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O estupro enquanto crime de gênero e suas implicações na prática jurídica

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CONCLUSÃO

Ab initio, se faz fundamental destacar que a elaboração deste trabalho ratificou a força que as assimetrias de gênero ainda emanam no seio social, nos mais diversos aspectos da vida de homens e mulheres. Inconteste, também, que uma das nefastas consequências trazidas com as representações dos papéis masculinos e femininos em sociedade é o delito de estupro, o qual restringe a liberdade sexual da mulher, impondo-a a dominação sobre seu corpo e a anulação de sua vontade.

Como efeito, a mulher ofendida no crime em tela sempre ocupou uma posição subsidiária, de inferioridade, uma vez que, na maior parte do tempo, sequer foi vista como verdadeira vítima do fato delitivo. Como se observou, as diversas sociedades que conheceram e trataram do estupro fundamentaram de maneiras distintas a necessidade de punição para o delito, escanteando, na esmagadora maioria das vezes, a necessidade de proteção da dignidade sexual da mulher.

Nesse diapasão, no decorrer dos séculos a busca pela verdade quando da ocorrência do crime de estupro passava inexoravelmente pela análise da vida dos sujeitos envolvidos no crime, especialmente sobre o comportamento sexual da ofendida no seio social, que, na percepção da maioria das pessoas, poderia, por si só, ter provocado a ação delitiva.

Como demonstrado, esse tipo de prática era uma constante não apenas nos meios informais de controle, mas, pelo contrário, se irradiava pelos sistemas de justiça criminal de inúmeras sociedades. Isso aconteceu durante bastante tempo e, conforme visto, em que pesem os avanços no tratamento do crime, no Brasil, os operadores do Direito atuaram e ainda atuam reproduzindo estereótipos, levando para os tribunais os discursos preconceituosos sobre o delito de estupro.

Da análise dos julgados, viu-se que a conclusão sobre a culpabilidade do agente criminoso passa pelo exame minucioso da vida da vítima e do agressor, sendo certo que a credibilidade dada à palavra da vítima dependerá primordialmente de seu comportamento sexual. De fato, os tribunais brasileiros costumam ser muito mais vigorosos quando da aplicação de sanções ao estuprador de moças recatadas, “honestas” e sem qualquer experiência sexual, do que aos agressores de mulheres cuja moral é reprovável aos olhos da sociedade.

Assim, inegável o fato de que o Direito Penal constrói a imagem feminina reproduzindo todo o controle cultural sobre seu corpo e sua sexualidade. Se a mulher se enquadra nos padrões que a sociedade impõe como corretos e moralmente aceitos, ela merecerá uma proteção ampla e irrestrita do sistema de justiça criminal. Todavia, quando desviante, à ofendida restará o ônus de provar sua condição de verdadeira vítima da infração, com todo um sistema trabalhando contra suas alegações.

Nesse sentido, impõe-se ver o estupro como crime de gênero porque perpetua as desigualdades, ressaltando que homens e mulheres devem se comportar de maneiras distintas em sociedade: aqueles, de forma sexualmente livre e dominante; estas, de maneira resguardada e prudente, dentro dos limites impostos socialmente à vivência da sua sexualidade, a fim de evitar agressões provocadas por possíveis desvios de conduta.

Cediço, então, que há uma premente necessidade de se buscar novos meios de dirimir os efeitos desse tratamento assimétrico, no anseio de se construir uma sociedade menos violenta. Um desses instrumentos pode e deve ser o Direito, que precisa atuar da maneira que realmente esperada, combatendo as injustiças existentes no seio social. Imprescindível, destarte, a preparação acadêmica de forma valorativa e a constante capacitação dos operadores da área, com a real preocupação em diminuir os abismos entre as prerrogativas destinadas ao homem e à mulher.

Os profissionais do Direito precisam, assim, atuar de maneira humanística, próximos à realidade social, que é cheia de injustiças e dores, na maioria das vezes provocadas pela falta de reflexão sobre os discursos culturalmente reproduzidos. 

Não há como se admitir o desenvolvimento pleno e pacifico de uma sociedade que determina desigualmente os lugares de cada um, punindo de maneira tão voraz aqueles que se afastam do caminho imposto. Se é sabido que as desigualdades não serão acabadas por completo, pelo menos nesse instante, é certo também que elas não serão diminuídas sem uma participação enérgica de todos nesse processo, principalmente daqueles responsáveis por emitir decisões que modificam destinos, como é o caso dos que fazem parte do mundo jurídico.

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Nota

[1] ACR 12868 RN 2009.001286-8, Câmara Criminal, Rel. Des. Judite Nunes, Publicado em 17/12/2010. Disponível em <www.tjrn.jus.br>. Acesso em: 15 out. 2012.

Sobre as autoras
Rebeca Napoleão de Araújo Lima

Advogada em Juazeiro do Norte (CE).

Marina Torres

Advogada. Mestranda em Serviço Social, na linha de Gênero, Diversidade e Relações de Poder. Especialista em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Rebeca Napoleão Araújo; TORRES, Marina. O estupro enquanto crime de gênero e suas implicações na prática jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3734, 21 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25354. Acesso em: 22 dez. 2024.

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