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Medidas protetivas: a defesa do animal doméstico

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Agenda 20/03/2014 às 08:44

Embora todos reconheçam a importância de combater a violência, não é comum haver juristas que se preocupam com a ataques aos animais não-humanos.

Sumário . 1. Introdução – objetivo do trabalho 2. A violência contra os animais domésticos: 2.1 maus tratos; 2.2 Violência doméstica – 3. Inclusão dos animais domésticos nas medidas de proteção à mulher (violência doméstica): 3.1 O panorama estadunidense; 3.2 O panorama brasileiro; 3.3 Considerações finais - 4. Conclusão – 5. Referências bibliográficas.

Resumo: Aborda-se neste trabalho o tema da aplicação de medidas protetivas para a defesa do animal doméstico. A proposta desta monografia é justamente legitimar a possibilidade de o juiz aplicar medidas protetivas quando entender que são necessárias à proteção do animal de estimação vítima da violência doméstica. Após a pesquisa realizada, os resultados obtidos revelaram que a questão animal está relacionada com a estruturação da sociedade contemporânea capitalista. O trabalho revela que o animal doméstico, dentro do contexto abolicionista, deve ser considerado, efetivamente, como membro da família contemporânea, e denuncia o problema do animal não-humano enquanto vítima da violência doméstica. Com apoio na jurisprudência e doutrina, nacional e estrangeira, desenvolve-se um estudo que revela, como uma das soluções possíveis para o problema, a aplicação das medidas protetivas para a defesa do animal de companhia.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Animal, Especismo, Abolicionismo Animal, Violência Doméstica, Medidas protetivas.


1. INTRODUÇÃO – OBJETIVO DO TRABALHO

A escassez de estudos realizados acerca da crueldade animal, por parte dos operadores do direito, para a prevenção, sobretudo, da violência doméstica direcionada ao animal de companhia, tem levado os defensores da causa animal, em especial nos Estados Unidos, a buscarem novas estratégias legais para o combate da violência contra os animais não-humanos. Tais estratégias incluem: formulários de reclassificação da crueldade e da negligência com relação ao animal não-humano; a execução de procedimentos para o combate conjunto à violência doméstica contra vítimas mais vulneráveis, como a criança, o idoso, a mulher e o animal doméstico; e a inclusão dos animais de estimação em ordens protetoras.

Não é de hoje que pesquisas comprovam a ligação entre a violência doméstica e a violência contra os animais de estimação, esta última servindo como sinal de alerta para a possível existência da violência contra seres humanos mais fragilizados no contexto familiar.

Esse cenário está inserido na sociedade contemporânea capitalista especista que utiliza os mecanismos de controle para subjugar os mais vulneráveis, como as mulheres, as crianças e animais não-humanos, sobretudo, dentro desse panorama da violência intrafamiliar.

É muito comum que os animais de estimação façam parte do “jogo de poder e controle” familiar, onde o homem utiliza o animal como instrumento para subjugar outros elementos dentro do âmbito doméstico. Desse modo, os guardiões dos animais de estimação, crianças e mulheres, em particular, ao desenvolverem  laços emocionais fortes com seus animais, acabam por ocupar uma posição extremamente vulnerável.

Tem sido considerado por alguns autores que o abuso contra o animal é um indicador de um lar caótico. Tal abuso deve ser identificado e documentado da mesma forma que um problema de bem-estar humano, e ser redefinido, também, como violência doméstica. Por sua vez, a comunidade deve ser treinada para reconhecer, e denunciar, todas as formas desta violência. [1]

Com a crescente documentação científica da coocorrência frequente entre o abuso e a violência contra animais não-humanos e a violência familiar, as legislações estatais estadunidenses, e suas Cortes, estão começando a reconhecer a necessidade de proteger legalmente as vítimas não-humanas da violência familiar. A inclusão de animais do(a) companheiro(a) em ordens protetoras de violência doméstica é a próxima etapa lógica, nesse sentido.

É este o objetivo fundamental desse trabalho, ou seja, legitimar a possibilidade de o juiz aplicar medidas protetivas quando entender serem necessárias à proteção do animal de estimação vítima da violência doméstica.

Este estudo baseou-se no raciocínio (processo mental) hipotético-dedutivo, seguindo-se uma vertente teórico-metodológica jurídico-sociológica na abordagem da pesquisa de base.

Muitas foram as dificuldades encontradas no decorrer da investigação, sobretudo, por se tratar de tema geralmente negligenciado no campo do Direito. Embora todos reconheçam a importância de se combater a violência, não é comum haver juristas que se preocupam, especificamente, com a violência perpetrada contra os animais não-humanos.

A dificuldade em abordar a crueldade perpetrada pelos seres humanos aos animais não-humanos deve-se a vários fatores, dentre eles, à inexistência de um sistema público de investigação e de notificação eficientes dos casos e à pressão social na direção de outros crimes considerados, no senso comum, de maior relevância.

Por tudo isso, embora não esgotando a matéria, parece ter lugar o presente trabalho, na luta necessária pela criação de um sistema público de investigação e notificação eficientes, além da criação de leis específicas, e a efetivação da educação humanitária, com o fito de conscientizar não só a população, como os profissionais envolvidos na prevenção e enfrentamento desse tipo de violência, conhecida como especismo.


2. A VIOLÊNCIA CONTRA OS ANIMAIS DOMÉSTICOS.

2.1 MAUS TRATOS

Atualmente, a questão dos maus-tratos perpetrados contra animais domésticos é tratada pelo Decreto Lei 24.645/34. Apesar de ser dito por muitos operadores do direito como já revogado, o Decreto ainda esta parcialmente em vigor e estabelece medidas de proteção aos animais.

Assim, o Decreto Lei 24.645/34, ainda hoje serve de base para o entendimento dos maus-tratos contras os animais ao elencar no seu artigo 3º uma lista exemplificativa do que se pode entender como maus-tratos.[2]

Do mesmo modo, a Lei de Crimes ambientais, no seu artigo 32, estabelece punições para aqueles que praticarem atos de crueldade e maus-tratos contra os animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

“Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Pena – Detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º: Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”

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Os atos de maus-tratos e crueldades perpetrados contra os animais domésticos mais comuns são: o abandono; manter animal preso por muito tempo sem comida e contato com seus guardiões/responsáveis; deixar o animal em lugar impróprio e anti-higiênico; envenenamento; agressão física, covarde e exagerada; mutilação; utilizar o animal em shows, apresentações ou trabalho que possa lhe causar pânico e sofrimento; não procurar um veterinário se o animal estiver doente.

Desse modo, abusos e maus-tratos contra animais configuram crime ambiental e devem ser devidamente comunicados à Polícia, que deverá registrar a ocorrência, instaurando inquérito. Desde a vigência da citada Lei de Crimes ambientais, a Lei Federal 9.605/98, qualquer Distrito Policial deve receber denúncias relativas a maus-tratos, crueldade e outros crimes envolvendo animais, já que a lei criminalizou essas condutas.

Contudo, na prática, como nos informa o promotor de justiça Laerte Levai, os cidadãos que buscam atendimento são mal recebidos e até ridicularizados por Escrivães e Delegados, o quê acaba intimidando e afastando possíveis denunciantes. É importante ressaltar, que caso haja recusa do Delegado é possível recorrer ao artigo 319 do Código Penal, que prevê crime de prevaricação: receber notícia de crime e recusar-se a cumpri-la. Se houver demora ou omissão é possível ainda entrar em contato com o Ministério Publico Estadual.[3]

Diante dessa situação, tem aumentado o movimento por Delegacias e Promotorias para crimes contra animais no Brasil[4], por se entender que essa seria uma medida que resultaria num combate mais eficiente contra os maus-tratos aos animais domésticos.[5] Contudo, enquanto não surgem tais Promotorias e Delegacias especializadas, é fundamental que as pessoas que se importam, respeitam e reconhecem dignidade aos animais não se calem diante dessas ocorrências.

Além de socorrer o animal  é importante que as pessoas exijam das autoridades que respeitem a lei e cumpram sua obrigação, apurando e reprimindo a violência que os atinge, e de forma ainda mais contundente do que com os humanos, pois os animais são juridicamente incapazes, sendo necessária a tutela estatal. Por serem vulneráveis e incapazes de se defender, sofrem sem chance de socorro e de protesto.

Assim, como a legislação e as medidas jurídicas não são efetivas, e enquanto soluções definitivas não são concretizadas, uma proposta apresentada e aplicada na legislação de diversos estados norte-americanos, é inserir o animal de companhia nas medidas protetivas, assim como a criança esta inserida, para assegurar sua proteção dentro do contexto da violência intrafamiliar, possibilitando um combate mais efetivo a esse tipo de violência e às suas vítimas, que ocupam uma posição de vulnerabilidade, assim como as mulheres, crianças e idosos.[6]

2.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A partir do conceito de violência doméstica contra a criança e adolescente podemos definir que, nessa mesma esteira, a violência doméstica contra o animal não-humano significa todo ato ou omissão praticado por seus guardiões ou responsáveis contra o animal que - sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico a vítima - implica numa transgressão do direito que os animais têm de serem tratados como sujeitos numa peculiar situação de vulnerabilidade.[7]

Uma das mais corriqueiras formas de violação dos direitos dos animais é, justamente, os maus-tratos. Famílias desajustadas são o ambiente propício para o surgimento desse tipo de violência.[8]

O abuso contra animais é consistente com os mecanismos de poder e controle prevalentes nas sociedades contemporâneas, e está comumente relacionado e coocorre com a violência doméstica. Como visto, esse cenário está inserido no contexto da sociedade contemporânea capitalista que utiliza os mecanismos de controle para subjugar os mais vulneráveis, como as mulheres, as crianças e animais não-humanos, sobretudo dentro do panorama da violência intrafamiliar.

Ademais, assim como acontece com a violência doméstica, os autores da crueldade aos animais são majoritariamente homens. Dois estudos nacionais nos Estados Unidas da America - realizados em Massachusetts e em Rhode – relataram que 96% e 94% dos réus, nos casos de crueldade contra animais, respectivamente, eram homens.[9]

Os guardiões dos animais de estimação, crianças e mulheres, em particular, geralmente desenvolvem laços emocionais fortes com seus animais, o que os deixam mais vulneráveis. Os dados comprovam que as mulheres mostram mais empatia, afeição e interesse pelos animais,  o que pode, e tem sido, usado como uma arma pelos agressores, que procuram obter o controle emocional de suas vítimas.

Em nove estudos realizados nos Estados Unidos, que avaliaram o abuso animal como um fator de risco para a violência pessoal, a proporção de mulheres que tem atualmente, ou teve recentemente, animais de estimação variou de 40.2% a 90.6%. Assim, é comum que mulheres tenham animais de estimação, o que, muitas vezes, as coloca numa posição de “alvos fáceis” da violência.[10]

Situação que agrava esse quadro, é que tanto as crianças como os animais não-humanos, podem ser vítimas silenciosas da violência doméstica. São as chamadas vítimas invisíveis. O abuso contra o animal é indicador de um lar caótico. Assim, a violência contra o animal de estimação deve ser considerado como um problema de bem-estar humano, e redefinido, também, como violência doméstica. A comunidade deverá ser instruída para reconhecer e denunciar todas essas formas de violência.

Um dos grandes problemas que envolve a proteção do animal, sobretudo do animal doméstico, é que atualmente o Direto ainda protege o animal não-humano com o intuito de proteger o homem. Isso é constatado ao verificarmos que há uma habitual atenção dirigida aos animais silvestres em detrimento dos animais domésticos, pois aqueles são considerados bens de interesse comum da sociedade. Na verdade, não se evidenciam atos políticos em defesa dos animais domésticos.

Deve-se ressaltar que o pensamento científico vigente, a cultura popular, bem como a organização dos poderes constituídos, mantém o tratamento ético-jurídico que é dispensado aos animais na atualidade, prevalecendo uma discriminação, maior ainda, dos animais domésticos.

Assim, é importante reconhecer, sobretudo no caso dos animais de estimação, que são absolutamente dependentes dos humanos para a sobrevivência, que existe um dever moral do homem em protegê-los.

É fundamental perceber ainda que não deve existir uma hierarquia entre os animais humanos e os não humanos, e que a proteção de um implica, necessariamente, na proteção do outro, pois o problema que deve ser combatido é o problema da violência, que, muitas vezes, se esconde atrás do especismo da sociedade capitalista.

Pesquisas comprovam a ligação entre a violência doméstica e a violência contra os animais de estimação. Isso tem sido sinal de alerta para uma possível existência da violência contra seres humanos mais fragilizados no contexto familiar, como no caso de crianças, mulheres e idosos. Tais elementos e sua divulgação ao público pode fornecer uma melhor apreciação da importância do combate ao crime violento onde quer e contra quem ocorra.

Cientistas sociais e órgãos de execução penal estadunideneses têm, cada vez mais, abordado a crueldade contra os animais como um grave problema humano, uma vez que está diretamente relacionado à violência doméstica, abusos contra crianças, idosos e outros crimes violentos. Isso tem se tornado um meio eficaz de romper o ciclo da violência doméstica de uma geração para a outra e de dominação na sociedade contemporânea.[11]

Os humanos são os porta-vozes daqueles que não podem falar em causa própria. Destarte, nós temos uma responsabilidade moral para com os animais não-humanos, baseada, principalmente, nos relacionamentos emocionais que desenvolvemos com eles. Assim como crianças, os animais são juridicamente incapazes, aumentando o dever moral que os humanos têm de intervir em seu favor, sendo necessária e fundamental a tutela estatal.


3. INCLUSÃO DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS NAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER (VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)

3.1 O PANORAMA ESTADUNIDENSE.

A medida protetiva, chamada nos Estados Unidos de  Protective Order[12], é uma das muitas opções disponíveis para uma vítima da violência doméstica. Nesse país, as vítimas geralmente têm dois recursos legais, podendo seguir o caminho das acusações civis ou criminais. Os passos para uma ação civil são: registrar uma queixa, participar de uma audiência para a concessão de uma ordem de proteção ou uma ordem de restrição temporária, que pode levar a uma segunda audiência para a concessão de uma ordem permanente. Como é uma ação civil, esse tipo de ordem não resulta em um registro criminal, nem preclui o direito da vítima de ingressar com uma ação penal. Outras providências civis incluem a separação legal, a custódia dos filhos e o divórcio. Diversos estados estadunidenses editaram suas leis para permitir que os animais de companhia sejam incluídos especificamente nessas ordens protetoras.

Em março de 2006, o Estado de Maine, nos Estados Unidos da América decretou o primeiro estatuto que autoriza os juízes a incluírem os animais de companhia nas ordens de proteção propostas contra os agressores da violência doméstica. Nova Iorque seguiu na mesma esteira, decretando lei no mesmo sentido, também em 2006. Atualmente, são 25 os estados estadunidenses que incluíram os animais em suas leis de combate à violência doméstica.[13]

No caso de Nova Iorque, a lei que trata da concessão de ordens de proteção foi emendada, em julho de 2006, para autorizar que o animal tutelado pelo requerente, ou por uma criança menor que resida na casa da família, seja incluído na ordem de proteção. A lei permite, especificamente, que uma Corte ordene o réu a parar de ferir intencionalmente ou que não mate, sem justificativa, qualquer animal que o réu saiba ser mantido pelo requerente, ou por uma criança menor que resida com ele.[14]

No caso do estatuto do estado do Arizona, a lei estabelece que, se uma Corte emite uma ordem de proteção, esta pode conceder ao requerente o cuidado, a custódia ou o controle exclusivo de todo animal que for possuído ou mantido pelo requerente, pelo réu ou por uma criança menor, habitando a residência familiar do requerente ou do réu, e requisitar ao réu que permaneça longe do animal. Ainda, proibir o réu de pegar, transferir, esconder ou de cometer um ato da crueldade ou de negligência, caso contrário, incidindo em violação ao Código Criminal do estado, sessão 13-2910, ou, que de qualquer outra maneira disponha do animal. [15]

Da mesma forma, o estatuto do estado de Illinois permite a proteção dos animais em situações da violência doméstica e garante ao requerente o cuidado, a custódia, ou o controle exclusivo de todo o animal possuído ou mantido pelo requerente, pelo réu ou por uma criança menor, permitindo ao requerente que requisite, ainda, que o réu permaneça longe do animal ou de qualquer outra maneira dele disponha.

Assim, ainda que com algumas diferenças, 25 estados norte-americanos incluíram o animal doméstico nas leis de proteção às vítimas da violência doméstica. Essas leis representam um importante passo para os humanos e não-humanos vítimas da violência doméstica, e reconhecem, ainda que disfarçadamente, a responsabilidade moral do homem em proteger os animais, levando em consideração os detalhes e complexidades de relacionamentos emocionais entre os indivíduos que participam do conflito, bem como uma releitura do princípio da dignidade e do direito à vida.

A legislação que inclui animais não-humanos nas ordens de proteção reconhece o fato de que o abuso do animal doméstico é, na grande parte das vezes, parte da dinâmica de violência familiar, e contribui, significativamente, para manter mulheres e animais em uma vida de terror. A legislação  que estende a ordem de proteção ao animal doméstico é, não somente, uma etapa direta e relativamente simples para que os estados estadunidenses continuem emendando as leis existentes sobre os animais não-humanos e sobre a violência doméstica, como também, deve servir de exemplo para que outros países adotem medidas similares, uma vez que essa é uma etapa vital para a proteção de todos os membros inocentes das famílias e, principalmente, do próprio animal vitimizado.

3.2 O PANORAMA BRASILEIRO.

No Brasil, a Lei n° 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, em vigor desde setembro de 2006, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A referida lei trouxe, como inovação, a concessão de medidas protetivas de urgência à mulher que esteja em situação de risco, face à gravidade dos atos violentos a que é submetida por parte do seu agressor.

Antes da edição da lei, a ofendida era obrigada a se refugiar em casa de familiares ou amigos para impedir que novos casos de violência ocorressem durante o processo de separação. Atualmente, felizmente, já podem ser expedidas medidas protetivas de urgência em favor de mulheres vítimas da violência.

As medidas protetivas de urgência inseridas na Lei Maria da Penha que podem ser tomadas em relação ao agressor são: 1. Suspensão da posse ou restrição do porte de arma, com comunicação ao órgão competente, nos Termos da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003; 2. Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; 3. Proibição de: 3.1. aproximação da ofendida, de seus familiares e testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; 3.2. contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; 3.3. de frequentação de determinados lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; 4. Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; 5. Prestação de alimentos provisionais ou provisórios. [16]

Por outro lado, em relação à vítima as medidas previstas são: 1. Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou atendimento; 2. Determinar a recondução da ofendida e seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; 3. Determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; 4. Determinar a separação de corpos; 5. Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; 6. Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; 7. Suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; 8. Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.[17]

Assim, percebe-se que os filhos, dependentes e testemunhas estão inseridos nas medidas de proteção à mulher, pois se reconhece que fazem parte do contexto da violência doméstica. Da mesma forma, é importante reconhecer que os animais não-humanos também são vítimas da violência familiar e devem estar expressamente inclusos nas leis de combate à violência doméstica, como foi feito com a Lei Maria da Penha.

Além de proteger o animal doméstico, e honrar a responsabilidade que o homem tem de protegê-lo, incluir os não-humanos nas medidas de proteção é fundamental para quebrar e prevenir o ciclo da violência familiar. Sem previsão para a proteção do animal, inserido do âmbito da violência doméstica, muitas vítimas humanas escolhem permanecer no ambiente familiar violento, mantendo o ciclo de violência, onde ela e o animal permanecem subjugados pelo agressor.

Por fim, vale ressaltar que esse tipo de medida ainda incentiva a guarda responsável, uma vez que a lei ampararia e daria suporte à vítima para manter a guarda e não abandonar seu animal no momento de crise.

3.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pretende com o trabalho apresentado solucionar o problema da violência contra o animal doméstico, mas apenas apresentar uma maneira que ajude na efetivação da proteção do animal não-humano no contexto familiar.

A  proteção é um passo essencial a ser percorrido na garantia dos direitos do animal vítima da violência, que deve fazer parte  de um ciclo (prevenção – proteção – responsabilização), e funciona como estímulo para que a sociedade participe.

Contudo, para que ocorra o sucesso na fase de responsabilização do agressor, tão importante quanto a denúncia feita à Polícia é o avanço do caso na esfera judicial. É importante ainda o monitoramento de novos projetos de lei que tratam do assunto e a formação continuada dos profissionais que atuam nesta área.

A inclusão do animal doméstico nas medidas protetivas serviria como um eficaz instrumento na luta contra o mau-trato animal. Contudo, logicamente, as ações de prevenção, de proteção e de responsabilização, extrapolam o alcance de tais medidas, que devem ser complementadas por medidas extrajurídicas. Campanhas de esclarecimento e de apoio às famílias, por exemplo, parecem estar na raiz da prevenção dos maus-tratos contra os animais domésticos.

Para a proteção ao animal, quando o mau-trato já foi consumado, também é importante uma rede de saúde veterinária dotada de profissionais afeitos ao problema do mau-trato animal.

A participação da sociedade nas políticas públicas de atendimento ao animal não-humano, é fundamental para o combate ao mau-trato. Essa participação, entretanto, precisa ser efetivada através da implantação de organismos que a possibilitem, que precisam também ter qualidade, necessitando, para isso, da capacitação de pessoas que representem a sociedade nesses espaços.

Os maus-tratos contra os animais  não-humanos que ocorrem no interior das famílias, só irão realmente diminuir quando as ações de prevenção, proteção e responsabilização forem realmente eficazes. Dentre elas, a prevenção parece ser a mais importante, pois pode, até mesmo, através da informação, levar a uma mudança no imaginário social quanto ao tratamento a ser dispensado aos não-humanos.

Assim, percebe-se que a aplicação das medidas protetivas para a defesa do animal não-humano representa apenas um minúsculo passo para combater a violência perpetrada contra eles. Contudo, já é um passo significativo, na medida em que reconhece a posição do animal doméstico, efetivamente, como membro da família que deve ser protegido da violência doméstica.

Sobre a autora
Juliana de Andrade Fauth

Advogada/ Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/JusPodivm. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Excelência Ltda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAUTH, Juliana Andrade. Medidas protetivas: a defesa do animal doméstico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3914, 20 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27038. Acesso em: 22 dez. 2024.

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