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Usucapião administrativa: reflexos no registro de imóveis

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Agenda 09/10/2012 às 09:52

3. da usucapião administrativa e seus reflexos no registro de imóveis

A função social da propriedade, no que concerne aos habitantes de assentamentos urbanos consolidados que não foram constituídos de maneira regular em observância à Lei 6.766/1979, obteve mais um impulso com a promulgação da Lei 11.977/2009, a qual trata, em seu capítulo III da “Regularização Fundiária de Assentamentos Urbanos”, definida no art. 46 como “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes” tudo visando garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

3.1 Do Procedimento da Usucapião Administrativa

Em rápida síntese, podemos vislumbrar as seguintes etapas administrativas para que haja a efetiva trasladação da titularidade sobre o bem imóvel objeto de usucapião administrativa:

a) Averbação do Auto de Demarcação Urbanística;

b) Elaboração do Projeto de Regularização Fundiária;

c) Registro do Parcelamento decorrente do Projeto de Regularização Fundiária;

d) Registro da Legitimação de Posse;

e) Registro da conversão da legitimação de posse em propriedade; ou

f)Averbação do cancelamento da Legitimação de Posse.

Na sequencia, serão analisadas cada uma destas etapas, com enfoque na atuação do registrador imobiliário.

3.1.1 Da Averbação do Auto de Demarcação Urbanística

A demarcação urbanística é conceituada no art. 47, III, da Lei 11.977 como “procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes”. Isto é feito com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses.

Na prática, o auto de demarcação urbanística deverá ser instruído com planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, de maneira que seja possível sua completa especialização objetiva e subjetiva, planta de sobreposição do imóvel demarcado com as áreas já matriculadas e certidão da matrícula ou transcrição da área.[32]

Antes mesmo do protocolo do auto no serviço imobiliário, o Poder Público deverá notificar os órgãos da administração patrimonial dos demais entes federados para que manifestem em 30 dias sua anuência ou oposição ao procedimento, caso a área demarcada abranja bem público. Manifestar-se-ão, ainda, sobre os limites definidos no auto, na hipótese de área confrontante com imóvel público e sobre eventual titularidade pública da área caso o registrador não tenha condições de certificar a identidade subjetiva da área em razão da imprecisão dos registros existentes.[33]

“§ 2o  O poder público deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados, previamente ao encaminhamento do auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, para que se manifestem no prazo de 30 (trinta) dias quanto:   (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)

I - à anuência ou oposição ao procedimento, na hipótese de a área a ser demarcada abranger imóvel público;    (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

II - aaos limites definidos no auto de demarcação urbanística, na hipótese de a área a ser demarcada confrontar com imóvel público; e  (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

III - à eventual titularidade pública da área, na hipótese de inexistência de registro anterior ou de impossibilidade de identificação dos proprietários em razão de imprecisão dos registros existentes.  (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”[34]

A partir da apresentação para averbação do auto de demarcação urbanística, um procedimento complexo, composto por diversas fases em que há participação ativa do Oficial Registrador visa culminar no registro da legitimação de posse, que constituirá direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia[35].

Adaptando-se à nova sistemática, a Lei 6.015/1973, conhecida como Lei de Registros Públicos, passou a dispor, em seu artigo 167, que no Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: “II - a averbação: [...] 26.  do auto de demarcação urbanística”.[36]

Quando o auto de demarcação urbanística for protocolado no Registro de Imóveis, o Oficial Registrador deverá proceder às buscas para identificação do proprietário da área a ser regularizada e das matrículas ou transcrições que correspondam à área[37].

Na sequencia, o Oficial deverá notificar o proprietário e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou ainda por solicitação feita ao Oficial de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, para impugnarem a averbação do auto no prazo de 15 dias[38].

Note-se que neste momento o eventual proprietário que está em vias de ser destituído dos poderes inerentes ao domínio tem a oportunidade de se opor ao procedimento, tal qual ocorreria em um processo de usucapião judicial.

O Poder Público (e não mais o Oficial do Registro de Imóveis[39]) deverá notificar, por edital, os eventuais interessados, e também os proprietários e confrontantes que não forem localizados pelo Registrador, para que no prazo de 15 dias apresentem, caso queiram, impugnação à averbação da demarcação urbanística.[40]

Assim, nota-se que o proprietário e os confrontantes serão inicialmente notificados pelo Oficial de Registro, no endereço fornecido pelo interessado, ou naquele constante do acervo imobiliário. Caso não sejam localizados, a notificação será por edital, a ser providenciado pelo Poder Público, que deverá conter um desenho simplificado da área e um resumo do auto de demarcação urbanística, com descrição que possibilite a identificação do imóvel.[41]

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Referido “edital será publicado no prazo máximo de 60 dias, uma vez pela imprensa oficial e uma vez em jornal de grande circulação local, e nele constará a intimação do prazo de 15 dias para impugnação à averbação”.[42]

Se o prazo de 15 dias transcorrer in albis, o Registrador providenciará a averbação do auto de demarcação urbanística na matrícula da área a ser regularizada.[43]

Por outro lado, se houver impugnação, o Oficial deve sobrestar a averbação e notificar o Poder Público para manifestação em 60 dias, prazo em que poderá propor alteração do auto ou adotar qualquer outra medida tendente a afastar a oposição do impugnante.[44]

A regularização fundiária pode ser cindida para que sua conclusão seja viável, ainda que em parte. Em função disso, se a impugnação for parcial, o procedimento seguirá em relação à parcela não impugnada.[45]

Nesta etapa a formação jurídica, a fé-pública e o bom senso do Registrador Imobiliário devem prevalecer, pois a Lei atribuiu ao Oficial a responsabilidade de intermediar interesses conflitantes e promover tentativa de acordo entre o impugnante e o poder público.[46]

Somente se não houver acordo, encerrar-se-á a demarcação urbanística em relação à área impugnada[47], sem prejuízo de seu andamento em relação à área remanescente.

3.1.2 Elaboração do Projeto de Regularização Fundiária;

Após a averbação do auto de demarcação urbanística, um dos efeitos registrais passa a surtir efeito na medida em que o ato será oponível erga omnes. Na prática, ninguém pode negar conhecimento do fato público de que aquela determinada área será inserida em projeto de regularização fundiária.

Efetuada averbação do auto, o próximo passo é o desenvolvimento do projeto de regularização fundiária, tal qual previsto no art. 51 da Lei 11.977/2009, e a submissão do parcelamento dele decorrente a registro.

 Nos termos do referido artigo 51, são elementos mínimos do projeto de regularização fundiária:

“I – as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações que serão relocadas; 

II – as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as outras áreas destinadas a uso público; 

III – as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei; 

IV - as condições para promover a segurança da população em situações de risco, considerado o disposto no parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979; e (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)

V – as medidas previstas para adequação da infraestrutura básica”. [48]

Na prática, a elaboração do projeto de regularização é providência a ser tomada pelo interessado da regularização que não tem ingresso diretamente no registro imobiliário.

3.1.3 Registro do Parcelamento decorrente do Projeto de Regularização Fundiária;

Elaborado o projeto de regularização, o parcelamento dele decorrente deverá ser apresentado ao Registrador Imobiliário.

A Seção IV do Capítulo III da Lei 11.977/2009 trata justamente do Registro da Regularização Fundiária.

Em se tratando de parcelamento resultante do projeto de regularização fundiária de interesse específico, o requerimento a ser apresentado ao Registrador deve observar, além dos requisitos do Capítulo específico da lei em comento, a legislação em vigor para o parcelamento do solo urbano, via de regra a Lei 6.766/1979.

Por outro lado, caso se trate de regularização fundiária de interesse social, o requerimento direcionado ao Oficial Registrador deverá ser acompanhado de certidão atualizada da matrícula do imóvel, projeto de regularização fundiária aprovado, instrumento de instituição e convenção de condomínio, se for o caso, e certidão atualizada dos atos constitutivos da entidade promovente da regularização caso se trate de um dos legitimados do inciso II do art. 50.

Note-se que, por expressa disposição legal[49], o registro do parcelamento decorrente de projeto de regularização fundiária de interesse social independe do atendimento aos requisitos constantes da Lei 6.766/1979. O mesmo não se pode afirmar em relação ao parcelamento decorrente de projeto de regularização fundiária de interesse específico.

Em qualquer caso, o registro do parcelamento importará na abertura de matrícula para toda a área objeto de regularização, se não houver e na abertura de matrícula para cada uma das parcelas resultantes do projeto de regularização fundiária.[50] É neste sentido o entendimento da melhor doutrina:

“Embora a Lei 11.977/2009 não seja clara, a nosso ver o procedimento a ser seguido é semelhante ao do loteamento. Registrado o parcelamento na matrícula do imóvel, serão abertas matrículas para cada lote. Nestas matrículas é que deverão ser registrados os títulos de legitimação de posse, obedecendo-se, assim, ao princípio da unitariedade da matrícula. A legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia”.[51]

A norma estabelece ainda, que as áreas destinadas a uso público deverão ser objeto de matrículas abertas de ofício, com averbação das respectivas destinações e eventuais restrições administrativas convencionais ou legais.[52]

Após o registro do parcelamento decorrente do Projeto de Regularização Fundiária, com a abertura de matrícula individualizada para cada um dos lotes decorrentes do parcelamento, a Lei determina que o Poder Público conceda título de legitimação de posse aos ocupantes cadastrados.

Trata-se de reconhecimento jurídico (titulação) de uma situação de fato (posse). É o Estado reconhecendo direitos que nascem da dinâmica social, buscando inserir na seara dos direitos reais a população menos favorecida economicamente.

3.1.4 Do Registro da Legitimação de Posse

Como vimos, após a superação de etapas prévias consistentes na averbação do auto de demarcação urbanística, a elaboração de um projeto de regularização fundiária e o registro do parcelamento dele decorrente, chegamos ao momento em que o Poder Público confere aos possuidores titulares do domínio útil um título de legitimação de posse.

Este título será concedido preferencialmente em nome da mulher e será registrado na matrícula do imóvel[53].

Como se trata de ato de registro stricto senso, e esta modalidade de inscrição no fólio real estaria reservada a atos constitutivos, translativos, ou de renúncia de direitos reais sobre imóveis, é defensável a tese de que a legitimação de posse seja mais um direito real. Esta tese não atentaria contra a conhecida tipicidade dos direitos reais, porquanto decorrente de texto expresso de lei. Apenas relativizar-se-ia a taxatividade para reconhecer que o ordenamento jurídico pode prever direitos reais em outros instrumentos normativos diversos do art. 1.225 do Código Civil.

Vale destacar que o Registro Imobiliário rege-se pelo princípio da tipicidade, segundo o qual apenas existiriam os direitos reais legalmente criados, ou tipificados. “A lei 6.015/73 deu relevância, no art. 172, a este princípio, ao conferir aos serventuários a função de receber registros e averbações atinentes a direitos reais sobre imóveis reconhecidos legalmente”.[54]

A Lei define legitimação de posse como “ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse”.[55]

O art. 167 da Lei de Registros Públicos passou a contar, a partir da alteração perpetrada pela Lei 12.424, de 2011 com um item de nº 41 no inciso I, passando a trazer previsão expressa da possibilidade de registro stricto senso da legitimação de posse. Da mesma forma, a LRP passou a contar com o item 27 no inciso II, prevendo a averbação da extinção da legitimação de posse, quando, por alguma razão, não sobrevier a conversão da legitimação de posse em propriedade.

Observa-se, pois, que a atividade do registrador imobiliário, vinculada à estrita legalidade, passa a ter novas atividades vinculadas a regularização fundiária de assentamentos urbanos. A doutrina especializada é majoritariamente defensora da tese de que os atos de registro stricto senso são numerus clausus, razão pela qual foi necessário inserir no rol do inciso I do art. 167 da LRP a previsão do registro da legitimação de posse.

Em outro norte, é importante notar que a averbação do auto de demarcação urbanística e o registro da legitimação de posse não implicam alteração de domínio dos bens imóveis sobre os quais incidirem. Tal alteração dominial só ocorrerá se no futuro houver a conversão da legitimação da posse em propriedade, conforme determinado no art. 60 da Lei do PMCMV[56].

Insta ressaltar que, nos termos da Lei, a legitimação de posse só será concedida a possuidores que não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel, urbano ou rural, e não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente.[57] Fica evidente, pois, a finalidade social da Lei.

3.1.5 Do Registro da Conversão da Legitimação de Posse em Propriedade

A Lei de Registros Públicos, passou a contar a partir da inclusão feita pela lei 12.424/2011, com mais uma hipótese de registro em sentido estrito: trata-se do registro da “da conversão da legitimação de posse em propriedade, prevista no art. 60 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009”.[58]

Consoante o art. 60 da Lei 11.977/2009, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, “poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal”[59]

Observe-se que o art. 60 que trata da conversão em propriedade faz referência expressa à usucapião constitucional urbana[60], que notoriamente não se aplica a imóveis públicos.

No entanto, como vimos, entre os imóveis passíveis de demarcação urbanística encontram-se os imóveis públicos[61], que poderiam ser objeto de legitimação de posse posteriormente convertida em propriedade.

Há quem diga que, “obviamente, o raciocínio articulado parece demonstrar ofensiva afronta da Lei 11.977/09 à vedação constitucional da usucapião de bens públicos”. [62]

Autores como Marcelo Mureb que não veem outra alternativa ao art. 60 a não ser ter reconhecida a sua inconstitucionalidade por afronta ao disposto no 183, § 3º da Constituição da República.

De uma forma ou de outra, como afirma Sérgio Jacomino, “a nova lei representa um auspicioso passo no sentido da desburocratização do setor urbanístico, podendo impulsionar, se convenientemente interpretada, o destravamento dos processos e procedimentos necessários para a regularização das cidades”.

Independente da controvérsia sobre a possibilidade de inserção dos bens públicos entre aqueles passíveis de usucapião administrativa, fato é que para requerer a conversão da legitimação de posse em propriedade, o possuidor adquirente deverá após 5 anos do registro do título de legitimação de posse, apresentar:

“I – certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel; 

II – declaração de que não possui outro imóvel urbano ou rural; 

III – declaração de que o imóvel é utilizado para sua moradia ou de sua família; e 

IV – declaração de que não teve reconhecido anteriormente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas.”[63]

Note-se que o requisito temporal de 5 anos pode ser dilatado quando a área a ser usucapida ultrapassar 250m². Neste caso, “o prazo para requerimento da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião”.[64]

Para requerer a conversão da legitimação de posse em propriedade, é importante destacar que não é necessário o ajuizamento de uma ação de usucapião para declaração judicial da propriedade.

“Bastará ao interessado protocolar o requerimento de conversão da posse em propriedade no Registro de imóveis”[65], instruído com os documentos acima arrolados para que a propriedade se perpetue em seu nome.

A medida é exclusivamente processada na esfera extrajudicial, contribuindo para a desjudicialização dos procedimentos, desafogando o Judiciário e valorizando o caráter jurídico da carreira de registros públicos.

3.1.6 Da Averbação do Cancelamento da Legitimação de Posse

Quando houver mal aproveitamento do imóvel objeto de legitimação de posse, representado pelo não exercício do poder de fato sobre o bem, o título de legitimação de posse será extinto pelo poder público emitente, nos termos do art. 60-A: “O título de legitimação de posse poderá ser extinto pelo poder público emitente quando constatado que o beneficiário não está na posse do imóvel e não houve registro de cessão de direitos.  (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”[66]

Neste caso, o Poder Público, na qualidade de interessado, irá solicitar ao Oficial de Registro de Imóveis a averbação à margem da matrícula do cancelamento da legitimação de posse, apresentado documento hábil nos termos do art. 250, III da Lei 6.015/1973.

De fato, o art. 167, inciso II, da Lei de Registros Públicos, trata dos atos passíveis de averbação, e no item 27 trata da “extinção da legitimação de posse”.

3.2 A Redução dos Emolumentos na Lei 11.977/2009 e a Vedação das Isenções Heterônomas

Além da Lei Federal 10.169/2000, não raro o Congresso Nacional, sob o pretexto de viabilizar o acesso aos serviços notariais e registrais de populações economicamente desfavorecidas ou para fomentar a circulação econômica estabelece isenções ou reduções nos emolumentos devidos aos tabeliães e registradores.

A Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida – Lei 11.977/2009 – é um exemplo típico desta situação.

A comunidade notarial e registral, através de suas associações e órgãos representativos, manifestou-se veementemente contra tais medidas do legislador federal.

Note-se, porém que apesar das sérias ressalvas da classe no que concerne às reduções significativas nos emolumentos devidos aos Tabeliães e Oficiais de Registro pelos atos inseridos no contexto do Programa Minha Casa Minha Vida, há de se considerar que o Programa está vinculado a uma ideia de assegurar o direito social fundamental à moradia.

No que concerne especificamente à regularização fundiária de interesse social, a Lei estabelece, em seu artigo 68, que “não serão cobrados custas e emolumentos para o registro do auto de demarcação urbanística[67], do título de legitimação e de sua conversão em propriedade e dos parcelamentos oriundos da regularização fundiária de interesse social”.

Os serviços notariais e de registro estão comprometidos com a inclusão social de cada brasileiro e com a ampliação do acesso à cidadania.

Todavia, o viés social do Programa não pode ignorar a matriz constitucional dos serviços notariais e de registro, atualmente exercidos por particulares mediante delegação de uma função pública nos termos do art. 236 da Constituição.

A remuneração destinada à subsistência destes agentes públicos, que na verdade são particulares em colaboração com o Estado, é decorrente de emolumentos, que, seguindo as diretrizes nacionais da Lei 10.167/2000, são fixados pelos Estados[68].

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento de que os emolumentos têm natureza tributária na modalidade de taxas. São, portanto, taxas estaduais e como tais, somente o Legislador Estadual teria legitimidade para renunciar à receita tributária, instituindo isenções.

Neste norte, e tendo em vista as noções importadas do direito tributário de vedação de isenções heterônomas, há base jurídica para se questionar a legitimidade de uma lei federal (Lei 11.977/2009) que crie isenções a tributos estaduais.

Sobre a autora
Gabriela Lucena Andreazza

Advogada, professora de Direito Notarial e Registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Usucapião administrativa: reflexos no registro de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22767. Acesso em: 22 dez. 2024.

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