numerário, na condição de advogado da vítima, sem o correspondente repasse’), não podem ser consideradas para aumentar a pena-base, pois se encontram ínsitas ao próprio tipo penal”.
5.7. Conseqüências do crime: As conseqüências do crime podem variar substancialmente sem modificar a natureza do resultado, ainda que este integre o tipo. Sob esse tópico, é comum distinguir entre a tentativa de homicídio, com lesão qualificada, que tem conseqüências graves, e a tentativa branca, quando o disparo não atinge a vítima, embora os dois crimes realizem o mesmo tipo e tenham os mesmos limites de pena. Assim, a vítima que deixou 12 filhos completamente ao desamparo, também o furto de pequena quantia de quem pouco possui, ou de quem necessitava do numerário para a aquisição de remédios (um aposentado do INSS que é assaltado na saída do banco , logo após ter recebido os seus proventos...) podem constituir circunstâncias desfavoráveis.
O dano causado pela infração penal, na lição de Gilberto Ferreira, pode ser material ou moral. Será material quando causar diminuição no patrimônio da vítima, sendo suscetível de avaliação econômica. Por outra banda, o dano moral implicará dor, abrangendo tanto os sofrimentos físicos, quanto os morais[49].
No exame das conseqüências da infração penal, o Juiz avalia a maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada à vítima, ou aos seus familiares. No entanto, cumpre lembrar o ensinamento de Paganella Boschi, de que devem ser sopesadas, apenas, as conseqüências que se projetam "para além do fato típico", sob pena de incorrer-se em dupla valoração[50]. José Eulálio de Almeida[51] e Adalto Dias Tristão[52] referem-se, ainda, ao clamor público causado pela infração penal na ponderação das conseqüências. Todavia, há que se considerar o fato de que o clamor público nem sempre se dá em razão da gravidade do delito, mas, por outros motivos como, por exemplo, o prestígio ou a posição social do agente ou da vítima; ou, ainda, o interesse circunstancial da imprensa na divulgação do delito.
5.7.1. Erros ou defeitos constatáveis no exame da circunstância das conseqüências:
5.7.1.1.ausência de fundamentação: não se faz referência à circunstância;
5.7.1.2. insuficiência de fundamentação: “a circunstância não desfavoreceu ao réu”; “a vítima sofreu prejuízo de monta...” , pois constata-se que inexiste qualquer relação fática que justifique as afirmativas;
5.7.1.3. bis in idem: valoram-se as circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime: “as conseqüências foram graves, porque a vítima perdeu a vida” ; “ a vítima não recuperou a res furtiva, ficando no prejuízo”; “ a vítima sofreu prejuízos de grande monta”.
5.8. Comportamento da vítima. A importância atribuída à circunstância do comportamento da vítima decorre dos estudos de vitimologia, pois, algumas vezes, o ofendido, sem incorrer em injusta provocação, provoca acirramento de ânimos, ou em, outras vezes, estimula a prática de delito. Por exemplo, a vítima exibicionista atrai crimes contra o patrimônio; a vítima agressiva atrai o homicídio e as lesões corporais; o mundano, atrai os crimes sexuais; o velhaco atrai o estelionato, não querendo afirmar que as vítimas não estejam protegidas pela lei penal, mas que a pena, em face desta circunstância judicial, não deve ser agravada. Se, por outro lado, a vítima recatada e tímida é violentada sexualmente em seu recanto domiciliar a pena deve ser elevada.
É relevante o exame da circunstância, porque o comportamento da vítima “não pode ser separado do momento em que o juiz apreciará a própria culpabilidade, pois ao instigar, provocar ou desafiar o agente, a vítima, direta ou indiretamente, intencionalmente, ou não, termina por enfraquecer a determinação do agente em manter-se obediente ao ordenamento jurídico”.[53]
Nesse contexto, a doutrina classifica a vítima como inculpável, parcialmente culpável e culpável. A vítima inculpável é aquela que não tem participação alguma na atividade criminosa. Exemplo: a pessoa que é atingida por um vaso de flores atirado da altura de um edifício de apartamentos. A pena deve ser elevada. Vítima parcialmente culpável, por ignorância ou imprudência, é aquela que contribui de alguma forma para o delito. Exemplo: mulher que morre em decorrência de aborto por ela consentido. A pena não deve ser elevada. Vítima culpável é aquela que contribuiu para a ocorrência do crime, por provocação. Exemplo: agressor que morre em face de legítima defesa da pessoa agredida. Aqui não haverá punição do agente.
5.8.1.Erros, ou defeitos, constatáveis no exame da circunstância da conduta da vítima:
5.8.1.1. ausência de fundamentação: não se faz referência à circunstância;
5.8.1.2. insuficiência de fundamentação: “a circunstância não desfavoreceu ao réu”, pois, nota-se que inexiste qualquer relação fática que justifique a afirmativa;
5.8.1.3. bis in idem: valora-se duplamente a circunstância por ocasião da culpabilidade do réu e a do comportamento da vítima;
5.8.1.4. quando definição constante de circunstância agravante ou atenuante ou causa especial de aumento ou diminuição de pena: “a vítima não concorreu para o delito, pois estava impossibilitada de se defender (art. 61, II,CP);” a vítima provocou no réu repulsa considerada de relevante valor moral ou social, ou de tê-lo provocado injustamente”(art. 121,§ 1º, 129,§ 4º,CP).
Importante registrar que todas as circunstâncias judiciais devem ser fundamentadas, não bastando a simples menção de que todas são favoráveis ao réu, considerando, por outro lado, que o órgão acusador tem o direito de saber como o julgador chegou a essa conclusão, até para,eventualmente, impugnar a decisão.