3. A Normatização da situação dos embriões excedentários
“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (Art. 4º do Pacto de São José da Costa Rica).
3.1. Os embriões excedentários nos documentos internacionais
Em que pese a maioria dos instrumentos arrolados neste tópico não serem vinculativos, servem como orientação ao traçarem orientações deontológicas a respeito dos direitos humanos de forma geral.
No Brasil, as declarações internacionais não têm força vinculativa, mas de recomendação. No Direito Internacional essa é a prática para a maioria dos documentos que envolvem direitos humanos, conhecidos como soft law, ou seja, são normas indicativas e não obrigatórias.
Não se pode olvidar, contudo, que a CR/88 expressamente determinou que os direitos e garantias por ela arrolados não prejudicam outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja signatário[90].
Ademais, a Emenda Constitucional nº 45/04 acrescentou o §3º ao art. 5º, equiparando “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros” (BRASIL, 1988, p. 39) às emendas constitucionais.
A preocupação e discussão a respeito dos direitos humanos tomou um grande impulso com o final da Segunda Guerra Mundial.
No âmbito internacional, Declarações e Pactos sobre estes direitos foram firmados, bem como Organizações e Cortes criadas para protegê-los. O reconhecimento do dever de respeitar e promover a dignidade da pessoa humana – embora o conteúdo dessa afirmação ainda hoje seja objeto de acirradas disputas – parecia ser o único ponto de acordo teórico entre os países divididos pela Guerra Fria (BARCELLOS, 2002, p. 111).
Destacar-se-ão a seguir, de forma sucinta e pontual, apenas os aspectos mais relevantes dos principais tratados internacionais sobre direitos humanos para o presente trabalho.
3.1.1. O Código de Nuremberg (1947)
O Código de Nuremberg é um documento que veio ao mundo em resposta à barbárie dos experimentos nazistas com seres humanos. Datando de 1947, foi concebido no Tribunal Internacional de Nuremberg[91].
De acordo com José Goldim (2004, sp), o Código de Nuremberg é um verdadeiro “marco na história da humanidade, pois pela primeira vez foi estabelecida uma recomendação de repercussão internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos. A sua repercussão prática, contudo, foi muito restrita”.
Vale destacar, que o consentimento voluntário passa a ser essencial para qualquer tipo de pesquisa.
De acordo com o art. 2º, o experimento só será válido se produzir resultados vantajosos para a sociedade “que não possam ser buscados por outros métodos de estudo [...]” (CÓDIGO, 1947, sp).
Para Diedrich (2001, p. 218), “nota-se uma maior preocupação com o ser humano em seu aspecto individual, embora também tenha sido enfatizado que os resultados da pesquisa devem ser ‘vantajosos para a sociedade’ ”.
Este aspecto é ponto controverso na pesquisa com células-tronco embrionárias. Conforme observar-se-á no item que trata da ADI que discute a constitucionalidade da lei de biossegurança, há quem afirme que a utilização de embriões é desnecessária, pois os resultados obtidos com células-tronco adultas são promissores.
Nada menos do que quatro, dos dez artigos do Código de Nuremberg, mencionam a inadmissibilidade de qualquer tipo de dano, invalidez ou morte. Fica evidente, portanto, a intenção de se coibir abusos à pessoa humana.
3.1.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
A Declaração Universal dos Direito Humanos consolidou uma preocupação constante do mundo que assistiu aos horrores da Segunda Guerra Mundial.
O nazismo e o fascismo ocasionaram uma reação à barbárie que culminou com a “consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos organismos internacionais” (BARCELLOS, 2002, p. 108).
O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto belíssimo que dispensa comentários. Segue na íntegra:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homen conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;
Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;
Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;
Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;
Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:
A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição (DECLARAÇÃO U., 1948, sp, sem grifos no original).
A igualdade entre todos os seres humanos é o valor elencado no art. 1º da Declaração de 1948. Na seqüência, o art. 2º reforça a igualdade ao determinar que nenhuma distinção de “raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação” é passível de impedir que se invoquem os direitos assegurados pelo instrumento (DECLARAÇÃO U., 1948, sp, grifou-se).
Interpretando o teor do art. 2º, especialmente quando veda discriminação em função do nascimento, pode-se, sem maiores problemas, inferir que o fato de um embrião humano ainda não ter nascido não é pretexto para negar-lhe o reconhecimento de seus direitos fundamentais. Ademais, trata-se de dispositivo que contém uma cláusula aberta (‘qualquer outra situação’) e que, portanto, amolda-se à fatos novos, tal qual a situação dos excedentários.
Neste passo, se o art. 3º considera que “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (DECLARAÇÃO U., 1948, sp), é de se concluir que também o embrião em estado pré-implantatório seria abrangido pela Declaração.
Em vários de seus dispositivos, a Declaração menciona os direitos do indivíduo. No art. 6º, “todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica” (DECLARAÇÃO U., 1948, sp, sem grifos no original). Em que pese existirem discussões doutrinárias a respeito da atribuição do status de pessoa ao embrião, não há divergência quanto ao fato de ser ele um indivíduo da espécie humana, porquanto oriundo de gametas humanos e portador de individualidade genética típica de nossa espécie.
Considerado que, para a teoria da nidação, o que diferencia o embrião tutelado do não tutelado pelo direito é a implantação, ou não, deste no endométrio, pode-se dizer que trata-se de uma discriminação em função da localizacão, sim. Ora, se o embrião extra-uterino não é protegido, se o embrião ainda que concebido intra-uterinamente pode ser eliminado evitando-se a implantação através do uso da pílula do dia seguinte, e se, em contrapartida, o embrião afixado à parede do útero é intocável, só se pode concluir que o local onde ele se encontra é determinante para sua proteção – ou não proteção – jurídica.
3.1.3. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948)
Fruto da IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem busca orientar a evolução do direito americano de forma a proteger os direitos do homem.
É interessante observar que em seu preâmbulo, a Declaração vincula a existência de deveres de ordem jurídica à preexistência de outros, de ordem moral. Os deveres morais pré-consolidados prestam-se a apoiar conceitualmente e fundamentar as normas jurídicas.
No que tange aos direitos pertinentes aos objetivos desta monografia, destacam-se o direito à vida de todos os seres humanos, e a igualdade de todas as pessoas perante a lei.
Em contrapartida, a Declaração também elenca deveres, entre eles o do art. XXIX: “O indivíduo tem o dever de conviver com os demais, de maneira que todos e cada um possam formar e desenvolver integralmente a sua personalidade” (DECLARAÇÃO A., 1948, sp).
Não se pode impedir, portanto, o desenvolvimento da personalidade de um indivíduo através da terminação de sua vida.
3.1.4. A Declaração de Helsinke (1964)
A declaração em comento traz à tona a idéia de ponderação entre os possíveis benefícios oriundos da pesquisa e os riscos que ela pode vir a causar.
Conforme o art. 3º da Declaração, “a pesquisa não pode ser legitimamente desenvolvida, a menos que a importância do objetivo seja proporcional ao risco inerente à pessoa exposta” (DECLARAÇÃO, 1964, sp).
“O aspecto individual também se sobrepôs ao coletivo, pois expressamente foi declarado como princípio básico que ‘os interesses do indivíduo devem prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade’ ” (DIEDRICH, 2001, p. 218).
Na verdade, esta é a discussão principal no que tange a destinação dos embriões excedentários para pesquisas. Os possíveis benefícios que a experimentação com células-tronco embrionárias pode vir a trazer para os pacientes é mais importante do que a preservação da vida do embrião? Ou teria o embrião direito a ser respeitado enquanto pessoa humana dotada de dignidade e, portanto, não ser submetido a um experimento que lhe seja prejudicial?
A Declaração de Helsinke retira a legitimidade de qualquer pesquisa que não observe a proporcionalidade entre o possível benefício e o risco atribuído ao sujeito.
3.1.5. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)
O presente instrumento internacional foi adotado pela Assembléia Geral da ONU em 1966. Contudo, só passou a vigorar em 1976 quando atingiu-se o número mínimo de 35 adesões.
O Brasil é responsável por proteger os direitos fundamentais previstos no pacto. É que o Congresso aprovou o pacto, através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992. Desta forma, em 24 de abril de 1992, os dispositivos do pacto passaram a vigorar no Brasil (LEITE; MAXIMIANO, 2007, sp).
O pacto reconhece uma série de direitos e atribui sua necessidade à proteção da dignidade inerente à pessoa humana.
O direito à vida é previsto da seguinte forma: “1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida” (PACTO, 1966, sp).
De acordo com o art. 7º da parte III do documento, tratamentos cruéis desumanos e degradantes estão proscritos. “Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas” (PACTO, 1966, sp).
Em que pese não conceituar pessoa, o Pacto reconhece a todas estas o direito, onde quer que estejam, ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
3.1.6. Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) - Pacto de São José da Costa Rica
A Convenção Americana de Direitos Humanos data de 1969. Contudo, a ratificação do documento pelo Governo brasileiro só se deu no ano de 1992, através do Decreto 678.
Não só a Constituição Federal do Brasil declara a inviolabilidade do direito à vida, como também acordos internacionais sobre Direitos Humanos que o Brasil assinou afirmam ser a vida inviolável. O principal desses acordos é o Pacto de São José da Costa Rica, que em seu artigo 4º prevê: ‘Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente’ (grifei). O Pacto de São José da Costa Rica entrou para o Ordenamento Jurídico Brasileiro através do Decreto 678/1992 e tem status de norma constitucional, vale dizer, deve ser observado pela legislação infraconstitucional (CLEMENTE, 2007, sp, grifos no original).
Considerando que o Pacto de São José da Costa Rica[92] equipara-se às normas constitucionais[93], é importantíssimo conhecer seu conteúdo.
Precipuamente, é interessante observar que o Pacto considera todo ser humano como um pessoa[94]. Esta reflexão é interessante, para elucidar a aparentemente interminável discussão em torno da natureza jurídica do embrião humano. Reluta-se em atribuir ao excedentário o status de pessoa. Por outro lado, esquece-se que há no Brasil um norma com força constitucional que considera como pessoa qualquer membro da espécie humana, sem qualquer distinção de fase de desenvolvimento, por exemplo.
A partir da conclusão de que todo ser humano – inclusive o embrião em estado pré-implantatório – é uma pessoa, pode-se inferir o direito comum de reconhecimento da personalidade Jurídica. Enuncia o art. 3º da Convenção: “Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica” (CONVENÇÃO, 1969, sp).
No que tange ao direito à vida, a proteção conferida pela Convenção de 1969 é integral: “Artigo 4º - Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (CONVENÇÃO, 1969, sp, sem grifos no original).
Em última instância, volta-se a bater na tecla da igualdade, tal qual estampada no art. 24 do Pacto: “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei” (CONVENÇÃO, 1969, sp).
Não é preciso grande esforço interpretativo para compreender que Pacto de São José da Costa Rica, ao qual se subordina todo o ordenamento jurídico infraconstitucional brasileiro, determina a proteção à vida do embrião. Trata-se da manifestação constitucional expressa da teoria concepcionista.
3.1.7. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
Adotada pela Assembléia Geral da ONU em 20.11.1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança tem força de lei no Brasil em função do Decreto Legislativo nº 28, de 24.09.1990 e do Decreto Executivo nº 99.710, de 21.11.1990.
O mérito da Convenção consiste em materializar a “aplicação do princípio do melhor interesse do filho, que significou verdadeiro giro de Copérnico, na medida em que a primazia do interesse dos pais foi transferida para os filhos” (LOBO, 2007, p. 196).
Para o instrumento, considera-se criança todo ser humano menor de 18 anos. À semelhança do que se argumenta no item que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente (Capítulo 2), não se estipula o nascimento como marco inicial para o ser humano ser considerado criança. Neste ínterim, é de se considerar que, como o que se fixou foi o termo final, o início da infância deve se dar desde o momento inicial de existência do ser humano, qual seja, a concepção.
O art. 2º da Convenção sobre os Direitos da Criança expressamente proíbe qualquer discriminação, independente de nascimento, ou seja, antes mesmo de nascer, o ser humano já estaria acobertado pela proteção do documento em análise.
Ao tratar do direito à vida, a convenção não se limita a determinar a proteção integral. Vai além e, no art. 6º, determina que “os Estados-partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança” (CONVENÇÃO, 1989, sp). Não basta assegurar a vida; é preciso fornecer condições de sobrevivência e desenvolvimento.
Qualquer tratamento discriminatório ao embrião é, portanto, incompatível com a Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário.
3.1.8. A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (1997)
Considerando que o genoma humano representa patrimônio de cada ser humano e, por conseguinte, de toda a humanidade, em 11 de novembro de 1997, a Organização das Nações Unidas adotou a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. A declaração recomenda que os Estados-Membros ajam no sentido de promover os direitos ali estabelecidos através de legislação própria no âmbito interno.
Na declaração, “foi reconhecido que o genoma humano está relacionado com a dignidade humana[95]” (DIEDRICH, 2001, p. 222).
Dispõe o art. 2º da declaração:
Todos têm direito ao respeito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas.
Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade (DECLARAÇÃO, 1997, p. 119).
Em seu art. 10, a Declaração materializa a prevalência da dignidade humana sobre a investigação científica e suas aplicações tecnológicas[96].
Considerando que o genoma é a base dessa dignidade, não se pode permitir que a dignidade seja desrespeitada em função de distinção ligada a características genéticas[97].
Na medida em que estabelece o respeito ao caráter único de cada indivíduo (arts. 2º e 11), a declaração determina que a liberdade de investigação prevista no art. 12 tenha como limite a observância da singularidade de cada ser humano.
3.1.9. Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética Genética – Declaração de Manzanillo (1996 - 1998)
Também conhecida como Declaração de Manzanillo, a Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética Genética foi elaborada na cidade que lhe atribui o nome em 1996 e revista em Buenos Aires, no ano de 1998.
Os países signatários, entre eles o Brasil, demonstram sua adesão aos valores e princípios de outros documentos jurídicos internacionais como a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO e o Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa.
Fica evidenciado o ponto de vista de países que não tem um grau de desenvolvimento científico e tecnológico de países de primeiro mundo, porquanto é enfatizada a necessidade de “solidariedade entre os povos” (DIEDRICH, 2001, p. 224).
A finalidade da Declaração é reforçar a “proteção do ser humano em relação aos efeitos não-desejáveis dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos no âmbito da genética” (DECLARAÇÃO, 1996, sp).
Não se pode deixar de mencionar, ainda, que a Declaração Ibero-Latino-Americana determina que as pesquisas devem levar em consideração o respeito à dignidade humana.
3.1.10. Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (2003)
A partir do preâmbulo da declaração[98] extrai-se que o seu objetivo é assegurar que a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais sejam respeitados no que tange aos dados genéticos, tudo em conformidade com os ideais de igualdade, justiça e solidariedade.
No art. 3º reconhece-se que a constituição genética de cada indivíduo é característica singular. Contudo, a identidade de uma pessoa não pode se resumir às características genéticas, pois há diversos fatores envolvidos (educativos, ambientais, pessoais, sociais, espirituais e culturais) (DECLARAÇÃO, 2003, sp).
Ademais, estabelece-se que nenhum dispositivo da declaração pode ser interpretada de forma contrária aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade da pessoa humana.
Em se considerando que a declaração serve de orientação para que os países signatários elaborem suas legislações internas, é interessante que existam tais limitações para impedir abusos.
3.2. Panorama Legislativo Brasileiro
O ritmo acelerado com que as descobertas são anunciados no campo da biomedicina faz com que o estado de inércia inerente ao sistema legislativo seja impulsionado.
Em que pese a necessidade de regulamentação já ter sido constatada por diversos setores da sociedade, a mobilização do Direito ainda está aquém do necessário[99].
Há três causas para a defasagem entre o fato e a norma nos aspectos da reprodução assistida em voga: “as incertezas e a provisoriedade dos achados científicos, assim como a fluidez ética contemporânea e a pluralidade de expectativas dos diversos segmentos sociais” (MINAHIM, 2005, p. 48).
Quando a cultura dos direitos humanos não está disseminada em todos os setores da sociedade, a tarefa de legislar a respeito de novos direitos é árdua e problemática.
O Brasil é um país em que os direitos fundamentais do homem foram sistematicamente desrespeitados. A necessidade de normas protetivas salta aos olhos, pois “a discutível ‘cordialidade’ do homem brasileiro, da qual fala Sérgio Buarque de Hollanda, e a longa tradição de autoritarismo de Estado não parecem indicar que se deva deixar totalmente em aberto este novo campo” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 43).
Em momento oportuno, após a necessária reflexão da sociedade organizada, “poder-se-á pensar em novos direitos subjetivos [...]” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 43) e, quiçá, movimentar a máquina legislativa.
Desde que o biodireito entrou na pauta de discussão do universo jurídico, passou-se a discutir como normatizar aquilo que é novidade. Que parâmetros usar para legislar a respeito de um tema sobre o qual não há consenso e nem tampouco uma reflexão consciente e representativa da sociedade posteriormente sujeita aos efeitos da norma? Ou ainda, como deve o juiz, diante desta lacuna do ordenamento, decidir um caso que envolva questionamento sobre o início da vida em tempos que a reprodução prescinde de relacionamento sexual e concepção intra corporis?[100] (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 46).
O que se deve regulamentar no desenvolvimento da Ciência em relação à RHA são os abusos que ela venha a cometer. A busca da fecundação in vitro colabora para o bem-estar do ser humano (no âmbito psicológico); quando se trata de inseminação artificial homóloga – respeitando-se o Código de Ética Médica e a Resolução 1358/92 do CFM, em que só devem ser fecundados os embriões que serão utilizados e tratados não como “coisa”, mas como um ser em potencial, que terá o desenvolvimento adequado após o 14º dia e será então regido pelas leis naturais, biológicas – a Ciência estará colocando a sua inteligência a serviço da lei da conservação e nada há de condenável nesta prática. O que deve ser vigorosamente condenado é tido o que atente contra o embrião: o seu uso em pesquisas e em cosméticos (PAZ, 2003, p. 30).
A limitação dos abusos em matéria de biomedicina tem como instrumento de controle a aplicação dos princípios bioéticos enumerados no capítulo 1.
Conforme se extrai da interpretação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil[101], apesar da omissão da lei, o juiz não pode se escusar de decidir, devendo fazer uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito para, com bom senso, fornecer a prestação jurisdicional. Fortalece-se, neste sentido, a importância das discussões doutrinárias acerca do tema, afinal, “as lacunas da legislação em relação aos fatos novos decorrentes da revolução biomédica tornaram o biodireito um dos campos mais polêmicos e férteis do direito atual” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p.46).
Em que pese a urgência de se alcançar um consenso no que tange à tratativa dos embriões excedentários, o biodireito ainda orbita na periferia dos grandes pilares do direito[102].
Diante do exposto, urge tecer rápidas considerações a respeito do panorama legislativo brasileiro no que tange aos embriões excedentários.
3.2.1 . A Constituição da República de 1988
Em um campo de vanguarda, não se pode falar em regulamentação jurídica infraconstitucional sem trazer à baila alguns princípios constitucionais que norteiam a situação jurídica dos embriões excedentários.
Com a gradativa constitucionalização do direito civil, as matérias biojurídicas “passaram a ser embasadas nos princípios estabelecidos pela Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana, respeito aos direitos fundamentais, direito à vida, [...] e preservação da integridade e diversidade do patrimônio genético” (LOUREIRO, 2006, p.10).
Conforme verificar-se-á oportunamente, há quem afaste o embrião ex ou in utero de tutela jurídica a partir de uma interpretação do texto constitucional um tanto quanto duvidosa. Afirma-se, a partir do conceito de aquisição da nacionalidade insculpido no art. 12 da CR[103], que os não nascidos ainda não são brasileiros. Assim, o nascituro não seria dotado de nacionalidade, nem de personalidade, pois não faria sentido atribuir tais prerrogativas a quem é apenas uma expectativa de pessoa (SEMIÃO, 2000, p. 105).
Em outro norte, o processo de união dos gametas humanos através das técnicas de RHA impulsiona um processo vital que começa com a formação do zigoto, o qual, após sucessivas divisões celulares deverá ser transferido, até o 14º dia, para o útero materno.
Cabe questionar: O embrião excedentários está protegido pela CR/88? (PAZ, 2003, p. 64).
Consoante Paz, o direito à vida é o primeiro que deve ser preservado, tanto é que existem normas constitucionais de aplicabilidade imediata neste sentido. Na preservação da vida, a igualdade deve prevalecer: “todos tem o direito de nascer, independentemente de sua posição social e, agora poderíamos acrescentar, biológica” (2003, p. 31, grifou-se).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura a inviolabilidade do direito à vida no caput do art. 5º. O primeiro aspecto a ser destacado em relação a esta inviolabilidade é o direito de permanecer vivo (TAVARES, 2003, p. 400).
Assim, o direito de nascer seria inerente a todos os seres humanos, independentemente da sua condição de in utero ou ex utero.
O legislador constituinte originário optou, em 1988, por atribuir lugar de destaque à dignidade da pessoa humana. Dispõe o art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988, p. 35).
O que se quer é deixar claro que o embrião não tem direito apenas à vida, mas também tem o direito ao reconhecimento de sua dignidade enquanto pessoa humana.
Não há direito que se sobreponha a esses dois direitos, que são a vida e a dignidade humana (quanto mais o direito à descendência e à concepção). A concepção in vitro, como uma cortina de fumaça, tem escondido a gritante relativização de direitos que são essenciais. A magna Carta, no entanto, em seu art. 5º, parágrafo 2°, deixa claro que os direitos e garantias ali elencados não excluem nenhum outro que deles decorra, mesmo que não estejam expressos (LIMA, 2005, sp, sem grifos no original).
Neste contexto, “A personalização do embrião aparece como requisito para que ele seja considerado apto, no mundo ético e também no jurídico, como ser capaz de usufruir o mesmo respeito devido ao ser humano nascido” (MINAHIM, 2005, p. 90).
Não se pode olvidar que o direito constitucional de livre planejamento familiar vem acompanhado do dever de proteger o produto da concepção desde os seus primórdios. “A indústria do aborto e da ‘criação’ de embriões para investigação deve ser estudada a fundo, sem perder a noção básica que deve reger todo ser humano: o princípio da dignidade humana” (PAZ, 2003, p. 13-14).
Não basta o legislador constituinte prever normas protetivas (igualdade na lei) se, na prática, critérios discriminatórios são aplicados no sentido de excluir algumas pessoas de sua tutela (igualdade perante a lei). Esta idéia fica bem delineada no trecho do Mandado de Injunção nº 58 que ora se colaciona:
O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica — suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio — cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei — que opera numa fase de generalidade puramente abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Injunção n. 58, grifou-se).
O concepto, enquanto membro da espécie humana, tem, portanto, sua vida e dignidade resguardadas pela Constituição da República. Se a lei é isonômica, todos são iguais na – e perante a – lei. Logo, não há razão para afastar o embrião ex utero da tutela constitucional.
3.2.2. Aspectos destacados da Legislação Civil e Processual Civil
Em que pese o Código Civil brasileiro datar de 10 de janeiro de 2002, o fato é que ele resulta de um projeto que tramitou por cerca de três décadas no Congresso Nacional. Neste sentido, pode-se entender a razão do “novo” Código já ter nascido “velho”.
No que tange aos aspectos ligados à reprodução assistida, o CC/02 manifestou-se em alguns pontos[104], silenciando em outros[105], o que fornece uma tutela civil esparsa e confusa.
3.2.2.1. O art. 2º do CC/02
O Código Civil de 2002 parece, precipuamente, adotar a teoria natalista segundo a qual o fator determinante para a aquisição da personalidade é o nascimento com vida. Contudo, em aparente contradição, assegura os direitos do nascituro desde a concepção.
Veja-se o texto do art. 2º do Código Substantivo Civil: “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002, p. 219).
A respeito da redação do art. 2º, Lima ressalta “um sentido contraposto ao que as palavras empregadas podem traduzir na realidade”. Tal figura de construção da linguagem ocorreria porque “se ‘a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida’, antes de tal ocorrência (o nascimento), tinha-se pessoa com personalidade não-civil?” (2005, sp).
Essa falta de clareza, então, só vem a confirmar o que os fatos (genético e biológico) anunciam: já há pessoa na concepção, ela precede o Direito em qualquer época que venha a nascer. O Direito Civil vem apenas regulamentar esse fato preexistente de tamanha importância jurídica: a personalidade. Ressalte-se que ele não vem criá-la, mas regulamentá-la, para a obtenção da pacificação social almejada (LIMA, 2005, sp, sem grifos no original).
Tais incongruências da literalidade do texto do art. 2º do Código Civil já foram apontadas por Jussara Meirelles. Na tentativa de demonstrar o problema interpretativo oriundo da redação do art. em voga, Meirelles traça um paralelo entre a situação do embrião excedentário e a do já implantado:
Ao nascituro, ainda que se entenda que a atribuição de personalidade coincide com a nidação[106] e os seus direitos patrimoniais são subordinados à condição resolutiva verificada pelo nascimento com vida, a titularidade está sujeita à acontecimentos incertos, cuja efetivação não está na dependência da vontade alheia. Já ao se aplicar as mesmas referências ao embrião in vitro a situação tornar-se-ia completamente diferente. Sua transferência ao útero estaria sujeita, dentre outros fatores, à vontade dos interessados no desenvolvimento do novo ser, que poderiam ser os titulares dos gametas fecundantes ou não. Saliente-se, portanto, que o embrião em estado pré-implantatório teria a possibilidade de vir ou não a se tornar sujeito de direitos, [...] dependendo do interesse direto que apresentassem as pessoas que juridicamente viriam com ele a se relacionar (apud SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 84, grifou-se).
Vale ressaltar que reduzir a personalidade de uma pessoa à vontade de outras significa a instrumentalização do concepto, relativizando-se os princípios constitucionais de respeito à vida e à dignidade da pessoa humana.
É preciso considerar que em outro dispositivo, o Código Civil fala em pessoas nascidas ou concebidas da mesma forma. Trata-se do art. 1.798, o qual menciona: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (BRASIL, 2002, p. 259). O tratamento dispensado faz crer que tanto os nascidos quanto os já concebidos são considerados pessoas.
Observe-se que a concepção significa a união dos gametas masculino e feminino, o que, como já visto, pode se dar intra ou extra corporis. O nascituro, por sua vez, é aquele que se encontra no interior do ventre da mãe. Desta forma, não é difícil concluir que um embrião extra uterino não é nascituro, muito embora já tenha sido concebido, porquanto dotado de um patrimônio genético único.
Em linhas gerais, extrai-se do art. 2º do CC/02 que o concepto é sim merecedor de tutela jurídica desde o momento da fusão do material genético de seus progenitores.
3.2.2.2. A Presunção de Filiação e as Omissões do Direito Sucessório
Com o advento do Novo Código Civil, introduziu-se no artigo que trata da presunção de filiação três novos incisos relacionados diretamente à reprodução assistida.
Dispõe o art. 1.597 do CC/02:
Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002, p. 348)[107].
São três, portanto, as situações novas elencadas: os embriões fruto de reprodução assistida homóloga post mortem, os oriundos de FIV homóloga, e, por fim, aqueles embriões decorrentes de RHA heteróloga com prévia autorização[108].
Sobre os embriões excedentários fruto de concepção artificial homóloga, dizem Sá e Teixeira (2005, p. 86, grifou-se): “No inciso IV, temos em aberto a problemática dos embriões excedentários, cujo destino ainda não foi tratado em regra específica, embora saibamos, por ser uma pessoa em potencial, tem sua dignidade garantida”.
Canziani (2004, p. 157) ressalta que tal dispositivo resolve eventuais dúvidas no que tange especificamente à filiação, mas deixa outras questões relevantes sem solução.
Em que pese o Novo Código Civil fazer menção expressa aos embriões excedentários nos três últimos incisos do art. 1.597, referente à presunção de filiação, trata-se da situação isolada. Há uma completa lacuna no que tange aos direitos sucessórios deste conceptus.
Qual a principal conseqüência de se presumir os filhos como concebidos na constância do casamento? Naturalmente os efeitos sucessórios. Neste ponto, há algumas considerações sobre a situação dos excedentários que merecem atenção.
A nova ordem de vocação hereditária incluída pelo CC/02 permite que se estipule disposição testamentária em favor da prole eventual[109], ou seja, pessoas que ainda nem foram concebidas ao tempo da abertura da sucessão.
A prole eventual também pode ser beneficiada por doação, nos termos do art. 546 do CC/02[110].
No Brasil, se estabelecido o vínculo da filiação, não se pode vedar o direito à herança. Os direitos do nascituro (indivíduo já concebido no momento da morte) e da prole eventual (aqueles que virão a nascer) estão legalmente assegurados. A lei civil protege os direitos desse nascituro em seu art. 4º do Código Civil[1]. A prole eventual encontra-se referida no capítulo das sucessões com indicação da vontade do testador e, analogicamente, poderá adequar-se ao caso em debate, pois não deixa de ser eventual a prole oriunda do método de fertilização após a morte do material genético. Mas, em se tratando de prole eventual, na lei civil atual a criança só teria direitos por meio de testamento (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 67).
Observe-se que ambos os dispositivos mencionam a prole eventual de terceiros, na hipótese de, por exemplo, alguém dispor de seus bens em favor de seus futuros netos. É no mínimo estranha a omissão legislativa no que tange aos embriões oriundos de FIVETE post mortem, porquanto tratam-se de filhos do próprio testador ou doador. Ademais, esta técnica foi mencionada pelo próprio código civil em dispositivo que trata da presunção de filiação: “Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido” (BRASIL, 2002, p. 348).
A impropriedade verificada consiste na permissão do legislador de que se destinem bens aos filhos de outras pessoas que ainda nem foram concebidos. Por outro lado, não menciona tal possibilidade em relação aos filhos não nascidos do próprio doador/testador – concebidos ou não –, embora presuma a filiação.
O Código Civil de 2002 tratou do tema de forma tópica e assistemática, instituindo a presunção de filiação dos embriões, frutos de inseminação artificial homóloga e heteróloga, embora haja a mais completa lacuna de tratamento da matéria no direito sucessório. [...] Constata-se, portanto, que o Código Civil, na parte de Direito de Família, tratou do assunto de forma bastante superficial. Contudo, criou-se uma enorme incongruência, considerando que um dos efeitos do estado de filiação é a sucessão – seja dos descendentes pelos ascendentes, seja dos ascendentes pelos descendentes – o Direito Sucessório se calou frente às inovações do Direito Familiarista (SÁ; MEIRELES, 2005, p. 85-56, grifou-se).
Em resumo, poder-se-ia falar em pessoa natural já nascida, no nascituro (já implantado no útero materno) e na prole eventual como categorias abrangidas de alguma forma pelo direito sucessório. O que dizer dos embriões excedentários?
A este respeito, Maria Sá e Ana Teixeira (2005, p. 83-84) asseveram: “Impossível caracterizá-lo como pessoa natural porque inexiste o nascimento com vida; não é nascituro porque não se encontra no ventre materno; não pode ser caracterizado como prole eventual, porquanto já houve concepção”.
É necessário mencionar que o art. 1.798 do CC/02[111] poderia representar uma solução para os problemas no campo dos direitos sucessórios do embrião supranumerário. Entretanto, o código é omisso no que tange á forma de implementação de tal prerrogativa, o que representa demasiada insegurança jurídica.
“Mas como seria isso? A herança ficaria reservada, o inventário seria sobrestado até o momento em que a mãe, ou uma mulher, através do útero de substituição, resolvesse gerar aquele embrião?” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 87).
Poder-se ia pensar em, por analogia, aplicar a disciplina relativa à prole eventual, segundo a qual a herança fica sob os cuidados de um curador especial durante até dois anos[112]. Contudo, tal prática implicaria tratamento diferenciado aos “filhos excedentários”. Inclusive, não se pode olvidar que a concepção é preexistente no caso dos embriões em estado pré-implantatório.
Ademais, o art. 1.798 menciona entre os legitimados a suceder as pessoas já nascidas ou já concebidas no instante em que se verificar a morte. Lembrando que o art. 1.597 trata da reprodução post mortem, há que se considerar como possível a hipótese de haver gametas criogenados que darão origem à uma pessoa que ainda não havia sido concebida quando da abertura da sucessão.
3.2.2.3 .RA Homóloga e Heteróloga
Superada esta exposição, é importante diferenciar a fecundação artificial homóloga da heteróloga, até porque o Novo Código Civil faz menção expressa a estes termos.
Genival Veloso de França (2004, p. 244) aduz que a RA pode adotar duas modalidades completamente divergentes em seus aspectos morais, filosóficos, sociológicos, jurídicos e religiosos, a saber: “1. a reprodução assistida intra conjugal, homóloga ou auto-reprodução; 2. a reprodução assistida extraconjugal, heteróloga ou heteroreprodução”.
Inicialmente, vale diferenciar bem as duas hipóteses de RA: “A fecundação ou inseminação homologa é realizada com sêmen originário do marido, e a fecundação ou inseminação heteróloga é feita com o sêmen de terceira pessoa” (SILVA in FIÚZA, 2002, p. 1.408).
Há que se considerar que atualmente a RA homóloga é plenamente admitida. Como o material genético pertence ao próprio casal, não são atingidos os princípios da Moral e do Direito (FRANÇA, 2004, p. 244).
A RA heteróloga, por sua vez, consiste no
[...] processo pelo qual a criança que vier a ser gerada por qualquer das técnicas de reprodução assistida for fecundada com a utilização de gametas de doadores, dividindo-se a fecundação heteróloga em a matre, quando o gameta doado for feminino, a patre, quando se tratar de doação de gameta masculino, ou total, quando os gametas utilizados na fecundação, tanto os masculinos quanto os femininos, são de doadores. Em qualquer caso, o doador ou a doadora não terá qualquer relação de maternidade ou paternidade com a criança, que será exercida pelos receptores (FERNANDES, 2000, p. 58).
A modalidade heteróloga de Reprodução Assistida pode ser vista como uma combinação da “terapia de infertilidade com o moderno método de eugenia positiva (criação de seres humanos de pretensa qualidade superior através do recurso a material genético masculino selecionado)” (PUSSI, 2005, p. 284).
Contudo, há quem veja a RA heteróloga com ressalvas, pois pode “criar conflitos inevitáveis entre a realidade biológica e a definição legal” (FRANÇA, 2004, p. 244).
Foi justamente para regulamentar esta situação que incluiu-se o inciso V no art. 1.597 já mencionado.
3.2.2.4. Da Posse em Nome do Nascituro
Os arts. 877[113] e 878[114] do CPC dispõem a respeito de um instituto denominado Posse em Nome do Nacituro.
Trata-se de um procedimento cautelar específico que visa proteger o patrimônio do nascituro sucessor quando verificado o óbito de seu progenitor durante a constância da gravidez.
Na verdade, a genitora não terá a posse representando o nascituro. Não se trata de representação, pois se assim o fosse a posse seria transmitida ao nascituro, representado por sua mãe. Na posse em nome do nascituro, apesar do trocadilho semântico, a posse é transferida à mãe, e não ao nascituro (SEMIÃO, 2000, p. 107).
A crítica direcionada à posse em nome do nascituro recai sobre a exigência de comprovação do estado de gravidez. Novamente a Lei brasileira efetua discriminação negativa entre o embrião in utero e o in vitro. Enquanto o primeiro tem a prerrogativa de – para alguns por si, para muitos por sua mãe[115] – buscar a prestação jurisdicional de urgência para assegurar seus direitos sucessórios, ao segundo não se atribui tal possibilidade (ao menos expressamente).
Em que pese o silêncio da norma, novamente devem-se trazer à tona os princípios constitucionais que proscrevem tal tipo de discriminação e se sobrepõe à qualquer dispositivo infraconstitucional que com eles não se coadune.
3.2.3 .O Estatuto da Criança e do Adolescente
A Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente –, em seu art. 2º, considera criança a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos.
O que se questiona é se, neste conceito de criança, estaria abrangido o concepto. Se assim o for, a ele se estenderiam a doutrina da proteção integral instituída pelo Estatuto, bem como os direitos fundamentais da pessoa humana, tal qual previsto no art. 3º:
[...] A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, sp).
O Código Civil revogado mencionava que a adoção depende do consentimento do representante legal do adotado, se incapaz ou nascituro. Todavia, o Novo Código não mencionou o nascituro no art. 1.621[116] que trata da adoção. Estaria o não-nascido implicitamente incluído no dispositivo do CC/02? É o embrião humano, desde a concepção, uma criança para todos os efeitos?
A polêmica gira em torno exatamente do fato de se o nascituro[117] está enquadrado no conceito de "criança" do ECA e do porquê de o Código Civil de 2002 não ter feito menção a ele. Prioritariamente, não há que se discutir a diferenciação entre as nomenclaturas criança e nascituro, no que diz respeito à proteção jurídica deste último, por serem apenas vocábulos que buscam definir – através de um corte etário – a etapa da vida do ser humano a que se refere (LIMA, 2005, sp, grifou-se)
Em busca da intenção do legislador, insta salientar que o art. 7º do ECA prevê que "a criança e o adolescente têm o direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência" (BRASIL, 1990, sp, sem grifos no original).
“Assim, todo nascituro é uma criança para o Estatuto da Criança e do Adolescente (e para a corrente concepcionista)” (LIMA, 2005, sp).
Destarte, se a proteção visa permitir o nascimento, a lei só pode estar se referindo aos seres ainda não nascidos. Pode-se inferir, então, que o ECA abrange, no conceito de criança, o nascituro e o concepto, assegurando-lhes o direito de nascer.
3.2.4. Aspectos Penais
O direito penal como se conhece remonta ao nascimento do Estado Liberal no século XVIII. Em função do contexto histórico de seu nascedouro[118], este ramo da ciência jurídica preocupava-se em tutelar direitos eminentemente individuais[119].
Contudo, atualmente a ciência penal enfrenta um momento delicado de quebra de paradigmas[120].
Definir o campo de atuação do direito penal na revolução biotecnológica sem precedentes que se desenrola diante da geração atual é tarefa de extrema complexidade e importância. Ao mesmo tempo em que não se pode impor cabrestos ao desenvolvimento científico, é preciso tutelar o futuro da humanidade.
O impacto produzido pela biotecnologia no direito Criminal impõe, como se vê, reflexões criteriosas para que, nem se deixe de atender à demanda social de tutela, identificando-se então os bens jurídicos que se deseja proteger, nem se exacerbe esta proteção de forma a tentar obstar o desenvolvimento da ciência ou impedir o curso da trajetória da humanidade. A intervenção do direito no campo da biotecnologia deve se fazer de forma a preservar a liberdade científica e, ao mesmo tempo, proteger o ser humano dos excessos possíveis nesta área. Trata-se de uma convocação importante para disciplinar situações que são, nesse instante, consideradas essenciais para a própria existência da espécie humana (MINAHIM, 2005, p. 57, grifou-se).
As técnicas de RHA têm seu mérito por possibilitar que casais concretizem o sonho de terem um filho. Todavia, é preciso ter em mente que na medida em que cresce a margem de intervenção humana, aumenta a exposição da vida a um risco até então inexistente.
O art. 1º do Código Penal materializa o princípio da legalidade e o da anterioridade da lei penal[121]. Desta forma, não há que se falar em aborto[122] ou aplicação analógica de qualquer outro tipo penal à conduta de descarte embrionário.
Para se extrair a licitude da destruição ou descarte do pré-embrião, considera-se o já exaustivamente abordado princípio da legalidade. Não havendo proibição expressa, o expediente é lícito. De outra parte, deve-se considerar o princípio da anterioridade, não havendo como se falar em crime, pois não há crime sem lei anterior que o defina, o que determina a impossibilidade de punição, pois também não há pena sem prévia cominação legal (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 71).
É neste sentido a ressalva de Deborah Oliveira e Edson Borges (2000, p. 72): “Pode-se considerar que o pré-embrião in vitro é vida e necessita de proteção penal, já que para ele há proteção civil, mas, enquanto não houver lei que defina a destruição ou descarte de pré-embriões como crime, como aborto tal fato não poderá ser considerado”.
Incabível se falar em crime de aborto para a destruição dos embriões excedentários, porquanto o delito em voga presume a existência de gravidez.
Embrionicídio é o termo que vem sendo utilizado para designar a eliminação de embriões. “A diferença do aborto para o embrionicídio [...] está no fato do aborto ser a interrupção da gravidez, com a morte do feto que se encontra no interior da mulher, enquanto no embrionicídio o mesmo é destruído extra-corpore” (FERREIRA, 2002, sp).
Causa estranheza a grave antinomia legislativa oriunda da permissão para dar termo à vida dos embriões excedentários de um lado, e a proibição expressa do aborto, de outro.
Deve-se observar, porém, que ao proibir o aborto, protege-se a vida, e não o local onde ela se realiza. Assim, não é o fato de o ser humano estar no ventre ou em um tubo de ensaio que devem ser determinante para determinar se deve viver ou morrer.
A vida é um bem jurídico de primeira magnitude que constitui o típico objeto de tutela do direito penal. Contudo, até mesmo a vida é relativizada pela ciência criminal. “[...] a própria legislação penal distingue espécies de vida, quando dispensa à vida independente, uma tutela mais severa (homicídio) do que aquela dispensada à dependente (aborto)” (MINAHIM, 2005, p. 71).
Haveria de se pensar na possibilidade de se criminalizar o embrionicídio, pois assim superar-se-iam os impedimentos semânticos de caracterizar o descarte embrionário como fato típico.
Contudo, deve-se ter cautela para que o direito penal, objetivando proteger a sociedade de lesões a bens jurídicos tutelados, não acabe por agir de maneira inversa, em desobservância ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Dentro de um juízo de razoabilidade, a solução para as incontáveis controvérsias trazidas à baila pela biotecnologia deve “primar pela concretização do Princípio da Dignidade Humana naquela situação concreta apresentada” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 11).
A Nova Lei de Biossegurança contém um capítulo referente aos crimes e às penas[123]. Neste ínterim, o que vale ressaltar é que o art. 24[124] criminaliza a conduta de fazer uso de embrião humano desobservando-se as hipóteses do art. 5º da mesma Lei[125], cominando uma sanção de 1 (um) a 3 (três) anos de detenção, e multa.
Feitas estas considerações, a figura do art. 24 – utilizar embrião em desacordo com o que dispõe o art. 5º da lei 11.105/05, fica explicitada; trata-se de crime cujo elemento normativo tem um papel preponderante na configuração da ilicitude. A Lei, no art. 5º, permite, com base nos valores já referidos[126], a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos, produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, para fins de pesquisa e terapia. Algumas condições são impostas tais como, que sejam embriões inviáveis (inc. I); ou seja, congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação da Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento (inc. II) (MINAHIM, 2005, p. 162).
Verifica-se que a redação do art. 5º, em especial no inciso II, é confusa. É possível identificar dois tipos de embriões:
Há os que já completaram três anos de congelamento quando da publicação desta lei. Considerando que a publicação no Diário Oficial da União se deu em 28 de março de 2005, tratar-se-iam, neste primeiro grupo, dos embriões excedentários criogenados até 27 de março de 2002. Assim, os embriões congelados até esta data, desde a publicação da Nova Lei de Biossegurança, passaram a poder ser utilizados para pesquisa e terapia[127] sem que esta conduta constitua crime.
Em um segundo grupo, mencionado na parte final do inciso II do art. 5º, estão os embriões criogenados entre 28 de março de 2002 e 27 de março de 2005, ou seja, já congelados na data da publicação da Lei, mas que neste dia ainda não haviam completado três anos de congelamento. O termo final de criopreservação deve ser analisado caso a caso, sendo que aqueles congelados na véspera da publicação só poderão ser utilizados a partir de 26 de março de 2008, quando completarão três anos de congelamento.
O que acontecerá a partir de então?
O que dizer a respeito dos embriões não utilizados nas reproduções ocorridas após 28 de março de 2005?
Apesar de não proibir, a lei também não autoriza expressamente que os “novos embriões” sejam criogenados.
Seria a conduta de congelar os “novos embriões” e/ou utilizá-los para retirar células-tronco com o fim de pesquisa ou terapia contrária ao art. 5º?
Seria, então, possível deduzir que a crioconservação é permitida, porém a utilização para fins de pesquisa e terapia não, já que não está prevista tal hipóteses no art. 5º?
Se não há previsão da utilização dos embriões congelados após 28 de março de 2005 para extração de células-tronco embrionária, quer-se crer que agir de tal forma seria contrário aos preceitos do art. 5º da Lei de Biossegurança, configurando, portanto, o crime do art. 24 da mesma lei.
De uma forma ou de outra, há de se considerar que a conduta de descarte embrionário é, pelo que procurou se expor, inconstitucional.
É preciso ressaltar que ao legislador não é dado estabelecer distinções entre o embrião que está em um tubo de ensaio e o que está no útero materno. “[...] Ambos são idênticos, tanto sob o ponto de vista biológico como ético” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 91).
À lei não é dado garantir a um embrião plenitude do direito à vida, cominando sanção na esfera penal para quem interromper seu desenvolvimento enquanto que, por outro lado, estipula uma previsão legal autorizando a terminação da vida de outro embrião.
“Ambos os embriões possuem o mesmo grau de personalidade, são sujeitos de direito e possuem idêntico direito à vida e de nascer” (SZANIAWSKY apud SÁ: TEIXEIRA, 2005, p. 89-90).
Voltar-se-á ao tema quando da análise da Lei 11.105/05 no próximo item.
Por ora, vale dizer que a única certeza que se tem é que a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias pela Lei 11.105 supervalorizou o potencial redentor de pesquisas com resultados incertos e pouco conhecidos em detrimento dos interesses do embrião humano envolvido.
3.2.5. A Lei de Biossegurança – Lei nº 11.105 de 2005
Há que se fazer menção, ainda que sucintamente, à Nova Lei de Biossegurança – Lei 11.105/2005[128].
A respeito da origem da Lei, manifesta-se Maria Auxiliadora Minahim (2005, p. 159-160):
A aprovação da Lei 11.105/2005 foi festejada, entre os cientistas no Brasil, como se representasse o passaporte para o ingresso do país na comunidade internacional vanguardista no uso de tecnologia de ponta. A liberação para pesquisas em células-tronco embrionárias, cujas implicações científicas, são pouco conhecidas da população comum, foi posta como uma questão inadiável para o salvamento de vidas que, de outra forma, morreriam. Todo o problema foi reduzido a um binômio: devem ser jogados fora os embriões congelados ou devem ser utilizados para pesquisas redentoras? No bojo das pressões pela liberação legal do uso de sementes geneticamente modificadas, a resposta positiva à segunda pergunta resultou no art. 5º da Lei que permite o uso de jovens embriões para fins terapêuticos. Restringiu-se a utilização aos embriões inviáveis e congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento.
A Lei é alvo de diversas críticas em função da diversidade dos assuntos abordados e da diversidade de penas cominadas: estabelece desde toda uma estrutura de órgãos na área de biossegurança, até dispositivos sobre OGMs e uso de células-tronco embrionárias[129].
É curioso observar que a lei dedica muito mais espaço para as questões ligadas a OGMs do que àqueles referentes ao trato dos embriões humanos, prevendo, inclusive, penas similares nos dois casos em que estão em voga interesses tão diversos. (MINAHIM, 2005, p. 120).
Na verdade, a partir da ementa da lei[130] não se pode inferir que ela se destina a regulamentar o uso de células-tronco embrionárias, por exemplo. Melhor seria que, a exemplo de outros países, a matéria fosse objeto de uma lei específica sobre RHA ou um Estatuto do Embrião Humano.
Assim como já ocorre em diversos países europeus (França, Alemanha e Espanha[131]), a regulamentação jurídica sobre os embriões humanos ficaria muito melhor alocada em uma lei que trate especificamente desta matéria (MINAHIM, 200, p. 120).
O fato é que, na forma como entrou em vigor, a Lei 11.105 veio a permitir a realização de pesquisas com embriões em estágio inicial de desenvolvimento[132].
Para Maria de Fátima Sá e Ana Carolina Teixeira (2005, p. 97), “o art. 5º não deixa dúvidas sobre a possibilidade de pesquisas em células-tronco embrionárias”.
Segue na íntegra o art. 5º da Nova Lei de Biossegurança:
Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – Sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento.
§ 1º. Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores [...] (VIEIRA, 2005, p. 13).
Como se pode observar, o art. em voga é de redação confusa, em especial no inciso II, exigindo mais do que uma leitura atenta para sua compreensão.
O caput menciona embriões humanos produzidos em FIV e não utilizados no respectivo procedimento. Tratam-se dos embriões excedentários ou supranumerários. A norma permite que estes embriões em estado pré-implantatório, quando inviáveis ou congelados além de determinado período (inciso II), sejam utilizados para extração de células-tronco com finalidade de pesquisa e terapia.
No que concerne à inviabilidade mencionada no inciso I, vale mencionar: “Deve tratar-se de embrião que não tem condições estruturais – físicas – de desenvolver-se em processo gestacional para alcançar outros estádios de desenvolvimento” (MINAHIM, 2005, p. 162).
Ainda em relação ao inciso I,
[...] sempre nos perguntamos quais são os critérios para definir um embrião como inviável. Embora pensemos na infelicidade do termo, acreditamos que só poderemos entender como inviáveis aqueles incapazes de desenvolvimento, por apresentarem anomalias incompatíveis com a vida, e não comprometimentos que evidenciem deficiências psicofísicas, sob pena de sua utilização configurar-se em eugenia negativa (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 98).
Bipartindo o inciso II tem-se, na parte inicial, permissão para utilização dos embriões que, na data da publicação da lei, já haviam completado 3 (três) anos de crioconservação. Na parte final, o inciso II menciona um grupo de embriões que foi congelado em um lapso temporal que abrange desde menos de 3 (três) anos antes até a data de publicação da lei. Este grupo poderá ser utilizado quando completar 3 (três) anos da data do congelamento. Assim, um embrião criogenado na véspera da publicação da lei poderá ser utilizado quando faltar um dia para a publicação contar com 3 (três) anos[133].
O bem jurídico protegido pela norma parece ficar esquecido quando se estipula – ao alvedrio do legislador – um prazo para a sua violação. “Se o que se tutela é a vida, ou a dignidade da vida humana, por que o prazo de congelamento é determinante para a configuração do crime?” (MINAHIM, 2005, p. 163).
Trata-se de critério baseado na incerteza[134], que visa permitir o desrespeito ao principal bem jurídico merecedor de tutela: a vida humana.
Sá e Teixeira (2003, p. 99) também criticam a falta de critério aparente para a fixação do limite temporal:
O inciso II causa estranheza porque o legislador não explica a razão de sua escolha para que os embriões congelados há três anos ou mais sejam os ‘premiados’ a cobaias de pesquisas genéticas. Se estivéssemos diante do inciso I, poderíamos até questionar, em razão do termo ‘inviável’, se ‘seria compatível com a dignidade humana ser gerado mediante ressalva e, somente após um exame genético, ser considerado digno de uma existência e de um desenvolvimento’. Contudo, a determinação da quantificação de anos de congelamento é mais estreita ainda, levando à conclusão de que estamos diante de política legislativa, sem qualquer explicação plausível para tal (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 99).
Entretanto, o dispositivo não menciona os embriões criogenados após a publicação da lei. Poder-se-ia presumir, então, que após a data da publicação não é mais possível congelar embriões? Não, pois conforme o princípio da legalidade tudo o que não for expressamente proibido pela lei é permitido aos particulares em geral.
Aline Oliveira (2005, p. 27) defende que é inútil discutir se o embrião excedente é vida humana, porquanto o inciso III do art. 1º da CR/88 faz referência à pessoa humana. Muito embora seja indubitável que o embrião é vida, já que dotado de células metabolicamente ativas, e de vida de natureza humana, pois oriundo de material genético estritamente humano, não se pode atribuir a este ser o status de pessoa. Não se aplicaria, segundo esta autora, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana aos embriões excedentes.
Segundo o mesmo raciocínio, a advogada especialista em bioética defende a não aplicabilidade do caput do art. 5º da Constituição da República aos embriões em estado pré-implantatório. Explica:
O caput do art. 5º dispõe que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]’. Conforme o inciso I do art. 12 da Constituição Federal, são brasileiros os nascidos nas circunstâncias elencadas no dispositivo, denominados natos, bem como os naturalizados [...]. Seja nato ou naturalizado, o brasileiro, de acordo com o poder constituinte originário, é o nascido, portanto, o embrião não é considerado brasileiro (OLIVEIRA, 2002, p. 27).
As sociedades organizadas como Estados Democráticos de Direito que dispõe da tecnologia necessária para aplicar intervenções genéticas e pesquisas com a manipulação de embriões vivem um verdadeiro dilema: “[...] junto à necessidade de estabelecer limites, impõe-se outra obrigação importante: a de garantir que os benefícios para a saúde, que estes conhecimentos representam, estejam ao alcance de todos os sujeitos que deles precisam[135]” (CAMBRÓN in PAZ, 2003, p. 9).
Sabe-se que as células-tronco são células indiferenciadas que podem ser retiradas da medula óssea, do sangue do cordão umbilical ou de embriões criopreservados. Entretanto, nenhuma possibilidade gera tanta polêmica quanto a manipulação dos embriões.
O debate mais polêmico e desafiador é o uso de células-tronco de embriões criopreservados nessas clínicas. Usar os que estão congelados a [sic] pelo menos 3 anos como diz a Lei de Biossegurança? Pode-se criar embriões com essa finalidade? A discussão que é feita hoje é: embriões criopreservados é vida? É vida humana? É potencial de pessoa? É pessoa? Na verdade a reflexão deve ser outra, pois afinal é claro que é vida, vida humana, pois de um oócito humano fertilizado por um espermatozóide humano só pode gerar um ser humano, é pessoa pelo direito brasileiro se nascer com vida então nesse sentido é pessoa em potencial. Mas, na verdade, a reflexão deve ser: utilizar embriões esquecidos nessas clínicas por casais que já obtiveram sucesso e não querem mais filhos para auxiliar na pesquisa para salvar outras vidas ou deixá-los por tempo indeterminado criopreservados até que não tenha nenhuma finalidade e seja descartado? (CLEMENTE, 2005, sp).
A previsão do § 1º do art. 5º da lei 11.105/2005 reforça a tese do legislador de tratar os embriões supranumerários como objetos, pois atribui aos genitores ampla liberdade para autorizar ou não sua destinação para pesquisa.
Na prática, é como se os embriões pertencessem aos seus progenitores. Os beneficiários têm sobre os supranumerários “total poder de disposição, de vida e de morte”[136] (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 99).
Os dilemas éticos, morais e jurídicos oriundos das técnicas de reprodução in vitro, tais quais os questionamentos supra, estão longe de ter uma solução que agrade a todos os envolvidos. Tanto o é que já se argüiu a inconstitucionalidade do dispositivo da Nova Lei de Biossegurança que aborda a questão dos excedentários, conforme se verá no item subseqüente.
3.2.5.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/2005
A pesquisa com células-tronco embrionárias humanas tornou-se lícita no Brasil com a entrada em vigor da Lei 11.105/2005, desde que respeitadas as condições do art. 5º da mesma norma.
Todavia, não se pode olvidar que, pela hierarquia do ordenamento jurídico, “leis internas dos Estados que neguem vigência ao princípio da dignidade da pessoa não têm nenhuma validade, em função da universalidade do preceito e devem ensejar a responsabilização dos Estados e indivíduos que a promovem” (GARCIA in ZISMAN, 2005, p. 4).
De fato, é intrínseca a cada norma jurídica sua finalidade precípua de promover a justiça e respeitar a dignidade da pessoa humana (SILVA, 2002, p. 194).
Neste ínterim, apontou-se a inconstitucionalidade material do art. 5º da Lei de Biossegurança, porquanto o legislador não teria observado o aspecto constitucional de igualdade, inserindo no ordenamento jurídico texto manifestamente discriminatório e atentatório à dignidade da pessoa humana[137].
Os direitos que decorrem da personalidade humana e de sua intrínseca dignidade, são direitos naturais que não podem ser negados ou restringidos por ninguém (FARIA apud SILVA, 2002, p. 194) – tampouco pelo legislador ordinário ao arrepio da Constituição.
Em função deste raciocínio, o Procurador-Geral da Republica, na época Claudio Fontelles, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/05, em face do art. 5º da Lei 11.105/05.
Na peça inicial, o Procurador-Geral da República alega que os citados dispositivos não se coadunam com a ‘inviolabilidade do direito à vida’ assegurada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, nos termos do art. 5º da Carta Política, e com o preceituado inciso III do art. 1º da Constituição da República, que assenta a ‘dignidade da pessoa humana’ como fundamento do Estado democrático de Direito (OLIVEIRA, 2005, p. 26).
Caso se conclua que a vida inicia com o surgimento do embrião, então a lei de biossegurança é substancialmente inconstitucional.
Em contrapartida, um grupo de pessoas acredita que a utilização dos embriões excedentes inviáveis ou congelados há mais de três anos é necessária na medida em que pode originar estudos capazes de salvar vidas humanas.
Houve ainda, quem criticasse a propositura da ADI, dizendo tratar-se de fundamentação de cunho religioso, o que seria inadmissível em um Estado laico como o brasileiro[138].
A partir de uma leitura atenta e avalorativa da exordial da ADI, fica claro que sua fundamentação é, sobretudo, jurídica, pois parte do pressuposto que todos são iguais perante a lei e é inviolável o direito à vida.
Ora, se esse texto normativo constitucional prescreve o princípio da inviolabilidade do direito à vida, se impõe, para que tenha efetividade – pois já longe está o tempo em que se consideravam os dispositivos constitucionais como meramente programáticos ou de pura abstração – que se defina o momento inicial da vida humana (FONTELLES, 2007, sp).
Não se pode olvidar que os avanços da ciência, paradoxalmente, tornaram ainda mais complexa a celeuma. Calos Ayres Brito, o Ministro relator da ADI chegou a afirmar: “Pode suceder que esse debate deságüe numa perplexidade: é impossível dizer quando a vida começa” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 57).
Indiscutivelmente, contudo, é preciso que o debate seja instaurado. Não foi outro, felizmente, o efeito da ADI proposta.
3.2.5.1.1 . A Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal
Nunca antes, na historia do Supremo Tribunal Federal, houve a realização de uma audiência pública.
Contudo, em 20 de abril de 2007, uma sexta-feira, o STF abriu suas portas para que cientistas e os Ministros debatessem, por cerca de oito horas, sobre o início da vida humana e a obtenção de células-tronco embrionárias para pesquisas.
Ilustração 7 - Ellen Gracie abre Audiência Pública no STF (PRESIDENTE..., 2007, sp)
Laura Capriglione (2007, sp) assevera que a inédita audiência pública no Supremo contou com trinta e quatro cientistas em um verdadeiro “desfile de currículos e aula intensiva de biologia”, tudo para atingir o objetivo do encontro, que era ajudar os Ministros a responder à pergunta “quando começa a vida?”[139].
Começa no momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, como defende a professora Cláudia Batista, doutora em neurociência da Universidade Federal do Rio de Janeiro? Ou quando o óvulo fecundado adere à parede no útero, como quer o neurofisiologista Luis Eugênio Mello, da Universidade Federal de São Paulo? Ou será que a vida começa quando aparecem as primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro, como advoga a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo? (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).
Com certeza cada uma destas perguntas admite várias respostas, dependendo do ponto de vista que são analisadas.
O relator da ADI, Carlos Ayres Brito, ao decidir pela instalação da audiência pública, permitiu que à argumentação jurídica somasse-se outra: a científica.
Na medida em que o Supremo Tribunal Federal quebra seu isolamento e dialoga com a sociedade científica, cumpre de melhor forma a sua função e quem sai ganhando é a democracia (FONTELES, 2007, sp).
Os temas biojurídicos têm na diversidade e pluralidade de pensamentos uma característica marcante. Maria de Fátima Sá e Ana Carolina Teixeira chamam a atenção para mutabilidade das concepções humanas. Se o homem é essencialmente um ser histórico e cultural, seu conhecimento é indissociável de seus valores construídos por esta vivência histórico-cultural. “Não podemos mais, em pleno terceiro milênio, incorrer no erro de acharmos que algo é definitivo. Nada é” (2005, p. 82).
O editorial da Folha de São Paulo, de 21 de abril de 2007, elogiou a decisão do Ministro em realizar a audiência pública, dizendo ser “auspicioso que o Supremo busque o máximo de informação científica para embasar seu pronunciamento” (FOLHA..., 2007, sp).
Rafael Garcia teme que a discussão torne-se uma batalha envolvendo religiosos e laicos. “Defendendo as pesquisas com embriões estão centistas convidados pelo STF (muitos deles estudiosos de células-tronco). Defendendo a proibição estão outros escolhidos pelo MPF e pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil” (2007, sp).
Os cientistas convidados foram divididos em dois blocos: o chamado Bloco 2, a favor dos dispositivos da Lei de Biossegurança, e outro, o Bloco 1, reforçando a tese da inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança.
O Bloco 1, apoiando os argumentos do proponente da ADI Claudio Fontelles, foi composto por Stevens Rehen[140], Lenise Aparecida Martins[141], Cláudia Maria de Castro Batista[142], Lílian Piñero Eça[143], Alice Teixeira Ferreira[144], Marcelo Paulo Vaccari Mazzetti[145], Antônio José Eça[146], Elizabeth Kipman Cerqueira[147], Rodolfo Acatauassú Nunes[148], Dalton Luiz de Paula Ramos[149], Herbert Praxedes[150], e Rogério Pazetti[151].
Ilustração 8 – Claudio Fonteles – subprocurador geral da República, autor da ADI (AUTOR..., 2007, sp)
A posição em que os Ministros do STF se encontram é delicada. O filósofo Roberto Romano avalia que o Supremo “terá de adentrar um árido debate filosófico e moral que nem mesmo os grandes pensadores da humanidade conseguiram chegar perto de resolver” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).
Representando o Bloco 2, em defesa da Lei de Biossegurança, manifestaram-se Mayana Zatz[152], Patrícia Helena Lucas Pranke[153], Lúcia Willadino Braga[154]. “As três estudiosas frisaram a importância de que a legislação permita as pesquisas com células-tronco embrionárias, que hoje são as únicas com potencial para recuperar doenças neurológicas incuráveis” (ESPECIALISTAS..., 2007, sp). Fazem parte desde grupo, ainda, Júlio César Voltarelli[155], Ricardo Ribeiro dos Santos[156], Rosalia Mendes Otero[157], e Steven Rehen[158].
Ilustração 9 – Geneticista Mayana Zatz, em defesa das pesquisas com células-tronco
(ESPECIALISTAS, 2007, sp)
O Ministro relator da ADI, Ayres Brito, vai apresentar aos seus pares um relatório sobre a audiência no mês de junho. O julgamento, contudo, ainda não tem data marcada (CAPRIGLIONE, 2007, sp).
Caso o tribunal decida que os embriões excedentários são seres vivos com o status de pessoa, o art. 5º da Lei de Biossegurança será alterado, desagradando cientistas que há muito, por questões metodológicas, abdicaram do problema sobre o início da vida (GARCIA, 2007, sp).
“O debate no STF durou o dia inteiro e, naturalmente, não chegou a um consenso, mas ajudou a jogar um pouco de luz sobre uma das questões mais profundas da filosofia: a gênese da vida” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).
A questão é polêmica e está longe de encontrar um consenso nos diversos setores da sociedade. A multiplicidade de caminhos apontados pelos diversos projetos de lei que tramitam no Congresso, os quais serão abordados a seguir, indicam o alto grau de incerteza sobre a futura tutela jurídica do embrião.
3.2.6. Projetos de Lei de Iniciativa do Senado Federal
Tramitam no Brasil uma série de Projetos de Lei sobre a matéria de reprodução assistida.
Contudo, os projetos “refletem pensamentos e orientações os mais diversos” (MINAHIM, 2005, p. 106).
Seguem os principais[159].
3.2.6.1.O Projeto de Lei nº 90/1999
O Projeto de Lei n. 90, de 1999, de autoria do Senador Lúcio Alcântara relatado pelo Senador Roberto Requião, foi apresentado em sua versão original com as diretrizes no que tange aos embriões excedentários estampadas no art. 9º e seus parágrafos.
Logo no caput[160], estabelece-se que os embriões excedentários poderão ser crioconservados.
No §1º aborda-se questão delicada ao excluir o embrião antes da implantação da proteção jurídica concedida ao in utero: “§1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei” (BRASIL, 1999, sp).
Conforme é possível observar, o projeto em seus moldes originais trata-se de manifestação explicita da intenção do legislador de tratar o embrião excedentário como “coisa”, fornecendo aos beneficiários amplos poderes de determinar o destino dos conceptos[161].
“O legislador atribui status de coisa, de simples res aos embriões excedentes. Assim, no seu entendimento, haveria um direito de propriedade do beneficiário, intitulado por ele de ‘usuário’ ” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 90).
São os usuários quem decidem quantos embriões serão implantados a fresco, bem como o que deve ser feito com os restantes, facultando-lhes optar pela preservação, descarte ou doação para pesquisa[162].
Além de permitir a opção dos usuários a respeito do descarte, o projeto prevê situações em que o descarte seria obrigatório:
Art. 9º [...] §6º É obrigatório o descarte de gametas e embriões: I – doados há mais de dois anos; II – sempre que for solicitado pelos doadores; sempre que estiver determinado no documento de consentimento informado; IV – nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes; V – no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservados [...]” (BRASIL, 1999, sp).
Logo se observa que o inciso V do § 6º é incompatível com a presunção de filiação introduzida pelo art. 1.579 do CC/02. Ora, não faz o menor sentido reconhecer como presumido na constância do casamento os filhos havidos por reprodução assistida homóloga post mortem enquanto se obriga a destruição do embrião caso faleça um dos doadores do material genético.
Em suma, a versão original do Projeto 90/99, a partir da desconsideração da equiparação do excedentário com o feto implantado, admite tanto a preservação quanto a destruição de embriões excedentes. Opta-se, pois, pela “reificação” do concepto.
Todavia, as diretrizes apontadas pelo projeto são polêmicas e estão longe de obter consenso. Tanto o é que, quanto da análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, apresentou-se projeto substitutivo, com alterações significativas da tutela atribuída aos embriões excedentários.
De plano, o projeto substitutivo veda a criação de novos embriões supranumerários, porquanto determina a transferência a fresco de todos os embriões produzidos.
O projeto substitutivo inviabiliza a doação de embriões. É que estes terão que ser produzidos em número igual ou inferior a três, em cada ciclo reprodutivo da mulher. Não mais poderão ser congelados para ulterior utilização, devendo ser introduzidos a fresco na beneficiaria, evitando, assim, procedimentos como a redução embrionária (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 93).
Mantendo a orientação do projeto original, também o substitutivo oferece tratamento diferenciado ao embrião originado ex utero e ao nascituro[163].
Por justiça, é de se reconhecer que as alterações do projeto substitutivo exortam o valor da vida humana embrionária. Porém, a solução apresentada de evitar a criação de supranumerários é simplista e não resolve o problema dos milhares que já se encontram criogenados.
Por fim, insta informar que o projeto foi arquivado em 28 de fevereiro de 2007. Persistiu-se na intenção inicial de mencioná-lo já que por cerca de 8 anos de tramitação o projeto gerou discussões sobre o tema da reprodução assistida no Congresso Nacional.
3.2.7.Projetos de Lei de Iniciativa da Câmara dos Deputados
3.2.7.1.O Projeto de Lei 2.855/1997
De autoria do Deputado Confúcio Moura, o projeto dispõe sobre a utilização de técnicas de reprodução humana assistida, em especial a fecundação in vitro, transferência de pré-embriões, transferência intratubária de gametas, a crioconservação de embriões e a gestação de substituição.
Atualmente tramita em conjunto com os projetos de lei 4.665/2001, 1.184/2003 e 1.135/2003.
O projeto veda a fecundação de oócitos com finalidade diversa da reprodutiva[164], proibindo também a redução embrionária, ainda que a gravidez seja múltipla, exceto quando houver risco para a gestante (art. 8º).
Desta forma, fica proibida a industrialização de embriões humanos para funcionarem como matéria-prima de células-tronco embrionárias para pesquisas.
É permitida a crioconservação dos pré-embriões não utilizados por até 5 (cinco) anos (arts. 23 e 24). Após este período, os bancos que o armazenam poderão descartá-los ou utilizá-los para experimentação[165].
Inicialmente, não se podem produzir embriões para pesquisas. Porém, após alguns anos de crioconservação seu destino será a destruição ou experimentação. A respeito da aparente contradição, aduz o proponente em sua justificação:
Estamos convencidos de que não podemos engessar a ciência e a tecnologia, e de que a lei tem de ter uma visão de equilíbrio, para que não seja consumida rapidamente, como algo descartável ou sazonal.
Não podemos cair, jamais, na extremada posição de tudo permitir em nome da liberdade de iniciativa no campo científico. Esse direito deve ser sempre balizado pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (BRASIL, P., 1997, sp).
A investigação experimental com pré-embriões dar-se-á exclusivamente com o consentimento dos doadores e autorização do Conselho Nacional de RHA, com finalidade diagnóstica, terapêutica ou preventiva (art. 32). Fica vedada a alteração do patrimônio genético saudável (art. 32, parágrafo único).
O art. 34 prevê que os embriões ou pré-embriões abortados serão considerados mortos ou não viáveis, podendo ser utilizados para experimentação. Todavia, a investigação deve ser pautada pelos objetivos elencados no art. 33, quais sejam: I – aperfeiçoar as técnicas de RHA; II – estudar a origem da vida humana e seu desenvolvimento; III – estudar fertilidade e infertilidade; IV – conhecer a estrutura dos genes; V – conhecer a origem do câncer e das enfermidades genéticas hereditárias.
A proposição criminaliza a conduta de manter pré-embriões criogenados além do prazo de 5 (cinco) anos, a clonagem por qualquer método, a criação de zigotos com finalidade não reprodutiva, entre outros.
Em suma, trata-se de projeto moderado que não se posiciona nem em um extremo, nem em outro. Se, por um lado, veda a produção de embriões com finalidade diversa da reprodutiva, por outro exige que após cinco anos de crioconservação eles sejam destruídos ou destinados para pesquisas.
3.2.7.2. O Projeto de Lei 1.135/2003
De autoria do Deputado Federal e médico José Aristodemo Pinotti, o PLC 1.135 de 2003 tramita em conjunto com o PL 2.855 de 1997.
Quando o art. 3º, II define o que se entende por pré-embrião[166] já está dando uma dica de que o projeto segue uma orientação no sentido de desconsiderar a personalidade do concepto em suas fases iniciais de desenvolvimento.
Tal suspeita é confirmada quando, em seu art. 12, a proposição exclui expressamente a personalidade civil dos pré-embriões[167] (BRASIL, 2003, sp).
No que tange ao diagnóstico e tratamento de pré-embriões, o projeto permite que a manipulação seja feita em benefício do próprio embrião, sendo obrigatório o consentimento informado do casal (art. 15) (BRASIL, 2003, sp).
O tempo máximo de desenvolvimento in vitro será de 14 dias (art. 15, §3º) (BRASIL, 2003, sp).
Na esfera criminal, o projeto tipifica: a) a fecundação de oócito humano com finalidade distinta da reprodução; b) a comercialização ou industrialização de pré-embriões ou gametas; c) prática de RHA sem o consentimento informado dos beneficiários; d) revelar a identidade civil dos doadores ou beneficiários, uns aos outros (BRASIL, 2003, sp).
O projeto permite a criopreservação de gametas e pré-embriões, vedando a destruição sumária (art. 14 caput e §1º). Contudo, após três anos de armazenamento os beneficiários poderão decidir sobre o descarte ou doação (§3º) (BRASIL, 2003, sp).
Potencializa-se o caráter de objeto dos embriões excedentários quando se atribui aos doadores ou depositantes beneficiários total liberdade para decidirem o destino dos supranumerários.
O projeto assume a posição de desconsiderar a personalidade jurídica do embrião em estado pré-implantatório, equiparando-o a um objeto passível de tutela pelo direito de propriedade.
3.2.7.3. O Projeto de Lei 4.555/2004
Trata-se de projeto de lei sobre a obrigatoriedade dos bancos de cordão umbilical, placentário e de armazenamento de embriões resultantes de fertilização assistida terem natureza pública.
Tramita apensado ao projeto de lei nº 3.055/04, o qual cria o Programa Nacional de Coleta, Armazenamento, Exame e Transplante de células originárias de sangue de cordão umbilical e dá outras providências.
No art. 4º, a proposição menciona que os embriões armazenados para fins de obtenção de células-tronco embrionárias não poderão ser comercializados (BRASIL, Projeto de Lei nº 4.555, 2004, sp).
A conduta de comercializar os embriões supranumerários foi criminalizada, cominando-se a pena de reclusão de dois a seis anos.
Em sua justificação, o Deputado Federal Henrique Fontana aduz que a polêmica sobre o uso de células-tronco provenientes de embriões está na determinação do início da vida.
No caso de uso de embriões, produzidos para fertilização in vitro, aqueles não utilizados ou que sejam inviáveis, poderão até ser descartados, sem que ofereçam esperança de cura para muitos seres humanos. A regulamentação pretendida com esta proposição, sobre as células embrionárias, diz respeito tão somente à natureza pública de seu armazenamento, a proibição se sua comercialização, a tipificação de crimes e a definição de penas, posto que a pesquisa para a sua utilização para fins terapêuticos é objeto do projeto de biossegurança, em fase final de tramitação no Congresso (in BRASIL, Projeto de Lei nº 4.555, 2004, sp).
O projeto de biossegurança referido acabou por converter-se na Lei 11.105/2005, sobre a qual já se comentou. Conforme foi possível verificar, a Nova Lei de Biossegurança não prevê o descarte puro e simples, mas tão somente alguns casos específicos em que os embriões poderão ser utilizados para pesquisas científicas.
A Lei não deixa clara a questão sobre a possibilidade de produção dos excedentários após sua entrada em vigor, o que sugere que a não proibição significa uma permissão tácita.
Da mesma forma, presume-se que o projeto em voga admite a produção de embriões excedentários e não veda a sua utilização para pesquisas.
3.2.7.4. O Projeto de Lei 4.664/2004
Apensado ao PL 1.184/2003, o PL 4.664/2004 foi proposto por Lamartine Posella. Composto por apenas quatro artigos, dispõe sobre a proibição ao descarte de embriões humanos fertilizados "in vitro", determina a responsabilidade sobre os mesmos e dá outras providências.
Conciso, o projeto contém apenas 4 artigos, razão pela qual será transcrito na íntegra:
Art. 1º – É vedado, em todo o território nacional, o descarte de embriões humanos fertilizados “in vitro”. Art. 2º – A responsabilidade sobre o destino dos embriões não implantados é dos doadores das células germinativas por 5 anos. Após este período, a responsabilidade passará para a clínica de reprodução assistida que, acrescida à responsabilidade de manutenção, só poderá destiná-los se for para adoção; nunca para experiências. Art. 3º – Revogam-se as disposições em contrário. Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação (BRASIL, Projeto de Lei nº 4.664, 2004, sp, sem grifos no original).
O art. 1o veda, como visto, o descarte dos conceptos excedentes de procedimentos de reprodução humana assistida.
Solução inédita é a adotada no que tange à responsabilidade pela manutenção dos supranumerários. Nos primeiros 5 (cinco) anos, a responsabilidade é dos doadores dos gametas. Após, competirá à clínica sua manutenção. Esta manutenção é necessária, porquanto restou vedada a destruição sumária e a destinação para experiências. O único encaminhamento possível é a adoção.
Verifica-se, pois, que o projeto do deputado Posella prima pela proteção à vida do embrião excedentário. A proibição do descarte e a atribuição de responsáveis pela sua mantença, bem como a destinação específica para adoção excluindo a possibilidade de utilização para pesquisas são práticas que se coadunam com a proteção integral do concepto em função de sua característica de pessoa humana.
3.2.7.5. O Projeto de Lei 489/2007
De autoria do deputado Odair Cunha, dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e sua proteção integral. O projeto elenca os direitos inerentes ao nascituro, na qualidade de criança por nascer, desde a sua concepção.
Vários desses direitos, já previsto em leis esparsas, foram compilados no presente Estatuto. Por exemplo, o direito de o nascituro receber doações (art. 542, Código Civil), de receber um curador especial quando seus interesses colidirem com os de seus pais (art. 1.692, Código Civil), de ser adotado (art. 1.621, Código Civil), de se adquirir herança (arts. 1.798 e 1799, Código Civil), de nascer (art. 7º, Estatuto da Criança e do Adolescente), de receber do juiz uma sentença declaratória de seus direitos após comprovada a gravidez de sua mãe (arts. 877 e 878, Código de Processo Civil) (BRASIL, 2007, sp).
Em consonância com a intenção de integralizar a proteção ao nascituro, especialmente no que tange aos direitos da personalidade, dá-se especial atenção à alguns direitos essenciais[168] enquanto, em outro norte, proscreve-se qualquer tipo de conduta discriminatória[169] (BRASIL, 2007, sp).
Define nascituro como o ser humano concebido e ainda não nascido (art. 2º). Neste sentido, o concepto, ou embrião, in vitro estaria abrangido pelo Estatuto[170].
Em relação aos direitos da personalidade, o projeto do Estatuto reconhece que o não nascido os possui desde a concepção, ficando a aquisição da personalidade jurídica condicionada ao nascimento com vida[171].
Conforme é possível verificar, o Estatuto objetiva fornecer proteção integral desde o momento da união dos gametas, inclusive do que tange aos direitos da personalidade.
Na justificação do projeto o deputado refere-se à problemática do não nascido nos seguintes termos:
Por se tratar de tema de extrema importância e sendo o Brasil, signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que determina a existência de leis que disponham, exclusivamente, sobre a proteção integral ao nascituro, trago novamente à discussão o referido tema [...].
A proliferação de abusos com seres humanos não nascidos, incluindo a manipulação, o congelamento, o descarte e o comércio de embriões humanos, a condenação de bebês à morte por causa de deficiências físicas ou por causa de crime cometido por seus pais, os planos de que os bebês sejam clonados e mortos com o único fim de serem suas células transplantadas para adultos doentes, tudo isso requer que, a exemplo de outros países como a Itália, seja promulgada uma lei que interrompa tamanhas atrocidades (BRASIL, 2007, sp, grifou-se).
O proponente menciona uma lei norte-americana de 2004, intitulada “Unborn Victims of Violence Act”[172], segundo a qual a pessoa que causar morte ou lesão à pessoa não nascida, responderá criminalmente por tal ato, sem prejuízo da punição pela morte ou lesão à gestante. Para o deputado, trata-se de exemplo pontual do esforço de se reconhecer o nascituro como uma pessoa tal qual qualquer outra já nascida.
Noticia-se, ainda, que no mesmo ano – 1994 – passou a vigorar na Itália “uma lei que dá ao embrião humano os mesmos direitos de um cidadão” (BRASIL, 2007, sp).
Em função da relevância deste projeto para o presente trabalho, recomenda-se sua leitura integral. Para tanto, disponibiliza-se sua redação, na íntegra, no anexo II.
3.2.8. Orientações Éticas do Conselho Federal de Medicina
3.2.8.1. Resolução nº 1.358, de 1992, do Conselho Federal de Medicina
Muito embora não tenha conteúdo vinculativo juridicamente, a Resolução nº 1.358 do Conselho Federal de Medicina traça normas éticas a serem observadas no manejo das técnicas de reprodução humana assistida. São dispositivos deontológicos a serem seguidos pelos médicos.
A resolução estabelece que a finalidade precípua das técnicas de reprodução assistida é possibilitar que casais com problemas de infertilidade realizem seu projeto parental.
Neste sentido, o art. 5º veda a fecundação com finalidade diversa da reprodutiva[173].
Para evitar o aumento do número de gestações múltiplas, limita-se a quatro o número de embriões a serem implantados[174].
Demonstrando certa proteção ao concepto, a orientação é que a redução embrionária deve ser proscrita[175].
Contudo, a resolução adota posição discriminatória ao falar em pré-embrião. Há um capítulo, o IV, que trata da doação de gametas ou pré-embriões. Conforme já se teve a oportunidade de mencionar ao longo deste trabalho, a opção por esta nomenclatura revela que o tratamento atribuído ao concepto nos 14 dias[176] que seguem à fecundação é compatível com fornecido aos objetos, passível de tutela pelo direito das coisas.
No capítulo V, o texto fala sobre a crioconservação:
V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões. 2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. 3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los (RESOLUÇÃO, 1992, p. 108, grifou-se).
Apesar de proibir o descarte sumário, a resolução atribui aos beneficiários a opção sobre o destino dos conceptos, tal qual alguém dispõe sobre os bens que estão sobre seu domínio.
Na opinião de Sá e Teixeira, “algumas recomendações da Resolução ora comentada ferem o princípio constitucional da dignidade humana e da inviolabilidade do direito à vida” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 101).
Essa violação ocorre porque os casais detêm a faculdade de optar pelo destino dos embriões ex utero. Ademais, a resolução faz diferença entre o pré-embrião (até o décimo quarto dia de desenvolvimento) e o embrião (após este período).