O Título V da Constituição Federal do Brasil, que trata “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, no Capítulo III dispõe especificamente sobre a segurança pública”, afirmando, no caput do art. 144 que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e será “exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.Neste mesmo dispositivo, o texto constitucional indica quais os órgãos responsáveis pela segurança pública, enumerando, então, a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal (no âmbito da União) e as polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares (no âmbito de cada estado da Federação).
Com funções investigatórias estão a polícia federal, a polícia civil, a polícia militar e as Forças Armadas. Ainda segundo a Constituição, às polícias civis estaduais, incumbem a apuração de infrações penais, ressalvadas as atribuições da polícia federal e das polícias militares dos Estados. É, portanto, uma atribuição residual. Nesta oportunidade, também é importante ressaltar os Enunciados 38, 42, 62, 75, 104, 107 e 209, todos da súmula do Superior Tribunal de Justiça.
A função investigatória da polícia militar limita-se aos crimes militares (praticados exclusivamente pelos policiais militares dos Estados) cujo julgamento seja da competência da Justiça Militar Estadual, nos termos do art. 125, §§ 3º., 4º. e 5º.Conforme o art. 142 da Constituição, as forças armadas, “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Nada obstante, também podem investigar os crimes militares praticados por militares das forças armadas e também por civis, cuja competência para o julgamento seja da Justiça Militar Federal (art. 124, da Constituição).Neste sentido, conferir o Capítulo Único do Título II do Código de Processo Penal Militar(arts. 8º. e 9º.).
Já a polícia federal, como órgão organizado e mantido pela União, destina-se ao exercício das “funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” e, “com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”
Do ponto de vista investigatório criminal, cabe a ela “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas.” No primeiro caso, podemos citar os crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional (Lei nº. 7.170/83, alguns, aliás, de duvidosa constitucionalidade).
É de sua atribuição também “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”. Aqui, vale ressaltar o disposto no art. 70 da Lei nº. 11.343/2006 e no Enunciado 522 da súmula do Supremo Tribunal Federal: ou seja, a atribuição da polícia federal limita-se ao tráfico transnacional de drogas.
Igualmente, em relação ao crimes de contrabando e descaminho (estes “sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência.”). Conferir, neste sentido, o Enunciado 151 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Além de tais delitos, referidos no art. 144, § 1º., da Constituição, à polícia federal, como órgão da União, cabe apurar todo e qualquer crime (menos contravenções penais) da competência da Justiça Comum Federal, nos termos do art. 109 da Constituição, a saber: os crimes políticos (Lei nº. 7.170/83) e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Aqui, ressaltamos os Enunciados 122, 147, 165, 200 e 208, todos da súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Da mesma forma, os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (os tráficos internacionais de pessoas, aves, órgãos humanos, etc.).Também as causas relativas a direitos humanos nas “hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.” Neste sentido, conferir no Superior Tribunal de Justiça os IDC´s 01 e 02.Outrossim, os crimes contra a organização do trabalho (atentando-se para o Enunciado da súmula 115 do antigo Tribunal Federal de Recursos) e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira (como, por exemplo, aqueles tipificados na Lei nº. 7.492/1986 – art. 26).
À polícia federal também cabe apurar os crimes cometidos a bordo de navios (embarcações de médio a grande cabotagem) ou aeronaves (em pouso ou sobrevoando o espaço aéreo), os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (art. 338 do Código Penal) e a disputa sobre direitos indígenas.Neste último caso, é preciso atentar para o Enunciado 140 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”, salvo se a motivação do crime envolver disputa sobre direitos indígenas (conflito de terras, por exemplo), quando, então, a atribuição para a respectiva investigação caberá à polícia federal, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Também é atribuição da polícia federal apurar quaisquer “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme”, nos termos da Lei nº. 10.446/2002.Com efeito, esta lei, regulamentando o inciso I, do § 1º., do art. 144 da Constituição, faculta ao Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade das polícias militares e civis dos Estados, proceder à investigação do “sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.” Ademais, caso a infração penal tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, “o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.”
Pois bem.
Acabou de ser promulgada a Lei nº. 12.894/2013, acrescentando ao art. 1º. da referida Lei nº. 10.446/2002, um quinto inciso, dando também atribuições investigatórias criminais Polícia Federal em relação aos crimes “de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Código Penal).”
Ocorre que, indicando expressamente todo o art. 273 do Código Penal (sem ressalvas), acabou a lei incluindo entre tais produtos falsificados os cosméticos e os saneantes (que, aliás, são crimes hediondos, segundo dispõe o art. 1º., VII-B, da Lei nº. 8.072/90), inclusive na modalidade culposa!
Portanto, cabe agora à Polícia Federal apurar o crime de falsificação de “loções cremosas, preparados para unhas, detergentes ou desinfetantes”.[1] Definitivamente, ou não estamos em um País sério ou a Polícia Federal está sem ter o que fazer!
Notas
[1] Bitencourt, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Especial, Vol. 04, 6ª., ed., p. 345.