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Algumas palavras sobre o julgamento dos policiais no caso Carandiru.

Uma análise da inexigibilidade de conduta diversa

Agenda 24/03/2014 às 10:55

Os policiais da ROTA não eram os mais aptos para invadir o Carandiru e não podem ser responsabilizados por seus atos. Eles receberam uma ordem para invadir e essa ordem nunca poderia ter sido dada. Trata-se de inexigibilidade de conduta diversa.

Os jurados devem absolver ou condenar os policiais?

Absolver se forem inocentes e condenar se forem culpados.

O Brasil precisa melhorar muito e em todos os sentidos. Com certeza um dos pontos em que deve melhorar é na aplicação da justiça. Então não devemos permitir que a revolta nos corrompa.

Vamos lutar sim, não vamos desistir, pois (jovens de classe média e com ensino superior) somos a esperança desse Brasil. Vamos nos manter serenos para manter a qualidade das nossas ideias.

Esse Brasil precisa com urgência de investimentos em segurança pública (nesse sentido a criminologia ensina que investimentos em ressocializacao são úteis para a segurança pública). Em especial precisamos de mais iluminação pública, mais viaturas policiais nas ruas e mais, melhores preparados e remunerados policiais em rondas ostensivas de prevenção nas ruas. Isso é combate ao crime.

Com certeza, simplesmente torcer pela absolvição de qualquer pessoa não aumenta a segurança pública e nem melhora o Brasil, mas sim o contrário. Vamos sempre lutar pela justiça e pelo respeito à lei.

Apenas para sugerir uma reflexão: o massacre do Carandiru aparece em estudos sociológicos elaborados por pesquisadores da USP como um fundamental marco histórico para o surgimento da maior facção criminosa do Brasil (que nasceu no violento sistema carcerário paulista e hoje está em mais de vinte estados conforme os dados apresentados pelo MPSP)[1]. Enfim, apenas por esse motivo já posso dizer: “quem dera o massacre do Carandiru tivesse sido evitado”.

Minha opinião:

A absolvição dos policiais me parece justa, pois cumpriam ordens e entraram em ambiente hostil.

Os verdadeiros culpados foram os comandantes que ordenaram a invasão de forma precoce. Tratou-se de um verdadeiro e covarde massacre. Tal situação poderia ter sido evitada e resolvida pacificamente. Vale a lembrança de que o então governador do estado não consta como réu no processo.

Sejamos mais críticos. Existiu um culpado pelo massacre e esse culpado é a pessoa que tinha o comando da situação[2]. Essa pessoa deve ser julgada, pois não pode ficar impune (impunidade é não ser julgado e não ser absolvido após julgamento). Quem é responsavel por centenas de mortes (esqueçam o comandante que morreu, pois não me refiro a ele, sejam mais críticos) deve ser acusado e julgado.

Em resumo, os policiais não tinham controle da situação, pois a partir do momento em que inimigos naturais invadem uma casa cheia de seus inimigos por natureza, eles não controlam mais os seus atos. Inimigos naturais agem por instinto quando estão frente a frente.

Os policiais da ROTA não eram os mais aptos para invadir o Carandiru e não podem ser responsabilizados por seus atos. Eles receberam uma ordem para invadir e essa ordem nunca poderia ter sido dada.

Em termos técnicos, trata-se de inexigibilidade de conduta diversa, que exclui um dos elementos do crime: a culpabilidade, ou seja, naquela situação os policiais não são culpados pelos fatos ocorridos.

Em outras palavras, os policiais militares da ROTA não podem ser condenados por atos que quaisquer outras pessoas em seus lugares também praticariam, e aqui se faz fundamental a análise psicológica desses policiais e o treinamento recebido para o combate do crime nas ruas, com a lembrança de que não se tratavam de policiais treinados para intercederem em rebeliões, tanto que atualmente existe um grupo de agentes penitenciários treinados especificamente para essas situações.

No julgamento em questão (e posteriores julgamentos dos outros policiais envolvidos na invasão) os jurados possuirão duas oportunidades para absolverem os policiais por inexibilidade de conduta diversa, uma quando forem indagados sobre a existência do crime e outra quando forem indagados se absolvem os policiais (momento em que os jurados podem absolver por convicção íntima, mesmo sem respaldo nas provas produzidas).

Finalmente, os policiais não devem ser condenados como exemplo ao combate de crimes, pelos quais os verdadeiros responsáveis permanecem impunes.

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[1] O PCC (Primeiro Comando da Capital) como os próprios integrantes denominam o grupo, segundo dados atualizados já ocupa mais de duas dezenas (aproximadamente 23) dos estados brasileiros. Tal hegemonia se iniciou nos presídios paulistas e hoje a facção comanda internamente mais de 90% dos estabelecimentos prisionais no estado de São Paulo. Tais informações são negadas pelo governo do estado de São Paulo (as autoridades pedem para que a sigla “PCC” não seja utilizada pela imprensa), porém foram todas reafirmadas em recente denúncia do MPSP, além de estudos e investigações realizados principalmente por sociólogos e jornalistas. Vários são os fatores apontados para o surgimento do PCC, em especial, e em resumo, a forma violenta e desumana como os últimos governos trataram a situação carcerária no estado de São Paulo (o que possui como marco histórico o “massacre do Carandiru”) refletiu em revolta generalizada na população carcerária, o que fez surgir o ambiente mais do que favorável para o surgimento de uma liderança como o PCC. Atualmente, tal facção caracteriza uma organização criminosa de acordo com a definição legal contida no artigo 1º, §1º da Lei nº 12.850 de 2 de agosto de 2013. O grupo (que segundo informações contidas em processos judiciais comete e ordena crimes dentro e fora dos estabelecimentos prisionais) apresenta seus principais objetivos como a defesa dos direitos dos presos, e chega a auxiliar famílias de presos com poucos recursos, além da manutenção da disciplina no ambiente carcerário (são apresentadas como principais conquistas positivas do grupo, a erradicação do consumo de “crack” entre os presos, além da proibição dos crimes sexuais e o controle dos homicídios). Em conclusão, o nascimento e crescimento do PCC ocorreu somente pela ausência estatal e hoje o grupo se mostra estruturado e forte, o que constitui o maior problema de segurança pública no estado de São Paulo e se expande pelo Brasil.

[2] Lembro aqui que o STF (Supremo Tribunal Federal) e o povo brasileiro adora a teoria do domínio do fato (teoria criada por juristas alemães e utilizada recentemente para embasar a condenação de alguns dos réus no julgamento do processo do mensalão, como ficou conhecido, justamente por, embora não praticarem os atos pessoalmente, possuirem domínio sobre os fatos praticados e sobre as pessoas que os praticaram. Trata-se de teoria que diz respeito ao concurso de pessoas em crimes. Devemos lembrar dessa teoria agora.

Sobre o autor
Dario Reisinger Ferreira

Advogado criminalista militante. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Dario Reisinger. Algumas palavras sobre o julgamento dos policiais no caso Carandiru.: Uma análise da inexigibilidade de conduta diversa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3918, 24 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27064. Acesso em: 15 nov. 2024.

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