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A nova (e fundamental) atribuição investigatória da Polícia Federal

Agenda 25/12/2013 às 07:07

Cabe agora à Polícia Federal apurar o crime de falsificação de “loções cremosas, preparados para unhas, detergentes ou desinfetantes”. Ou não estamos em um país sério ou a Polícia Federal está sem ter o que fazer!

O Título V da Constituição Federal do Brasil, que trata “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, no Capítulo III dispõe especificamente sobre a segurança pública”, afirmando, no caput do art. 144 que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e será “exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.Neste mesmo dispositivo, o texto constitucional indica quais os órgãos responsáveis pela segurança pública, enumerando, então, a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal (no âmbito da União) e as polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares (no âmbito de cada estado da Federação).

Com funções investigatórias estão a polícia federal, a polícia civil, a polícia militar e as Forças Armadas. Ainda segundo a Constituição, às polícias civis estaduais, incumbem a apuração de infrações penais, ressalvadas as atribuições da polícia federal e das polícias militares dos Estados. É, portanto, uma atribuição residual. Nesta oportunidade, também é importante ressaltar os Enunciados 38, 42, 62, 75, 104, 107 e 209, todos da súmula do Superior Tribunal de Justiça.

A função investigatória da polícia militar limita-se aos crimes militares (praticados exclusivamente pelos policiais militares dos Estados) cujo julgamento seja da competência da Justiça Militar Estadual, nos termos do art. 125, §§ 3º., 4º. e 5º.Conforme o art. 142 da Constituição, as forças armadas, “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Nada obstante, também podem investigar os crimes militares praticados por militares das forças armadas e também por civis, cuja competência para o julgamento seja da Justiça Militar Federal (art. 124, da Constituição).Neste sentido, conferir o Capítulo Único do Título II do Código de Processo Penal Militar(arts. 8º. e 9º.).

Já a polícia federal, como órgão organizado e mantido pela União, destina-se ao exercício das “funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” e, “com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”

Do ponto de vista investigatório criminal, cabe a ela “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas.” No primeiro caso, podemos citar os crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional (Lei nº. 7.170/83, alguns, aliás, de duvidosa constitucionalidade).

É de sua atribuição também “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”. Aqui, vale ressaltar o disposto no art. 70 da Lei nº. 11.343/2006 e no Enunciado 522 da súmula do Supremo Tribunal Federal: ou seja, a atribuição da polícia federal limita-se ao tráfico transnacional de drogas.

Igualmente, em relação ao crimes de contrabando e descaminho (estes “sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência.”). Conferir, neste sentido, o Enunciado 151 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Além de tais delitos, referidos no art. 144, § 1º., da Constituição, à polícia federal, como órgão da União, cabe apurar todo e qualquer crime (menos contravenções penais) da competência da Justiça Comum Federal, nos termos do art. 109 da Constituição, a saber: os crimes políticos (Lei nº. 7.170/83) e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Aqui, ressaltamos os Enunciados 122, 147, 165, 200 e 208, todos da súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Da mesma forma, os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (os tráficos internacionais de pessoas, aves, órgãos humanos, etc.).Também as causas relativas a direitos humanos nas “hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.” Neste sentido, conferir no Superior Tribunal de Justiça os IDC´s 01 e 02.Outrossim, os crimes contra a organização do trabalho (atentando-se para o Enunciado da súmula 115 do antigo Tribunal Federal de Recursos) e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira (como, por exemplo, aqueles tipificados na Lei nº. 7.492/1986 – art. 26).

À polícia federal também cabe apurar os crimes cometidos a bordo de navios (embarcações de médio a grande cabotagem) ou aeronaves (em pouso ou sobrevoando o espaço aéreo), os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (art. 338 do Código Penal) e a disputa sobre direitos indígenas.Neste último caso, é preciso atentar para o Enunciado 140 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”, salvo se a motivação do crime envolver disputa sobre direitos indígenas (conflito de terras, por exemplo), quando, então, a atribuição para a respectiva investigação caberá à polícia federal, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal.

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Também é atribuição da polícia federal apurar quaisquer “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme”, nos termos da Lei nº. 10.446/2002.Com efeito, esta lei, regulamentando o inciso I, do § 1º., do art. 144 da Constituição, faculta ao Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade das polícias militares e civis dos Estados, proceder à investigação do “sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.” Ademais, caso a infração penal tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, “o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.”

Pois bem.

Acabou de ser promulgada a Lei nº. 12.894/2013, acrescentando ao art. 1º. da referida Lei nº. 10.446/2002, um quinto inciso, dando também atribuições investigatórias criminais Polícia Federal em relação aos crimes “de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Código Penal).”

Ocorre que, indicando expressamente todo o art. 273 do Código Penal (sem ressalvas), acabou a lei incluindo entre tais produtos falsificados os cosméticos e os saneantes (que, aliás, são crimes hediondos, segundo dispõe o art. 1º., VII-B, da Lei nº. 8.072/90), inclusive na modalidade culposa!

Portanto, cabe agora à Polícia Federal apurar o crime de falsificação de “loções cremosas, preparados para unhas, detergentes ou desinfetantes”.[1] Definitivamente, ou não estamos em um País sério ou a Polícia Federal está sem ter o que fazer!


Notas

[1] Bitencourt, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Especial, Vol. 04, 6ª., ed., p. 345.

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. A nova (e fundamental) atribuição investigatória da Polícia Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3829, 25 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26216. Acesso em: 15 nov. 2024.

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