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O decreto legislativo como instrumento de controle da atividade normativa das agências reguladoras

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Agenda 11/01/2013 às 11:53

CONCLUSÃO

O grande desafio da regulação econômica é encontrar o ponto ótimo que: a) viabilize o lucro dos concessionários de serviços públicos e o bem-estar dos consumidores, mediante a disponibilização de serviços de qualidade a preços módicos, e a criação de um ambiente favorável ao investimento; e b) suprir as falhas de mercado, reprimindo o abuso do poder econômico, o monopólio e a posição dominante. A competência normativa conferida às Agências Reguladoras deve ser por isso instrumento para a concretização desses objetivos.

É preciso ter em mente a impossibilidade de transposição pura e simples de modelos de outros países com tradição constitucional distinta da brasileira e no qual a rede de infraestrutura já está instalada. Nossa realidade é distinta. No Brasil a rede de infraestrutura de aeroportos, transporte e comunicações é ainda muito precária e sofre com a escassez de capital e carece de vontade política para o seu desenvolvimento.

De tudo o que foi exposto no presente trabalho é possível extrair várias conclusões.

A primeira é que a função normativa possui duas premissas básicas: a norma jurídica constitui-se um elemento essencial do ordenamento jurídico; e a norma jurídica consubstancia-se na invocação de preceito primário no ordenamento jurídico. Essa mesma função normativa é gênero de que são espécies a função legislativa, caracterizada por emanar instituições primárias, em decorrência de exercício do poder originário, e a função regulamentar, caracterizada por conter preceitos derivados ou secundários.

A segunda, o princípio da legalidade engloba três vertentes que são desdobramentos deste instituto: a reserva de lei, a reserva de parlamento e a reserva de norma. A reserva legal exige que determinadas matérias só possam ser tratadas por lei em sentido formal e em sentido material, pois só a lei com essas características tem poder para inovar na ordem jurídica, não se admitindo a edição de normas secundárias para tratar da matéria. A reserva de parlamento significa que a norma, além de ser lei em sentido formal e material, seja examinada e aprovada pelo Parlamento. A reserva de norma, também denominada reserva de ato legislativo, é mais abrangente que as duas primeiras ao prever que a competência para editar normas, com regras de direito em sentido material, possa ser manejada pelo Poder Executivo, pelo Poder Judiciário ou pelo Poder Legislativo.

Nos casos de reserva de lei e de reserva de parlamento, a competência regulamentar funciona como um meio de disciplinar e cercear a discricionariedade da Administração Pública, impondo padrões de conduta e critérios administrativos a serem obrigatoriamente observados na aplicação da lei ao caso concreto.

A terceira, a função normativa regulamentar é o poder/dever de editar regulamentos destinados à execução da lei. Essa função normativa regulamentar caracteriza-se por permear toda a estrutura administrativa do Poder Executivo e por possuir vários níveis hierárquicos.

O inciso IV do art. 84 da Constituição conferiu ao Chefe do Poder Executivo competência para editar regulamentos primários. No que se refere à competência regulamentar do Presidente da República, é preciso observar que “decreto” é o ato administrativo típico do Chefe do Poder Executivo. Trata-se, portanto, da forma do ato. Já o vocábulo regulamento implica na ideia de matéria, de conteúdo. Assim, enquanto o decreto é a forma do ato, o regulamento é o conteúdo material desse mesmo ato.

A Constituição, no inciso II do parágrafo único do art. 87, conferiu aos Ministros de Estado a prerrogativa constitucional de expedir atos normativos regulamentares de segundo grau destinados à execução das leis e regulamentos do Presidente da República. Além dos Ministros de Estado, as Agências Reguladoras também têm prerrogativa de editar regulamentos de segundo grau, a teor do art. 174 da Constituição.

As Agências Reguladoras, por serem os órgãos reguladores do Estado, por excelência, devem impor aos setores em que atuam normas e mecanismos jurídicos de cunho preventivo e repressivo, de forma a evitar e/ou reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”; estabelecer punições para os atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular; e regular preços e controlar o abastecimento do mercado, tudo a teor dos §§ 4º e 5º do art. 173 da Constituição.

Organizadas sob a forma de autarquias especiais, conforme o inciso I do art. 5º do Decreto-lei nº 200, de 1967, as Agências Reguladoras surgem, depois da reforma administrativa implementada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, como um instrumento de atuação do Estado no domínio econômico. A autarquia tradicional ganhou maior autonomia administrativa pela estabilidade do mandato de seus dirigentes.

A Quarta, há possibilidade constitucional da lei autorizar diretamente a Agência Reguladora a expedir regulamentos sobre determinada norma. Isso, no entanto, não afasta ou impossibilita que o Chefe do Poder Executivo, no uso de sua prerrogativa constitucional, inscrita no inciso IV do art. 84, expeça decreto regulamentar - norma regulamentadora primária -, disciplinando a matéria com observância obrigatória pela Agência.

A competência regulamentar é conferida pela Constituição ao Chefe do Poder Executivo e não pode ser afastada pelo legislador ordinário. Mesmo na hipótese de delegação por lei, os atos regulamentares das Agências Reguladoras permanecem como secundários, sujeitos à disciplina de atos regulamentares primários emitidos pelo Presidente da República. Entender de forma diferente equivaleria a conferir às Agências Reguladoras independência normativa, em face da supervisão ministerial e da competência constitucional privativa do Presidente da República.

A Quinta, não há possibilidade de conflito de competência entre a disciplina estabelecida pela Agência e o regulamento aprovado pelo Presidente da República, uma vez que se encontram em patamares jurídicos diferentes. Enquanto o regulamento do Chefe do Poder Executivo é norma regulamentar primária, destinada ao “fiel cumprimento da lei”, os regulamentos da Agência Reguladora são atos normativos secundários, subordinados hierarquicamente aos regulamentos primários.

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Assim, se o Presidente da República expedir regulamento, no uso da competência privativa do inciso IV do art. 84 da Constituição, automaticamente estará derrogado qualquer dispositivo de regulamento expedido por Agência Reguladora no exercício da competência regulamentar atípica.

A Sexta, existem basicamente três espécies de regulamento, a saber: os regulamentos de execução, os regulamentos autônomos e os regulamentos delegados.

Os regulamentos de execução são normas secundárias destinadas a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo de uma lei, não podendo ampliar ou restringir o âmbito de aplicação da norma. Limitam-se a explicitar o conteúdo da lei para que esta seja devidamente executada. Como espécie de regulamento de execução, pode-se citar o chamado regulamento de complementação, que se apresenta quando o Poder Legislativo estabelece normas gerais, princípios e critérios diretores e remete ao regulamento as especificações de natureza executiva, que não apenas particularizam o conteúdo de regras gerais, mas, de algum modo, criam regras dentro das linhas fixadas pelo legislador.

Os regulamentos autônomos extraem sua validade e legitimidade diretamente da Constituição, dispensando a necessidade de lei anterior, podendo inovar diretamente no ordenamento jurídico, criando ou restringindo direitos, pois possuem força impositiva própria. Em razão dessas características, são considerados atos legislativos primários tal qual a lei.

Até a edição da EC nº 32, de 2001, que alterou o inciso VI do art. 84 da Constituição, o regime constitucional brasileiro não admitia explicitamente o regulamento autônomo. A partir da alteração constitucional passou-se a permitir ao Presidente da República, sem a necessidade de lei anterior, editar decretos para extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos, e alterar a organização e funcionamento da administração pública federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.

Hoje é possível afirmar que existe uma reserva de regulamento, pois a matéria versada no inciso VI do art. 84 da Constituição só pode ser tratada por regulamento do Presidente da República.

Os regulamentos delegados, também denominados autorizados ou habilitados, são emanados do Chefe do Poder Executivo em decorrência de delegação legislativa, na forma do art. 68 da Constituição. Destinam-se a prover matéria sujeita à reserva de lei, excetuados os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; a matéria reservada à lei complementar; a legislação sobre a organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; a nacionalidade, a cidadania, os direitos individuais, políticos e eleitorais; os planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Na hipótese do art. 68 da Constituição, ocorre a chamada delegação legislativa que consiste no deslocamento de uma função pertencente a um centro emanador de atos para outro que, a partir daí, exercerá, concomitantemente, a mesma tarefa, mas com certas limitações. A delegação legislativa é a concessão feita pelo Poder Legislativo, como Poder delegante, em favor do Poder Executivo, Poder delegado, dentro de limitações previamente especificadas pelo Congresso Nacional, para que o delegado possa expedir normas que inovem na ordem legal, sem a necessidade da participação do Congresso Nacional.

Assim como os regulamentos autônomos, os regulamentos delegados podem inovar na ordem jurídica, pois há uma ampliação da atribuição regulamentar, limitada, porém, à matéria e aos termos fixados na delegação. A diferença entre o regulamento autônomo e o regulamento delegado é que este retira sua competência do ato de delegação de poderes aprovado pelo Congresso Nacional, enquanto aquele extrai sua competência diretamente da Constituição.

Fora das hipóteses do art. 68 e do inciso VI do art. 84, a Constituição exige que a função regulamentar esteja sempre adstrita à lei anterior.

A sétima, a discussão sobre a ilegalidade ou a inconstitucionalidade do regulamento, que ultrapassa os limites da lei que especifica ou a cuja execução se destina, está hoje mitigada em face da ADPF, prevista no § 1° do art. 102 da Constituição, e regulamentada pela Lei nº 9.882, de 1999. De fato, na ADPF o exercício do controle concentrado abrange a inconstitucionalidade direita e a indireta e os atos normativos autônomos e subordinados.

Há inconstitucionalidade tanto no regulamento que adentra o limite da lei, quanto na omissão da Administração Pública em sua função regulamentar, quando a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

A oitava, a Constituição não admite a deslegalização, que consiste na possibilidade de o Poder Legislativo transferir, por meio de lei, sua competência para que outro órgão do Poder Executivo ou do Poder Judiciário possa tratar da matéria que seria de sua atribuição, de forma inovadora, por meio de ato administrativo normativo.

O art. 25 da ADCT revogou todos os dispositivos legais que atribuíssem ou delegassem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, em especial, no que tange à ação normativa, e estatuiu no inciso XI do art. 49 o poder/dever do Poder Legislativo de zelar pela preservação de sua competência legislativa, em face da atribuição normativa dos outros Poderes.

Não ocorre deslegalização implícita ou inominada, quando o legislador utiliza na lei conceitos jurídicos indeterminados. Quando o legislador utiliza conceitos abertos, dotados de uma pluralidade de significações, não está deslegalizando a matéria e autorizando o Poder Executivo a inovar na ordem jurídica. A existência de uma margem de indeterminação relativa é inerente à positivação de normas jurídicas, pois o legislador não consegue determinar no texto da norma, de forma completa e exaustiva, todo o conteúdo correspondente à aplicação individual de sua vontade normatizada. Não se trata de deslegalizar, mas de permitir ao intérprete buscar a mens legis e adaptar a norma ao caso concreto.

A décima, não se confundem os conceitos de discricionariedade administrativa e discricionariedade técnica. A administrativa se apresenta quando a lei deixa à Administração a possibilidade de, no caso concreto, escolher entre duas ou mais alternativas, todas válidas perante o direito, segundo critérios de oportunidade e conveniência. Já a discricionariedade técnica implica a delimitação do conceito indeterminado utilizado pela lei com base em critérios técnicos extraídos da ciência.

A décima primeira, a competência normativa das Agências Reguladoras não decorre de delegação legislativa ou do instituto da deslegalização. A produção normativa desses órgãos advém da descentralização administrativa, limitando-se a editar regulamentos de execução, uma vez que se destinam a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo da lei ou do decreto regulamentar.

A descentralização administrativa é característica do regime autárquico previsto no Decreto-lei 200, de 1967. A lei de criação de uma Agência Reguladora constitui este órgão como autarquia sob regime especial e reserva-lhe poderes de natureza normativa propriamente dita e poderes de natureza concreta, como a solução de conflitos de interesses, de polícia administrativa (preventiva, repressiva e investigativa) e de fomento da atividade por ela regulada.

A décima segunda, as Agências Reguladoras brasileiras são autarquias especiais, com competência normativa semelhante, que independe de previsão constitucional expressa. O fato da criação de órgão regulador das telecomunicações (ANATEL) e do petróleo (ANP) estar previsto no inciso IX do art. 21 e no inciso III do § 2º do art. 177 da Constituição, respectivamente, não dotou estes órgãos de um regime especial que lhes conferisse uma autonomia e um poder normativo diferenciado. O art. 174 da Constituição estabelece de maneira genérica que o Estado é o agente normativo e regulador da atividade econômica, sem definir o modelo a ser adotado e sem conferir poderes originais especiais diferenciados a qualquer das Agências Reguladoras.

A décima terceira, é atribuição constitucional exclusiva do Congresso Nacional, prevista no inciso V do art. 49, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Trata-se do poder/dever do Parlamento de exercer o controle político dos atos regulamentares do Executivo que só pode ser manejado em face de ato normativo dotado dos atributos de abstração, generalidade e destinados a disciplinar relações jurídicas em abstrato. Não se admite a sustação pelo Congresso Nacional de ato de efeitos concretos do Poder Executivo, por ofensa ao princípio da separação dos poderes.

O decreto legislativo, previsto no inciso IV do art. 59 da Constituição, é o instrumento legislativo adequado para sustar os atos do Poder Executivo, pois o inciso V do art. 49 da Constituição expressa competência exclusiva do Congresso Nacional.

Diferentemente do decreto do Presidente da República, que é ato normativo secundário, o decreto legislativo é ato normativo primário e não está subordinado à lei. O decreto legislativo pode criar direito novo e inovar no mundo jurídico. Não há conflito entre o decreto legislativo e a lei, pois ambos estão posicionados no mesmo degrau formal da hierarquia do ordenamento jurídico. Um não revoga o outro, a lei e o decreto legislativo têm campos materiais próprios, inexistindo área comum onde possam atuar e, dessa forma, chocar-se.

No decreto legislativo que susta regulamento do Poder Executivo, o Congresso Nacional atua como legislador negativo, protegendo e defendendo sua competência constitucional contra investidas do Executivo. Assim, o decreto legislativo, aprovado com amparo no inciso V do art. 49 da Constituição, inova no sistema jurídico não para criar direito, mas para afastar normas extraídas de atos normativos do Executivo.

Qualquer ato estatal, dotado de abstração, generalidade e impessoalidade, pode ser sustado pelo Congresso Nacional, não importando sua forma ou nomem iuris.

O decreto legislativo, previsto no inciso V do art. 49, não revoga o ato regulamentar do Poder Executivo, em razão do princípio da separação dos poderes. O controle exercido pelo Congresso Nacional destina-se a sustar as consequências jurídicas do ato regulamentar, com efeitos inicialmente ex tunc e erga omnes. Essa competência é uma espécie de controle político de constitucionalidade repressivo.

A décima quarta e última, há um inegável déficit democrático na atuação das Agências Reguladoras brasileiras. Devem ater-se à elaboração de parâmetros técnicos eficientes destinados a conferir efetividade e eficácia às políticas públicas.

O fato de os dirigentes das Agências Reguladoras não serem eleitos torna particularmente relevante fixar a sua responsabilização e estabelecer o controle democrático sobre a atuação dos órgãos reguladores. Alta delegação sem responsabilização gera ineficiência e torna as Agências Reguladoras particularmente vulneráveis ao processo de captura.

O Congresso Nacional pode e deve exercer um controle ex-ante, consubstanciado na elaboração das leis que materializam as escolhas políticas e na sabatina dos indicados aos cargos nas Agências, e um controle ex-post, sob a forma de controle da atividade das Agências.

Uma Agência Reguladora não é um feudo. Apesar da necessidade de se conferir competência normativa às Agências Reguladoras, é essencial controlar e impor limites sobre esta atividade, a fim de se evitar que a Constituição e, em último caso, a sociedade e o Estado sejam submetidos a uma suposta discricionariedade técnica que possibilite o retorno de experiências totalitárias de concentração de poder.

Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo e possuem, por isto, legitimidade democrática de atuação. Em razão disso, podem e devem exercer o controle de todos os atos regulamentares, independentemente de sua origem e de seu posicionamento na hierarquia normativa.

Sobre o autor
Alexis Sales de Paula e Souza

Economista, advogado e servidor público em Brasília (DF). Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-graduado em direito público pelo Instituto Processus/DF. Pós-graduado em Direito da Regulação pelo IDP/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Alexis Sales Paula. O decreto legislativo como instrumento de controle da atividade normativa das agências reguladoras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3481, 11 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23428. Acesso em: 28 dez. 2024.

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