3 Alienação parental e sua respectiva síndrome: considerações iniciais
A convivência familiar é direito da criança e do adolescente que merece ser respeitado, sobretudo, diante da dissolução do casamento ou da união estável de seus genitores. Para tanto, o ordenamento jurídico disciplina como serão exercidas a guarda e a visitação, ressalvando que a interrupção do convívio familiar, mesmo após o divórcio do casal ou o fim da união estável, é medida de exceção. Somente cabível, como anteriormente visto, nos casos expressamente previstos em lei para proteger a integridade físico-psíquica do menor.
Apesar disto vislumbra-se uma hipótese em que concretamente o direito à convivência familiar é desrespeitado. É o caso de atitudes tomadas por um dos genitores com o objetivo de romper o contato do outro com a prole sem merecer nenhum respaldo legal, e, por vezes, através de falsas denúncias que ensejam, no âmbito do judiciário, disputas de guarda. Fala-se então na existência de alienação parental, caso em que ilegalmente a convivência familiar poderá cessar.
3.1 Conceito de alienação parental e sua respectiva síndrome
O psiquiatra americano Richard Gardner foi o precursor dos estudos relacionados à síndrome da alienação parental. Seu estudo focou-se no acompanhamento de filhos menores de pais e mães que enfrentavam separações judiciais. Gardner reparou que “[...] as crianças mantinham um bom relacionamento com ambos os pais, desde que o progenitor com a guarda não manifestasse a intenção de eliminar o outro progenitor da relação.” (CALÇADA, 2008, P.15). Alguns dos pais que exerciam a tarefa de guardar poderiam estar afastando indevidamente seus filhos daquele genitor ao qual coube a função de visitar.
Gardner ainda apontou que crianças e adolescentes, submetidos à convivência com o genitor guardião, apresentariam com o passar do tempo comportamento semelhante, aparentando não desejarem de livre e espontânea vontade a companhia do genitor visitante. Este até então não vinha merecendo pesquisas ou qualquer tipo de estudo acadêmico, pois o que frequentemente chamava a atenção eram os casos drásticos em que um dos pais fugiria raptando o menor (PINHO, 2009).
“A definição de alienação parental surge para enunciar o processo que consiste em manter uma criança ou adolescente afastado do convívio de um ou ambos os genitores. O psiquiatra Richard Gardner descreveu os efeitos deste processo como síndrome da alienação parental, em seus estudos, conduzidos nos EUA, a partir da década de 80. Esses efeitos referem-se às reações emocionais negativas de crianças/adolescentes em seu relacionamento com genitores visitantes. Tais emoções não estariam vinculadas a atitudes inadequadas ou abusivas do genitor visitante, porém demonstravam estar vinculadas ao litígio entre os genitores (GOLDRAJCH; MACIEL;VALENTE, 2006, p. 07).”
O termo “síndrome” designa em psiquiatria um conjunto de sintomas, e neste caso, o comportamento da criança ou do adolescente daria indícios de que estariam sendo vítimas de práticas de alienação parental (CALÇADA, 2008). Por sua vez a palavra “alienação” vem do latim alienatio, relacionando-se à atitude de arrebatamento, separação, desligamento, e é por isso que este vocábulo foi designado para identificar as atitudes que o genitor guardião toma, de maneira contínua e por vezes sutil, com a finalidade de incutir em seus filhos aversão ao contato com o genitor visitante. Este último recebe então a alcunha de “genitor alienado” ou “genitor alvo” enquanto que o outro é denominado de “alienante” ou “alienador”.
A Lei nº 12.318/10 trata especificamente sobre a alienação parental e assim a descreve:
“Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
Pelo que se compreende no artigo acima o processo de alienação não é apenas desencadeado pela figura do pai ou da mãe. Não se pode negar que o legislador obedeceu à doutrina especializada no assunto, que, por sua vez, frisa a participação de outros familiares como uma possibilidade. (CALÇADA, 2009; DIAS, 2010). Os avós, por exemplo, podem substituir a figura de um pai ou uma mãe alienadores. Geralmente esta situação ocorre quando a criança ou o adolescente é fruto de um envolvimento entre genitores muito jovens, e passa a ser cuidadas, na prática, pelos pais destes. Ou quando a mãe ou o pai falecem, e o neto passa a ser criado pelos pais do falecido (a). Os avós podem desenvolver um sentimento de posse que, aliado ao fato de se sentirem solitários, podem desencadear atitudes típicas de um genitor alienador (VALENTE, In: PAULINO, 2008).
3.2 Motivos e atitudes típicas do genitor alienador
De maneira breve, pode-se dizer que as razões determinantes ao desencadeamento de um processo alienatório estão relacionadas à ruptura conjugal. As perdas inerentes ao divórcio são de várias categoriais: perda de bens, de domicílio, de status, como exemplos, o que pode desencadear desejo de vingar-se do outro através dos filhos (FONSECA, 2006). Tal anseio por retaliação chega a ser descrito no bojo de um clássico do escritor grego Eurípedes, quando conta sobre a história do herói Jasão. Surge no mito a personagem Medéia, que casa-se com ele mas é abandonada depois de lhe dar filhos, e os mata, ao perceber que o marido irá se casar com outra (SILVA, D. M. P. da, 2009).
Comparando mito e realidade, Andreia Calçada (2008, p. 14) conclui que as “Medéias atuais” não chegam a este ponto tão drástico, mas para vingar-se dos ex-esposos “[...] o fazem destruindo, impedindo e obstruindo a relação do progenitor sem convívio com o filho.”. E ainda acrescenta que, justamente com base na história narrada alguns autores preferem denominar “Síndrome de Medéia” ou “Síndrome da Mãe Maldosa Associada ao Divórcio”. O próximo capítulo, visando atender ao objetivo principal deste trabalho, tratará de maneira mais abrangente o contexto em que a alienação se inicia. Maria Berenice Dias acrescenta que estas denominações da síndrome também levam em conta dados estatísticos de países estrangeiros onde se comprova que a mãe exerce o papel de alienadora com mais frequência (2010).
Estudiosos da alienação parental elencam diversas atitudes que, cotidianamente, são tomadas por um dos genitores com vistas a promover o processo de alienação. Algumas delas podem parecer, à primeira vista, um simples “esquecimento”, um “desleixo” por parte do alienador, mas que, com o tempo, acabam por reduzir drasticamente a presença do alienado em momentos significativos para seus filhos. Alexandra Ullmann (2008) fornece alguns exemplos: é típico do genitor alienador “esquecer” de informar o alienado sobre consultas médicas ou reuniões escolares dos filhos; de informar sobre festas escolares ou em casa de amigos, e de repassar ao filho os recados por ventura deixados pelo genitor alienado. A referida autora ressalta que este comportamento ainda pode ser tido como manifestação “branda” da alienação parental, pois estas condutas podem evoluir em grau de nocividade.
O pai ou a mãe que promovem a alienação costumam organizar, no dia e horário coincidentes com o das visitas, atividades que sabem ser de interesse dos filhos; inventam justificativas para impedir que a criança ou o adolescente falem com o genitor alienado através da internet ou de telefonemas, dizendo a este último, por exemplo, que os filhos se encontram doentes e acamados; controlam excessivamente a duração das visitas; telefonam constantemente para os filhos enquanto estes desfrutam da presença do genitor alienado, ou utilizam-se de quaisquer outros artifícios para impedir o contato entre este e a prole (MOTTA, In: PAULINO, 2008).
Não é incomum observar a tentativa, por parte do alienador, de esconder ou destruir os presentes enviados aos filhos pelo genitor alienado; sugerir à prole que este possui qualquer tipo de vício que põe à prova sua idoneidade moral (ex: vício em entorpecentes); agredir a figura do genitor “alvo” de qualquer maneira, inclusive por meio de palavrões; imputar a este último fatos desonrosos ou mesmo criminosos; tratar de maneira descortês o cônjuge ou companheiro do genitor alienado; estender à família e aos amigos deste último toda a sorte de insultos que lhe são dirigidos; sair de férias sem os filhos e deixá-los com pessoas estranhas ao círculo de parentes a amigos do genitor alienado, “esquecendo-se” de avisar a este quem é a pessoa responsável, neste período, pelo cuidado com os filhos (MOTTA, In: PAULINO, 2008).
Priscila Fonseca (2006) ainda relata outra medida, de cunho mais drástico, que pode ser tomada no auge do processo de alienação: a transferência de domicílio, seja para outra cidade, seja para outro Estado, ou, em alguns casos, para outro país. O genitor alienador e seu filho se mudam abruptamente, em nome de justificativas que, mediante investigação, se revelam incoerentes com a realidade.
A própria Lei nº12.318/10 acrescenta um parágrafo ao mencionado artigo 2º contendo um rol não taxativo para nortear a identificação de atos alienantes:
“Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”
Todos os métodos que estiverem à disposição do alienante poderão ser utilizados, inclusive de forma simultânea. Em qualquer situação, percebe-se que o comportamento da criança ou do adolescente não deve ser levado em consideração de maneira isolada, e sim analisado conjuntamente com as atitudes de seu genitor guardião, e que o legislador conseguiu listar condutas tidas pelos especialistas como as mais comuns em relatos de casos concretos.
Justamente algumas destas situações foram relatadas na reportagem “Famílias Dilaceradas”, também realizada pela Revista Isto É. A jornalista Cláudia Jordão (2008) apresenta a coleta de depoimentos de pais e filhos vítimas da atuação de genitores alienadores, mostrando a variada gama de estratégias utilizadas por estes. Uma das entrevistadas, de nome Karla, conta que tinha oito anos, em 1978, e há seis não via o pai. Naquele ano receberia a visita deste último, o que a deixou esperançosa em reaver o contato diário com o genitor. Sua mãe informou-lhe de que o local do encontro seria em um restaurante, e para lá seguiu com a filha, mas o pai, entretanto, não apareceu. A mãe repetia que o pai era descompromissado, e nunca haveria de comparecer a uma visita porque não se importava com a filha. Onze anos depois deste episódio, Karla recebeu uma ligação inesperada de seu pai, na qual descobriu que sua mãe havia informado a este que o encontro seria em uma praia da mesma cidade. Seu pai também se frustrou, concluindo que a filha não desejava contato com ele.
A referida reportagem também a história do publicitário Paulo Martins. Este alega que, por ocasião das visitas, seus dois filhos (uma adolescente de quinze anos e um menino de dez) frequentemente apresentam desculpas para faltar ao compromisso, ou mudam de comportamento enquanto estavam na presença da mãe (ex-cônjuge do publicitário). Paulo narrou episódio em que contou à filha mais velha o plano de promover festa de aniversário em comemoração aos quinze anos desta. A adolescente teria aceitado, manifestando expectativa e animação diante da ideia. Ao comunicá-la à mãe, esta tomou a decisão de que a filha estaria proibida de ir caso o pai levasse a atual esposa à festa. Como Paulo não quis ceder, sua filha anunciou que não iria comparecer às vésperas do evento.
3.3 O mecanismo que instala a síndrome da alienação parental e os seus estágios
Pela reiteração de práticas alienantes a criança ou o adolescente serão induzidos a experimentar um conflito de lealdade. Se insistirem na manutenção de vínculos com o genitor “alvo”, sofrerão uma chantagem emocional por parte do outro genitor alienante. “A criança é posta em uma situação de dependência e fica submetida regularmente a provas de lealdade. Este procedimento atua sobre a emoção mais fundamental do ser humano: o medo de ser abandonado” (MOTTA, In: PAULINO, 2008, p. 49). Este mecanismo do conflito surte efeito de maneira cada vez mais eficaz à medida que o filho passa a ser submetido desde a mais tenra idade. Isto porque crianças muito pequenas dependem dos adultos para discriminar entre sentimentos e fatos, para construir a percepção da realidade, e até uma noção adequada de si mesma. (FÉRES-CARNEIRO, In: PAULINO, 2008).
Por temor de que tais ameaças se concretizem, o filho passa a manifestar, aparentemente por livre e espontânea vontade, o desejo de interromper os contatos com o genitor alienado. Gozando de mais tempo livre com seu filho, o genitor alienante intensifica sua cruzada difamatória contra o outro, programando a criança ou o adolescente para que odeie de modo crescente o outro genitor, e assim suas recusas em visitá-lo pareçam cada vez mais espontâneas e justificadas. Chega um ponto em que o filho demonstra completo desinteresse na manutenção da convivência familiar por acreditar, cabalmente, que todas as ações e argumentos do alienador procedem. Não é mais a chantagem que lhe incute medo, e sim a “lavagem cerebral” que finalmente obteve êxito (SILVA, D. M. P. da, 2009).
Segundo François Podevyn (2001), desde o seu início a síndrome da alienação parental apresenta três estágios de desenvolvimento, considerados a partir do comportamento verificado na criança ou no adolescente. No estágio leve o filho ainda não apresenta nenhum tipo de recusa ou mesmo culpa em estar na companhia do genitor alienado, que, por sua vez, não encontra sérios obstáculos à visitação.
À medida, contudo, que o alienador intensifica sua campanha de desmoralização, a síndrome encaminha-se para o grau médio. Neste caso o filho começa a se sentir culpado pelas demonstrações de satisfação em estar na companhia do genitor alienado, e para não desagradar o outro, concorda em cancelar visitas por motivos diversos. Quando a visitação tem de ocorrer, a criança ou o adolescente mostra resistência em seguir com o genitor “alvo”, por temer a ira do genitor alienante. Durante o tempo de convívio com o visitante, o filho tem comportamento hostil e até provocador, pois já tende a reproduzir as queixas fantasiosas do alienante (SILVA, I. J. O. da, 2009).
No último estágio (grave) a criança ou o adolescente não sentem culpa em resistir ao convívio com o genitor alienado, por estarem plenamente convencidos da veracidade das acusações promovidas pelo alienador. Os momentos de visitação se tornam raros, pois o próprio filho se recusa terminantemente a manter contato com o genitor alienado, demonstrando resistência ou através de desculpas inventadas de última hora. Os sentimentos daquele são de raiva e temor em relação tanto à figura do alienado como às pessoas que fazem parte da família deste último (PODEVYN, 2001).
Gardner (2002) explica que, anterior ao encontro com o genitor alienado, o filho experimenta uma ansiedade crescente caso desenvolva um sentimento de culpa por estar desagradando o genitor alienante. Esta ansiedade evolui para um transtorno, que o especialista denominou “Transtorno de ansiedade de separação”. É perceptível a aflição excessiva que o filho experimenta diante da separação da figura do genitor alienante, inclusive revertendo-se em sintomas físicos: dores de cabeça, de estômago, náuseas e vômitos.
Evandro Luis Silva e Márcio Resende (In: PAULINO, 2008, p. 28) concluem que a síndrome está instalada quando a criança ou o adolescente apresentam desapego total em relação ao genitor ausente “[...] substituindo todos os sentimentos que tinham da época que conviveram, pelos de quem detém a guarda.”.
3.4 Falsas acusações de abuso sexual e o uso do poder judiciário
A guarda a ser definida a partir da ruptura conjugal deveria obedecer a parâmetros consensuais dos pais e servir ao desempenho máximo de suas funções para com os filhos, obviamente respeitando-se as peculiaridades do caso concreto. Como não cabe ao magistrado simplesmente impor de forma automática como se dará a convivência familiar pós-divórcio, existe o risco de que um processo de alienação parental, bem conduzido, possa influenciar na escolha do tipo de guarda e de quem será o guardião.
Se o genitor alienador, no âmbito doméstico, consegue empreender o afastamento da prole em relação ao outro, poderá utilizar-se da lei para o escuso fim de definitivamente cortar os laços que ainda restam da antiga convivência. A manipulação de crianças e adolescentes contribuirá para convencer magistrados, advogados e ministério público acerca da “inocência” do alienador”, pois os filhos reproduzirão o seu discurso: o genitor alienado é uma ameaça em vários aspectos e por isso a ele não cabe sequer compartilhar a guarda, no máximo visitas:
“Nesse aspecto, os Tribunais de Família desde há muito, têm assistido a disputas em custódia de crianças que se recusam terminantemente a conviver com um dos genitores, as quais apresentam doenças psicossomáticas, crises emocionais, ou de birra, às vésperas do encontro com o genitor que rejeitam; relatam acontecimentos inexistentes atribuídos a ele [...] (SILVA, I. J. O. da, 2009, p. 62).”
As alegações partem do alienador e são reproduzidas por seus filhos, referindo-se a diversos assuntos: o alienado poderia estar apresentando comportamento perigoso, abandonou intelectual ou moralmente o filho, deixou de pagar alimentos, entre outras. Como ressalta Maria Pisano Motta:
“É importante que se observe a diferença entre o real desamparo e algum limite eventualmente imposto pelo genitor alienado, negando-se, por exemplo a pagar vultosos montantes exigidos pelo genitor alienador que faz as exigências descabidas como fruto do desejo de vingança, como desejo de ser ressarcido pelo “abandono” e assim por diante (In: PAULINO, 2008, p. 43).”
O alienador pode contar inclusive com o apoio de familiares e amigos para reforçar a sua versão (DIAS, 2010). Além disso, no caso das mulheres, estas contam com o pensamento tradicional de que são mais capacitadas naturalmente para educarem e criarem a prole, pois ao homem não foi dado este potencial (VALENTE, In: PAULINO, 2008). Municiado de tais “armas” não é difícil conseguir o deferimento judicial de guarda unilateral colocando o genitor alienado como visitante, ou, o mais grave, tentando obter a chancela do juiz para suspender ou decretar a perda do poder familiar deste último.
Tais medidas extremas serão conseguidas através da forma mais agressiva de alienação parental, aquela que rapidamente leva ao surgimento da síndrome: com acusações de abuso sexual, supostamente praticados pelo genitor alienado, contra os filhos.
Tais são os elementos caracterizadores de tal abuso: a ameaça física ou psíquica direcionada a uma pessoa com a finalidade de satisfazer as necessidades sexuais de outrem, não importando o grau de perversão da conduta sexual deste último (2009). De um lado existe desejo, do outro haverá repúdio, e, principalmente, ladeados pelo medo. A situação acima pode ser inventada pelo genitor alienador, e o que é mais grave, pode levar o filho ao convencimento de que realmente foi molestado, pela implantação de falsas memórias (DIAS, 2010).
Significa que fatos passados podem ser relembrados de maneira completamente diferente daquela em que se operaram. Não importa a idade que se tenha, a memória não é completamente confiável: “[...] lembranças do passado não reconstroem literalmente os eventos e, sim, se constroem influenciadas por expectativas e crenças da pessoa, e pela informação do presente.” (CALÇADA, 2008, p. 35). As pessoas mais suscetíveis à isto são as crianças (para o ECA, indivíduos com até doze anos incompletos):
“A compreensão cognitiva e a visão que elas têm do mundo e das pessoas é moldada por um conglomerado de percepções imediatas, combinadas com percepções que os adultos que delas cuidam, compartilham com elas. (MOTTA, In: PAULINO, 2008, p. 48).”
Deturpando fatos verídicos a criança ou mesmo um adolescente, por depositarem confiança no genitor alienador, poderão acreditar que foram vítimas de um abuso inexistente, partindo de uma deturpação da realidade:
“[...] as circunstâncias são distorcidas, sejam quais forem: uma fala da criança, o surgimento de um problema genital por falta de higiene, ou um gesto afetivo do pai/mãe acusado, tornam-se motivo para interpretações equivocadas. [...] Observa-se com o passar do tempo que a própria criança se torna cúmplice e/ou passa a acreditar na história forjada pelo(a) falso(a) acusador(a), pois dele depende em vários setores, desde o afetivo até o financeiro [...] (SILVA, D. M. P., 2009, p. 158).”
Diante de qualquer tipo de denuncia, resta ao alienado buscar sua defesa, mas nos casos de suposto abuso sexual a situação ensejará, provavelmente, uma ordem judicial suspendendo o seu poder familiar, com vistas à averiguação da verossimilhança das acusações e a proteção do “molestado”:
“[...] em quase 100% das falsas acusações de abuso sexual o juízo, em atenção ao princípio do “melhor interesse da criança”, afasta o acusado sem que ele tenha, a princípio, o menor direito de defesa, e o submete a um cem número de procedimentos judiciais e extrajudiciais para provar a existência ou não do abuso [...] (ULLMANN, 2010, p. 65).”
De fato, após a denúncia seguir-se-ão exames laboratoriais e realizados por psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras, todos com o fito de atestar ou não o abuso físico ou, como meio de defesa do acusado, concluir pela não existência da violência e um possível desencadeamento da síndrome da alienação parental, pois a suposta “vítima” provavelmente confirmará a versão do alienador. A Lei nº 12.318/10 dispõe neste sentido:
“Art. 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.”
Imaginando-se que, ao cabo de todos os possíveis testes, seja negada a alegação feita pelo alienador, especialistas na dinâmica familiar alertam para o grave dano que já pode estar instaurado: durante a disputa de guarda, onde as visitas foram obstaculizadas ou enquanto se investigava o suposto abuso, os filhos se mantiveram completamente afastados de um dos pais, e o retorno ao convívio obviamente não será pacífico em termos emocionais:
“O que mais importa com a detecção da síndrome da alienação parental é a reconstrução do vínculo familiar da criança e do ente alienado. Esta reconstrução do vínculo se dará de forma lenta, e, infelizmente, de forma dolorosa para o filho, pois partirá da premissa de que a pessoa em quem ele mais confiava manipulou, mentiu e enganou para satisfazer seu desejo doentio de afastar o ente alienado de sua existência. A desconstrução de uma verdade inquestionável trará para a criança sofrimento, mas também grande alegria e alívio, posto que ela não sentirá mais de gostar ou de conviver com o outro, que jamais deveria ter sido emocional e fisicamente extirpado da sua rotina (ULLMANN, 2010, p.63-64).”
Autores ainda lembram que, embora se instaure um clima mais ameno entre o filho e o genitor vítima das acusações a elaboração de uma intimidade entre essas figuras necessita ser refeita. É mais fácil seguir a ordem do magistrado no tocante à reversão da guarda em favor do alienado ou em aumento das visitas deste, mas na prática a afetividade precisa lentamente ser restaurada, o que pode demandar um acompanhamento terapêutico de toda a família (SILVA, I. J. O. da, 2009).
3.5 Sequelas perniciosas da síndrome da alienação parental
De forma mais imediata podem ser enumerados alguns sinais demonstrados e danos experimentados pelos menores vítimas da síndrome:
“São crianças que, por exemplo, costumavam ser ótimas alunas e repentinamente, ante a ausência do pai ou da mãe, apresentam uma queda no rendimento escolar, muitas vezes levando a reprovação; outras passam a ter insônia; outras ficam ansiosas, agressivas, deprimidas, enfim, marcadas por algum sofrimento (SILVA, E. L.; RESENDE, In: PAULINO, 2008, p. 29).”
Ao longo dos estágios de agravamento da síndrome a criança ou o adolescente, à proporção que experimentam a ausência do genitor alienado, sentem a sua falta como uma perda de grande vulto, comparável à dor advinda da morte física. As semanas ou meses sem haver nenhum contato podem transformar-se em anos, e aqui uma observação se faz pertinente: as noções de tempo que a criança ou o adolescente possuem os conduzirão à sensação de que muito mais tempo se passou do que o cronologicamente marcado (FÉRES-CARNEIRO, In: PAULINO, 2008), aumentando a sua sensação de abandono.
Em virtude deste sentimento, o filho do genitor alienado aprenderá que as relações interpessoais são completamente instáveis, gerando um medo constante de ser abandonado pelas pessoas com quem convive (MOTTA, In: PAULINO, 2008). Tenderá ainda a repetir o padrão de conduta do genitor alienante, “[...] aprendendo a manipular situações, desenvolvendo um egocentrismo, uma dificuldade de relacionamento e uma grande incapacidade de adaptação.” (SILVA, E. L.; RESENDE, In: PAULINO, 2008, p. 28).
Márcio Pinho aponta dados colhidos pelo Departamento de Serviços Humanos e Sociais dos Estados Unidos, que há dez anos realizou pesquisa focada nos efeitos que a ausência da figura paterna provoca nos filhos. Foi constatado que as meninas teriam quase 3 (três) vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 50% (cinqüenta por cento) mais chances de se suicidarem. Os meninos teriam 60% (sessenta por cento) mais chances de fugirem de casa e 40% (quarenta por cento) mais chances de utilizarem drogas e álcool. Ainda segundo a pesquisa, não importando o sexo, estas crianças e adolescentes teriam 2 (duas) vezes mais chances de abandonarem os estudos, 2 (duas) vezes mais chances de serem presos e aproximadamente 4 (quatro) vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais para graves problemas emocionais e comportamentais (2009).
A síndrome da alienação parental, uma vez instaurada, acarreta baixa estima em suas vítimas, fazendo com que no futuro venham a adotar comportamentos autodestrutivos, a exemplo do vício em entorpecentes e álcool. As crianças e adolescentes vítimas da síndrome ainda apresentam grande probabilidade de desenvolvimento de depressão, ansiedade, pânico, transtornos de identidade e de imagem, transtornos de conduta e dupla personalidade (CALÇADA, 2008).Quando são elaboradas falsas acusações de abuso sexual contra o genitor alienado, as consequências manifestadas nos filhos tendem a ser idênticas àquelas observadas em crianças e adolescentes que realmente foram abusados:
“Assim como no abuso sexual real, nos casos falsos a auto-estima, autoconfiança e confiança no outro ficam fortemente abaladas, abrindo caminho para que patologias graves se instalem. Na prática clínica, na avaliação de crianças vítimas de falsas acusações de abuso, observa-se, no curto prazo, conseqüências como depressão infantil, angústia, sentimento de culpa, rigidez e inflexibilidade diante das situações cotidianas, insegurança, medos e fobias, choro compulsivo, sem motivo aparente, mostrando as alterações afetivas. Já nos aspectos interpessoal observa-se dificuldade em confiar no outro, fazer amizades, estabelecer relações com pessoas mais velhas, apego excessivo à figura “acusadora” e mudança das características habituais da sexualidade manifestas em vergonha em trocar de roupa na frente de outras pessoas, não querer mostrar o corpo ou tomar banho com colegas e recusa anormal a exames médicos e ginecológicos (CALÇADA, 2008, p. 62).”
Diante da necessidade de provar que as alegações feitas pelo alienante são inverídicas, o genitor alienado também sofre os efeitos nefastos advindos da síndrome. Cresce nele o sentimento de impotência, desânimo e raiva quando constata que seu filho e o Poder Judiciário podem ser levados a acreditar nas alegações do genitor alienante.
O medo de ter suspenso o poder familiar ou mesmo de perdê-lo invariavelmente acarreta, para o alienado, dificuldade de concentração e baixo rendimento em suas tarefas profissionais, motivos estes que já são suficientes para provocar desequilíbrio em sua vida financeira. Quando se vê envolvido em falsas acusações de abuso o genitor alienador experimenta o temor de se ver condenado criminalmente e perder o contato com seu filho por anos. Conforme Márcio Pinho, todo este quadro ao qual está submetido o genitor “alvo” pode acarretar-lhe depressão, perda da confiança em si mesmo, paranóia, isolamento, estresse, desvio de personalidade, delinquência e suicídio (2009).