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Discussão sobre a legalidade da exportação da ayahuasca (chá do Santo Daime)

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Agenda 13/02/2013 às 13:22

As normas infralegais do antigo Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) e do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) não podem contrariar as normas legais e convenções de que o Brasil é signatário, razão pela qual a legislação em vigor considera crime a exportação da Ayahuasca (DMT).

O estudo acerca da legalidade da exportação do chá do Santo Daime (Ayahuasca) é um tema interessante em razão da colisão de direitos relacionada à liberdade de manifestação religiosa (liberdade de crença) e a necessidade de repressão do tráfico ilícito de substâncias psicotrópicas. Para a melhor compreensão da controvérsia, a Ayahuasca nada mais é do que uma bebida psicoativa originariamente utilizada em rituais de tribos indígenas da região amazônica. Essa bebida é preparada basicamente pela infusão de caules da Banisteriopsis caapi Morton, que contém o alucinógeno N, N-dimetiltriptamina (DMT). No Brasil, a Ayahuasca tem sido incorporada em rituais de grupos sincréticos religiosos. Atualmente, esses grupos religiosos têm se espalhado na Europa e Estados Unidos, o que levanta indagações sobre a possibilidade, ou não, de exportação desse alucinógeno. [1], [2]

Inicialmente, é importante se fazer uma breve retrospectiva sobre o ordenamento jurídico pátrio relacionado à repressão do tráfico de substâncias entorpecentes. Dessa maneira, cumpre destacar que o Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 90, de 5/12/1972, aprovou a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas realizada em Viena, na Conferência das Nações Unidas, em 21 de fevereiro de 1971, com o instrumento de ratificação depositado em 14/12/1973, após o que foi editado pelo Presidente da República o decreto nº 79.388/1977. [3]

É interessante destacar que nesse documento está anexa a lista das substâncias psicotrópicas colocadas sob controle internacional (Tabela 1) e nela está referida a substância DMT-N-N-Dimetiltriptamina, e, no artigo 7º, ficou expressamente estabelecido que: “As Partes deverão: a) proibir qualquer utilização destas substâncias, exceto para fins científicos ou médicos muito limitados, e por pessoas devidamente autorizadas que trabalham em estabelecimentos médicos ou científicos que dependam diretamente dos Governos ou sejam expressamente autorizadas por estes”. [4] Já o inciso 4 do artigo 32 dispõe:

Qualquer Estado em cujo território cresça no estado selvagem plantas contendo substâncias inscritas na lista 1 e utilizadas tradicionalmente por certos grupos restritos bem determinados na ocasião de cerimônias mágicas ou religiosas pode, na altura da assinatura da ratificação ou da adesão, fazer reservas sobre estas plantas no que se refere às disposições do artigo 7º, exceto nas relativas ao comércio internacional.” [5]

AMARAL ensina que o Brasil, na assinatura da ratificação do documento, não fez reserva ao referido inciso 4, no que se refere às plantas das quais tem origem a substância psicotrópica DMT, para excluir ou modificar o efeito impositivo da proibição convencional na utilização da droga. [6]

Posteriormente, o art. 2º da Lei nº 11.343/2006 é claro ao dispor que: “Art.2º - Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.” [7]

Assim, resta claro que o Brasil perdeu a oportunidade de fazer reserva acerca da utilização da substância psicotrópica DMT para fins religiosos. Dessa forma, de acordo com a legislação, o uso da Ayahuasca, mesmo para fins religiosos, não é permitido.

Com relação à Lista das Substâncias de uso proscrito no Brasil, na Lista F2 encontra-se: DMT ou 3-[2-(DIMETILAMINO) ETIL] INDOL; N, N-DIMETILTRIPTAMINA. Esta substância, N, N-DIMETILTRIPTAMINA (DMT) encontra-se presente na Ayahuasca. Assim, essa substância alucinógena está proibida no país. [8]

No entanto, ao arrepio da legislação existente e da Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD, por meio de diversos atos infralegais, tem admitido o uso religioso da Ayahuasca. Como exemplo, o Parecer do CATC/CONAD, de 17/08/2004 firmou o seguinte posicionamento: [9]

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Parecer do CATC / CONAD – 17/08/04

Parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico sobre o uso religioso da Ayahuasca.

Solicitado pela DEMANDA Nº 01/2004, de 24 de março de 2004

Apresentado na 3º Reunião do CONAD, de 17 de agosto de 2004

Importa destacar os seguintes aspectos analisados pela câmara:

a) a decisão do INCB (International Narcotics Control Board) das Nações Unidas, sobre o chá denominado ayahuasca;

b) a importância do enfoque bioético e a compreensão da autonomia individual no exame da questão;

c) o uso da ayahuasca por crianças e mulheres grávidas; atribuição para decidir pelo uso ou por sua interdição parcial ou total;

d) a questão do uso da ayahuasca com finalidades terapêuticas e o estímulo a pesquisas clínicas;

e) o exame de eventuais fatos novos, sobre o uso da ayahuasca, cujos aspectos substantivos não tenham sido, ainda, analisados em decisões anteriores do CONFEN ou do CONAD, desde a Resolução n° 06, de 04/02/1986, do CONFEN ;

f) o exame de restrições diretas ou indiretas ao uso religioso da ayahuasca

Ponto n° 1 – Ao examinar a questão do uso da ayahuasca a partir de uma visão multidisciplinar, que soma saberes, interdisciplinar, pela qual os saberes se complementam e transdisciplinar, que serve, como observa Antonio Moser, de “chave interpretativa capaz de responder aos problemas levantados pela análise inter e multidisciplinar”, é ponderável registrar que o INCB (International Narcotics Control Board), da Nações Unidas, relativamente à ayahuasca, afirma que, sendo  planta utilizada praticamente in natura não cabe nenhum controle, acrescentando que não haverá controle das plantas usadas em forma de chá, segundo a opinião do INCB, pois não há purificação, concentração ou isolamento de substâncias.(...)

Ponto n° 6 – Tendo em vista as “Sugestões sobre o conteúdo do relatório sobre o uso ritual da ayahuasca”, encaminhadas pelo integrante da Câmara Edward MacRae, cumpre registrar a observação, constante de suas “sugestões”, de que, não obstante o uso ritual legalizado da ayahuasca pelas diversas comunidades religiosas, há “outras maneiras de coibir suas atividades e expansão. Assim, passa-se a dificultar a produção e distribuição de seu sacramento central dificulta-se o transporte do chá para localidades fora da Amazônia mediante a exigência do cumprimento de complexos trâmites burocráticos.” Em face destas observações, tendo em vista que o CONAD é o órgão normativo do Sistema Nacional Antidrogas – SISNAD – e que suas decisões “deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema” (arts.3°, I, 4°, 5°, II e 7°, do Decreto n° 3.696, de 21/12/2000), a Câmara propõe ao CONAD que fique registrado em ata, para fins, inclusive de utilização pelos interessados, que não pode haver restrição, direta ou indireta, às práticas religiosas das comunidades, baseada em proibição do uso ritual da ayahuasca, tendo em vista as decisões do colegiado, especialmente as referidas no ponto n° 5, supra.

CONCLUSÕES

1 – a Câmara ratifica as decisões anteriores do Colegiado, com os aditamentos do presente parecer, conforme referido no ponto nº 4;

2 – recomenda-se a consolidação, em separata, de todas as decisões supracitadas, para acesso e utilização dos interessados;

3 – a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual;

4 deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do Colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts.5°, VI e 215, § 1° da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito.

Posteriormente, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD, por meio da Resolução nº 5, de 04/11/2004, firmou o seguinte entendimento: [10]

RESOLUÇÃO N° 5 CONAD, DE 04 DE NOVEMBRO DE 2004.*

Dispõe sobre o uso religioso e sobre a pesquisa da ayahuasca

O Presidente do Conselho Nacional Antidrogas – CONAD, no uso de suas atribuições legais, observando, especialmente, o que prevê o art. 6° do Regimento Interno do CONAD; e

CONSIDERANDO que o plenário do CONAD aprovou, em reunião realizada no dia 17 de agosto de 2004, o parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico que, por seu turno, reconhece a legitimidade, juridicamente, do uso religioso da ayahuasca, e que o processo de legitimação iniciou-se, há mais de dezoito anos, com a suspensão provisória das espécies vegetais que a compõem, das listas da Divisão de Medicamentos - DIMED, por Resolução do Conselho Federal de Entorpecentes - CONFEN, n° 06, de 04 de fevereiro de 1986, suspensão essa que se tornou definitiva, com base em pareceres de 1987 e 1992, indicados em ata do CONFEN, publicada no D.O. de 24 de agosto de 1992, sendo os subseqüentes considerandos baseados na já referida decisão do CONAD;

CONSIDERANDO que a decisão adequada, da Administração Pública, sobre o uso religioso da ayahuasca, foi proferida com base em análise multidisciplinar;

CONSIDERANDO a importância de garantir o direito constitucional ao exercício do culto e à decisão individual, no uso religioso da ayahuasca, mas que tal decisão deve ser devidamente alicerçada na mais ampla gama de informações, prestadas por profissionais das diversas áreas do conhecimento humano, pelos órgãos públicos e pela experiência comum, recolhida nos diversos segmentos da sociedade civil; (...)

RESOLVE:

Art. 1º Fica instituído GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO para levantamento e acompanhamento do uso religioso da ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua utilização terapêutica, em caráter experimental.

Art. 2º O GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO será composto por seis membros, indicados pelo CONAD, das áreas que atendam, entre outros, aos seguintes aspectos: antropológico, farmacológico/bioquímico, social, psicológico, psiquiátrico e jurídico. Além disso, o grupo será integrado por mais seis membros, convidados pelo CONAD, representantes dos grupos religiosos, usuários da ayahuasca.

Art. 3º O GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO escolherá seu presidente e vice-presidente e deverá, como primeira tarefa, promover o cadastro nacional de todas as instituições que, em suas práticas religiosas, adotam o uso da ayahuasca, devendo essas instituições manter registro permanente de menores integrantes da comunidade religiosa, com a indicação de seus respectivos responsáveis legais, entre outros dados indicados pelo GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO.

Art. 4º O GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO estruturará seu plano de ação e o submeterá ao CONAD, em até 180 dias, com vistas à implementação das metas referidas na presente resolução, tendo como objetivo final, a elaboração de documento que traduza a deontologia do uso da ayahuasca, como forma de prevenir o seu uso inadequado.

Art. 5º O CONAD, por seus serviços administrativos, deverá consolidar, em separata, todas as decisões do CONFEN e do CONAD sobre o uso religioso da ayahuasca, para acesso e utilização dos interessados que poderão, às suas próprias expensas, extrair cópias, observadas as respectivas regras administrativas para tanto.

Ademais, cabe citar que o CONAD, por meio da Resolução nº 1, de 25/01/2010, assim asseverou: [11]

RESOLUÇÃO Nº 01 - CONAD, DE 25 DE JANEIRO DE 2010.

Dispõe sobre a observância, pelos órgãos da Administração Pública, das decisões do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD sobre normas e procedimentos compatíveis com o uso religioso da Ayahuasca e dos princípios deontológicos que o informam.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS - CONAD, no uso de suas atribuições legais, e tendo em vista as disposições contidas no artigo 10 do Decreto nº. 5.912, de 27 de setembro de 2006, e

Considerando o Relatório Final elaborado pelo Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT), instituído pela Resolução nº. 5 – CONAD, publicada no D.O.U. de 10/11/2004;

Considerando que o referido Relatório Final foi aprovado pelo CONAD, consoante Ata de sua 2ª Reunião Ordinária, realizada em 06 de dezembro de 2006;

Considerando que o Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT) baseou-se, em seu Relatório Final, na legitimidade do uso religioso da Ayahuasca, como matéria já examinada e decidida pelos plenários do antigo Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) e do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), cabendo ao GMT, no âmbito de sua competência, definida na Resolução nº. 5 - CONAD, 2004, identificar normas e procedimentos compatíveis com o uso religioso da Ayahuasca e implementar o estudo e a pesquisa sobre o uso terapêutico da Ayahuasca em caráter experimental;

Considerando que nas seis reuniões de trabalho o Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT) discutiu a seguinte pauta (Introdução, itens 8 e 9 do Relatório Final): “cadastramento das entidades; aspectos jurídicos e legais para regulamentação do uso religioso e amparo ao direito à liberdade de culto; regulação de preceitos para produção, uso, envio e transporte da Ayahuasca; procedimentos de recepção de novos interessados na prática religiosa; definição de uso terapêutico e outras questões científicas (item 8 do Relatório Final);

Considerando que o objetivo final do Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT), nos termos da Resolução nº. 5 - CONAD, 2004, é identificar “o que é preciso fazer” para atender aos  diversos itens que integram os direitos e obrigações pertinentes ao “uso religioso da Ayahuasca” (item 9 do Relatório Final);

Considerando a decisão do INCB (International Narcotics Control Board), da Organização das Nações Unidas, relativa à Ayahuasca, que afirma não ser esta bebida nem as espécies vegetais que a compõem objeto de controle internacional;

Considerando, finalmente, as “Proposições” do Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT), em seu Relatório Final, numeradas de 1 a 3 e suas respectivas alíneas;

RESOLVE:

Art. 1º Determinar a publicação, na íntegra, do Relatório Final, do Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT), fazendo-o parte integrante da presente Resolução.

Art. 2º Independentemente da publicação oficial, dar ampla publicidade à presente Resolução, com o anexo Relatório Final, através da entrega deste expediente a todos os conselheiros integrantes do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), inclusive para encaminhamento às instituições que representam, para os fins previstos na ementa da presente Resolução.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Também é importante mencionar que o Relatório final do referido Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT) assim dispõe:

ANEXO

GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO - GMT- AYAHUASCA RELATÓRIO FINAL

I - INTRODUÇÃO

1. O CONAD é o órgão normativo do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD - e suas decisões "deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema" (arts. 3o, I, 4o, 4o, II e 7o, do Decreto no 3.696, de 21/12/2000). Assim, no exercício de sua competência legal aprovou parecer da CATC que, por sua vez, adotou pareceres do colegiado que o precedeu - o CONFEN - e abordou outros aspectos pertinentes ao tema "o uso religioso da ayahuasca" cumprindo destacar a observação final e as conclusões do parecer que o CONAD aprovou: "que fique registrado em ata, para fins, inclusive de utilização pelos interessados, que não pode haver restrição, direta ou indireta, às práticas religiosas das comunidades, baseada em proibição do uso ritual da Ayahuasca".

2. O referido parecer concluiu: "a) a câmara ratifica as decisões anteriores do colegiado, com os aditamentos do presente parecer, conforme referido no ponto no 4; b) recomenda-se a consolidação, em separata, de todas as decisões supracitadas, para acesso e utilização dos interessados; c) a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual; d) deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts. 5o, VI e 215, § 1o da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito".(...)

5. AYAHUASCA, aqui, é referida de modo genérico, para manter a uniformidade do texto e a harmonia com a nomenclatura utilizada nos atos oficiais do CONAD, mas é conhecida por diversos outros nomes, conforme a comunidade que o usa no Brasil ou no Exterior, destacando-se as expressões mais conhecidas "HOASCA", "SANTO DAIME" e "VEGETAL", compostos, indistintamente, pelo cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc) e pela folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.).

(...)

II - HISTÓRICO DA R E G U L A M E N TA Ç Ã O DO USO DA AYAHUASCA

10. A instituição do Grupo Multidisciplinar de Trabalho expressa dever constitucional do Estado Brasileiro de proteger as manifestações populares e indígenas e garantir o direito de liberdade religiosa. Representa o coroamento do processo de legitimação do uso religioso da Ayahuasca no país, iniciado há mais de vinte anos, com a criação do 1º Grupo de Trabalho do CONAD (na época CONFEN), designado para examinar a conveniência da suspensão provisória da inclusão da substância Banisteriopsis caapi na Portaria nº 02/85, da DIMED (Resolução nº. 04/85, do CONFEN).

11. Este primeiro estudo, após dois anos, com a realização de várias pesquisas e visitas às comunidades usuárias em diversos Estados da Federação, principalmente ao Acre, Amazonas e Rio de Janeiro, resultou em extenso relatório (2), de setembro de 1987, subscrito pelo então Conselheiro do CONFEN, Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Presidente do Grupo de Trabalho, que concluiu que as espécies vegetais que integram a elaboração da bebida denominada de Ayahuasca ficassem excluídas das listas de substâncias proscritas pela DIMED.

(2) Vide Dossiê Ayahuasca - GMT (2006)

12. Esta conclusão foi aprovada pelo plenário do antigo Conselho Federal de Entorpecentes, em reunião de setembro de 1987, de sorte que a suspensão provisória da interdição do uso da Ayahuasca, levada a termo pela Resolução nº 06, do CONFEN, de 04 de fevereiro de 1986, tornou-se definitiva, com a exclusão da bebida e das espécies vegetais que a compõem das listas da DIMED.

13. A despeito disso, em 1991, em face de denúncia anônima, por iniciativa do então Conselheiro do CONFEN, Paulo Gustavo de Magalhães Pinto, Chefe da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal, a "questão do uso da Ayahuasca" foi reexaminada.

14. Disso resultou mais uma vez, por parte do CONFEN, a realização de estudos acerca do contexto de produção e do consumo da bebida, desenvolvidos pelo Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, o qual, em parecer conclusivo de 02/06/92, aprovado por unanimidade na 5ª Reunião Ordinária do CONFEN realizada na mesma data, considerou que não havia razões para alterar a conclusão proposta em 1987, no relatório final já mencionado

(3).

(3) Vide Dossiê Ayahuasca - GMT (2006)

15. Dez anos depois, em face de denúncias de uso inadequado da bebida Ayahuasca, a maior parte divulgada na imprensa e outras tantas dirigidas aos órgãos do Poder Público, notadamente CONAD, Polícia Federal e Ministério Público, fato que está amplamente documentado na consolidação das decisões e estudos do CONAD e de outras instituições acerca do uso da Ayahuasca, novo Grupo de Trabalho foi definido pela Resolução nº 26, de 31 de dezembro de 2002.

16. De acordo com esta resolução, o GT deveria ser composto por diversas instituições (4), com base no princípio da responsabilidade compartilhada, agora com o objetivo de fixar normas e procedimentos que preservassem a manifestação cultural religiosa, observando os objetivos e normas estabelecidas pela Política Nacional Antidrogas e pelos diplomas legais pertinentes. Não há registro de que este grupo tenha sido constituído.

(...)

III - ANDAMENTO DAS REUNIÕES

(...)

20. Fixados esses parâmetros, o formulário de cadastro foi colocado à disposição dos interessados, acompanhado de carta explicativa e cópia da Resolução nº. 05/04, do CONAD. Até a presente data foi cadastrada quase uma centena de entidades, dando também uma dimensão parcial das diversas práticas que são adotadas pelas entidades que fazem uso da Ayahuasca no Brasil. O cadastro continua disponível às entidades interessadas. 21. O GMT procurou destacar e consolidar as práticas que para as próprias entidades representam o uso religioso adequado e responsável, anteriormente estabelecidos na "Carta de Princípios", resultado do 1º Seminário das entidades da Ayahuasca, realizado em Rio Branco em 24 de novembro de 1991. Nas discussões priorizaram-se os seguintes temas: definição de uso ritual, comércio, turismo, publicidade, associação da Ayahuasca com outras substâncias, criação de novos centros, auto-sustentabilidade das entidades, procedimentos de recepção de novos interessados, curandeirismo, uso terapêutico, assim como definição de mecanismos para tornar efetivos os princípios deontológicos formulados. A maior parte das deliberações do grupo foi consensual e estão sintetizadas no item V - Conclusão.

IV - TEMAS DISCUTIDOS

IV.I - USO RELIGIOSO DA AYAHUASCA

22. Ao longo de décadas o uso ritualístico da Ayahuasca - bebida extraída da decocção do cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc.) e da folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.) – tem sido reconhecido pela sociedade brasileira como prática religiosa legítima, de sorte que são mais do que atuais as conclusões de relatórios e pareceres decorrentes de estudos multidisciplinares determinados pelo antigo CONFEN, desde 1985, que constatavam que "há muitas décadas o uso da Ayahuasca vem sendo feito, sem que tenha redundado em qualquer prejuízo social conhecido" (5).

(...)

24. Trata-se, pois, de ratificar a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca como rica e ancestral manifestação cultural que, exatamente pela relevância de seu valor histórico, antropológico e social, é credora da proteção do Estado, nos termos do art. 2o, "caput", da Lei 11.343/06 (6). e do art. 215, §1º, da CF. Devem-se evitar práticas que possam pôr em risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se aí o uso da Ayahuasca associado a substâncias psicoativas ilícitas ou fora do ambiente ritualístico.

(6) "Art. 2o Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso" (grifo nosso).

IV.II - COMERCIALIZAÇÃO

25. O GMT reconhece o caráter religioso de todos os atos que envolvem a Ayahuasca, desde a coleta das plantas e seu preparo, até seu armazenamento e ministração, de modo que seu praticante de tudo participa com a convicção de que pratica ato de fé e não de comércio. Daí decorre que o plantio, o preparo e a ministração com o fim de auferir lucro é incompatível com o uso religioso que as entidades reconhecem como legítimo e responsável.

26. Quem vende Ayahuasca não pratica ato de fé, mas de comércio, o que contradiz e avilta a legitimidade do uso tradicional consagrado pelas entidades religiosas.

27. A vedação da comercialização da Ayahuasca não se confunde com seu custeio, com pagamento das despesas que envolvem a coleta das plantas, seu transporte e o preparo. Tais custos de manutenção, conforme seja o seu modo de organização estatutária, são suportados pela comunidade usuária. E é evidente, também, que a produção da Ayahuasca tem um custo, que pode variar de acordo com a região que a produz, a quantidade de adeptos, a maior ou menor facilidade com que se adquire a matéria prima (cipó e folha), se se trata de plantio da própria entidade ou se as plantas são obtidas na floresta nativa, e tantas outras variáveis.

(...)

29. O uso religioso responsável na produção da Ayahuasca é delineado a partir da constatação das práticas das entidades: a) cultivar as plantas e preparar a Ayahuasca, em princípio, para seu próprio consumo; b) buscar a sustentabilidade na produção das espécies; e, c) quando não possuir cultivo próprio e nenhuma forma de obtenção da matéria prima na floresta nativa – sem prejuízo de buscar a auto-suficiência em prazo razoável - nada obsta obter o chá mediante custeio das despesas tão somente, evitando-se que pessoas, grupos ou entidades se dediquem, com exclusividade ou majoritariamente, ao fornecimento a terceiros.

 (...)

IV.V - DIFUSÃO DAS INFORMAÇÕES

33. A publicidade da Ayahuasca também tem sido motivo de deturpações e abusos, notadamente na Internet. Observa-se, principalmente neste meio de comunicação, o oferecimento de toda espécie de cursos e oficinas remuneradas, cujo elemento central é o uso da Ayahuasca associado a promessas de experiências transformadoras descomprometidas com o ritual religioso.

(...)

IV.VI - USO TERAPÊUTICO

35. Para fins deste relatório "terapia" é compreendida como atividade ou processo destinado à cura, manutenção ou desenvolvimento da saúde, que leve em conta princípios éticos científicos.

36. Tradicionalmente, algumas linhas possuem trabalhos de cura em que se faz uso da Ayahuasca, inseridos dentro do contexto da fé. O uso terapêutico que tradicionalmente se atribui à Ayahuasca dentro dos rituais religiosos não é terapia no sentido acima definido, constitui-se em ato de fé e, assim sendo, ao Estado não cabe intervir na conduta de pessoas, grupos ou entidades que fazem esse uso da bebida, em contexto estritamente religioso. Em outra condição se encontram aqueles que se utilizam da bebida fora do contexto religioso. Isto nada tem que ver com uso religioso, e tal prática não está reconhecida como legítima pelo CONAD, que se limitou a autorizar o uso da substância em rituais religiosos. 37. A utilização terapêutica da Ayahuasca em atividade privativa de profissão regulamentada por lei dependerá da habilitação profissional e respaldo em pesquisas científicas, pois de outra forma haverá exercício ilegal de profissão ou prática profissional temerária.

38. Qualquer prática que implique utilização de Ayahuasca com fins estritamente terapêuticos, quer seja da substância exclusivamente, quer seja de sua associação com outras substâncias ou práticas terapêuticas, deve ser vedada, até que se comprove sua eficiência por meio de pesquisas científicas realizadas por centros de pesquisa vinculados a instituições acadêmicas, obedecendo às metodologias científicas. Desse modo, o reconhecimento da legitimidade do uso terapêutico da Ayahuasca somente se dará após a conclusão de pesquisas que a comprovem.

39. Com fundamento nos relatos dos representantes das entidades usuárias, verificou-se que as curas e soluções de problemas pessoais devem ser compreendidas no mesmo contexto religioso das demais religiões: enquanto atos de fé, sem relação necessária de causa e efeito entre uso da Ayahuasca e cura ou soluções de problemas.

(...)

V - CONCLUSÃO:

a. Considerando que o CONAD, acolhendo parecer da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, reconheceu a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca, nos termos da Resolução nº 05/04, que instituiu o GMT para elaborar documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado;

b. Considerando que o GMT, após diversas discussões e análises, onde prevaleceu o confronto e o pluralismo de idéias, considerou como uso inadequado da Ayahuasca a prática do comércio, a exploração turística da bebida, o uso associado a substâncias psicoativas ilícitas, o uso fora de rituais religiosos, a atividade terapêutica privativa de profissão regulamentada por lei sem respaldo de pesquisas cientificas, o curandeirismo, a propaganda, e outras práticas que possam colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos;

c. Considerando que a dignidade da pessoa humana é princípio fundante da República Federativa do Brasil, e dentre os direitos e garantias dos cidadãos sobressai-se a liberdade de consciência e de crença como direitos invioláveis, cabendo ao Estado, na forma da lei, garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (CF, arts. 1º, III, 5º, VI);

d. Considerando a decisão do INCB (International Narcotics Control Board), da Organização das Nações Unidas, relativa à Ayahuasca, que afirma não ser esta bebida nem as espécies vegetais que a compõem objeto de controle internacional;

(...)

O Grupo Multidisciplinar de Trabalho aprovou os seguintes princípios deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca:

1. O chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas;

2. Todo o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida, sendo vedada a comercialização e ou a percepção de qualquer vantagem, em espécie ou in natura, a título de pagamento, quer seja pela produção, quer seja pelo consumo, ressalvando-se as contribuições destinadas à manutenção e ao regular funcionamento de cada entidade, de acordo com sua tradição ou disposições estatutárias;

(...)

2. QUANTO À QUESTÃO AMBIENTAL E AO TRANSPORTE:

a. Sugere-se ao CONAD que considere a possibilidade de intercâmbio com o CONAMA, se possível lançando mão do auxílio das entidades religiosas, no sentido de estabelecer medidas de proteção às espécies vegetais que servem de matéria prima à Ayahuasca, por meio de legislação específica para essas plantas de uso ritualístico religioso, as quais não podem ser tratadas indistintamente como um produto florestal não madeireiro.

B. Sugere-se ao CONAD ainda, que faça os encaminhamentos devidos junto aos órgãos competentes do Estado, no sentido de regulamentar o transporte interestadual da Ayahuasca entre as entidades, ouvindo-se previamente os interessados.

No que concerne a possibilidade de exportação do chá Ayahuasca, a Resolução nº 26, de 31/12/2002, da ANVISA, deixa clara a sua proibição, senão vejamos: [12]

RESOLUÇÃO Nº 26, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2002.

Define grupo de trabalho objetivando submeter à deliberação do Conselho Nacional Antidrogas – CONAD, normas de controle social referente o uso do “chá ayahuasca”.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL ANTIDROGAS – CONAD, no uso de suas atribuições, e tendo em vista as disposições contidas no Art. 5o, inciso II, do Decreto no 3.696, de 21 de dezembro de 2000, alterado pelo Decreto no 4.513, de 13 de dezembro de 2002,- considerando que o uso ritualístico do “chá  ayahuasca” constitui-se em manifestação cultural e religiosa regional de há muito reconhecida pela sociedade brasileira; - considerando que os responsáveis pelas diversas confissões religiosas usuárias do “chá ayahuasca” estão cientes da proibição de sua comercialização, bem como das ervas que o compõem, em razão de seu alcance estritamente religioso;

- considerando que as confissões religiosas conhecem sobre a proibição da exportação do “chá ayahuasca” ou do cipó Jagube/Mariri – Banisteriopsis caapi, e da folha Rainha/Chacrona – Psychotria viridis, haja vista o seu uso exclusivamente ritualístico, peculiar a uma manifestação cultural regional brasileira, e mais as restrições decorrentes da legislação brasileira e de Acordos Internacionais assinados pelo Brasil;

- considerando que os responsáveis pelos rituais religiosos são, também, responsáveis pela não administração do “chá ayahuasca” aos menores de dezoito anos e às pessoas portadoras de deficiência mental; - considerando a importância de que os usuários praticantes restrinjam o uso do “chá ayahuasca” exclusivamente aos rituais religiosos, realizados no interior dos templos das seitas; - considerando a necessidade de que as entidades religiosas exerçam, como atividade de controle próprio e de sua particular responsabilidade, sujeita às restrições da legislação vigente, a atenção sobre o cultivo, a colheita e o transporte do cipó Jagube ou Mariri – Banisteriopsis caapi e da folha Rainha ou Chacrona – Psychotria viridis; - considerando os aspectos técnicos científicos apresentados pelo Departamento de Polícia Federal – DPF, por meio do Laudo no 01621/02 – INC, e parecer apresentado pela Associação Brasileira de Psiquiatria na 2ª reunião ordinária do Conselho, realizada dia 12 de junho de 2002, bem como pela Nota Técnica no 003/2002 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; e ainda, considerando a deliberação, por unanimidade, dos membros do Conselho, em reunião realizada dia 19 de dezembro de 2002, relativamente ao uso do “Chá ayahuasca”,

RESOLVE:

Art. 1o Determinar que a Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD coordene Grupo de Trabalho constituído pelas Instituições e Organizações Sociais, com mandato para deliberar ou interesse sobre o assunto, a saber: a própria SENAD, o Ministério da Justiça, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Departamento de Polícia Federal – DPF, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a Associação Médica Brasileira - AMB; a Associação Brasileira de Psiquiatria, as confissões religiosas usuárias do “chá ayahuasca” e outras que venham a ser consideradas apropriadas, para no prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da data de publicação desta Resolução, apresentar à deliberação deste Conselho, proposta de medidas de controle social e outras sugestões que se façam oportunas, haja vista a necessidade de trazer para a prática pela sociedade, dentro do princípio da responsabilidade compartilhada, normas e procedimentos que preservem manifestação cultural religiosa consagrada, observados os objetivos e normas estabelecidos pela Política Nacional Antidrogas e pelos diplomas legais pertinentes.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Por outro lado, no direito comparado, é oportuno mencionar a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Gonzalez v. Centro Espírito Beneficente União do Vegetal. Na ocasião, a Excelsa Corte permitiu a importação da Ayahuasca, por entender que o Governo norte-americano não tinha interesse claro e evidente em proibir o uso de substâncias psicotrópicas para fim exclusivamente religioso. Dessa forma, o Governo norte-americano não apresentou provas que demonstrassem, de fato, as consequências internacionais de se abrir uma exceção para a utilização da Ayahuasca, pois o Governo limitou-se a alegar “a grande importância de honrar as obrigações internacionais e na manutenção da liderança dos Estados Unidos na guerra internacional de combate às drogas”. [13]

Por fim, cumpre destacar que na doutrina também há posicionamento no sentido da ausência de proibição da exportação da Ayahuasca. GODOY (2007) assim se manifestou sobre o assunto: “Assim, embora o DMT seja considerado psicotrópico pela ANVISA, a Resolução do Conselho Federal de Entorpecentes excluiu o hoasca da lista da DIMED, isto é, retirou do chá sacramental a natureza normativa de substância entorpecente. (...) Não há previsão normativa no direito brasileiro que proíba, ao que consta, a exportação do hoasca”. [14]

Todavia, entende-se, salvo melhor juízo, que normas infralegais do antigo Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) e do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) não podem contrariar as normas legais e convenções de que o Brasil é signatário, razão pela qual a legislação em vigor considera crime a exportação da Ayahuasca (DMT).

Ante o exposto, sem a menor pretensão de se esgotar o presente tema, e considerando a necessidade de maiores estudos sobre esse assunto, firma-se o posicionamento no sentido da proibição da exportação do “chá ayahuasca” ou do cipó Jagube/Mariri – Banisteriopsis caapi, e da folha Rainha/Chacrona – Psychotria viridis, haja vista que a liberdade religiosa, que permite o uso exclusivamente ritualístico dessa substância, é peculiar a uma manifestação cultural regional brasileira, sendo, portanto, ilegal o comércio e a exportação dessa substância para outros países, por força do disposto no Decreto Legislativo nº 90, de 5/12/1972 (que aprovou a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas realizada em Viena), na Lei nº 11.343/2006 e na Resolução nº 26, de 31/12/2002, da ANVISA.

Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. Discussão sobre a legalidade da exportação da ayahuasca (chá do Santo Daime). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3514, 13 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23707. Acesso em: 23 dez. 2024.

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