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Art. 6º da Convenção 169 da OIT: análise de paradigma da Corte Constitucional da Colômbia

Agenda 31/07/2012 às 13:35

O julgado da Corte Constitucional da Colômbia em análise orienta a aplicação do direito dos povos indígenas à participação efetiva no processo de elaboração de lei ou de ato administrativo capaz de afetá-los diretamente, direito esse consagrado no art. 6º da Convenção 169 da OIT.

Em 23 de janeiro de 2008, a Corte Constitucional da Colômbia proferiu emblemático julgamento ao apreciar a Demanda de Inconstitucionalidade da Lei nº 1.021 de 2006, instituidora da Lei Geral Florestal da Colômbia - Sentença C-030 de 20082 -, conferindo aplicação efetiva e eficaz ao comando do art. 6º da Convenção 169 da OIT3.

A ação pública de inconstitucionalidade foi proposta por cidadãos colombianos, que sustentaram que a Convenção 169 da OIT integra o sistema constitucional colombiano e protege os índios e os afrodescendentes, pelo que imprescindível a prévia consulta às comunidades indígenas e afrodescendentes para validade da Lei Geral Florestal então recém editada, o que não foi observado.

Os autores argumentaram, em síntese, que a falta de prévia e efetiva consulta a comunidades indígenas e afrodescendentes exploradoras de recursos naturais no trâmite do processo de elaboração da lei importou violação ao disposto no art. 6º da Convenção 169 da OIT e aos arts. 1, 2, 3, 7, 9, 13, 93 e 330, todos da Constituição da Colômbia.

Observaram a existência de julgados da Corte onde foi estabelecida a plena integração da Convenção 169 da OIT ao sistema constitucional colombiano, reconhecendo o caráter fundamental da consulta prévia, de obrigatório cumprimento para manutenção da coesão nacional das comunidades indígenas e afrodescendentes (SU-383/2003 e T-382/2006).

Durante a instrução ocorreram intervenções de órgãos do Poder Executivo da Colômbia, de Comissão de Juristas e de Universidades. Também tiveram oportunidade de intervir comunidades e associações representativas de comunidades e de diversos segmentos da sociedade interessados no resultado da demanda, órgãos não governamentais e do Estado.

O Procurador Geral da Nação posicionou-se pelo acolhimento do pleito, pela falta de observância do Estado colombiano ao dever constitucional de consultar os povos indígenas e tribais antes da iniciação do trâmite legislativo do projeto que resultou na lei florestal questionada, e diante do consagrado no julgado proferido na Sentença C-891 de 2002.

O julgado proferido pela Corte Constitucional da Colômbia na Sentença nº C-030 de 2008 em análise revela-se como importante paradigma para orientação acerca da eficaz aplicação do direito dos povos indígenas à participação efetiva no processo de elaboração de lei ou de ato administrativo capaz de afetá-los diretamente, direito esse consagrado no art. 6º da Convenção 169 da OIT.

Como o emblemático julgamento proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso “Mayagna Awas Tingni”4, o julgado da Corte Constitucional da Colômbia emerge como marco na aplicação do art. 6º da Convenção 169 da OIT, que vem recebendo tratamento com graus de intensidade de eficácia diversificados pelas Administrações e pelos órgãos do Poder Judiciário dos países que ratificaram o mencionado instrumento normativo internacional.

Com efeito, em estudo disponível no sítio eletrônico do Instituto Socioambiental5, onde há expressa menção ao julgado em exame e são disponibilizadas importantes informações sobre o tema como consulta prévia e políticas públicas, medidas legislativas e administrativas, colhem-se as precisas informações a seguir reproduzidas:

“(...) vários países na América do Sul têm tentado definir o conteúdo e alcance concreto da consulta sobre medidas legislativas e administrativas, que afetam diretamente os povos indígenas e tribais. Alguns casos, aparentemente, têm tido mais sucesso que outros, mas todos se deparam com grandes dificuldades em sua definição e implementação.

A regulamentação do tema enfrenta vários desafios que vão desde o tipo de instrumento legal a ser adotado (decreto ou lei, e entre elas se ordinária ou qualificada), até os procedimentos de consulta para sua própria criação, os quais obviamente não têm como estar regulamentados nesse primeiro momento.

A edição do marco jurídico que internamente definirá o alcance e procedimento da aplicação do direito de consulta prévia é, claramente, o primeiro e mais importante arranjo político entre os povos e o Estado em relação ao tema.

Neste item, apresentamos uma breve introdução do conteúdo das principais leis vigentes, das leis revogadas pelo Judiciário e das que estão em processo de criação, que constituem o debate atual sobre a definição do marco regulatório deste direito na América do Sul.

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Colômbia, Equador, Venezuela, Bolívia e Peru vêm tentando regulamentar a aplicação do direito de consulta prévia principalmente no que se refere à exploração de recursos naturais em terras indígenas. No entanto, com exceção da Colômbia, nenhum país têm tentado criar uma regulamentação integral sobre consulta relativa a medidas administrativas e legislativas que afetam os povos interessados.

A maioria das regulamentações pertinentes ao assunto somente faz referência às medidas administrativas decorrentes de processos de licenciamento ambiental para exploração de recursos naturais nas terras dos povos interessados.

Atualmente só na Bolívia, na Venezuela e no Peru as regulamentações estão plenamente em vigor, enquanto que na Colômbia e no Equador, apesar de formalmente em vigor, as regulamentações sobre consulta prévia são inaplicáveis, por conta dos questionamentos que os povos indígenas e tribais fazem, evitando que os governos possam aplicá-las.

No caso da Colômbia, o movimento indígena não obteve a declaratória de nulidade do decreto em questão perante o Tribunal Contencioso Administrativo, mas conseguiu que a Corte Constitucional, em repetidas oportunidades, o declarasse contrário à Constituição Política de 1991.

Já no Equador, o decreto continua em vigor e o movimento indígena se nega a participar de qualquer processo de consulta, por considerar ilegítima a regulamentação criada em 2002, sem que as comunidades indígenas fossem consultadas. É diante de tal impasse que atualmente os povos indígenas do Equador questionam o decreto perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A totalidade das experiências mencionadas discute os processos de consulta prévia relativos a medidas administrativas decorrentes da exploração de recursos naturais que afetam povos indígenas e tribais, especialmente com relação à exploração de hidrocarbonetos na Colômbia, Bolívia, Venezuela e Equador.

No Peru, a regulamentação trata parcialmente da consulta prévia em processos de licitação ambiental, políticas públicas sobre Educação e sobreposição de áreas protegidas com territórios indígenas, mas não existe um corpo jurídico para regular integralmente a matéria.

Na Colômbia, a Corte Constitucional declarou a inconstitucionalidade do Código Florestal em janeiro de 2008, por falta de consulta prévia dentro do processo legislativo no Congresso Nacional, o que estimulou ao governo a promover rapidamente o debate com o movimento indígena e de afro-colombianos.

Independentemente das decisões legislativas ou administrativas a serem consultadas, a regulamentação sobre o processo de consulta prévia implica tomar decisões políticas sobre vários elementos que definirão o conteúdo e o alcance concreto deste direito em cada país.”

Prosseguindo, cumpre registrar que do voto condutor do julgado proferido pela Corte Constitucional colombiana extrai-se relevante informação acerca da predominância na Corte do entendimento acerca da aplicabilidade da Convenção 169 - OIT como parte integrante de todo o sistema constitucional colombiano e aplicabilidade de seus comandos, por conseguinte, às comunidades indígenas e afrodescendentes.

O julgado proferido na Sentença C-030 Colômbia possui a marca de assentar que a omissão ao dever de realização de prévia consulta às comunidades minoritárias afetadas pela lei ou ato administrativo vicia materialmente a lei, independentemente do alcance de suas disposições. Tal vício formal acaba por comprometer o conteúdo da matéria regulada, que carece da legitimidade derivada da necessária prévia consulta às comunidades.

Importa destacar que no julgado em tela foi reafirmado entendimento no sentido de que a Convenção 169 da OIT foi adotada para o alcance de aproximação da situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo, e em sintonia com a orientação relacionada à necessidade de eliminação da cultura assimilacionista, com prestígio e imposição de eficácia ao princípio segundo o qual as estruturas e formas de vida dos povos indígenas e tribais são permanentes e perduráveis, sendo do interesse da comunidade internacional a salvaguarda do valor intrínseco dessas culturas.

No julgado em enfoque foi sedimentada, ademais, a orientação da Corte Constitucional da Colômbia na direção de o dever de consulta às minorias étnicas previsto no art. 6º da Convenção 169 OIT cuidar-se de expressão de um direito fundamental de participação, vinculado ao direito fundamental à integridade cultural, social e econômica, e desse modo a omissão à consulta em casos que a mesma se apresente imperativa à luz da Convenção tem consequências imediatas no sistema legal interno; o vício procedimental se projeta ao conteúdo material normatizado.

No precedente em comento restou assinalado, outrossim, que a Lei Geral Florestal questionada foi concebida como instituidora de um regime integral, motivo pelo qual não cabe excluir do seu âmbito a regulação dos bosques naturais, e tampouco o impacto que ele acarreta às comunidades tribais. A Corte observou o caráter específico da afetação que a lei impugnada, dado seu caráter geral, pode ter sobre as comunidades indígenas e tribais, em dimensão muito particular, qual seja a relação que as minorias étnicas em enfoque mantém com os bosques.

O julgado em análise possui a peculiaridade de interpretar e aplicar de forma extensa e profunda a regra do art. 6º da Convenção 169 - OIT, cuja observância muitas vezes é relegada a segundo plano, não raro sob o frágil argumento de necessidade de assegurar o direito ao desenvolvimento, também contemplado em instrumento normativo internacional.

Tal fundamento, no entanto, se mostra inconsistente e não pode prosperar, em vista de prevalecer na atualidade o entendimento socioambientalista que, em suma, consiste na garantia do direito ao desenvolvimento com respeito ao meio ambiente e às minorias. Ao tratar do advento do socioambientalismo, na obra “Socioambientalismo e novos direitos proteção jurídica à diversidade biológica e cultural”6, Juliana Santili faz referência às seguintes ponderações de Manuela Carneiro da Cunha e Mauro de Almeida:

“Até os anos oitenta, pobreza, exploração demográfica e degradação de recursos naturais eram vistos como parte de uma mesma síndrome típica de países atrasados. Atribuía-se à pobreza, nesse conjunto, um papel causal especial: a superpopulação gerava erosão da terra e a degradação da água, num efeito malthusiano em escala global. A prática corrente consistia então em ignorar qualquer papel ativo ou positivo das populações pobres, quer nas políticas de conservação, quer nas políticas de desenvolvimento. Um novo paradigma ganhou corpo nos anos oitenta. Esse paradigma associava ‘povos tradicionais e indígenas’, ‘ambiente e recursos naturais’ e ‘desenvolvimento’, agora de uma maneira positiva. Em vez de ‘pobres’ genéricos, os povos tradicionais e indígenas passaram a surgir no discurso público como partes legitimamente interessadas nas políticas de desenvolvimento e de conservação; como atores coletivos e individuais dotados de conhecimentos importantes sobre o ambiente natural e sobre os meios de utilizá-lo, bem como detentores de instituições que em muitos casos haviam funcionado bem no passado. Esse paradigma ganhou rápida aceitação em organismos internacionais como as Nações Unidas, bancos multilaterais e organizações não-governamentais de conservação, e após a conferência da Rio-92 tornou-se parte integrante de programas como o Plano Piloto para a Conservação das florestas Tropicais”.

Sobre o direito à participação, em específico acerca da consulta prévia às comunidades indígenas e tribais preconizada pelo art. 6º da Convenção 169 da OIT no sistema legal brasileiro, merece análise estudo de Luiz Fernando Villares7. Na jurisprudência das Cortes Federais do Brasil não há registro de enfrentamento do tema, talvez pelo pouco tempo de vigência da Convenção 169 - OIT no País, que somente a ratificou em julho de 2002, ou pela prevalência da ultrapassada visão etnocêntrica imposta pelo colonizador europeu somada às atuais práticas da economia e do mercado.

Em remate, ressalto a necessidade de reflexão à advertência de Fernando Antonio de Carvalhos Dantas8 no sentido de que:

“A grande dificuldade dos sistemas jurídicos modernos em aceitar, reconhecer e abrir espaços públicos institucionalizados de participação, para as diferenças étnicas e culturais dos povos indígenas e as formas diferenciadas de organização social que lhes são inerentes reside na forma acabada, presumivelmente verdadeira e única de ver e interpretar o mundo desde um só ponto de vista, desde o olhar da cultura moderna ocidental.

A coexistência, a convivência com uma pluralidade de valores, de formas de vida e de expressões historicamente tratadas com o preconceito etnocentrista, em razão da arraigada racionalidade moderna, impõe determinadas conseqüências conflituosas para as quais a modernidade ocidental não apresenta respostas satisfatórias.”

O julgado proferido pela Corte Constitucional da Colômbia por certo desponta como paradigma a ser observado quanto a aplicação do art. 6º da Convenção 169 - OIT nos planos judicial e legislativo, de extrema relevância neste momento em que o parlamento nacional analisa projeto de lei para edição de novo Código Florestal, cujos preceitos poderão afetar de forma negativa às comunidades indígenas brasileiras, em prejuízo a suas formas de vida e culturas próprias.


Notas

1Excerto de estudo apresentado pelo autor ao PNUMA-ONU – disponível em http://www.pnuma.org/gobernanza/JurisprudenciaAmbientalnaAmericaLatinaRecop.pdf (Jurisprudência Ambiental na América Latina: recopilação e análise de casos relevantes. Série Documentos sobre direito ambiental, nº 16 ) – visitado aos 22.09.2011.

2Disponível em http://www.trt4.jus.br/RevistaEletronicaPortlet/servlet/download/92edicao.pdf - visitado em 22.09.2011.

3Convenção 169 - OIT, “1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.”

4Precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos disponível em: http://cejil.org/sites/default/files/decisiones/mayagnaawastingni_corte_excprel_2000feb01.pdf (visitado em 22.09.2011), onde o Estado da Nicarágua foi condenado a obrigações de fazer e a sanções pecuniárias por não ter adotado medidas efetivas que assegurassem os direitos de propriedade de comunidade indígena às suas terras ancestrais e recursos naturais, e por ter outorgado uma concessão de terras indígenas sem prévio consentimento da comunidade e, ainda, por não ter ocorrido empenho efetivo em responder às queixas da comunidade sobre seus direitos de propriedade.

5http://www.socioambiental.org/inst/esp/consulta_previa/?q=o-que-e/experiencia-america-do-sul (visitado em 22.09.2011).

6SANTILI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil e ISA - Instituto Socioambiental. São Paulo: 2005, Editora Fundação Peirópolis Ltda., p. 36.

7VILLARES, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009, p. 89-94.

8DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. As sociedades indígenas no Brasil e seus sistemas simbólicos de representação: os direitos de ser – Socioambientalismo uma realidade homenagem a Carlos Frederico Marés de Souza Filho. Curitiba: Juruá, 2007, p. 80

Sobre o autor
Roberto Lemos dos Santos Filho

Juiz federal em Bauru (SP). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS FILHO, Roberto Lemos. Art. 6º da Convenção 169 da OIT: análise de paradigma da Corte Constitucional da Colômbia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3317, 31 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22327. Acesso em: 22 dez. 2024.

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