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Legalidade do protesto do cheque

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Agenda 29/08/2013 às 23:41

Verifica-se a legalidade do protesto do título, averiguando a obrigatoriedade – ou não – do ato cartorário, o lugar e o prazo para que o cheque seja protestado, com especial ênfase no protesto de cheque prescrito.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo esclarecer a legalidade do protesto do cheque, através de uma abordagem do significado do protesto e seus objetivos. Em relação ao cheque, especificamente, o estudo foi dirigido para verificar a legalidade do protesto do título, averiguando a obrigatoriedade – ou não – do ato cartorário, o lugar e o prazo para que o cheque seja protestado, com especial ênfase no protesto de cheque prescrito.


2. O PROTESTO

2.1. Definição e função

O protesto, ao contrário do que popularmente imagina-se, não é um meio extrajudicial de cobrança. Indevidamente, porém, ele é utilizado como tal porque, uma vez protestado, o nome do devedor do título acaba sendo inserido nos cadastros de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito, conforme dispõe a Lei de Protestos (Lei nº 9.492/1997):

Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente.

Ademais, se o protesto fosse um meio extrajudicial de cobrança, seria possível dirigir o ato cartorário contra avalistas e endossantes de um título, o que não ocorre1.

Na verdade, o protesto é simplesmente um meio de prova e visa a conservação e ressalva de direitos. A própria Lei de Protestos (Lei nº 9.492/1997) o define: “Art. 1º. Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”

2.2. Objetivo do protesto

O protesto é um meio de preservação de direitos. Nesse sentido, podemos classificá-lo em obrigatório ou facultativo.

2.2.1. Protesto obrigatório

O protesto de um título de crédito é obrigatório nas seguintes hipóteses:

2.2.1.1. Conservação do direito de regresso

Nos títulos em geral, com exceção do cheque, conforme veremos adiante, o credor deve provar a mora do devedor principal, com o objetivo de conservar o direito de executar os coobrigados indiretos do título (endossantes e respectivos avalistas)2.

2.2.1.2. Pedido de falência

Para requerer a falência de empresário, fundada em impontualidade injustificada3, mesmo no caso do cheque, o protesto é obrigatório, não podendo ser substituído por outro meio de prova. Para o pedido de falência, o título de crédito não deve estar prescrito4.

2.2.1.3. Execução de duplicata sem aceite

Para a execução de duplicata sem aceite, é necessário que o título seja protestado, acompanhado de comprovante de recebimento das mercadorias ou serviços e que o comprador não tenha recusado formalmente o aceite5.

2.2.2. Protesto facultativo

Para a execução do devedor principal de um título e de seus avalistas, o protesto é desnecessário. Em outros termos, o portador tem a faculdade de levar a cártula a protesto ou não.

Uma inovação trazida pelo novo Código Civil está na possibilidade de se protestar um título, como forma de interromper a prescrição6. Desde a entrada em vigor do novo código está, portanto, superada a Súmula nº 153 do Supremo Tribunal Federal7. Sobre o tema, conferir interessante artigo escrito por Marcello Pietro Iacomini8, bem como a jurisprudência dominante do país9.


3. O CHEQUE

Para um perfeito entendimento do tema proposto, é necessário fazermos, primeiramente, uma breve análise da autonomia do cheque, bem como do seu prazo de apresentação e prescrição.

3.1. A autonomia do cheque

O cheque é um título de crédito autônomo e abstrato, ou seja, já nasce desvinculado do negócio que lhe deu origem. Em outras palavras, o credor de um cheque pode exercer seu direito de cobrá-lo sem ter a necessidade de demonstrar a origem do crédito (causa debendi).

Tal autonomia, contudo, não é absoluta se o título permanecer nas mãos do credor original; nesse caso, é permitido ao devedor utilizar-se do negócio originário como meio de defesa no processo de execução.

Na hipótese de o cheque circular, sendo transferido a terceiro de boa-fé, não é possível a utilização das matérias de defesa baseadas na relação fundamental, de acordo com a Lei do Cheque (Lei nº 7.357/1985):

Art. 25. Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

O artigo 25 da Lei do Cheque tem como objetivo proteger a circulação do título, pela preservação dos interesses do terceiro possuidor de boa-fé, que pode ser definido como aquele que recebe o título sem ter ciência do vício do negócio originário. O momento para se aferir a boa-fé do portador é o da transmissão, pouco importando se veio a conhecer tal vício em momento posterior10.

O emitente do cheque somente pode utilizar-se do negócio fundamental como matéria de defesa nas seguintes hipóteses: a) se quem o estiver cobrando for o credor original; b) se o terceiro portador do título estiver, comprovadamente, agindo de má-fé; c) se o emitente expressamente vincular o título ao negócio (por exemplo, escrevendo, no verso do cheque, que ele está vinculado ao pedido ou à nota fiscal nº ...); ou d) se o emitente impedir a circulação por endosso, pela inserção de cláusula “não à ordem” no cheque (escrevendo, logo após o nome do beneficiário, a expressão “e não à sua ordem”), hipótese em que o título circulará com efeitos de cessão civil de crédito, permitido as defesas de caráter pessoal contra o portador (Código Civil, art. 294) 11.

3.2. Prazo de apresentação

O cheque deve ser apresentado a pagamento, no prazo de 30 ou 60 dias, sendo o título, respectivamente, emitido na praça de pagamento ou fora dela, conforme prescreve a Lei do Cheque:

Art. 33. O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

Para a contagem do prazo de apresentação deve-se, em primeiro lugar, verificar o local de emissão (inscrito antes da data) e o de pagamento (domicílio da agência bancária do emitente). Se forem idênticos os municípios ou, ainda, se o local de emissão estiver em branco, o prazo de apresentação será de 30 dias; sendo diversos, o prazo será de 60 dias.

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A apresentação a pagamento pode ser feita diretamente ao banco sacado (popularmente, “na boca do caixa”) ou através do sistema de compensação interbancário, quando o cheque é depositado em outro banco.

O prazo de apresentação é de suma importância para o cheque, por dois motivos: para a contagem do prazo prescricional e para a conservação do direito de regresso contra endossantes e seus avalistas.

3.2.1. Conservação do direito de regresso

Se o cheque for apresentado no prazo legal, o portador preservará o seu direito de regresso contra os coobrigados indiretos do título, nos termos da Lei do Cheque:

Art. 47. Pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

Conforme se depreende do inciso I, a apresentação do cheque no prazo legal não é obrigatória para a execução dos principais devedores (emitente e seu avalista), somente sendo obrigatória para a ação contra os coobrigados indiretos (endossantes e seus avalistas).

A prova da apresentação – e do não pagamento do cheque – poderia ser feita, pelo dispositivo legal, de três formas: pelo protesto, por carimbo aposto pelo banco sacado ou por câmara de compensação. É essa a exata dicção do § 1º, do artigo 47, da Lei do Cheque ao dispor que “Qualquer das declarações previstas neste artigo dispensa o protesto e produz os efeitos deste.”

A Lei de Protestos, posterior à Lei do Cheque, contudo, inovou ao condicionar o protesto à prévia apresentação do título ao banco. Assim, a apresentação somente pode ser provada pelo carimbo (do banco sacado ou câmara de compensação), atestando a devolução do cheque:

Art. 6º. Tratando-se de cheque, poderá o protesto ser lavrado no lugar do pagamento ou do domicílio do emitente, devendo do referido cheque constar a prova de apresentação ao Banco sacado, salvo se o protesto tenha por fim instruir medidas pleiteadas contra o estabelecimento de crédito.

Pelo exposto, pode-se concluir que o protesto do cheque, para conservação do direito de regresso, é desnecessário.

3.3. Prescrição

O cheque prescreve em seis meses, a contar do término do prazo de apresentação, conforme prescreve a Lei do Cheque: “Art. 59. Prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47. desta Lei assegura ao portador.”

A contagem do prazo prescricional do cheque dá-se, portanto, da seguinte forma: à data de emissão somam-se os 30 ou 60 dias do prazo de apresentação; à data resultante somam-se seis meses.

O mesmo prazo de seis meses tem o coobrigado que pagou o cheque, contados da data em que pagou o cheque (extrajudicialmente) ou da data em que foi acionado (se o pagamento foi feito em juízo), de acordo com o parágrafo único do artigo 59 da Lei do Cheque.

Se o cheque for protestado, o ato notarial acaba por interromper a prescrição (item 2.2.2)12 e somente terá efeitos em relação ao emitente13. O novo prazo prescricional será de seis meses, contados a partir da data do protesto. Obviamente, para que ocorra o ato interruptivo, o cheque não pode estar prescrito.

Para informações mais detalhadas sobre o tema, remetemos o leitor para nosso artigo, intitulado “Prescrição do cheque: análise da interpretação doutrinária e jurisprudencial”14.


4. O PROTESTO DO CHEQUE

O protesto do cheque será legítimo se realizado no local e prazos corretos conforme se verá a seguir.

4.1. Local para o protesto

De acordo com o acima transcrito artigo 6º da Lei de Protestos, o cheque somente pode ser protestado “no lugar do pagamento ou do domicílio do emitente”15. O credor poderá escolher entre dois locais para protestar o cheque: o local em que o emitente mantém sua conta corrente (domicílio da agência bancária) ou em seu domicílio; o protesto tirado em qualquer outro lugar configura-se como abusivo, portanto.

4.2. Prazo para o protesto

O prazo para protesto do cheque é tema que vem atormentando a doutrina e jurisprudência nacionais. Existem divergências de interpretação entre os diversos tribunais estaduais de justiça e, até mesmo, dentro dos próprios tribunais, conforme veremos.

4.2.1. Protesto de cheque não prescrito

O credor do título deve, obrigatoriamente, protestar o cheque para o pedido de falência de empresário (item 2.2.1, “B”) ou, ainda, pode, facultativamente, se utilizar do ato notarial, para interromper a prescrição (item 2.2.2), hipóteses em que o protesto será perfeitamente legal.

Em ambos os casos, o credor está no exercício regular de seu direito ao levar o cheque a protesto, desde que o faça dentro do prazo prescricional.

Alguns tribunais, em especial o do Rio Grande do Sul, têm o entendimento que o título somente poderia ser protestado durante o prazo de apresentação16, segundo o disposto no artigo 48 da Lei do Cheque17. Tal posicionamento está incorreto, uma vez que o artigo faz expressa referência ao já citado artigo 47, que dispõe sobre o prazo de protesto apenas para conservação do direito de regresso. Esta corrente ainda se baseia na falsa premissa de que o protesto não teria o efeito de interromper a prescrição, nos termos da Súmula nº 153 do STF.

Conforme já exposto anteriormente (item 2.2.2), a melhor interpretação está no sentido que o cheque pode ser protestado, enquanto não estiver prescrito. Outras câmaras do TJ/RS têm o entendimento consagrado pela jurisprudência majoritária nacional:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO CUMULADA COM DANOS MORAIS. CHEQUE. PROTESTO FACULTATIVO REALIZADO APÓS O PRAZO DE APRESENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA.

1. É faculdade do credor se valer do protesto para comprovar a mora solvendi do devedor, com o claro intuito de provar a impontualidade da apelante no cumprimento de suas obrigações, desimportando se o prazo de apresentação havia expirado, a teor do que estabelece o art. 48. da Lei n. 7.357/85.

2. Por tratar-se de exercício regular de um direito, descabe a pretensão indenizatória, uma vez que ausente um dos requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil, qual seja, a prática de um ato ilícito. Inteligência do artigo 188, I do Código Civil.

3. Danos morais. Somente os fatos e acontecimentos capazes de abalar o equilíbrio psicológico do indivíduo são considerados para tanto, sob pena de banalizar este instituto, atribuindo reparação a meros incômodos do cotidiano.

Negado provimento ao apelo.

(Apelação Cível nº 70032513012. TJ/RS. 5ª Câmara Cível. Rel. Jorge Luiz Lopes do Canto. DJ 28 out. 2009) (grifamos)

AGRAVO INTERNO. AÇÃO DECLARATÓRIA. PROTESTO FACULTATIVO DE CHEQUE. CABIMENTO MESMO QUE EXTEMPORÂNEO. COMPROVAÇÃO DA MORA DA EMPRESA DEVEDORA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA REJEITADO.

1. Possibilidade jurídica de protesto cambial facultativo após o prazo de apresentação do cheque (art. 48. da Lei n. 7.357/85), exercício regular de direito, a fim de constituir prova oficial da mora.

2. Abuso de direito não configurado, tendo em vista que o protesto serve como prova da inadimplência, dentre os seus efeitos, assim como para assegurar o direito de regresso contra os coobrigados, quando realizado tempestivamente denominado de obrigatório.

3. A agravada possui direito, em tese, de realizar o protesto facultativo para o fim de caracterizar a impontualidade e, eventualmente, pleitear a quebra da empresa agravante, a teor do que estabelece o art. 1º combinado com o art. 94, I, ambos da Lei 11.105/05.

[...]

Negado provimento ao recurso e rejeitado o incidente de uniformização.

(Agravo Interno nº 70020572343. TJ/RS. 12ª Câmara Cível. Rel. Jorge Luiz Lopes do Canto. DJ 30 ago. 2007) (grifamos)

Sobre o tema, interessante consultar a decisão monocrática prolatada pelo TJ/ES, no Agravo de Instrumento nº 24.089.011.738. Na fundamentação da decisão, o eminente relator, Desembargador Carlos Henrique Rios do Amaral, cita a doutrina de Wille Duarte Costa, Rubens Requião, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, como suporte para declarar a regularidade do protesto do cheque como forma de interromper a prescrição.

4.2.2. Protesto de cheque prescrito

A abordagem da questão importa na interpretação de diversos dispositivos legais:

4.2.2.1. Impossibilidade de o tabelião de protestos conhecer da prescrição

A parte final do caput do artigo 9º da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97) dispõe que o tabelião não pode conhecer da prescrição:

Art. 9º - Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade. (grifamos)

Até 2006, não era possível ao juiz de conhecer, de ofício, da prescrição, conforme dispunha o artigo 16618, do Código Civil de 1916, bem como o ora revogado artigo 194 do Código atual19. Seria no mínimo incoerente autorizar ao tabelião conhecer de algo vedado ao magistrado20.

Em resumo, o credor do cheque tem a faculdade de levar o título prescrito a protesto e o oficial do cartório não pode conhecer da prescrição. A questão que se coloca está em saber se o protesto de um cheque prescrito tem alguma utilidade para o credor, que não a simples inserção do nome do devedor no rol dos inadimplentes. Em outras palavras, se o ato cartorário cumpre sua finalidade econômica de conservação de direitos, estando o credor no exercício regular de um direito, ou, caso contrário, configura-se como abusivo e passível de reparação civil21.

4.2.2.2. O protesto do cheque como meio de conservação de direitos

Como já vimos, o protesto do cheque somente será obrigatório para o pedido de falência do seu emitente22.

Facultativamente, o credor poderá se utilizar do ato cartorário para interromper a prescrição do título. Uma vez prescrito, o protesto pode demonstrar-se como ineficaz como meio de conservação de direitos, fato que configuraria conduta abusiva do credor, passível de reparação civil23. Sobre o tema, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

INDENIZAÇÃO. PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO E SEM A DEVIDA NOTIFICAÇÃO. DANO MORAL CARACTERIZADO.

1. O simples fato de enviar a protesto cheque prescrito e sem que feita a devida notificação, como reconhecido nas instâncias ordinárias, acarreta o dever de indenizar.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Recurso Especial nº 602.136/PB. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 07 dez. 2004. Publicação: Diário de Justiça, 11 abr. 2005, p. 291)24

A questão não tem sintonia entre os diversos tribunais, contudo. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem o entendimento de que é lícito o apontamento a protesto de cheques no prazo de cinco anos, a contar da emissão, com base nas seguintes súmulas:

Súmula 17: A prescrição ou perda de eficácia executiva do título não impede sua remessa a protesto, enquanto disponível a cobrança por outros meios.

Súmula 18: Exigida ou não a indicação da causa subjacente, prescreve em cinco anos o crédito ostentado em cheque de força executiva extinta (Código Civil, art. 206, § 5º, I)25.

O entendimento do tribunal paulista – e de parte do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – baseia-se na premissa que, embora o cheque esteja prescrito, a dívida continua hígida, passível de cobrança por outros meios, inclusive a ação monitória, cujo prazo prescricional é de cinco anos26. No mesmo sentido está a doutrina de Waldo Fazzio Junior27 e de Marlon Tomazette28.

Para verificar a consistência de tais argumentos, é necessária uma breve análise das ações para cobrança de cheques prescritos.

4.2.2.3. Cobrança de cheques prescritos

A Lei confere ao credor três ações para cobrança de cheques que perderam força executiva: ação causal, ação monitória e ação de enriquecimento ilícito. Para um estudo mais aprofundado, remetemos o leitor para nosso artigo, “Cobrança de cheques prescritos”29.

4.2.2.3.1. Ação causal

A ação causal é uma ação de conhecimento, prevista na Lei do Cheque30, tendo como característica central a necessidade de o credor demonstrar a origem de seu crédito, ou seja, o negócio que deu origem ao título (causa debendi). O cheque prescrito somente serve para comprovar a inadimplência do devedor nesse negócio.

Para o manejo da ação causal, o protesto é desnecessário, não ocorrendo a interrupção da prescrição da ação com o ato cartorário, na medida em que o cheque é quem é levado a protesto e, não, a dívida originária, não se enquadrando no artigo 1º da Lei de Protestos.

4.2.2.3.2 Ação monitória

A ação monitória é uma ação cujo objetivo é de, nos termos do artigo 1.102-A do Código de Processo Civil, receber o pagamento de soma em dinheiro, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo31. Para a propositura de tal ação, é desnecessária a comprovação da causa debendi, sendo suficiente a apresentação do título, conforme decisão sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça32.

Como ocorre com a ação causal e pelas mesmas razões, o protesto é desnecessário para a propositura da ação monitória, não ocorrendo interrupção da prescrição da ação, na medida em que não é a prova escrita quem é levada a protesto e, sim, o cheque prescrito.

4.2.2.3.3. Ação de enriquecimento ilícito

Esta ação também é conhecida como ação de locupletamento injusto, tendo como fundamento a Lei do Cheque, que dispõe, in verbis:

Art. 61. - A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59. e seu parágrafo desta Lei.

A principal característica desta ação é a de ser cambial – ou cambiariforme, como prefere parte da doutrina – pelo fato de estar prevista na Lei do Cheque; para sua propositura, dispensa a prova da existência da relação causal, bastando a simples exibição do cheque sem força executiva. Em outras palavras, o cheque está prescrito para a execução, mas não para a ação de enriquecimento ilícito. Nesse sentido, temos a lição de Waldo Fazzio Junior:

Se não for ajuizada a execução do cheque no prazo legal de seis meses, ocorre a prescrição, a qual não atinge o próprio direito material, mas o direito de ação (no caso, execução fundada em título extrajudicial). A pretensão é que fica prejudicada. Embora perdido o título executivo extrajudicial, não se perde, contudo, o título de crédito.33

Igual interpretação têm Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro, para quem:

Consumado o término do prazo prescricional, caberá ao credor a possibilidade de manejar ação de cunho cambiário, consubstanciada na chamada ação de enriquecimento sem causa movida contra o emitente ou outros obrigados que se locupletaram injustamente com o não pagamento do cheque (Lei do Cheque, art. 61).34 (grifo do autor)

Os mesmos autores citam, ainda, a posição de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., para quem “a ação de enriquecimento é ação cambiária, porque fundada em cheque não pago, que perde sua força executiva mas não deixa de ser título cambiariforme, e, por isso, em regra, não há necessidade da prova da causa que o originou”35.

Fábio Ulhoa Coelho, por sua vez, assevera que existem duas ações cambiais à disposição do credor de cheque: a execução “e a de enriquecimento indevido, que tem natureza cognitiva e pode ser proposta nos 2 anos seguintes à prescrição da execução”.36

A única voz dissonante do acima exposto é a de Gladston Mamede, para quem:

o cheque prescrito vê-se rebaixado à mera condição de uma prova do fato do qual se originara a obrigação de pagar. A causa debendi ganha importância, já que, com a prescrição do cheque, não mais se aplicam os princípios do Direito Cambiário. Assim, a ação para impedir o enriquecimento sem causa do emissor do cheque torna-se um espaço para a rediscussão do fato gerador da obrigação37 (grifo do autor)

Mamede tem razão, ao afirmar que é possível a defesa baseada no negócio fundamental, na medida em que a ação de locupletamento é ação de conhecimento. Acreditamos, contudo, que tal ação é cambiariforme, bastando o cheque prescrito para sua propositura. Fosse como quer o autor, não haveria diferença entre a ação de enriquecimento (art. 61) e a ação causal (art. 62).

Partindo do pressuposto que a ação de locupletamento é fundada em cheque prescrito para a execução, mas devendo ainda ser considerado como cheque, é de entender que o protesto de cheque nestas condições é conduta não abusiva, na medida em que acaba por interromper a prescrição da ação de enriquecimento.

Sobre o autor
Armindo de Castro Júnior

Advogado e professor universitário, doutorando em Direito Civil e mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Armindo. Legalidade do protesto do cheque. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3711, 29 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25170. Acesso em: 18 dez. 2024.

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