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O fato social patológico no método de Émile Durkheim e sua relação com o fenômeno jurídico

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Agenda 14/07/2012 às 09:35

A despeito de se tratar de um método essencialmente sociológico e pensado no século XIX, aplica-se o pensamento de Émile Durkheim no Direito Brasileiro, mormente em face da regra de distinção entre o fato social normal e o patológico.

RESUMO: O presente ensaio tem por objetivo demonstrar a aplicação do Método Sociológico de Émile Durkheim, em particular no que toca à identificação do fato social patológico, a alguns fenômenos próprios do mundo jurídico. Para tanto, com base na obra As Regras do Método Sociológico, serão traçadas breves considerações acerca da vida e obra de Durkheim, seguidas de uma exposição resumida do conceito de fato social e das regras do Método Sociológico. Na continuação, o fato social patológico, conforme identificado por  meio da aplicação das regras propostas, será relacionado com os fenômenos jurídicos da adequação social e da mutação constitucional. Por fim, uma breve análise da relação entre o fato social patológico e a quebra do paradigma da supremacia do interesse público na seara do Direito Administrativo.

PALAVRAS-CHAVE: Método Sociológico – Émile Durkheim – Fato Social Patológico – Adequação Social – Mutação Constitucional – Paradigma – Supremacia do Interesse Público


SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Método Sociológico de Durkheim: 2.1. Breves anotações sobre a vida e a obra de Émile Durkheim; 2.2. O Fato Social; 2.3. Estudo Analítico do Conceito de Fato Social; 2.4. As Regras do Método Sociológico: 2.4.1. Regras relativas à observação dos fatos sociais; 2.4.2. Regras relativas à distinção entre o normal e o patológico; 2.4.3. Regras relativas à constituição dos tipos sociais; 2.4.4. Regras relativas à explicação dos fatos sociais; 2.4.5. Regras relativas ao estabelecimento das provas – 3. O Método de Durkheim e sua relação com alguns fenômenos do mundo jurídico - 4. A Supremacia do Interesse Público – um Fato Social Patológico? – 5. Considerações Finais - Referências


1  INTRODUÇÃO

Mundo. Século XXI. Pós-modernidade. Globalização. Brasil. Democracia. Constituição Cidadã. Pluralismo ideológico. Convencimento argumentativo. Um paradoxo gramatical: frases sem verbo para descrever uma época de constante movimento e evolução, de desenvolvimento do pensamento humano, de verdades que se substituem no tempo e no espaço, enfim, o mundo atual.

Em um cenário tão dinâmico, o desafio de regular as relações sociais, papel tradicional e limitadamente atribuído à norma como gênero e à lei como espécie, se torna cada  vez mais algo muito próximo de uma verdadeira arte. A habilidade, a sensibilidade, a inteligência, o senso moral e ético, todas essas e muitas outras qualidades exigidas do intérprete e aplicador do Direito, acabam por aproximá-lo de um verdadeiro artista.

Na produção e pesquisa do conhecimento, o homem pode e deve se valer de diferentes métodos. E se há algo que o conhecimento humano tratou de produzir, desde a Era Socrática, quando nasce o modelo de pensamento ocidental, até os dias atuais,foram os métodos. Método dedutivo, indutivo, progressivo-regressivo, dialético,  fenomenológico, enfim, um diversificadocardápio de que pode se servir o pesquisador e o produtor do conhecimento. Também foram muitos os pensadores e filósofos que se dedicaram à criação e estudo de tais metodologias. Dentre vários, Émile Durkheim merece destaque em face de seu método sociológico com ênfase no que chamou de fato social. Neste ponto um questionamento se faz inevitável: qual a aplicação de um método escrito por um pensador do século passado, mais precisamente em 1895, em uma época de pós-modernidade como a de hoje?

Com o presente artigo tem-se por objetivo demonstrar a aplicação do método sociológico de Durkheim no Direito Brasileiro, notadamente em face da análise do fato social patológico, em sua relação com fenômenos jurídicos bastante atuais, como  a mutação constitucional e a aplicação do princípio da adequação social, bem como a quebra do paradigma da supremacia do interesse público no Direito Administrativo. É o que se passa a analisar doravante. Contudo, uma breve explanação acerca do método de Émile Durkheim se faz imperiosa.


2  O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE DURKHEIM

2.1 Breves anotações sobre a vida e a obra de Émile Durkheim

De descendência judia, Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858, em Épinal, na Alsácia. Formado em Filosofia no ano de 1882 , iniciou seus estudos em Paris, na Escola Normal Superior (École Normale Supérieure), entretanto, toda sua vida intelectual foi dedicada à sociologia.Trabalhou como professor de pedagogia e  ciência social na Universidade de Burdeos. Foi quando se interessou pelo estudo da sociologia.

Durkheim, a despeito de ter sido criado no seio de uma família muito religiosa, filho de um rabino, não defendia,pelo contrário, até mesmo contestava a educação religiosa, defendendo a cientificidade para desenvolvimento do conhecimento humano.

Como obras principais, podem ser citadas: A Divisão do Trabalho Social (1893), As Regras do Método Sociológico (1895) e O Suicídio (1897), dentre outras. Em sua obra As Regras do Método Sociológico, Émile Durkheim tratou do fato social e regras para observação e estudo dos mesmos, o que será visto adiante.

2.2 O Fato Social

Para o filósofo, ao nascer, o ser humano encontra um mundo com regras e padrões de conduta já estabelecidos, ou seja, um mundo posto. A esse mundo posto, o Homem se filia, uma vez que as regras e padrões pré-estabelecidos exercem uma certa coerção sobre os indivíduos. Segundo Durkheim[1], “[...] é hoje incontestável que a maior parte  das nossas idéias e tendências não são elaboradas por nós, mas antes nos vêm do exterior, elas só podem penetrar em nós  impondo-se [...]”.

Dessa forma, uma pressão social molda o comportamento das pessoas em determinado grupo social. Em um clube recreativo, os associados se comportam de acordo com as prescrições do estatuto social da entidade; na igreja, da mesma forma, haja vista os dogmas religiosos. E não poderia ser diferente na sociedade de forma lata, quando o padrão normal e moral de conduta é prescrito pelas normas, sejam morais, sejam dispositivas, notadamente a Lei. Com amparo no pensamento de  Durkheim, tais exemplos são ilustrativos de fatos/fenômenos coercitivos e presentes onde existam organizações definidas (instituições, igreja, Estado, etc).

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Entretanto, existem também outros fatos ou fenômenos que exercem uma pressão sobre o comportamento das pessoas, mesmo inexistindo uma organização estruturada e institucionalizada. Seria o exemplo, para citar algo comum nos dias atuais, das  demonstrações de euforia e entusiasmo das torcidas de futebol. Em tais situações, o torcedor, como indivíduo, se deixa levar pela força do grupo, vibra, grita, pula, profere palavras de baixo calão contra árbitros e jogadores, tudo da mesma forma que os demais na multidão o fazem. A pressão do grupo se faz sentir no momento em que um torcedor qualquer resolve ir contra o grupo, manifestando simpatia ao time adversário, por exemplo. Nesse caso, uma verdadeira tragédia pode vir a acontecer. Para Émile Durkheim[2], tal seria um exemplo de corrente social.

Dessa forma, fruto de uma construção humana, o fato social foi conceituado pelo filósofo como “[...] toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma  coerção  exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais”.[3]

Neste ponto, interessante se faz uma análise pormenorizada do conceito apresentado por Durkheim em pleno século XIX.

2.3 Estudo Analítico do Conceito de Fato Social

De maneira similar ao método de dissecação utilizado pelos acadêmicos de medicina em suas aulas de anatomia humana, pode-se realizar um estudo analítico, dissecando o conceito de fato social apresentado anteriormente.

Inicialmente, tem-se que o fato social  é toda maneira de fazer, ou seja, engloba todos os modos de agir, o comportamento dos membros de um determinado grupo social. Imagine-se, a título de exemplos, o ato de se curvar diante de um rei ou rainha, nos Estados Monárquicos, ou o costume do cumprimento com beijos no rosto entre os homens muçulmanos. Em tais casos, se está diante de modos de fazer ou agir entre os membros daquelas sociedades.

O conceito apresentado  traz ainda que tal maneira de fazer é fixada ou não, dito de outra forma, os padrões de conduta podem ser escritos (fixados) ou não escritos (não fixados), o que remete à distinção entre normas positivadas e normas morais, sendo ambas pré-existentes e orientadoras do modo de agir das pessoas. A bondade, o respeito aos pais, a honestidade, são sobretudo normas morais, enquanto a proibição da conduta de matar alguém ou apropriar-se de um bem alheio são normas escritas.

Na continuaçãoda análise conceitual, depara-se com o aspecto coerção exterior, em outras palavras, as normas de conduta, escritas ou não, exercem uma pressão exterior sobre as pessoas. Cabe destacar que no caso de coerção interna, se está diante de um fenômeno ligado à psicologia, não mais à sociologia ou ao fato social. O medo, o arrependimento, a tristeza, todos são sentimentos internos, portanto, fora do escopo de estudo do fato social. Exemplos de coerção externa às pessoas seriam a sanção penal ou civil, no caso das normas escritas, bem como do isolamento social, no caso específico de normas não escritas de boa convivência social.

A generalidade no âmbito de um determinado grupo social é outro aspecto intrínseco ao fato social. Com isso se quer dizer que as normas de conduta atingem todos os membros de um determinado grupo de forma generalizada. Com empréstimo do exemplo  já mencionado, em um clube recreativo as normas estatutárias regulam o comportamento de todos os associados. Da mesma forma, as regras de trânsito são aplicadas a todos os condutores de veículos automotores, e não somente aos de automóveis, com exclusão dos de motocicletas.

Outro ponto do conceito a ser considerado diz respeito à existência do fato social no âmbito de uma dada sociedade.  Como já dito, o beijo no rosto entre os muçulmanos do sexo masculino, bem como o ato de curvar-se diante de um monarca, são normas de conduta no seio de cada grupo social específico, respectivamente a sociedade muçulmana e as sociedades monárquicas.

Por fim, o fato social possui uma existência própria, independente das suas manifestações individuais. Não importa a consciência individual, as normas de conduta existem de forma externa e independente da vontade e maneira de pensar de cada um. Para ilustrar com fato bastante atual: não importando o que cada pessoa pensa sobre a união homoafetiva, recente decisão do Supremo Tribunal Federal representou um fato social de aplicação a todos os membros da sociedade brasileira, qual seja, o reconhecimento jurídico da existência da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Dissecado e brevemente analisado o conceito de fato social, pode-se concluir que não se consideram fatos sociais aqueles, como já dito,  ligados ao ramo da psicologia, tais como os sentimentos (amor, ódio, arrependimento, etc), uma vez que são interiores aos indivíduos, bem como aqueles fenômenos ligados à biologia, tais como os fenômenos fisiológicos (comer, beber, dormir, etc).

Visto o conceito de fato social, resta entender como se processaria o estudo de tal fenômeno na visão de Durkheim. Para tal, o filósofo propôs uma série de regras, cujo conjunto formou o Método Sociológico e que passam a ser brevemente descritas.

2.4 As Regras do Método Sociológico

Para fins de estudo do fato social, Durkheim propôs uma série de regras destinadas à sua observação, à distinção entre o normal e o patológico, o que particularmente interessa neste ensaio,  à constituição dos tipos sociais, à sua explicação e ao estabelecimento de provas.

2.4.1 Regras relativas à observação dos fatos sociais

A regra fundamental no que concerne à observação dos fatos sociais é a de “considerar  os fatos sociais como coisas”[4], ou seja, o fenômeno social deve ser analisado por um investigador isento de prenoções, valores pessoais ou considerações filosóficas. Imagine-se o estudo da legislação que autorizou a adoção do sistema de cotas nasUniversidades Públicas. Uma análise isenta, como coisa, se restringe ao estudo das normas escritas acerca do assunto, não interessando aspectos filosóficos, ligados à justiça ou injustiça no tocante ao assunto.

Como corolários dessa regra fundamental, algumas subregras devem ser atendidas: afastar as prenoções; tomar como  objeto de investigação fenômenos com características comuns e pré-definidas e, por fim, considerar os fatos sociais  afastando o subjetivismo.[5]

Quando se fala em afastamento de prenoções, se está a dizer que o investigador deve examinar o fato social com isenção de ânimo  e despido de preconceitos. Na visão de Durkheim, por exemplo, o estudo do fato social que diz respeito à autorização ou não,pelo JudiciárioBrasileiro,do aborto do feto anencefálico deve se basear em aspectos objetivos, palpáveis no mundo dos fatos, como os aspectos científicos e médicos, não se devendo levar em consideração a filosofia e a religião.

No tocante ao estabelecimento de objetos de investigação com características comuns e pré-definidas, o pesquisador deve ter em mente o isolamento de seu objeto de estudo em face de semelhanças, devendodesconsiderar os fatos sociais com características  diferentes das do objeto estudado. Ilustrativamente, uma investigação acerca do fato social casamento deve limitar o objeto de estudo aos fenômenos sociais com características comuns. Assim, o estudo em questão não pode abordar o casamento existente no Brasil e o casamento na Arábia Saudita. No entanto, em cumprimento à dita subregra, o casamento brasileiro pode ser estudado juntamente com o modelo de casamento norte-americano.

Uma investigação acerca do fato social afastada do subjetivismo tem estreita relação com a primeira subregra, qual seja o desvencilhamento das prenoções. Em outras palavras, os aspectos de foro íntimo, subjetivo, do pesquisador não devem ser considerados na observação dos fatos sociais. Um análise acerca da legislação brasileira que trata do aborto por um observador que se deixe influenciar por sua formação espiritualista iria comprometer sobremaneira o estudo do objeto em questão.

Segundo Durkheim, ao seguir tais regras, o fato social estaria disponível como uma coisa a ser estudada pelo investigador. Entretanto restaria perquirir acerca da natureza do fenômeno social separado para estudo, se normal ou anormal (patológico).

2.4.2 Regras relativas à distinção entre o normal e o patológico

“Quando conduzida pelas regras precedentes, a observação, confunde duas ordens de fatos bastante distintas sob alguns aspectos: aqueles que são tudo o que devem ser e aqueles que deveriam ser diferentes daquilo que são, os fenômenos normais e os fenômenos patológicos”[6]. Durkheim referiu-se, dessa forma, à existência dos dois tipos de fatos sociais, haja vista sua normalidade.

O filósofo diz ainda que não se pode distinguir o normal do patológico em razão da existência de sofrimento, dor ou doença. Cita exemplos como o da dor e do sofrimento do parto, da fome, entretanto, sem uma dimensão patológica, mas simples  eventos naturais e fisiológicos. No caso da doença, ilustra com a vacina  contra a varíola. A inoculação da doença, ou seja, o vírus atenuado da varíola, nada mais seria do que um ato destinado à preservação da saúde, da normalidade em termos de higidez física.[7]

Para o filósofo, a normalidade teria estreita ligação com a generalidade, sendo um fenômeno que seria encontrado em todas as sociedades ao longo dos tempos ou em sociedades semelhantes. O crime seria um fenômeno encontrado em todas as sociedades ao longo dos tempos, sendo a inexistência do crime um fenômeno considerado anormal.[8]

Entretanto, a normalidade e a patologia deveriam ser analisadas em cada momento da história. A grande regra para identificação do fato anormal foi assim descrita por Durkheim:

[...] depois de ter estabelecido pela observação que o fato é geral, irá até às condições que no passado determinaram esta generalidade e indagará em seguida se estas condições ainda existem no presente ou se, pelo contrário, se modificaram. No primeiro caso, terá o direito de considerar o fenômeno como normal e, no segundo, de recusar-lhe este caráter.[9]

Imagine-se o índice de incidência da poliomielite no Brasil antes da descoberta da vacina pelo cientista Albert Sabin. Àquela época, um alto índice seria considerado normal, entretanto, hoje, com a doença já erradicada no país, um índice diferente de zero pode ser considerado um fato patológico.

Conhecida a divisão dos fatos sociais em normais e patológicos, mister que se  identifiquea que espécie social pertence determinado fato social objeto de um estudo, dito de outro modo, restaidentificar a constituição dos diversos tipos sociais.

2.4.3 Regras relativas à constituição dos tipos sociais

A identificação e classificação dos tipos sociais, em função de sua constituição, seria uma atribuição da área da sociologia denominada por Durkheim de  “Morfologia Social”[10].

A regra básica para fins de classificação dos tipos sociais foi assim enunciada:

[...] começar-se-á por classificar as sociedades segundo o grau de composição que apresentam, tomando como base a sociedade perfeitamente simples ou de segmento único; no interiordestas classes distinguir-se-ão variedades diferentes conforme se produz ou não uma coalescência completa dos segmentos iniciais.[11]

Tal sociedade de segmento único Durkheim chamou de horda, a qual poderia ser concebida “como uma realidade histórica ou como um postulado da ciência”[12]. Imagine-se um estudo social da cidade do Rio de Janeiro. Em tal caso a  horda, a nível de postulado  definido para efeito deste ensaio, seriao somatório de todos  os habitantes  da cidade considerados como  ocupantes do espaço territorial do município. Dentro de tal horda, considerando-se a separação entre ricos e pobres, ter-se-ia, por semelhança interna, grupos sociais distintos: tipo social Classe A (moradores dos condomínios da Barra) e tipo social Classe D (moradores  das favelas daquela cidade).  Em suma, dois tipos sociais constituídos e estudados de forma apartada.

Após a identificação e classificaçãodos tipos sociais conforme sua constituição, cumpre entender a razão da existência de determinado fato social, em outras palavras, encontrar uma explicação para os fenômenos sociais.

2.4.4 Regras relativas à explicação dos fatos sociais

A existência e ocorrência dos fenômenos sociais não podem ser explicadas por sua utilidade, afinal, existem fenômenos ou fatos sociais, independentemente de sua utilidade. Algo pode ter perdido sua utilidade , mas continuar existindo.[13]Tome-se como exemplo um discurso em homenagem a uma turma de formandos em um curso  superior qualquer. O discurso tem uma enorme utilidade no momento da solenidade de colação de grau, quando é lido diante de formandos, professores e convidados, entretanto, terminada a cerimônia, sua utilidade como homenagem inédita deixa de existir. Contudo, o discurso escrito ainda existe, seja em uma folha de papel ou em mídia eletrônica, a despeito de não mais ser útil para aquela solenidade específica e que já ocorreu.

Das regras propostas por Durkheim para explicar os fatos sociais, duas se destacam. A uma, deve-se investigar de forma separada a causa eficiente produtora do fato social  e a função por ele desempenhada.[14] A duas, deve-se procurar a origem de um fenômeno social na constituição do meio social interno, composto por coisas e pessoas.[15]

No tocante à primeira regra, há que se estabelecer uma distinção entre causa eficiente e função do fato social. A causa eficiente diz respeito aos motivos que desencadearam  ocorrência do fato social, já a função tem uma relação com a causa eficiente  e demonstra a utilidade do fato social em relação à sua  força geradora. Durkheim exemplifica com a pena, que tem como causa eficiente a reação social ao ato ilegal praticado (crime) e que possui função  repressiva, no sentido de evitar novas infrações.[16]

Analisando a segunda regra, tem-se que, para Durkheim, o meio social interno é composto por coisas e pessoas, sendo que a força motriz geradora dos fatos sociais é o  elemento humano. Imagine-secomo meio social interno o Poder Legislativo. Aí, o elemento não humano são as leis, já o elemento humano se constitui das pessoas que compõem o Congresso Nacional, no caso do Brasil. Logo, a origem do fato social legislação brasileira tem sua origem no elemento humano referido.

Após a explicação dos fatos sociais, Durkheim propõe uma última regra no que toca ao aspecto relativo ao estabelecimento das provas dos referidos fatos.

2.4.5 Regras relativas ao estabelecimento das provas

Para Durkheim, “[...] a vida social é uma sucessão ininterrupta de transformações, paralelas a outras transformações nas condições da existência coletiva [...]”[17]. Logo, há tantos fatos sociais distintos quantos forem as diferenças entre as causas e efeitos. Quando a um mesmo efeito corresponder uma mesma causa, ter-se-á um fato social único, pronto para estudo.

Tome-se, por exemplos, a Educação para o Trânsito e a Educação Formal Superior. A causa da primeira é a circulação de veículos e seu efeito a diminuição dos acidentes. Já no caso da segunda, a causa é a necessidade de desenvolvimento profissional e o efeito a melhoria da qualidade dos serviços e produtos oferecidos em uma dada sociedade. Está-se diante de dois fatos sociais distintos.  Por outro lado, imagine-se a pena (sanção penal). Seja qual for o tipo de pena (reclusão, detenção, prisão simples, multa, dentre outras) acausa é sempre a mesma, qual seja a reação social a um ilícito cometido, bem como também é único o efeito, a prevenção de novas infrações.

Resumidamente, foram essas a regras do método sociológico propostas por Émile Durkheim para estudo do fato social. Mas como o pensamento exposto pode ter alguma aplicação no Direito Contemporâneo?

Sobre o autor
Caio Lucio Monteiro Sales

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito do Estado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências de Salvador

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Caio Lucio Monteiro. O fato social patológico no método de Émile Durkheim e sua relação com o fenômeno jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3300, 14 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22205. Acesso em: 5 nov. 2024.

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