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O dever de urbanidade dos operadores do Direito na persecução penal

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Agenda 14/11/2012 às 15:58

Na esfera penal, os ânimos de todos os respectivos participantes parecem estar sempre à flor da pele, sobremodo em decorrência do intenso volume de trabalho.

Sumário: 1. Introdução. 2. O respeito àdignidade humana no processo penal. 3. Bens jurídicos constitucionais. 4. O dever de urbanidade dos operadores do direito na persecução penal. 4.1. O dever de urbanidade do juiz. 4.2. O dever de urbanidade do promotor. 4.3. O dever de urbanidade do advogado. 5. Promoção permanente da imagem da justiça. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.


1. introdução

A ausência de urbanidade evidenciada no cotidiano social brasileiro, a qual apavora o cidadão e preocupa relevantemente o Estado de Direito, contaminou certos operadores do direito (advogado, promotor, juiz e delegado de polícia), pois nos últimos anos tem crescido o número de ofensas ou agressões perpetradas por tais profissionais em interrogatórios policiais, audiências e julgamentos judiciais, tendo como vítimas os próprios, as partes ou os jurisdicionados.

Essa situação é muito mais grave na esfera penal, onde os ânimos de todos os respectivos participantes parecem estar sempre à flor da pele, sobremodo em decorrência do intenso volume de trabalho. Apesar disso, jamais se pode perder de vista o dever de urbanidade no tratamento entre si e para com as partes, testemunhas e auxiliares da Justiça, sendo de todo inadmissível qualquer ofensa ou agressão, sobremaneira entre aqueles que devem velar pela imagem da Justiça e das Instituições a ela essenciais.

O juiz,por dirigir os trabalhos processuais detém o poder de polícia para fazer prevalecer e restaurar a ordem, de modo que jamais deve admitir a prática de qualquer ato ou ação humana tendente a estabelecer a desordem, cabendo-lhe exortar as partes ou jurisdicionados, seus representantes legais e demais participantes do processo sobre o permanente e recíproco dever de urbanidade, sem o qual se torna impraticável o exercício da jurisdição.

Objetiva este artigo, portanto, alertar os operadores do direito e os demais agentes públicos para a concretização do dever de urbanidade, constante e reciproco, no efetivo exercício de suas relevantes funções delineadas pela Constituição Federal, com vistas a preservar a imagem da Justiça perante a sociedade, concretizar a cidadania e, sobretudo, a dignidade humana.


2. O respeito à dignidade humana no processo penal

Segundo Celso Ribeiro Bastos, os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Valores esses albergados pela Lei Maior com o escopo de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação e, sobretudo, expandir os seus valores, pulverizando-os sobre todo o universo jurídico. 1

Apesar da dificuldade doutrinaria em definir dignidade humana, pode-se afirmar ser ele um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. Ademais, tal princípio fundamental apresenta-se em uma dupla concepção: em primeiro lugar prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação a outros indivíduos; ao passo que, em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. 2

A doutrina constitucional tem entendido que se a Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direito fundamentais, ela repousa na dignada humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. Como característica essencial da pessoa, a dignidade é um princípio que coenvolve todos os princípios relativos aos direitos e também aos deveres das pessoas e à posição do Estado perante elas. Na qualidade de princípio axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte, ter-se-á que a dignidade humana como um metaprincípio. 3

Como se pode observar, o princípio da dignidade humana é largamente invocado, contudo não se pode negar a grande dificuldade que é dar-lhe concretude com vistas a exercer o seu papel substancial na proteção permanente das pessoas, sem perder eficácia. Ademais, esse princípio é um valor-fonte do ordenamento jurídico, de modo que inspira outros princípios constitucionais, tornando-se a origem dos muitos preceitos da legislação vigente. 4

Portanto, os princípios constitucionais fundamentais, em especial o da “dignidade humana”, norteiam o ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo assim limites para atuação estatal na sociedade contemporânea, sobremaneira na esfera penal. Pode-se afirmar ainda que, a dignidade humana, a partir da Constituição brasileira de 1998, passou a ser parâmetro de interpretação jurídica para todas as áreas do Direito.

No que tange ao processo penal, que é a Constituição aplicada, referido princípio atua para que ele seja eficiente instrumento de aplicação de justiça, bem como para que consiga, de forma efetiva, operar na sociedade como fator de paz social e de preservação da liberdade. Em outras palavras, o processo penal somente se justifica se for veiculo de realização da justiça, da asseguração do bem e da pacificação social. 5

Para salvaguardar ou proteger mencionado princípio, a mesma Lei Fundamental estabeleceu um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, notadamente no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, tanto que a doutrina nacional passou a denominá-los de “Constituição Penal”, “Processo Penal Constitucional”, dentre outros, justamente porque tal norma fundamental cuidou de prevê-los.

A doutrina processual, por seu turno, tem entendido no sentido de que o direito processual, como ramo do direito público, tem suas diretrizes fundamentais traçadas pelo direito constitucional, daí asseverar respectivos doutrinadores que o direito processual penal chega a ser apontado como direito constitucional aplicado às relações entre autoridade e liberdade. Mas, além de seus pressupostos constitucionais, comuns a todos os ramos do direito, o direito processual é fundamentalmente determinado pela norma constitucional. 6

Diante desse pensamento doutrinário, diz-se que o Processo Penal é o instrumento pelo qual se materializam os direitos e garantias fundamentais do cidadão investigado ou acusado. Vale dizer também, que o processo constitui a primeira e mais fundamental garantia do indivíduo, pois é por meio desse instrumento, que se realiza a proteção efetiva dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição. 7

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Sob esse enfoque, percebe-se que o investigado ou acusado não é um mero “objeto” da investigação criminal ou uma simples “coisa” no processo penal, mas sim sujeito (cidadão) de direitos e garantias, cujo qual goza também dos sobreditos princípios fundamentais, mais especificamente, da dignidade humana. Ora, tanto é patente essa garantia-proteção penal-constitucional que a Constituição Federal resguarda a “dignidade física e moral do preso” (artigo 5.º, xlIx); de modo que, com relação ao investigado ou acusado em liberdade, a exegese não pode ser diferente.


3. Bens jurídicos constitucionais

A Lei Maior delimita quais os bens jurídicos relevantes são carecedores de proteção do Direito Penal (vida, liberdade, propriedade, igualdade, segurança, artigo 5.º, caput). No caso presente estudo, uma categoria de “bens jurídico-penais individuais” merece destaque: os bens jurídicos denominados personalismos, como a vida, a integridade física, a liberdade, a honra. 8Bem jurídico é aquele que esteja a exigir uma proteção especial, no âmbito normativo penal, por se revelar insuficiente em relação a ele, as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico em outras áreas extrapenais. 9

Importante ressaltar, que o legislador ordinário penal, visando criminalizar certas condutas, deve sempre se nortear pelas diretrizes estabelecidas na Constituição Federal e os valores nela consagrados para definir os bens jurídicos, tendo em conta o caráter limitativo da tutela penal, pois, como já enfatizado, os bens dignos ou merecedores de tutela penal são, em princípio, os de indicação constitucional específica e aqueles que se encontramem harmonia com a noção de Estado de Direito. O recurso à privação de liberdade deve ser a ultima ratio, quando absolutamente indispensável.10

Uma vez violado bem jurídico-penal, nasce para o Estado o dever de prestar a tutela jurisdicional à sociedade, por meio do devido processo legal, com o fim de punir o infrator da norma repressora, segregando-lhe o bem jurídico-constitucional mais caro, depois da vida, que a liberdade de locomoção.

Qualquer que seja o bem jurídico-penal individual violado, sempre resultará em ofensa à dignidade da vítima. Por outro lado, sem a fiel observância do devido processo legal (e penal), no tocante a persecução criminal, o investigado ou acusado, da mesma forma, terá sua dignidade humana violada, mas pelo Estado.

Na persecução penal, não só o rol de bens jurídicos do investigado ou do acusado (dignidade, liberdade, etc.) é tutelado pela norma jurídica, mastambém aquele rol atinente aos profissionais que exercem funções essências à Justiça (CF, artigos 127 a 135) e aos agentes públicos da área de segurança (CF, artigo 144). Portanto, se no curso dessa persecução o cidadão investigado ou acusado pode vir a praticar delitos contra osoperadores do direito (lesão corporal, crimes contra a honra, desacato, etc.), estes, de igual forma, podem transgredir a lei repressora, praticando abuso de autoridade, tortura, etc., contra aquele cidadão, ou seu defensor.

Dessa forma,percebe-se que a legislação protege os bens jurídicos de todos – investigado, acusado, vítima, agentes públicos e profissionais do direito – que atuam na aludida persecução penal, independentemente da posição que ocupamdo ou papel que nela desempenham.


4. O dever de urbanidade dos operadores do direito na persecução penal

As instituições jurídicas, mais especificamente o Ministério Público, a Advocacia e a Defensoria Pública, reconhecidas como “Funções Essenciais à Justiça” (CF, artigos 127 a 135), não podem jamais perder de vista os seus deveres institucionais e, sobretudo, constitucionais, bem como os seus respectivos membros os compromissos legais assumidos e os juramentos feitos perante o a Lei Maior do Estado. Da mesma forma, não devem eles frustras o crédito, a esperança ou a fé que a Sociedade deposita em cada uma dessas instituições que a representa.

Todo operador do direito, importante frisar, desempenha o seu papel nos exatos limites estabelecidos na legislação de regência. Significa dizer, com isso, que para cada Instituição jurídica existe uma Lei (Complementar ou ordinária) que a rege integralmente, dando assim concretude à referida previsão constitucional.

Desse modo,é difícil de imaginar que no curso da persecução penal o profissional do direito deixe de observar o seu dever de urbanidade. Destarte, infelizmente, isso tem se tornou uma realidade, e cada vez mais frequente, sobretudo por parte dos operadores do direito. Ademais, agressões físicas e, com muito mais frequência, ofensas verbais à parte e ao seu defensor em nada contribui para a manutenção e fortalecimento da imagem do Poder Judiciário, bem assim para a concretização dos princípios, direitos e garantias fundamentais.

Indaga-se, desde logo, se seria mesmo necessário a Lei dispor sobre o “dever de urbanidade” por parte dos profissionais das carreiras jurídicas, quando a obviedade se apresenta tão cristalina e manifesta, pois impossível conduzir a autoridade policial ou judiciária uma investigação, audiência ou julgamento com ausência de urbanidade, cuja expressão significa: “qualidade de urbano, civilidade, cortesia, afabilidade”. 11

Mas, assim como o legislador criou instrumentos jurídicos específicos para correção dos erros jurídicos (recursos, revisão criminal, ação rescisória), reconhecendo, portanto, a falibilidade humana nesse campo, logo não é novidade e muito menos exagero que ele tenha previsto tal “dever de urbanidade” nos estatutos dos operadores do direito, mesmo porque se é possível o cometimento de equívocos no exercício de suasfunções, também é perfeitamente previsível que elespossam praticar abusos e ofensas.

4.1. O dever de urbanidade do juiz

O Estatuto da Magistratura Nacional (Lei Complementar – LC n.º 35/1979) dispõe no seu artigo 35 que são deveres do magistrado, dentre outros, “tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”(inciso IV). 12

Comentando esse dispositivo, José Wilson Gonçalves e Vinícius de Toledo Piza Peluso, em obra específica sobre o tema, 13 asseveram que a independência do juiz não pode se revestir de arrogância, rispidez e incivilidade, cabendo-lhe, portanto, tratar com respeito, cortesia e civilidade todos aqueles com os quais mantenha contato no exercício de sua função jurisdicional, salvaguardando, assim, a dignidade e imagem pública do próprio Poder Judiciário.

Quanto aos deveres dos membros da magistratura, assinala Sidnei Agostinho Beneti, 14são imposições de conduta constantes das normas legais, dentre eles o que aludido autor denomina de deveres pessoais, como o de cordialidade no trato pessoal com as partes, advogados, promotores, policiais, funcionários, participantes dos atos judiciais, sendo que a ausência dessa cordialidade é um indicativo de despreparo e tentativa de imposição prepotente em vez de convencimento por força institucional ou de racionalidade de argumentos.

Ainda nesse contexto, enfatiza Fátima Nancy Andrighi que durante a condução ritualística da audiência, cabe ao juiz observar, além de outras regras, a urbanidade no tratamento das partes e advogados, mantendo-se firme na postura pessoal, não se exasperando, conservando a voz em tom de comando, sem gritar, mas não diminuindo o volume de modo a ficar sobrepujada por outro comando ou pela dispersão. 15

A audiência ou julgamento é um ato processual que pode ensejar inúmeros incidentes jurídicos e fáticos, decorrentes, sobremaneira, do comportamento humano, podendo resultar em descontrole e distorções que podem atingir consequências relevantes. Em uma audiência, por exemplo, acentua Francisco VaniBemfica, 16 ao cotejar o papel do juiz e o serviço do Judiciário, se o magistrado perder a calma, ninguém mais a controlará, valendo destacar que existe sempre uma forma de agir melhor do que esbravejar.

Oportuno realçar, no entanto, que as partes (acusado e vítima), seus representes legais (advogado, defensor, promotor) e os auxiliares da Justiça devem comportar-se civilizadamente, demonstrando serem merecedores do tratamento urbano ou respeitoso do juiz, na media em que o dever de urbanidade é reciproco. E para manter ou restaurar a ordem dos atos judiciais, a lei processual penal reveste o juiz de poderes de polícia, autorizando-o a requisitar força policial,17prendendo os desobedientes,dirigindo os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem, além de determinar a retirada da sala de audiência ou do plenário o acusado que dificultar a realização do julgamento, que prosseguirá sem a sua presença.18

Marco Antonio Marques da Silva, 19pontua que o exercício do poder de polícia está sob a responsabilidade do juiz, do presidente do Tribunal, câmara ou turma, com o escopo exclusivo de preservar o decoro da Justiça, a manutenção da dignidade de suas audiências e o respeito a todos os participantes do ato judicial. Por seu turno, Edgard Moura Bittencourt, 20em obra específica sobre esse profissional do direito, destaca vinte mandamentos que magistrado deve observar, sendo que o terceiro mandamento é bem apropriado para o tema em cotejo:“As partes bem tratarás, como a todos, afavelmente”.

No plano institucional, o Conselho Nacional de Justiça – cnj, legitimado pela Lei Maior (artigo 103-B, § 4.º, incisos I e II),editou o Código de Ética da Magistratura, 21o qual foi Aprovado na 68.ª Sessão Ordinária deste Conselho realizada em 06 de agosto de 2008, nos autos do Processo n.º 200820000007337, entrando em vigor no dia 18/09/2008. Prevê o artigo 22 do citado Código de ética, que “o magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça”. Além disso, o parágrafo único, do mesmo artigo, impõe ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.

4.2. O dever de urbanidade do promotor

Os membros do Ministério Públicotambém possuem o dever de urbanidade, o qual é previsto emnormas específicas que regem essa carreira jurídica essencial à Justiça, notadamente a Lei Complementar – LC n.º 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União),artigo236, inciso VIII, 22e Lei Ordinária n.º 8.625/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados),artigo 43, inciso IX.23

O Conselho Nacional do Mistério Público– cnmp, por outro lado, também legitimado pela Constituição da República (artigo 130-A, § 2.º, incisos ii e iii), está discutindo a aprovação de Resolução que cria o Código de ética para os Membros do Ministério Público da União e dos Estados.Todavia, o Capítulo I, do Título III (“Dos Deveres e Vedações”), do futuro Código de Ética do MP, por coincidência ou sugestivamente, é denominado de “Dos Deveres Fundamentais”,24dispondo o seu artigo 5.º que, dentre os deveres fundamentais do Ministério Público, está o tratamento com respeito e urbanidade aos colegas, as autoridades, aos servidores da Instituição e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício do cargo, não prescindindo de igual tratamento(incisovi).

Mas, apesar dessa previsão legal vigente, o cotidiano forense tem revelado algumas situações pontuais e notórias25em que determinados promotores agrediram os advogados da parte. Essa ausência de urbanidade ou civilidade de alguns membros do parquet nas audiências ou nos julgamentos, quase sempre, tem progredido para agressões físicas, gerando lesões corporais e danos à honra do defensor.

Por sua vez, a parte, especialmente o acusado julgado perante o Tribunal do Júri, também tem sido alvo ou vítima de agressões verbais de alguns promotores, que, durante a exposição das teses acusatória, adotam uma adjetivação extremamente pejorativa à imagem e suposta conduta da pessoa acusada.E essas posturasofensivas e incivilizadas de poucos promotores no exercício pleno de suas funções constitucionais ofendemnão só a dignidade humana como também a presunção de inocência do acusado (CF, artigos 1.º, inciso III, e 5.º, inciso lvii); ao passo que, com relação ao advogado ou defensor da parte, de igual forma no pleno exercício do seu mister constitucional, além da ofensa a sua dignidade tem ainda violada à prerrogativa estatutária do “tratamento considerado e respeito reciproco” (Lei n.º 8.906/1994 – EAOAB, artigo 6.º, caput).

Francisco Fernandes de Araújo,26dissertando também sobre a ética do promotor do no processo, sustenta que também lhe cabe tratar com urbanidade a todos que participem dos processos, pois são procedimentos éticos previsto em lei, cujos quais os membros do parquet não podem fazer ouvidos moucos, como não raro acontece. Enfatiza ainda sobredito autor o desrespeito que alguns promotores manifestam, principalmente nos processo criminais, em relação aos réus, aos juízes e à Justiça, sendo isso expediente muito comum e que o Ministério Público pouco ou nada tem feito para melhora tal situação.

4.3. O dever de urbanidade do advogado

A legislação pátria também exige do advogado ou defensor um comportamento urbano e civilizado no exercício de sua função. O Estatuto da Advocacia, em seu artigo 6.º, caput, exige que advogados, membros da magistratura e do parquet tratem-se com respeito e consideração recíprocos, ressaltando ainda tal dispositivo inexistir qualquer hierarquia e subordinação entres eles. 25Deve, pois, o advogado, nos termos do artigo 31 do EAOAB, proceder de maneira que seja sempre merecedor do respeito, contribuindo para o prestígio da Advocacia.26

Os deveres de urbanidade, decoro e polidez, segundo Paulo Lôbo,27 são obrigatórios para o advogado, inclusive nas referências processuais à parte adversa, sendo de todo inadmissível confundir-se combatividade com agressão. O advogado não dispõe do poder do juiz e dos meios de coerção policial, residindo toda sua força na palavra e na autoridade moral que ostenta.

Nesse sentido, observa Gladston Mamede que o dever de respeito mútuo não se confunde com a apatia profissional, devendo, pois, o advogado respeitar os outros agentes e participantes processuais, não estando privado da combatividade,28 que é um dever seu para com a cidadania e que deve ser exercido obrigatoriamente com polidez e civilidade.

A OAB, ademais, possui um Código de Ética e Disciplinapróprio,29  com um Capítulo reservado ao tratamento desse sobredito dever de urbanidade do advogado e de outros substanciais deveres atinentes ao exercício da Advocacia, cujos quais estão previsto nos seus artigos 44 a 46.30

Como visto, os profissionais das carreiras jurídicassão sabedores, mais do que quaisquer outros cidadãos, de que os conflitos decorrentes da convivência social, no Estado Democrático e de Direito, só podem ser solucionados por meio do constante diálogo ou da diplomacia e perante o Judiciário, sendo vedado e inadmissível todo e qualquer tipo de violência.

Nessalinha de pensamento, é preciso ter sempre em mente que, se o cidadão preso tem assegurado o direito a sua integridade física e moral (CF, artigo 5.º, inciso XLIX), o que se aplica a toda modalidade de tutela jurisdicional, mais razão ainda para se exigir dos operadores do direito e demais participantes do processo a integral observância do dever de urbanidade. E esse dever de urbanidade, como bem pontua Nelson Nery Júnior, 31 alcança todos àqueles que, de alguma forma, participam do processo.

Daí, enfatizar Octacílio Paula Silva,32 que as partes, seus procuradores e todos jurisdicionados, merecem o mesmo tratamento respeitoso e cortês, a mesma consideração, não importando o nível social, a condição econômica ou financeira e, muito menos, o maior ou menor gabarito do profissional. Vale ressaltar, contudo, que o papel desse profissional na sua área de atuação e na sociedade é de caráter eminentemente ético.

Está na natureza social do ser humano conviver em sociedade, conforme afirma Wagner Balera,pois a vida social é, por consequência, o lugar onde a pessoa pode obter notável aperfeiçoamento, seja pela comunicação estabelecida com os demais, como pela natural interdependência que institui o apoio e reconhecimento do outro. Os seres humanos, conclui referido autor, devem buscar o bem comum como missão coletiva e verdadeiro dever de solidariedade. 33

No plano geral da Administração da União, das autarquias e das fundações públicas federais, regidas pela Lei n.º 8.112/1990, que instituiu o regime jurídico dos servidores civis,exige-se uma qualidade moral no trato com o público em geral, sendo, na realidade, esse predicado um dos deveres do servidor público:“tratar com urbanidade as pessoas” (artigo 116, inciso XI).

Apesar dessa vasta previsão legal mencionada, imposta aos agentes públicos, advogados e jurisdicionados, para o efetivo exercício de um dever óbvio – de urbanidade recíproca –, não se pode perder de vista que o ser humano não é ser padrão, de modo que continua sendo indispensável àavaliação prévia do equilíbrio emocional de cada operador do direito, dos servidores e auxiliares da Justiça, como requisito psicológico para se exercer atividades ou funções tão essenciais à Sociedade.

Sobre o autor
Edson Pereira Belo da Silva

Mestrando em Direito Processual Penal pela PUC-SP, Especialista em Direito Penal e em Direito Processual Penal,Advogado Criminal,Membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edson Pereira Belo. O dever de urbanidade dos operadores do Direito na persecução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3423, 14 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23019. Acesso em: 23 dez. 2024.

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